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1 LOPES JR., Dalmir. Introdução à sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Manuscrito, 2010. Capitulo I. 1. CONCEITO DE SOCIOLOGIA JURÍDICA. Há tantas concepções do que seja sociologia jurídica quantas são as formas de conceber a sociedade e o sistema jurídico. A sociologia jurídica integra o conhecimento científico sobre o direito, não é uma ciência à parte da compreensão do jurídico em uma sociedade, ao contrário, é um ramo do conhecimento imprescindível para se alcançar um ideal de justiça social. Na prática jurídica hodierna, há decisões judiciais que retratam um posicionamento mais dogmático-formalista, isto é, pouco influenciável pelos aspectos fáticos da questão controvertida, assim como há outras que supervalorizam os fatores sociais aos puramente normativos. É por este motivo que a ciência jurídica é um ramo do conhecimento humano extremamente fecundo e instigante. Alguns autores concebem o direito como uma ciência dos fatos, como sendo um fenômeno social, enquanto outros, por motivos diversos, o concebem como uma ciência essencialmente normativa, tendo os fatos importância secundária. 1 Assim, a ciência jurídica pode ser concebida como mais ou integralmente sociológica – como na corrente de pensamento do direito livre, do direito alternativo e etc. – ou como uma ciência integralmente dogmática – como na teoria pura do direito de Hans Kelsen, na Jurisprudência dos Conceitos; na Escola de Exegese francesa, guardada a peculiaridade de cada uma delas. 1 Eugen Ehrlich – representante do Movimento do Direito Livre – sustenta que a sociologia jurídica é a verdadeira ciência do direito: “Se a ciência jurídica de hoje dedica-se exclusivamente à norma estatal, a razão para isso deve ser procurada no fato de que o Estado, no curso do desenvolvimento histórico, veio a acreditar que é capaz de acrescentar ao monopólio da administração do direito, [...] o monopólio da criação do direito. E não duvido que, portanto, de que o moderno movimento da livre descoberta do direito assinala não apenas um avanço do discernimento científico, mas uma verdadeira mudança na relação entre Estado e sociedade. [...] Onde o Juiz toma suas decisões sobretudo de acordo com o costume...” (EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. In: MORRIS, Clarence (org.). Os grandes filósofos do direito. Tradução de Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontes, p. 445). Em posição diametralmente oposta, a concepção de Hans Kelsen: “Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação – menos evidente – de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas como pressuposto ou conseqüência” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 79). 2 O que hoje parece ser consenso, é que a sociologia jurídica não é uma ciência substitutiva da dogmática – visão que era defendida por seus fundadores – mas um ramo do conhecimento que visa a contribuir com o conhecimento jurídico, tornando a dogmática reflexiva, auxiliando na identificação de problemas sócio-jurídicos e na criação de novas leis, dentre outras contribuições possíveis. O que é certo: a sociologia jurídica, juntamente com a dogmática jurídica e a teoria geral do direito, são ramos imprescindíveis da reflexão de qualquer sistema jurídico em todos os seus níveis. 2 1.1. a abordagem interna e externa do sistema jurídico. a) a sociologia a respeito do direito. O ponto de vista da sociologia do direito é eminentemente externo, ou seja, a sociologia jurídica afirma-se como uma ciência social que fundamenta suas observações em relações empíricas que ocorrem no deslinde entre o direito e o meio social do qual faz parte. A metodologia dessa perspectiva consiste em analisar a gênese do fenômeno jurídico e sua influência sobre as instituições e as demais esferas da vida social (economia, política, ciência, arte e etc.). Em síntese, a partir desta posição metodológica, a sociologia jurídica possui o objetivo de compreender o contexto social em que o direito está inserido, funcionando como uma verdadeira sociologia a respeito do direito. 