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6.1 6 PARTIDOS POLíTICOS INTRODUÇÃO No mundo contemporâneo, os partidos políticos tornaram-se peças essenciais para o funcionamento do complexo mecanismo democrático. Para se ter noção da penetração e influência dessas entidades, basta dizer que detêm o monopólio do sistema eleitoral, chegando a definir o perfil assumido pelo Estado, já que são elas que, concretamente, estabelecem o sentido das ações estatais. Não há, com efeito, representação popular e exercício do poder estatal sem a intermediação partidária. Tais entidades constituem canais legítimos de atuação política e social; captam e assimilam rapidamente a opinião pública; catalisam, organizam e transformam em bandeiras de luta as díspares aspirações surgidas no meio social, sem que isso implique ruptura no funcionamento do governo legitimamente constituído. Ressalta Caggiano (2004, p. 105) que, “no mundo atual, assume o partido posição fortalecida de mecanismo de comunicação e de participação do processo decisional; mais até, de instrumento destinado ao recrutamento dos governantes e à socialização política”. Não é exagero supor que a normalidade democrática depende da existência de tais “mecanismos de comunicação e de participação”. A ausência deles pode induzir uma resposta violenta de setores da sociedade que se sentirem prejudicados e excluídos. Os partidos políticos são produto da modernidade, notadamente do século XIX. Para o seu desenvolvimento muito contribuiu o surgimento de um corpo de ideias liberais, que enfatizavam a liberdade e a autonomia do indivíduo. Também houve significativo impulso proporcionado pelos movimentos socialistas coevos à Revolução Industrial. Sua formação encontra-se associada aos países que adotaram formas de governo representativo e progressiva ampliação do sufrágio. Consoante salientam Bobbio, Matteucci e Pasquino (2009, p. 899), os processos civis e sociais que levaram a tal forma de governo tornavam necessária a gestão do poder por parte dos representantes do povo, o que teria conduzido a uma progressiva democratização da vida política e à integração de setores mais amplos da sociedade civil no sistema político. Assim, de modo geral, pode-se dizer que “o nascimento e o desenvolvimento dos partidos está ligado ao problema da participação, ou seja, ao progressivo aumento da demanda de participação no processo de formação das decisões políticas, por parte de classes e estratos diversos da sociedade. Tal demanda de participação se apresenta de modo mais intenso nos momentos das grandes transformações econômicas e sociais que abalam a ordem tradicional da sociedade e ameaçam modificar as relações do poder. É em tal situação que emergem grupos mais ou menos amplos e mais ou menos organizados que se propõem a agir em prol de uma ampliação da gestão do poder político e setores da sociedade que dela ficavam excluídos ou que propõem uma estruturação política e social diferente da própria sociedade. Naturalmente, o tipo de mobilização e os estratos sociais envolvidos, além da organização política de cada país, determinam em grande parte as características distintivas dos grupos políticos que assim se formam”. Nos primeiros tempos da trajetória de tal ente, vale destacar a atuação de deputados no Parlamento britânico. Assinala Motta (2008, p. 14) que já no século XVII começaram a ocorrer movimentos de contestação aos excessos do poder monárquico-absolutista. Os membros do Parlamento se dividiam em grupos e tendiam a votar unidos, de maneira a fazer prevalecer os seus interesses (ou os daqueles que eles representavam) em detrimento dos desígnios do rei. Como que consolidando a afirmação do parlamento em face do poder real, ensina Ferreira (1989, v. 1, p. 338) que desde a época do monarca Carlos II, firmou-se na Inglaterra a distinção ideológica entre Conservadores (Tories) e Liberais (Whigs). E, com a grande reforma ocorrida em 1832, “começou a ascensão lenta mas progressiva da burguesia industrial e, em contrapartida, da massa trabalhista; o operário, que se sindicalizou, formou suas trade-unions. Formou-se posteriormente o Partido Trabalhista (Labour Party), ligado às massas proletárias e tomando o rumo de um socialismo liberal reformista, brando, pacifista. O Partido Liberal entrou em declínio, e hoje os partidos mais importantes eleitoralmente na Inglaterra são o Conservador e o Trabalhista”. Também nos EUA se firmou uma sólida tradição partidária, a qual teve início com os partidos Federalista (de Hamilton e Adams) e Republicano (de Jefferson e Madison), fundados na década de 1790. Desde então, já se contam seis sistemas partidários naquele país, conforme segue: Sistema partidário (EUA) 1o 1796-1830 2o 1830-1860 3o 1860-1896 4o 1896-1932 5o 1932-1980 6o 1980- Partidos Federalists; Republicans Whigs; Democrats Republicans; Democrats Republicans; Democrats Republicans; Democrats Republicans; Democrats )RQWH��.ROOPDQ��������S������� No Brasil, o ano de 1831 é indicado por alguns pesquisadores como o do surgimento do primeiro partido – denominado Liberal –, seguido pelo Conservador, em 1838. Mas tais entidades não surgiram de um jacto, sendo, antes, resultado de intensa atividade “político-partidária”. Se nos primeiros anos do Império não existiam propriamente partidos políticos tal qual conhecidos hoje, havia, porém, grupos de opinião, pessoas que comungavam determinados pontos de vista, facções. Mas esses grupos – assevera Motta (2008, p. 23) – não eram bem organizados nem duradouros