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Desconsideração da Personalidade Jurídica

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DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
A pessoa jurídica é um ente incorpóreo, criado pela lei, podendo ser entendida como a associação de pessoas com a finalidade de alcançar determinadas tarefas previstas no contrato social. Percebemos assim que a pessoa jurídica tem origem, exatamente, da necessidade do homem em conjugar esforços, de forma organizada, para a execução de tarefas mais complexas.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) consiste na possibilidade de afastamento da autonomia da sociedade, passando os sócios e administradores a responderem pelos prejuízos causados pela pessoa jurídica. 
A desconsideração desenvolveu-se inicialmente nos países da Common Law, pois no direito continental os fatos não têm a força de gerar novos princípios, em detrimento da legislação. Na maioria da doutrina se reputa a ocorrência do primeiro caso de aplicação da desconsideração da pessoa jurídica o Caso Salomon x Salomon Co em 1897, na Inglaterra.
Neste leading case, Aaron Salomon era um próspero comerciante individual na área de calçados que, após mais de 30 anos, resolveu constituir uma limited company (similar a uma sociedade anônima fechada brasileira), transferindo seu fundo de comércio a tal sociedade. Em tal companhia, Aaron Salomon tinha 20 mil ações, e outros seis sócios, membros de sua família, apenas uma cada um. Além das ações, o mesmo recebeu várias obrigações garantias, assumindo a condição de credor privilegiado da companhia.
Em um ano, a companhia mostrou-se inviável, entrando em liquidação, na qual os credores sem garantia restaram insatisfeitos. A fim de proteger os interesses de tais credores, o liquidante pretendeu uma indenização pessoal de Aaron Salomon, uma vez que a companhia era ainda a atividade pessoal do mesmo, pois os demais sócios eram fictícios.
O juízo de primeiro grau e a Corte de apelação desconsideraram a personalidade da companhia, impondo a Salomon a responsabilidade pelos débitos da sociedade. Tal decisão foi reformada pela Casa dos Lordes, que prestigiou a autonomia patrimonial da sociedade regularmente constituída, mas estava aí a semente da "disregard doctrine".
FUNDAMENTOS
A doutrina da desconsideração tem seu fundamento nos princípios gerais de proibição do abuso de direito, e permite ao Judiciário, excepcionalmente, desconsiderar (ignorar ao caso concreto) a personificação societária, como se a pessoa jurídica não existisse, atribuindo condutas e responsabilidades diretamente aos sócios e não à pessoa jurídica. 
Desconsideração da personalidade jurídica no CDC
O CDC acolheu direta e expressamente a disregard doctrine ou lifting the corporate veil, protegendo o consumidor, parte vulnerável da relação jurídica, conforme preceitua o art. 28 do CDC.
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
      
  § 1° (Vetado).
  § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
 § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
   § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
   § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Verifica-se, destarte, que a desconsideração da pessoa jurídica está prevista no caput do § 5º do art. 28:
“§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor”.
Já os §§ 2º e 4º do mesmo artigo, embora inseridos na seção referente à desconsideração da personalidade jurídica, versam sobre a matéria da responsabilidade subsidiária ou solidária, não havendo que se falar em intervenção judicial para declarar a desconsideração da sociedade.
Desconsiderar a pessoa jurídica não significa dissolver a sociedade
Importante notar ainda que a decisão judicial que desconsidera a personalidade jurídica não implica a dissolução da sociedade, mas o seu afastamento momentâneo, para aquele caso concreto, para que haja a reparação do dano causado ao consumidor.
Ademais, caso o juiz decrete a desconsideração da personalidade, o patrimônio atingido será o do proprietário, do acionista controlador e do sócio majoritário.
Requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica
Além disso, a desconsideração da personalidade jurídica é decretada de acordo com a faculdade do juiz, e depende de análise dos seguintes requisitos:
Lesão ao patrimônio do consumidor;
Patrimônio da pessoa jurídica insuficiente;
Prática de atos fraudulentos ou encerramento das atividades da empresa.
Lesão ao patrimônio do consumidor
A lesão ao patrimônio do consumidor é requisito essencial para a desconsideração da sociedade, uma vez que toda a prática abusiva ou ilícita que cause prejuízo ao consumidor deve ser reparada.
Consequentemente, não é possível a desconsideração da personalidade com fundamento no CDC na aplicação em defesa de outros interesses, como os dos demais sócios, ou de responsabilidade civil não fundada em relação de consumo.
Patrimônio da pessoa jurídica insuficiente
A incapacidade da pessoa jurídica para reparar o dano também é requisito essencial, uma vez que, se a sociedade possui capacidade financeira para ressarcir o consumidor, não há razão para aplicar a desconsideração da personalidade jurídica.
Prática de atos fraudulentos ou encerramento das atividades
Por atos fraudulentos, devemos entender o excesso de poder, abuso de direito, infração à lei, infração ao contrato social, falência em razão de má gestão.
A expressão abuso de direito designa um ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito. 
Ao praticar ato contrário a sua função social, a pessoa jurídica deve sujeitar-se à obrigação de reparar as conseqüências de seu ato abusivo. Assim, cumpre ao Judiciário aplicar a teoria da desconsideração sempre que a pessoa jurídica usar abusivamente seu direito à personificação, de modo a causar dano ao consumidor.

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