3 Dentro desta metodologia, – ou forma de compreensão científica do fenômeno jurídico-social – as construções teóricas não têm por escopo influir no próprio funcionamento do sistema jurídico, mas apenas compreender como os fenômenos sociais 2 “Na verdade, ninguém duvida da existência de dois modos diferentes de encarar a análise do direito, isto é, o método dogmático-jurídico e o método empírico-sociológico. Também se reconhece, contudo, a interdependência e a complementaridade absolutas que têm de existir entre ambos. Com efeito, se a sociologia do direito sempre se apoiou nas construções teóricas feitas pela dogmática jurídica, esta desenvolve, cada vez mais, funções para prescrever e para avaliar o conteúdo de um sistema jurídico e, simultaneamente, mantém suas tradicionais funções descritivas e interpretativas. Ademais, não há dúvida de que as contribuições dos estudos sociojurídicos podem ser fundamentais na realização dessas funções de prescrição, de interpretação e, até mesmo, de avaliação, já que a interpretação jurídica não é unicamente feita com base no 'texto jurídico', mas também com base no 'contexto histórico-social'”. (ARNAUD, Andre–Jean. e DULCE, Maria. J. Fariñas. Op. Cit., p. 19-20). 3 Cf. Idem. Ibidem, p. 10. 3 influenciam o sistema jurídico, quais suas conseqüências, e como o direito responde a essas irritações do meio social. Esse tipo de abordagem é objetivista, pois toma o direito e os fenômenos sociais como dados de análise, sem preocupação imediata de substituições da lógica jurídica interna por uma resposta advinda do exterior. A sociologia jurídica, como sociologia a respeito do direito, parte de uma hetero-observação, pois sua preocupação imediata se constitui na descrição de problemas fáticos e/ou normativos, mas não na crítica à dogmática jurídica, ao direito objetivo ou a forma de compreensão dos fenômenos do ponto de vista interno. Afinal, o que é a sociologia a respeito do direito? Ou simplesmente – sociologia do direito. Podemos trabalhar com uma análise hipotética: suponhamos que o cientista busque compreender se existe uma correlação entre a pobreza e a criminalidade. Observa que o fato de o acusado ser pobre constitui um fator que contribui para a marginalização das relações sociais e, conseqüentemente, para o aumento das chances dos indivíduos virem a delinqüir. Além disso, compara os mesmos delitos cometidos por indivíduos de classes sociais diferentes, vindo a perceber que o fator econômico igualmente influencia as sentenças penais. A próxima etapa desse cientista será tentar explicar as razões dessa diferença. O que nos parece importante neste exemplo hipotético, é que a analise do crime ocorre não a partir das leis penais, mas das causas que levaram a prática criminosa. A sociologia do direito funciona como uma verdadeira ciência fática (uma ciência jurídica do ser), uma hetero-observação. 4 A pesquisa, a partir dessa perspectiva, goza de uma maior “neutralidade axiológica” ou de maior grau de objetividade, uma vez que o cientista procura descrever a realidade observável, sem adotar uma postura ideológica sobre o objeto. Não há, dentro dessa metodologia, uma substituição de uma lógica jurídica por uma econômica e/ou política, mas uma tentativa de compreensão de um problema empírico. O que ocorre, no entanto, é que, osociólogo do direito analisa o fenômeno jurídico abandonando, em determinados momentos, a lógica jurídica e concebendo o problema sob outra racionalidade, que pode ser a econômica, a política, a científica, ou a social, mas sem uma 4 Para usar uma expressão de Manfred Rehbinder apud ARNAUD, Andre–Jean. e DULCE, Maria. J. Fariñas. Op. Cit., p. 178. 4 substituição permanente, apenas para tentar vislumbrar as conseqüências direitas e indiretas que o direito pode gerar sobre outros subsistemas sociais. Podemos dizer, em poucas palavras, que o Poder Judiciário não é concebido como um agente político, nem caberia ao juiz ser “legislador”, isto é, ao direito não resta apenas resolver os conflitos, mas também, e, sobretudo, garantir as expectativas sociais. Isso quer dizer que a função social do direito como garantidor das expectativas de condutas socialmente estabelecidas é fundamental. E, para essa metodologia, o sistema jurídico cumpre seu papel social quando visa garantir o princípio da igualdade formal, isto é: “quando trata casos semelhantes de maneira igual”. Essa abordagem metodológica compreende o direito como um subsistema da sociedade, não cabendo ao jurista tentar vincular as decisões judiciais à lógica da interpretação social dos conceitos, por exemplo: o que é justo em termos sociais? O crime de furto pode ser absolvido se o condenado for paupérrimo, miserável, havendo cometido o delito para garantir o sustento de sua família? Não se trata de dizer que as questões aqui colocadas são relevantes ou irrelevantes do ponto de vista jurídico, mas de compreender que a sociologia do direito deve preocupar-se com as relações fáticas externas. A tarefa da sociologia jurídica não reside em criar uma teoria da decisão a partir dos fatos sociais concreto. b) Sociologia no interior do direito. As análises da sociologia jurídica, sob este paradigma epistemológico, consistem em questionar o papel do direito na sociedade. Importa menos a esta forma de