o suficiente para serem caracterizados como partidos. Ademais, as “turbulências do primeiro reinado concorreram para atrapalhar a formação de grupos coesos e o fato de D. Pedro I ter governado algum tempo com o parlamento fechado constituiu-se numa dificuldade adicional”. Nesse diapasão, registra Chacon (1998, p. 23): “Em janeiro de 1822, o Correio Braziliense referia-se ao primeiro partido brasileiro de fato: o Partido da Independência, que ‘não é tão pequeno como se imagina’.” E prossegue: “Pouco antes, em dezembro de 1821, A Malagueta enumerava as facções pré-partidárias agindo no Rio de Janeiro: os constitucionais, os republicanos 6.2 e os ‘corcundas’; centro, esquerda e direita daqueles tempos. ‘Corcunda’, ou ‘carcunda’, era sinônimo de restaurador, regressista, reacionário, saudoso ativista do retorno do domínio colonial português”. Durante quase todo o Segundo Reinado (que, incluída a fase de regência, se estende da abdicação de D. Pedro I, ocorrida em 7 de abril de 1831, até a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889), a cena política brasileira foi dominada pelos partidos Liberal e Conservador. Trata-se de um período de estabilidade no quadro partidário nacional. Note-se, porém, que embora tais agremiações empunhassem diferentes bandeiras ideológicas, na prática não diferiam substancialmente. Somente na década de 1870 é que surgiria o Partido Republicano, o qual viria a desempenhar papel decisivo na derrocada do Império e na formatação do Estado brasileiro, que, sob inspiração dos EUA, passou a ser federativo e republicano. Da instalação da República até os dias atuais, a história dos partidos políticos brasileiros tem sido tumultuada e repleta de acidentes. Lembra Motta (2008, p. 116) que, desde a independência (durante cerca de dois séculos), houve seis diferentes sistemas partidários no Brasil. As diversas alterações sofridas pelos partidos, com extinção e formação de novas organizações, sempre coincidiram com grandes mudanças nas estruturas do Estado, geradas por revoluções e golpes políticos. E arremata: “Comparado a outros países, principalmente EUA e nações da Europa ocidental, onde os sistemas partidários invariavelmente duram muitas décadas,o Brasil tem tido uma trajetória de marcante instabilidade.” DEFINIÇÃO Compreende-se por partido político a entidade formada pela livre associação de pessoas, com organização estável, cujas finalidades são alcançar e/ou manter de maneira legítima o poder político-estatal e assegurar, no interesse do regime democrático de direito, a autenticidade do sistema representativo, o regular funcionamento do governo e das instituições políticas, bem como a implementação dos direitos humanos fundamentais. Após analisar várias concepções, Bonavides (2010, p. 372) define partido político como sendo a “organização de pessoas que inspiradas por ideias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e neles conservar-se para realização dos fins propugnados”. Para o eminente juspublicista, os seguintes dados entram de maneira indispensável na composição dos ordenamentos partidários: “(a) um grupo social; (b) um princípio de organização; (c) um acervo de ideias e princípios, que inspiram a ação do partido; (d) um interesse básico em vista: a tomada do poder; e (e) um sentimento de conservação desse mesmo poder ou de domínio do aparelho governativo quando este lhes chega às mãos”. Para Bobbio, Matteucci e Pasquino (2009, p. 898-899), partidos são grupos intermediários agregadores e simplificadores. Compreendem “formações sociais assaz diversas, desde os grupos unidos por vínculos pessoais e particularistas às organizações complexas de estilo burocrático e impessoal, cuja característica comum é a de se moverem na esfera do poder político”. As associações propriamente consideradas como partidos, “surgem quando o sistema político alcançou um certo grau de autonomia estrutural, de complexidade interna e de divisão de trabalho que permitam, por um lado, um processo de tomada de decisões políticas em que participem diversas partes do sistema e, por outro, que, entre essas partes, se incluam, por princípio ou de fato, os representantes daqueles a quem as decisões políticas se referem. Daí que, na noção de partido, entrem todas as organizações da sociedade civil surgidas no momento em que se reconheça teórica ou praticamente ao povo o direito de participar na gestão do poder político. É com esse fim que ele se associa, cria instrumento de organização e atua”. Segundo Joseph Lapalombara (apud Charlot, 1984, p. 10), uma rígida definição de partido político postula: “1. uma organização durável, ou seja, uma organização cuja esperança de vida política seja superior à de seus dirigentes no poder; 2. uma organização local bem estabelecida e aparentemente durável, 6.2.1 6.2.2 mantendo relações regulares e variadas com o escalão nacional; 3. a vontade deliberada dos dirigentes nacionais e locais da organização de chegar ao poder e exercê-lo, sozinhos ou com outros, e não simplesmente influenciar o poder; 4. a preocupação, enfim, de procurar suporte popular através das eleições ou de qualquer outra maneira”. Função Dentre as diversas conotações que pode assumir o termo função, destaca-se a que põe em relevo seu sentido finalístico, ligando-o à utilidade, ao uso, ao papel atribuído ou desempenhado pelo ente ou instituto no ambiente em que se encontra, e à ação que lhe é própria no contexto em que se insere. De sorte que a função de um ente é evidenciada pela resposta à pergunta “para que serve?” Nesse sentido, em interessante análise, Kollman (2014, p. 411) aponta três categorias de funções desempenhadas pelos partidos políticos atualmente, a saber: no governo, como organização e no eleitorado. Pela primeira, os partidos organizam a ação governamental, especialmente no Poder Legislativo, influenciam a atuação dos agentes públicos no sentido de se alcançar os objetivos pretendidos. Pela segunda (como organização), os partidos organizam os esforços dos cidadãos, candidatos e políticos, com vistas a lograrem êxito nas eleições; nesse sentido, selecionam e indicam os candidatos, os promovem e auxiliam a levantar dinheiro para financiar suas campanhas. Pela terceira (no eleitorado), os partidos orientam e auxiliam os eleitores a definirem o voto, já que esses podem ligar suas crenças e seus interesses aos valores, ideias e objetivos abraçados pela agremiação. Distinção de partido político e outros entes Em sentido técnico, partido político distingue-se de outros entes como grupo, facção, liga, clube, comitê de notáveis, ainda que os membros dessas últimas entidades compartilhem iguais princípios filosóficos, sociais, doutrinários, interesses, sentimentos, ideologias ou orientação política. Eventualmente, tais entidades podem até possuir algo em comum com os partidos – como a busca pelo poder estatal ou seu controle –, mas o fato é que os entes aludidos não apresentam as necessárias 6.2.3 estabilidade, estrutura e organização para serem caraterizados como partido; eles constituem, na verdade, os precursores dos partidos políticos modernos. Atualmente, muito se tem destacado a atuação de grupos de interesses perante o Estado e seus agentes. Grupo de interesse, na concepção de Kollman (2014, p. 379), é qualquer grupo diverso do partido político, organizado com o fim de influenciar o governo (“any group other than a political party that is organized to influence the government”). Basicamente, há dois tipos de grupos de interesse: (i) os que são formados exclusivamente para influenciar o governo e seus agentes; (ii) os que são formados para outros fins, mas por diversas razões (em geral para atingirem seus próprios objetivos) acabam se engajando naquela atividade. São exemplos de tais grupos: sindicatos, federações, confederações, corporações, associações, fundações, organizações sem fins lucrativos, organizações não governamentais. Frequentemente, esses grupos se fazem representar por lobistas, os quais efetivamente encaminham os seus interesses perante o governo, parlamento, agências reguladoras e autoridades públicas. Com esses grupos não se confunde o partido político. Pois, além de contarem com organização própria e estabilidade, os partidos visam alcançar o poder político- governamental para exercê-lo ou nele se manter, enquanto os grupos de interesse visam apenas influir no governo ou nos agentes públicos. Coligação partidária Coligação é o consórcio de partidos políticos formado com o propósito de atuação conjunta e cooperativa na disputa eleitoral. Esse ente possui denominação própria, que poderá ser a junção de todas as siglas dos partidos que a integram, sendo com ela que se apresentará e agirá no meio político-eleitoral. A possibilidade de os partidos se coligarem conta com expressa previsão na Constituição Federal, notadamente no § 1o do art. 17, que lhes confere autonomia para “[…] adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal […]”. Embora não se confunda com os partidos que a integram, a coligação não possui personalidade jurídica própria, mas meramente judiciária. Sua natureza assemelha-se 6.3 à do condomínio. Já se disse ser detentora de “personalidade jurídica pro tempore” (TSE – Ac. no 24.531 – 25-11-2004). Nos termos do artigo 6o, § 1o, da LE, são-lhes atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários. Daí a necessidade de se designar um representante, o qual “[…] terá atribuições equivalentes às de presidente de partido político, no trato dos interesses e na representação da coligação, no que se refere ao processo eleitoral” (§ 3o,III). A coligação age e fala por seu representante, podendo, ainda, designar delegados perante a Justiça Eleitoral. Assim, nas eleições que participa, ostenta legitimidade ativa e passiva, facultando-se-lhe ajuizar ações, impugnações, representações, interpor recursos, contestar, ingressar no feito como assistente, integrar litisconsórcio. Extingue-se a coligação, entre outros motivos: (a) pelo distrato, ou seja, pelo desfazimento do pacto firmado por seus integrantes; (b) pela extinção de um dos partidos que a compõem, no caso de ser formada por dois; (c) pela desistência dos candidatos de disputar o pleito, sem que haja indicação de substitutos, pois nesse caso terá perdido seu objeto (TSE – Ac. no 24.035 – 7-12-2004); (d) com o fim das eleições para as quais foi formada, isto é, com a diplomação dos eleitos. LIBERDADE DE ORGANIZAÇÃO A Constituição Federal adotou o princípio da liberdade de organização ao assegurar ao partido político autonomia para definir sua estrutura interna, organização e seu funcionamento e, também, ao prescrever ser “livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana” (CF, art. 17, § 1o). Mas essa liberdade não é absoluta, devendo o partido observar as restrições legalmente postas para sua criação e funcionamento. É vedado à agremiação empregar organização paramilitar, ministrar instrução militar ou paramilitar e adotar uniforme para seus membros (CF, art. 17, II, § 4o). Um partido com tal desenho