abordagem a identificação das causas dos problemas, pois seu enfoque reside na preocupação de como o direito pode ou poderia atuar para resolver determinados problemas sociais. A sociologia jurídica aqui é internalizada e o caminho fica em aberto para uma progressiva sociologização do fenômeno jurídico. A tentativa é compreender como o direito pode influir sobre a realidade social, transformando-a. As formas de compreensão da relação entre direito e meio social adotadas por essa metodologia são bem diferenciadas, mas se caracterizam por compartilhar do 5 pressuposto de que a sociologia não deve apenas se limitar a um papel de observador externo aos fenômenos jus-sociológicos, senão que deve fornecer as bases para um novo raciocínio jurídico. Este raciocínio deve levar em consideração as demandas sociais, e a partir dele, verificar se os conceitos jurídicos abstratos são pertinentes para alcançar uma justiça social. Por exemplo, uma reintegração de posse envolve não só elementos jurídicos a serem considerados, mas também elementos políticos e econômicos. O que chamamos de sociologia no direito 5 diz respeito a uma abordagem sociológica feita a partir do interior do próprio sistema jurídico, isto é, as comunicações jurídicas baseadas no código lícito/ilícito, passam a ser justificados por elementos extrajurídicos. O jurista deve antes de tudo refletir sobre os problemas sociais, econômicos ou políticos, para convertê-los em fontes de materialização do direito. Trata-se de uma metodologia que privilegia o inverso do pensamento lógico- dogmático (dedutivo). Podemos afirmar que a dogmática jurídica segue uma linha de pensamento dedutiva: a lei é a premissa maior, o caso, a premissa menor, e a conclusão consiste na aplicação da lei sobre caso, v. g.: Art. 186 - . Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. O Art. 186 c/c 927, ambos do Código Civil, fornecem a premissa maior, isto é, em conjunto eles apresentam um modelo abstrato e genérico para todo e qualquer caso de responsabilidade civil por ato ilícito de natureza subjetiva. Temos então uma situação em que uma agente X, por um descuido qualquer ao volante, acaba por causar um acidente. A conduta de X se enquadra naquela descrita pela lei, logo ele deve sofrer uma sanção: a reparação do dano causado, que seria a solução jurídica (a quaestio juris). A abordagem sociológica interna ao direito, ainda que com certas ressalvas – haja vista que cada corrente de pensamento possui suas especificidades – parte de uma lógica indutiva. Com isso, a validade da premissa maior (norma geral) é obtida não a partir da lei, mas do próprio fato material. Tomemos como exemplo a seguinte Ementa: 5 Distinção utilizada por Renato Treves. Cf. ARNAUD, Andre–Jean. e DULCE, Maria. J. Fariñas. Op. Cit., p. 10. 6 Acusado paupérrimo, miserável, desempregado, em dificuldades financeiras, que se vê obrigado a furtar cavalos para apurar dinheiro a fim de poder sustentar a si, sua mulher e dois filhos menores. Falta prova de que o acusado praticou o ilícito sem necessidade. Não se provou sua individualidade, suas percepções, seus condicionamentos, suas emoções, fraquezas, vícios e padecimentos. Ônus do acusador. Absolvição. Receptadores também nas mesmas condições financeiras do acusado. Preço pago pela res furtiva não prova a culpa, mormente quando não se demonstra o método utilizado para avaliação. Dolo indemonstrado. Absolvição. 6 Nessa ementa fica evidenciado esse tipo de abordagem, que conflita de forma direta com o modo dogmático de se conceber o direito. Os fatos sociais são elevados à categoria de fonte primordial do direito e a partir desses é obtida a norma jurídica. Neste caso, o fato do acusado ser pobre, estar em dificuldades financeiras, e etc. constitui um argumento justificador para a exclusão da antijuridicidade. A aplicação silogística do art. 155 do Código Penal determina a condenação para aquele que incorre no tipo legal. Assim: “aquele que subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel, deve ser condenado a uma determinada pena de reclusão... Fulano furtou um cavalo... logo: deve ser condenado a uma pena X”. O pensamento jurídico dogmático, baseado em premissas lógico-dedutivas, feito a partir da lei, passa a ter uma construção a partir de “dados externos”, no próprio dizer do magistrado em questão: “o juiz não pode ser um mero aplicador da lei repressiva. Deve buscar as razões mais profundas que levaram o homem a delinqüir. Razões eminentemente de cunho sócio-econômico e também cultural...”.7 O fato do acuso possuir uma condição sócio-econômica precária passa a constituir um argumento justificador para a exclusão da antijuridicidade da conduta praticada. Sublinhamos que o argumento que leva o magistrado a absolver o réu não é de fundo jurídico, mas sócio-econômico e, igualmente, político, pois crê que o Judiciário deve se preocupar com a igualdade material e a redução das desigualdades sociais. Portanto, para essa forma de abordagem sociológica, o sistema jurídico deve sempre relativizar a segurança jurídica em prol da justiça social, pois os autores que aqui se enquadram compreendem que o Poder Judiciário deve possuir um papel ativo e político na 6 Apelação n. 288044506, in: direito alternativo na jurisprudência.São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 61. 7 Idem, ibidem, p. 61. 7 construção de uma ordem social mais justa, em outras palavras, a visão sociológica dos fatos acaba por substituir a visão formal da aplicação da lei. Existe uma pluralidade de correntes sócio-jurídicas que poderiam ser aqui enquadradas, dentre elas: o Movimento do Direito Livre (Freirechtsbewegung), o Movimento do Direito Alternativo, o Realismo Jurídico norte-americano, a corrente do law and economics e etc. 2. Definição de sociologia jurídica Como expomos, um conceito para determinar a esfera da abordagem da sociologia jurídica sempre será delimitado em face de sua real abrangência. No entanto, é importante tentar reunir em uma definição os elementos que compreendem esse ramo do conhecimento. Em primeiro lugar, a sociologia jurídica é uma ciência causal – do ser (sein) – que estuda as relações entre o sistema jurídico é o meio social buscando a explicação fática dos fenômenos, ou o sentido a que os indivíduos atribuem a eles. Em segundo lugar, essas relações fáticas, podem ocorrer por interferência do sistema jurídico na realidade fática ou vice-versa. Além disso, a análise sociológica pode, com um grau variável de intervenção, influenciar o processo de obtenção da norma jurídica material através do procedimento de interpretação do direito. Podemos assim, através desses três elementos – juízos causais, inter-relação do direito com os demais subsistemas sociais e a influência sobre a hermenêutica jurídica – chegar a um conceito do que seja a sociologia jurídica: Sociologia jurídica seria um ramo do conhecimento jurídico que se baseia em juízos de causalidade, com o objetivo de descrever e explicar as relações entre o direito e seu meio social, enfatizando como a realidade social responde à criação e à aplicação das normas jurídicas, bem como o direito pode se deixar influenciar por esta mesma realidade, adaptando ou revendo conceitos jurídicos nos procedimentos decisionais. 8 8 Em sentido próximo André-Jean Arnaud e Maria J. Fariñas Dulce: “sociologia do direito, ... examina a realidade social subjacente às normas jurídicas, isto é, a gênese destas, sua evolução e seus efeitos práticos. Ela questiona a correspondência entre o conjunto das normas formalmente válidas, que constituem cada sistema jurídico e a realidade social.” e completa que “a sociologia do direito seria, assim, constituída em ciência natural (empírica) no âmbito sociojurídico. Seu objetivo seria a construção conceitual dos fenômenos e dos comportamentos da realidade social tratados pelo direito. (ARNAUD, Andre–Jean. e 8 3. Classificação de sociologia jurídica Adotaremos aqui uma classificação proposta por Alf Ross, pois muito embora esses ramos, às vezes, não sejam tão delimitados, em nível didático fornece um esquema compreensivo da amplitude de atuação da sociologia jurídica. A sociologia pode ser fundamental ou aplicada. A sociologia fundamental se subdivide em um ramo geral e outros específicos. a) sociologia fundamental: parte geral – ocupa-se, segundo Ross, “das características gerais do direito em ação, sua estrutura e dinâmica sem referência a qualquer ramos particular do direito”.9 Essa análise geral da sociologia pode ocorrer de modo estático quando a análise centra-se na estrutura e nas funções que o direito desempenha na sociedade. Ao contrário, será dinâmica quando visar compreender o desenvolvimento dos princípios gerais que regem as relações entre o direito e o desenvolvimento social. ramos especializados – a sociologia jurídica pode não só fazer descrições de fenômenos sociais mais gerais, mas preocupar-se com ramos específicos da ciência jurídica. A criminologia seria um estudo da sociologia jurídica que se volta para a explicação das motivações do crime, isto é, “volta-se para o estudo do comportamento criminoso associado aos fatores individuais e sociais que o condicionam, corresponde ao direito penal”.10 A ciência política volta-se para o estudo da vida política, das ideologias e instituições políticas, este estudo liga-se ao direito constitucional. Da mesma forma teríamos estudos específicos para os demais ramos do conhecimento jurídico, como o direito trabalhista, o ambiental, o civil e etc. DULCE, Maria. J. Fariñas. Op. Cit., p. 16 e p. 21). Ana Lúcia Sabadell assim conceitua: “A sociologia jurídica examina a influência dos fatores sociais sobre o direito e as incidências deste na sociedade, ou seja, os elementos de interdependência ente o social e o jurídico, realizando uma leitura externa do sistema jurídico” (SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica – introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: RT, 2005, p. 55). 