representaria evidente ameaça ao regime democrático e à estabilidade político-social, pois levantaria perigosamente a bandeira de regimes de 6.4 exceção, totalitários, além de lhes evocar a memória. Incorporação e fusão constituem formas de transformação de pessoas jurídicas. São previstas no artigo 29 da LOPP. Ocorre incorporação quando um ou vários partidos são absorvidos por outro, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. As agremiações incorporadas deixam de existir, subsistindo apenas a incorporadora; por isso, prevê o § 6o do aludido artigo 29 que o instrumento de incorporação seja apresentado ao Ofício Civil competente, para que seja cancelado o registro do partido incorporado. De outro lado, determina o § 8o daquele mesmo dispositivo que o novo estatuto ou instrumento de incorporação seja “levado a registro e averbado, respectivamente, no Ofício Civil e no Tribunal Superior Eleitoral.” A seu turno, a fusão é o processo pelo qual um ou mais partidos se unem, de maneira a formar outro, o qual sucederá os demais nos seus direitos e obrigações. Com a fusão se dá a extinção das agremiações que se uniram para formar a nova entidade jurídica. Somente é permitida a fusão ou incorporação de partidos políticos “que hajam obtido o registro definitivo do Tribunal Superior Eleitoral há, pelo menos, 5 (cinco) anos.” Essa restrição temporal não constava da redação original da Lei no 9.096/95, tendo sido acrescida ao seu artigo 29, § 9o, pela Lei no 13.107/2015. Ao apreciar pedido de liminar formulado na ADI no 5.311/DF – 30-9-2015, o Pleno do Supremo Tribunal Federal afirmou a constitucionalidade dessa nova regra. Para o Pretório Excelso, é constitucional o impedimento legal de fusão ou incorporação de partidos criados a menos de cinco anos, não havendo que se falar em ferimento ao caput do art. 17 da Constituição, o qual, literalmente, assegura a liberdade de “criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos”. Isso porque, afirma o STF, “não há liberdade absoluta nem autonomia sem qualquer limitação”. Ademais, a aludida exigência temporal asseguraria o atendimento ao compromisso com o cidadão, pois dificulta a fraudulenta formação de agremiações sem qualquer substrato social, cujo principal propósito é beneficiar seus dirigentes e receber benefícios como acesso ao fundo partidário e tempo de TV. NATUREZA JURÍDICA No ordenamento brasileiro, o partido político apresenta natureza de pessoa 6.5 jurídica de Direito Privado, devendo seu estatuto ser registrado no Serviço de Registro Civil de Pessoas Jurídicas da Capital Federal (LOPP, art. 8o). Diante disso, sempre se entendeu não caber mandado de segurança contra ato de seus dirigentes, haja vista que o mandamus tem como pressuposto ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. No entanto, esse entendimento não mais subsiste, pois a Lei no 12.016/2009, que conferiu nova disciplina à ação mandamental, equiparou às autoridades os “representantes ou órgãos de partidos políticos” (art. 1o, § 1o). De sorte que, a partir da vigência dessa norma, é possível impetrar writ contra “representantes ou órgãos de partidos políticos”. Por outro lado, eventuais querelas existentes entre um partido e uma pessoa natural ou jurídica, entre dois partidos, entre órgãos do mesmo partido ou entre partido e seus filiados devem ser ajuizadas na Justiça Comum estadual (TSE – MS no 43.803/RJ – DJe 23-9-2013), não sendo competente a Justiça Eleitoral, exceto se a controvérsia provocar relevante influência em processo eleitoral já em curso, caso em que os interesses maiores da democracia e da regularidade do processo eleitoral justificam a atração da competência da Justiça Especial. REGISTRO NO TSE Adquirida a personalidade jurídica, na forma da lei civil, o estatuto deve igualmente ser registrado no Tribunal Superior Eleitoral. Só é admitido o registro do estatuto de partido que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado que haja votado em cada um deles (CF, art. 17, I, e LOPP, art. 7o, § 1o – com a redação da Lei no 13.165/2015). A exigência de expressão nacional visa afastar a estruturação de agremiações com caráter meramente local ou regional. Historicamente, trata-se de reação às oligarquias estaduais e ao regionalismo político imperantes na República Velha. Nesta, sobressaíam partidos políticos estaduais, sendo os principais o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM). Daí o predomínio das oligarquias cafeeiras paulistas e mineiras, que controlavam o governo federal, fato conhecido como “política do café-com-leite”; tal expressão alude ao maior produtor e exportador de café (São Paulo), e ao tradicional produtor de leite e derivados – Minas. O impedimento de apoio de eleitores já filiados a outras legendas foi introduzido no § 1o, art. 7o, da LOPP pela Lei no 13.107/2015 e, posteriormente, mantido pela Lei no 13.165/2015. Sob o argumento de ser inconstitucional, aquela norma foi submetida ao Supremo Tribunal na ADI no 5.311/DF; argumentou-se que, ao restringir os eleitores que podem apoiar a criação de partidos, a norma distingue e cria diferenças entre cidadãos filiados e não filiados. Entretanto, ao julgar o pedido cautelar nessa ação, em 30-9-2015, o Pleno do STF afirmou a constitucionalidade da regra em exame, entendendo que, na verdade, ela se harmoniza com “os princípios democráticos previstos na Constituição Federal”. Isso porque dificulta a exagerada proliferação de partidos, o que pode minar o ideário democrático de uma nação, bem como