9 ROSS, Alf. op. cit., p. 47. 10 Idem, Ibidem, p. 47. 9 b) sociologia do direito aplicada: este tipo de estudo sociológico preocupa-se mais com os fatos e as relações que têm importância em relação aos problemas advindos com a criação, modificação ou revogação legislativa. Como assevera Ross, “ao se preparar uma certa reforma legislativa, a sociologia do direito aplicada descreve as condições predominantes na sociedade e analisa as mudanças que a nova legislação pode produzir”.11 4. Da relação entre a sociologia e os demais ramos da ciência jurídica. 4.1. Teoria Geral do Direito e Sociologia Jurídica Devemos entender por teoria geral do direito a analise formal do sistema jurídico. Seu objetivo consiste em uma “análise comparada de diferentes sistemas jurídicos, com o intuito não de analisar e de interpretar seus conteúdos materiais, mas de estudar sua estrutura formal, isto é, os elementos comuns a todos (aspecto formal), e não os que os diferenciam (aspecto material ou de conteúdo)”.12 Há nitidamente aqui uma forte influência da sociologia jurídica na concepção da realidade sociojurídica, sobretudo na construção de aspectos conceituais dos fenômenos e dos comportamentos sociais para os quais o direito deve manifestar-se. A teoria geral do direito ocupa-se de aspectos jurídicos conceituais em que a análise sociológica exerce forte influência. No direito civil, por exemplo, o instituto jurídico da boa-fé, elemento imanente aos negócios jurídicos, é concebida como um imperativo de ordem pública (social) que limita a autonomia da vontade. 13 A criação desse instituto, é produto de uma reflexão sobre uma realidade social que precisa ser disciplinada. 11 Idem, Ibidem, p. 47. 12 ARNAUD, Andre–Jean. e DULCE, Maria. J. Fariñas. Introdução à análise sociológica dos sistemas jurídicos. Trad. :Eduardo Pellew Wilson. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 20-21. 13 A título exemplificativo, como seria possível a criação dos institutos dos vícios do consentimento sem uma análise de que são relevantes para a proteção do bem-comum. O estado de perigo, que está no Artigo 156 do CCB, prevê a situação em que uma parte sob premente necessidade aceita determinado prática negocial, para salvar sua vida, de um parente ou de seu próximo (parágrafo único), e para tal aceita uma obrigação excessivamente onerosa ciente da impossibilidade de seu cumprimento. Sabendo, a parte beneficiada, dessa situação de perigo (delicada) na qual a vítima se encontra (ausência de boa-fé), caracteriza um defeito do consentimento que enseja a anulação do negócio. 10 Importantes autores descrevem como as alterações sociais influenciammudanças nas práticas jurídicas. Por exemplo, Franz Wieacker descreve como a boa-fé foi introduzida no direito a partir da transformação das relações de consumo e da juridificação do direito do trabalho, atenuando a importância do princípio da autonomia da vontade. 14 O decreto de 1919 sobre os acordos coletivos de trabalho [Tarifsvertragsverordnung] preparado no último período da guerra, permitiu os contratos colectivos de trabalho no âmbito do ordenamento jurídico estadual e estabeleceu assim a autonomia do direito do trabalho. O decreto de 1823 sobre os cartéis [Kartellverordnung], imposto na agitação provocada pela inflação, torna manifesto o ponto de vista, (...), de que a liberdade contratual ilimitada concedida às concentrações de poder econômico (...) conduziria a uma situação na qual a liberdade dos mais fortes se transformaria na privação de liberdade dos mais fracos. 15 Essas transformações levaram à concepção de que o direito privado não seria regido apenas pela liberdade volitiva das partes, mas igualmente por imperativos de ordem pública, ou seja, pelos ditames legais impostos em prol da ordem social. Na teoria do direito isso aparece através do conceito geral de que o contrato estaria sujeito a uma função social, principalmente para contrabalançar a figura dos contratos de adesão, 16 que aparece como uma necessidade da dinâmica da economia capitalista do período. Em suma, não há teoria geral do direito que prescinda, para sua criação, de uma análise dos problemas e das demandas que uma sociedade estipula para regulamentação das expectativas comportamentais. Portanto, a sociologia jurídica não possui um papel apenas 14 Cf. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Tradução de A. M. Botelho Hespanha. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1993; ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988 e RIBEIRO, Joaquim de Souza. Cláusulas contratuais gerais e o paradigma do contrato. Coimbra: Almedina, 1990. 15 WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 631. 16 Após a revolução industrial do início do século dezenove, a descoberta de novas formas de energia, a nova organização do trabalho nas empresas com o fordismo, todas estas mudanças atingem o conjunto da economia com um impacto sem precedentes. O contrato standard aparece como uma necessidade para as praticas econômicas. Estandardizam-se os títulos de crédito, os contratos que disciplinavam as transações na bolsa. Os bancos passaram a uniformizar as cláusulas que negociavam com seus clientes. Os transportes de massa trazem a necessidade de um contrato de seguro que o abrangesse, e etc. “(...) Em uma época de rápida evolução das condições sócio-econômicas e de desenvolvimento tecnológico vertiginoso, a disciplina legal das relações – a que dá corpo o conjunto das normas dispositivas – resulta freqüentemente lacunosa e inadequada às novas situações e às mais avançadas exigências sentidas pelas empresas (...), estas podem remediar as insuficiências e os atrasos da lei, criando, por si, um „direito‟ que melhor corresponde ao arranjo e à dinâmica das relações de mercado e por isso resulta – do ponto de vista das exigências empresariais – mais racional” (ROPPO, Enzo. Op. cit., pp. 314-315). 11 compreensivo da realidade, mas é uma ciência auxiliar para a evolução dos próprios institutos jurídicos. 4.2. Dogmática Jurídica e Sociologia Jurídica A dogmática jurídica “pode ser definida como sendo a ciência que trata da significação conceitual das normas que compõem determinado sistema jurídico”.17 A dogmática jurídica é a parte da ciência jurídica 18 que se ocupa da análise do conteúdo material das normas e sua aplicação. Segundo Tércio Sampaio Ferraz: uma disciplina pode ser definida como dogmática à medida que considera certas premissas, em si e por si arbitrárias (isto é, resultantes de uma decisão), como vinculantes para o estudo, renunciando-se, assim ao postulado da pesquisa independente. [...] Um exemplo de premissa desse gênero é o princípio da legalidade, inscrito na Constituição, e que obriga o jurista a pensar os problemas comportamentais com base na lei, conforme à lei, para além da lei, mas nunca contra a lei. 19 Do ponto de vista dogmático, o sistema jurídico é compreendido como um sistema de normas que deve se pautar pelos critérios de consistência, coerência e completude. 20 Basicamente a dogmática jurídica volta-se para uma análise dos problemas internos que o sistema jurídico possa apresentar. A dogmática jurídica analisa os problemas 17 ARNAUD, Andre–Jean. e DULCE, Maria. J. Fariñas. op. cit., p. 15. 18 Uma questão que nos parece ultrapassada, mas que merece atenção, em razão dos próprios paradigmas que são mudados e tidos como naturais: o direito é uma ciência? A questão foi tão inquietante no cenário jurídico, brasileiro inclusive, que hoje praticamente nenhum autor ousa escrever um manual de ciência jurídica, limitando-se ao confortável, porém consensual título: estudo do direito. A resposta é simples: o direito é ciência! O problema não é se o direito é uma ciência, mas o que se entende por ciência. Para começar, a palavra ciência, em entendimento compartilhado por Santiago Nino, é ambígua, pois é tanto processo como produto, é uma classe de atividades como o produto dessas atividades, e acaba o autor por concluir que ciência é um termo que não possui um conceito completo e unívoco (Cf. NINO, Carlos Santiago. Consideraciones sobre la dogmatica juridica. México: Universidad Nacional Autónoma del México, 1989, p.9-15). O movimento pós-positivista da segunda metade do séc. XX retoma a concepção de direito a partir das categorias dos lugares-comuns de argumentação e da força persuasiva dos argumentos sobre o auditório, que estão presentes na arte retórica de aristóteles, renunciando ao paradigma das ciências naturais baseado nas idéias oriundas da revolução científica. (Cf. PERELMAN, Chaïm. Tratado da Argumentação XXXXXXXXXXX. O tema é instigante, mas aqui limitamo-nos a estas breves considerações. 19 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2003, p. 48. 20 Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: UnB, 1999, passim. 