prestigia o sistema representativo, garantindo sua coerência, substância e responsabilidade. O registro no TSE não significa interferência do Estado na organização e no funcionamento do partido. Já faz parte dahistória o tempo em que essas entidades eram convenientemente mantidas como apêndices do Estado. É esse registro que permite, por exemplo, que o partido participe do processo eleitoral, receba recursos do fundo partidário, tenha acesso gratuito ao rádio e à televisão. É também ele que assegura a exclusividade de sua denominação e sigla e de seus símbolos, vedando a utilização, por outras agremiações, de variações que venham a induzir a erro ou confusão. Outrossim, só o partido registrado no TSE pode credenciar delegados perante os órgãos da Justiça Eleitoral (LOPP, art. 7o, §§ 2o e 3o, e art. 11). Vale salientar que, nos termos do artigo 4o da Lei no 9.504/97, para que um partido possa participar das eleições, é necessário que “até um ano antes do pleito, tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral, conforme o disposto em lei, e tenha, até a data da convenção, órgão de direção constituído na circunscrição, de acordo com o respectivo estatuto”. 6.6 FINANCIAMENTO PARTIDÃRIO Tema assaz controvertido é o atinente ao financiamento de partidos políticos. Dada sua relevância para o regime democrático-representativo e, sobretudo, a influência que exercem nas ações governamentais, muitos entendem que o custeio deveria ser exclusivamente público, vedando-se o privado. Argumenta-se que neste último estaria uma das fontes da corrupção endêmica e de todas as mazelas da nossa política e Administração Pública, o que, certamente, constitui rematado exagero retórico. A bem ver, vige no Brasil um sistema misto de financiamento partidário. Os partidos recebem recursos tanto do Estado quanto de particulares. Em geral, as fontes de recursos partidários podem ser assim sumariadas: (i) fundo partidário; (ii) doações privadas, de pessoas físicas; (iii) comercialização de bens; (iv) comercialização de eventos. Atualmente, é vedado o financiamento partidário por pessoa jurídica. A vedação decorre da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI no 4.650/DF, julgada pelo Plenário em 19-9-2015. Nesse julgado, foi declarada a inconstitucionalidade dos artigos 31, 38, III, 39, caput e § 5o, todos da Lei no 9.096/95. A inconstitucionalidade abrange não apenas a doação a partido destinada especificamente ao financiamento de campanha eleitoral, como também para sua manutenção. Ou seja: veda-se qualquer doação de pessoa jurídica a partido, independentemente da finalidade. O fundo partidário (Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos) é regulado no artigo 38 da LOPP, sendo constituído por: “I – multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas; II – recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual; III – doações de pessoa física, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo Partidário; IV – dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995”. As doações privadas efetuadas diretamente ao partido (e não ao fundo partidário, como previsto no artigo 38, III, da LOPP) são contempladas no artigo 39 da LOPP. Este dispositivo autoriza o partido a receber doações de pessoas físicas “para constituição de seus fundos”. Podem ser efetuadas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual e municipal (§ 1o). As ofertas de bens e serviços devem ter seus valores estimados em dinheiro, moeda corrente (§ 2o). Já as ofertas de recursos financeiros (dinheiro) – reza o § 3o (com a redação da Lei no 13.165/2015) – somente poderão ser efetuadas na conta do partido político por meio de: “I – cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de depósitos; II – depósitos em espécie devidamente identificados; III – mecanismo disponível em sítio do partido na internet que permita inclusive o uso de cartão de crédito ou de débito e que atenda aos seguintes requisitos: a) identificação do doador; b) emissão obrigatória de recibo eleitoral para cada doação realizada.” Em qualquer caso, os montantes doados ao partido devem ser lançados em sua contabilidade. A comercialização de bens refere-se à venda de produtos do partido, como chaveiros e brindes, enquanto a de eventos diz respeito à cobrança por jantares, festas e eventos assemelhados. É preciso ainda considerar o direito de antena, previsto no artigo 17, § 3o, da Constituição Federal e regulado nos artigos 45 a 49 da LOPP. Por ele, aos partidos é assegurado o acesso gratuito ao rádio e à televisão. Em verdade, a gratuidade é apenas para as agremiações, pois a propaganda partidária é custeada pela União, já que às emissoras é assegurado direito à compensação fiscal pela cessão do horário (LOPP, art. 45 c.c. 52, parágrafo único). Em alguns casos, o partido é legalmente proibido de receber doações. A esse respeito, reza o artigo 31 da LOPP: “Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer 6.7 espécie, procedente de: I – entidade ou governo estrangeiros; II – autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38; III – autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades de economia mista e fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorram órgãos ou entidades governamentais; IV – entidade de classe ou sindical.” A despeito da autonomia que lhe é reconhecida, deve o partido prestar contas à Justiça Eleitoral (CF, art. 17, III). Por isso, deve “enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral, o balanço