12 sociais a partir da norma jurídica, isto é, se há uma norma possível de ser extraída do interior do sistema, se esta norma é formal e materialmente coerente, quer com o sistema como um todo, quer com as demais regras do sistema jurídico. Em suma, a dogmática jurídica é a parte da ciência do direito cujo objeto é a norma. Qual seria a relação existente entre dogmática e a sociologia jurídica? A resposta não é simples, ela nos remete a uma celebre e antiga discórdia entre juristas e sociólogos do direito... Esse é um dos temas centrais e talvez o mais importante da sociologia jurídica: qual sua importância prática para o jurista. Nesse momento, podemos afirmar que a dogmática e a sociologia são ramos distintos e autônomos da ciência jurídica, porém complementares. Ao dizer o direito, o jurista precisa compreender se a norma que obteve do sistema é a mais adequada para solucionar o problema que lhe foi suscitado, e isso nem sempre é uma tarefa simples. Uma compreensão ampla dos fatos e de suas conseqüências é fundamental para que essa decisão não seja apenas justa do ponto de vista das partes envolvidas, mas justa e razoável do ponto de vista social. Não se trata, portanto, de defender que toda decisãodeve ser proferida com base nos resultados que com ela se obtém, mas é inegável que esses resultados não podem ser ignorados. Por exemplo, o recurso de habeas corpus (HC 12.547/2001), cujo relator foi o Ministro Ruy Rosado do Aguiar do Superior Tribunal de Justiça, pode ser esclarecedor dessa relação. Esse caso diz respeito a uma senhora de 60 anos de idade que comprou um automóvel-táxi pelo valor, na época, de R$ 18.700,00. Em dois anos, a dívida foi multiplicada por quatro e ultrapassava o valor de R$86.000,00. A diferença entre o valor do bem e a dívida, que a paciente não conseguiu quitar, era composta exclusivamente por juros. O descumprimento do contrato acarretou a prisão civil dessa senhora, uma vez que se tratava de um contrato de alienação fiduciária. O eminente ministro diz em seu voto que “a questão que se põe é a de saber se é ou não legítima a decretação da perda da liberdade da devedora em razão do inadimplemento do contrato com essas características”.21 A questão não diz respeito só a validade, aliás pelo ponto de vista legal (dogmático) a prisão é indiscutivelmente lícita, mas não é legítima, isto é, aceitável. Conclui o Ministro, em seu voto, pela inconstitucionalidade da prisão em razão da violação do princípio da dignidade 21 HC 12.547, p. 2 [grifo nosso]. 13 da pessoa humana, pois não se nega o direito de cobrar o lícito, mas não se pode sujeitar a vida humana a uma dívida absurda. 22 A dogmática jurídica, embora autônoma, não pode prescindir da análise sociológica. Os fatores sociais e suas conseqüências são igualmente importantes. A parte do exposto, não resta apenas à sociologia tornar a dogmática mais “flexível” ou “razoável”, mas possui outras funções que estão além do procedimento decisório, como: a) encontrar as causas sociais das transformações jurídicas; b) estabelecer as bases sociais e os fundamentos dos direitos; c) elaborar uma teoria compreensiva do conhecimento jurídico; d) verificar o resultado obtido socialmente com a aplicação de determinada regra jurídica criada; e) empreender estudos para a criação de novas regras ou modificação das leis existentes. 4.3. Sociologia Jurídica e Filosofia do Direito É difícil a tarefa de conceituar a filosofia do direito sem que se incorra em reducionismo. A filosofia é um ramo do saber muito mais antigo do que a sociologia, enquanto a segunda se desenvolve ao longo o século XIX, a primeira tem sua origem nas antigas cidades-estados gregas da Antiguidade. Podemos dizer que a filosofia do direito é a dimensão do fenômeno jurídico que se atém à reflexão sobre a justiça de forma mais ampla possível, em nível das ações humanas, quer no cotidiano social, quer no interior das instituições do Estado. A filosofia do direito, desde a Antiguidade, sempre se preocupou em explicar de maneira geral como deve ser concebida a sociedade em termos ideais. Enquanto a sociologia baseia-se em fatos empiricamente observáveis. Nicholas Thimasheff 23 sustenta que a distinção é nítida entre esses dois ramos do conhecimento. A filosofia é uma tentativa de compreender a realidade em sua totalidade. Da variedade de fatos observados, a filosofia 22 “A decisão judicial que atente a contrato de financiamento bancário com alienação fiduciária em garantia e ordena a prisão de devedora por dívida que se elevou, após alguns meses, de R$18.700,00 para r$ 86.858,24, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, dá validade a uma relação negocial sem nenhuma equivalência, priva por quatro meses o devedor de seu maior valor, que é a liberdade, consagra o abuso de uma exigência que submete uma das partes a perder o resto provável de vida reunindo toda a remuneração para o pagamento de juros de um débito relativamente de pouca monta, destruindo qualquer outro projeto de vida que não seja o de cumprir a exigência do credor” (HC 12.457, p. 4-5). 23 Cf. Thimasheff. 1973, p. 17 e ss. 14 extrai certos princípios que tentam explicar a realidade como um todo. Enquanto a sociologia explica a sociedade pelos fatos nela observados e as generalizações empreendidas restringem-se a estes mesmos fatos, formando um sistema explicativo autossuficiente. Não sendo uma regra rígida, a sociologia jurídica não é uma ciência que têm por objetivo empreender juízos de valor sobre os fatos observados, embora isso possa ocorrer, mas explicar as causas que deram origem a determinado fenômeno social. 5. Metodologia quantitativa e metodologia qualitativa A sociologia jurídica não apenas apresenta a controvérsia relativa a sua concepção interna ou externa à análise do sistema jurídico, mas essa dicotomia acaba por se reproduzir na metodologia de análise sociológica. A distinção entre os dois métodos é substancial, enquanto o método sociológico quantitativo, procura fazer o levantamento estatístico de um determinado fenômeno com a finalidade de alcançar uma determinada generalização probabilística explicativa. Enquanto o método qualitativo, não se preocupa em verificar se tal fenômeno é expressivo em termo de verificação empírica, mas se ele é representativo em termos de sentido social, se expressa uma determinada mudança de postura, apresenta uma ruptura com determinado paradigma e etc. Arnaud e Dulce 24 expressam essa diferença fazendo referência às expressões alemãs Verstehen e Erklärung, que respectivamente significam compreensão e explicação. Uma sociologia de tipo “explicativa” (Erklärung) orienta-se apenas por uma descrição externa da realidade social (ou sócio-jurídica) – uma visão de sociologia do direito para fazer referência à distinção de Renato Treves. Por essa metodologia, os juízos de valor são praticamente inexistentes, pois o sentido geral da observação é regido por uma objetividade cognitiva (ainda que pretensa). Desse modo, o fato social apresenta-se como algo externo ao sujeito cognoscente, o qual irá empreender seus estudos no sentido de alcançar leis gerais que expliquem o recorte da realidade social analisada. Segundo ainda os autores citados, esse tipo de conhecimento explicativo leva a uma sociologia de caráter “normativo”, pois a finalidade da análise é compreender as leis gerais que determinam o 24 Cf. ARNAUD, Andre–Jean. e DULCE, Maria. J. Fariñas. op. cit., p. 119. 15 comportamento social. Em razão disso, as pesquisas desse tipo estão em geral apoiadas em dados estatísticos, objetiváveis, quantificáveis e descontextualizados. 25 Nem todas as questões da sociologia jurídica necessitam de um método quantitativo e mesmo que a sociologia que se valha de um método de pesquisa dessa natureza, não necessita ficar adstrita a uma questão meramente de identificação das causas. A sociologia de tipo “compreensiva” (Verstehen) não tem por objetivo principal a descrição da realidade social de forma objetiva, mas sim entender o sentido das ações humanas que geram uma determinada realidade. Novamente seguindo os ensinamentos de Arnaud e Dulce, a realidade social não se apresenta como algo objetivo, predeterminada, senão como uma interação que necessita ser compreendida. Essa metodologia tem forte vinculação à sociologia weberiana, pois os fatos sociais não são um a priori, mas fatos sociais que somente possuem valor na medida em que podem ser compreendidos no contexto social no qual estão inseridos. Há, portanto, um diálogo corrente estabelecido entre o pesquisador e a realidade pesquisada, sem que ocorra uma separação drástica entre sujeito e objeto. a) Desenvolvimento da metodologiada sociologia Segundo Renato Treves, 26 após a II Guerra Mundial houve um crescimento significativo das pesquisas empíricas em sociologia. No entanto é importante notar que o desenvolvimento da sociologia jurídica não seguiu um único modelo. A sociologia européia, influenciada pelos escritos de Max Weber, esteve sempre preocupada em formular uma sociologia de caráter geral e sistemática, ficando sempre em segundo plano as pesquisas empíricas. O contrário verifica-se na sociologia norte-americana, que se manteve vinculada a uma tradição positivista com os estudos voltados para o progresso e o desenvolvimento social, em que as pesquisas empíricas possuem grande importância. 25 Cf. Idem, 119. 26 Treves, p. 194 e ss.
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