contábil do exercício findo” (LOPP, art. 32; TSE – Res. no 21.841/2004). FILIAÇÃO E DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA A filiação estabelece um vínculo jurídico entre o cidadão e a entidade partidária. É regulada nos artigos 16 a 22-A da Lei no 9.096/95 (LOPP), bem como no estatuto da agremiação. Aos filiados é assegurada igualdade de direitos e deveres (LOPP, art. 4o). Só pode filiar-se a um partido quem estiver no pleno gozo de seus direitos políticos e atenda aos requisitos postos na lei e em seu estatuto. O princípio da autonomia partidária assegura à agremiação o poder de definir as regras e os critérios que entender pertinentes para a admissão de filiados, o que deve ser fixado no estatuto. É vedado, porém, o estabelecimento de critérios discriminatórios ou abusivos, que impliquem ferimento a direitos fundamentais; essa limitação decorre da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, cuja incidência nas relações privadas é tema pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O ato de filiação pode ser levado a efeito perante os órgãos de direção municipal, estadual ou nacional, a menos que o estatuto disponha diferentemente. Tanto isso é certo que o artigo 19 da Lei no 9.096/95 prevê a possibilidade de qualquer um desses órgãos remeter aos juízes eleitorais a relação dos nomes de todos os seus filiados. Assim também já entendeu o Tribunal Superior Eleitoral na Resolução no 21.522/2003. Não cabe, pois, ao diretório municipal recusar-se a receber ou mesmo a encaminhar à Justiça Eleitoral a ficha de filiação quando procedida nos diretórios estadual ou nacional. Deferida a filiação, o fato deve ser comunicado à Justiça Eleitoral. Esta mantém banco de dados, no qual são alistados todos os filiados. O banco é alimentado periodicamente pelos próprios partidos. Nesse sentido, dispõe o artigo 19 da LOPP: “Na segunda semana dos meses de abril e outubro de cada ano, o partido, por seus órgãosde direção municipais, regionais ou nacional, deverá remeter, aos juízes eleitorais, para arquivamento, publicação e cumprimento dos prazos de filiação partidária para efeito de candidatura a cargos eletivos, a relação dos nomes de todos os seus filiados, da qual constará a data de filiação, o número dos títulos eleitorais e das seções em que estão inscritos.” Não sendo a relação remetida nos prazos aludidos, presume-se que o rol de filiados anteriormente informado permanece inalterado. No entanto, havendo omissão dos órgãos de direção da agremiação, é facultado ao prejudicado requerer, diretamente à Justiça Eleitoral, a inclusão de seu nome na lista. Havendo omissão no banco de dados ou na lista, a Súmula no 20 do TSE permite que a filiação seja demonstrada por outros meios. Assim, sua prova pode ser feita por certidão emanada de Cartório Eleitoral, a qual é revestida de fé pública. Ademais, não há óbice a que seja evidenciada pelo comprovante entregue ao interessado quando de seu ingresso na agremiação ou mesmo pela ficha de inscrição, desde que esses documentos sejam inequívocos e tenham sido constituídos previamente. Embora particulares e produzidos unilateralmente, não se pode recusar- lhes idoneidade, ainda que relativa, para comprovar a filiação. Nesse rumo, interpretou a Corte Superior Eleitoral ser “[…] demasiado exigir que a prova da filiação partidária só possa ser feita pelo depósito das listas dos filiados a ser feita pelos partidos, conforme exigência formal do artigo 19 da Lei no 9.096/95 […]” (TSE – RO no 977/SP – PSS 14-9-2006). No entanto, vale observar que se tal demonstração tiver de ser feita em processo de registro de candidatura, há rigor quanto à exigência de prova robusta da filiação partidária. Confira-se: (i) “[…] 1. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, nem a ficha de filiação partidária nem a declaração unilateral de dirigente de partido são aptas a comprovar a regular e tempestiva filiação. […]” (TSE – AgR-REspe no 195855/AM – PSS 3-11-2010); (ii) “[…] 4. Documentos produzidos unilateralmente por partido político ou candidato – na espécie, ficha de filiação, ata de reunião do partido e relação interna de filiados extraída do respectivo sistema – não são aptos a comprovar a filiação partidária, por não gozarem de fé pública. Não incidência da Súmula 20/TSE. […]” (TSE – AgR-REspe no 338745/SP – PSS 6-10- 2010). Em igual sentido: TSE – AgR-REspe no 31070/GO – PSS 27-112008; AgR- REspe no 29111/GO – PSS 23-10-2008. Desligamento – para desligar-se do partido político, o filiado deve fazer comunicação escrita ao órgão de direção municipal e ao juiz eleitoral da zona em que se encontrar inscrito. Decorridos dois dias da data da entrega da comunicação, o vínculo é extinto (LOPP, art. 21). Entretanto, em certos casos, o cancelamento da filiação é automático, tal como se dá se houver: “I – morte; II – perda dos direitos políticos; III – expulsão; IV – outras formas previstas no estatuto, com comunicação obrigatória ao atingido no prazo de quarenta e oito horas da decisão; V – filiação a outro partido, desde que a pessoa comunique o fato ao juiz da respectiva Zona Eleitoral” (LOPP, artigos 21 e 22, este com a redação da Lei no 12.891/2013). Note-se que a hipótese do inciso II cuida de perda de direitos políticos, a qual não deve ser confundida com a suspensão. Assim, se os direitos políticos forem suspensos, não haverá extinção, mas suspensão da filiação. Nesse sentido, pronunciou-se a Corte Superior Eleitoral: “Registro. Candidato. Vereador. Condenação criminal. Suspensão de direitos políticos. Filiação partidária. 1. Conforme decisão proferida por esta Corte Superior no julgamento do caso Belinati, que se fundou inclusive no Acórdão no 12.371, relator Ministro Carlos Velloso, subsiste a filiação anterior à suspensão dos direitos políticos. 2. Não se tratando de nova filiação, mas de reconhecimento de filiação anterior, que esteve suspensa em razão de cumprimento de pena, tem-se como atendido o requisito do art. 18 da Lei no 9.096/95 [esse art. 18 foi revogado pela Lei no 13.165/2015 6.8 – vide art. 9o da LE]. Recurso especial conhecido e provido” (TSE – REspe no 22.980/SP – PSS 21-10-2004). Troca de partido – à vista do inciso V (acrescido ao citado artigo 22 pela Lei no 12.891/2013), aquele que, estando filiado a uma agremiação se engajar em outra, tem o dever legal de comunicar esse fato ao partido que deixa e ao juiz de sua respectiva zona eleitoral, para que a filiação primitiva seja cancelada. Se não o fizer logo após a nova filiação, ficará configurada duplicidade de filiação partidária, pois a mesma pessoa constará nas listas enviadas à Justiça Eleitoral por ambos os partidos. Também pode ocorrer de constar a filiação de uma mesma pessoa em mais de dois partidos, havendo, portanto, pluralidade de filiação. Em qualquer caso, dispõe o parágrafo único do artigo 22 da LOPP (com redação da Lei no 12.891/2013): “Havendo coexistência de filiações partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo a Justiça Eleitoral determinar o cancelamento das demais.” É razoável essa solução, pois a inscrição derradeira revela a intenção atual do filiado, a entidade a que ele realmente quer se manter vinculado. Diante disso, não mais se deve cancelar todas as filiações (como previa o revogado parágrafo único do citado artigo 22), mantendo-se apenas a última. FIDELIDADE PARTIDÁRIA Prevê o artigo 17, § 1o, da Constituição que o estatuto do partido deve “estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”. Esse princípio confere novos contornos à representação política, pois impõe que o mandatário popular paute sua atuação pela orientação programática do partido pelo qual foi eleito. É indiscutível o proveito que resulta para a democracia, já que o debate político deve ter em foco a realização de ideias e não de projetos pessoais ou o culto à personalidade. Todavia, por causa da forma como vinha sendo compreendido e aplicado, esse princípio apresentava alcance bastante restrito. No plano infraconstitucional, o artigo 25 da Lei no 9.096/95 estabelece: “O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários.” Ademais, “perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito” (art. 26). Não consta nesse diploma que a infidelidade partidária possa gerar perda de mandato. Tampouco o artigo 55 da Lei Maior arrolou-a como causa de perda de mandato parlamentar. Nesse quadro, o princípio da fidelidade partidária ficou restringido ao campo administrativo, interno, regulando apenas as relações entre filiado e partido. Tal entendimento prevaleceu durante muito tempo. De sorte que ao mandatário não só era dado contrariar a orientação da agremiação pela qual foi eleito, como até mesmo abandoná-la, sem que isso implicasse perda do mandato. O Supremo Tribunal Federal acolheu essa tese ao julgar, em 11 de outubro de 1989, por maioria, o Mandado de Segurança no 20.927-5, relatado pelo Ministro Moreira Alves (DJ 15-4- 1994, p. 8061), bem como o de no 20.916, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence (DJ 26-3-1993, p. 5002). Naquele, o Ministro Moreira Alves, ao votar, salientou que naatual Constituição “não se adota o princípio da fidelidade partidária, o que tem permitido a mudança de Partido por parte de Deputados sem qualquer sanção jurídica, e, portanto, sem perda de mandato”. E esclareceu: “Ora, se a própria Constituição não estabelece a perda de mandato para o Deputado que, eleito pelo sistema de representação proporcional, muda de Partido e, com isso, diminui a representação parlamentar do Partido por que se elegeu (e se elegeu muitas vezes graças ao voto de legenda), quer isso dizer que, apesar de a Carta Magna dar acentuado valor à representação partidária (arts. 5o, LXX, a; 58, §§ 1o e 4o; 103, VIII), não quis preservá-la com a adoção da sanção jurídica da perda do mandato, para impedir a redução da representação de um Partido no Parlamento. Se quisesse, bastaria ter colocado essa hipótese entre as causas de perda de mandato, a que alude o artigo 55.” Assim, impunha-se a conclusão de que, a despeito da essencialidade do partido para a obtenção do mandato, este não lhe pertencia – caso de mandato partidário. Tampouco pertencia aos eleitores (hipótese de mandato imperativo), pois o parlamentar não se encontrava adstrito a cumprir as promessas nem os compromissos assumidos durante a campanha. Na verdade, consagrara-se a tese do mandato livre. No entanto, essa interpretação não mais subsiste. Ao responder positivamente à consulta no 1.398, em 27 de março de 2007, formulada pelo extinto Partido da Frente Liberal (PFL) (atual Democratas – DEM), o Tribunal Superior Eleitoral fixou o entendimento segundo o qual “os Partidos Políticos e as coligações conservam direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda” (TSE – Res. no 22.526 – DJ 9-5-2007, p. 143). Consequentemente, perderá o mandato o parlamentar que se desfiliar do partido pelo qual se elegeu. Já no que concerne ao mandato obtido pelo sistema majoritário (Prefeito, Governador, Presidente da República e Senador), ao responder, em 16 de outubro de 2007, à Consulta no 1.407/2007, assentou o Tribunal Superior que a fidelidade partidária também deve ser observada pelos detentores de mandato majoritário. Depois de assinalar que o povo é a fonte de todo o poder governamental, exercendo- o por seus representantes eleitos, e que a soberania popular reside no sufrágio universal e no voto direto e secreto, concluiu o relator, Ministro Carlos Ayres Britto: “uma arbitrária desfiliação partidária implica renúncia tácita do mandato, a legitimar, portanto, a reivindicação da vaga pelos partidos”. Entretanto, essa posição não foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, para o qual não é legítima a perda de mandato majoritário por desfiliação do mandatário, porquanto o sistema majoritário possui lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional. Enquanto neste último tem grande relevo os votos obtidos pelos partidos (para o cálculo dos quocientes eleitoral e partidário), no sistema majoritário, a ênfase situa-se principalmente na figura do candidato (STF – ADI no 5081/DF – Pleno – Rel. Min. Roberto Barroso – DJe 162, 19-8-2015). De todo modo, esse tema foi previsto no art. 22-A da Lei no 9.096/95 (incluído pela Lei no 13.165/2015), cujo caput é peremptório: “Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito”. Esse dispositivo não faz qualquer distinção entre mandato obtido pelo sistema proporcional ou majoritário, aplicando-se ao “detentor de cargo eletivo”, independente de sua natureza. Vale ressaltar que a troca de partido não é ocorrência exclusiva da democracia brasileira, sendo comum em outros Estados igualmente democráticos. No entanto, entre nós, tal prática se tornou endêmica após a redemocratização de 1985. Conforme assinala Melo (2004, p. 161), na Câmara de Deputados, entre “1985 e 2002 ocorreram 1.041 trocas de legenda, envolvendo 852 deputados, entre titulares e suplentes”. Em média, 29% dos deputados federais eleitos mudaram de partido nas cinco legislaturas compreendidas entre 1983 e 2003. Pesquisando as origens desse fenômeno, o eminente cientista político realça as condições conjunturais, contextuais e institucionais sob as quais encontram-se os parlamentares submetidos. Entre os fatores levantados, figuram os seguintes: (1) a inexistência (na época pesquisada) de vedação legal, e, pois, de sanção adequada para o ato; (2) a existência de alternativas partidárias mais favoráveis à situação do migrante; (3) a busca pela “sobrevivência política” ante um cenário de acentuada incerteza quanto ao futuro; (4) a ausência de significativo custo político-eleitoral na mudança da trajetória partidária; (5) os baixos índices de “identificação partidária”, de sorte que a população não se identifica com as agremiações; (6) o desprezo do eleitor pela identidade partidária de seus representantes; (7) o funcionamento do processo legislativo, que é centralizado no circuito Executivo/Mesa Diretora Colégio de Líderes; isso provoca a concentração de poderes legislativos, institucionais e regimentais nas mãos do Executivo e dos líderes partidários, reduzindo drasticamente o espaço de atuação individual e a possibilidade de o parlamentar influenciar eficazmente no resultado do processo legislativo, bem como alocar verbas para seus projetos. A par disso, a intensa mudança de partido após o pleito é também fruto da debilidade de governantes eleitos sem base parlamentar sólida. Para robustecer sua base de apoio, tais governantes aliciam parlamentares, que, aliás, aceitam o convite de bom grado, dadas as vantagens que em troca são ofertadas. Por óbvio, essa prática não faz outra coisa senão incrementar o fisiologismo, os acordos impublicáveis, a famosa política do “é dando que se recebe”. Em verdade, para além de frustrar a vontade do eleitor, a intensa mudança de 6.9 legenda por parte dos eleitos falseia a representação política e desarticula o quadro partidário, tornando-o instável e confuso. A esse respeito, focalizando a Câmara de Deputados, releva Melo (2004, p. 152) o impacto dessa prática no sistema eleitoral brasileiro, na medida em que “provoca distorções entre o conjunto de preferências manifestadas pelo eleitorado e a efetiva distribuição de cadeiras entre os partidos”. Em outros termos, a migração partidária faz com que as bancadas que terminam a legislatura sejam bem diferentes daquelas que a iniciaram. PERDA DE MANDATO POR INFIDELIDADE PARTIDÃRIA A fim de “disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como a justificação de desfiliação partidária”, o Tribunal Superior Eleitoral editou, em 25 de outubro de 2007, a Resolução no 22.610. O mesmo tema também veio a ser previsto no art. 22-A da Lei no 9.096/95 (incluído pela Lei no 13.165/2015), que dispõe: “Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: I – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; II – grave discriminação política pessoal; e III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.” Esse dispositivo derroga a aludida Resolução no 22.610/2007, a qual permanece em vigor somente nos pontos em que não houver incompatibilidade. Em especial, são revogadas as hipóteses de justa causa previstas no § 1o, art. 1o, da aludida Resolução (a saber: “I – incorporação ou fusão do partido; II – criação de novo partido; III –mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; IV – grave discriminação pessoal.”), as quais são substituídas pelas arroladas no citado artigo 22- A.
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