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Medicalização do Sofrimento Psíquico

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URGÊNCIA E EMERGÊNCIA 
EM SAÚDE MENTAL
6. A medicalização indiscriminada do sofrimento psíquico
 
 Diana Malito
OBJETIVOS DA AULA:
Os psicofármacos são um importante recurso no tratamento do sofrimento mental. Sua eficácia depende da articulação com outros recursos do projeto terapêutico do paciente. Isto é, medicalizar não deve ser uma medida isolada. 
Entretanto, a demanda pela medicalização imediata do sofrimento psíquico aparece tanto na prática dos profissionais da saúde, quando nos pedidos da população. Propomos:
 Analisar contextualmente a medicalização imediata dos transtornos mentais;
 Abordar a naturalização da “cultura da medicação” no senso comum. 
A MEDICALIZAÇÃO DO SOFRIMENTO:
No processo de transformações na forma de tratar o sofrimento psíquico, a medicalização ganhou consistência majoritária. Alguns marcos históricos foram fundamentais a esse novo paradigma: 
 A padronização de sintomas trazida pelas edições do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais);
 Os resultados de pesquisas na neurociência, que buscam fundamentar o funcionamento psíquico em bases orgânicas;
 Os maciços investimentos financeiros no desenvolvimento dos psicofármacos. 
A ação desse conjunto de fatores teve por efeito a produção de uma nova verdade acerca dos sofrimentos psíquicos. 
A PADRONIZAÇÃO DIAGNÓSTICA:
Na segunda metade do séc. XX questionava-se com mais ênfase a confiabilidade da psiquiatria. A solução encontrada foi a progressiva valorização das descrições nosotáxicas dos fenômenos clínicos. Os manuais de classificação diagnóstica ganharam força nesse contexto. (mais detalhes na aula 1)
A terceira revisão do DSM, déc. de 80, rompeu definitivamente com a psiquiatria clássica. O sofrimento psíquico passou a ser categorizado a partir do número de sintomas por intervalo definido de tempo.
A partir do DSM-IV, déc. de 90, o discurso hegemônico da psiquiatria americana consolidou-se como referência mundial, globalizando o modelo diagnóstico dos manuais. 
“O DSM-III promoveu uma reviravolta no campo psiquiátrico, que se apresentou como uma salvação da profissão. Não se tratava apenas de disputas teóricas internas ou de progresso científico. Ele surge como efeito da presença cada vez maior de grandes corporações privadas no campo da psiquiatria, como a indústria farmacêutica e as grandes seguradoras de saúde. O Congresso americano, que desacreditava o National Institute of Mental Health (NIMH) no começo dos anos 70, justamente devido à baixa confiabilidade dos diagnósticos psiquiátricos, passou a aumentar os recursos financeiros destinados à pesquisa após o DSM-III. Em 1994, os fundos de pesquisa do NIMH chegaram a 600 milhões, bem mais que os 90 milhões de 1976, e, sob a influência do instituto, o congresso foi persuadido a declarar os anos 1990 como ‘a década do cérebro’”. (Aguiar apud Guarido, 207, p. 153-154) 
AS NEUROCIÊNCIAS:
Se a psiquiatria clássica, de forma geral, esteve às voltas com fenômenos psíquicos não codificáveis em termos do funcionamento orgânico, valorizando a dimensão enigmática da subjetividade, a psiquiatria contemporânea promoveu a sua naturalização, subordinando-os à bioquímica cerebral, e a consequente regulação via o uso de medicações.
“Vê-se um abandono crescente da descrição causal e de sentido dos sintomas apresentados pelo sujeito em benefício de uma noção em que os sintomas são reconhecidos como manifestações de desordens da bioquímica cerebral”. 
(Guarido, 2007, p.153). 
A INDÚSTRIA DOS PSICOFÁRMACOS:
Problematizar a prescrição de psicofármacos não significa criticar a sua utilização. Tais medicações contribuem para a qualidade de vida de inúmeras pessoas. A materialização da desinstitucionalização da locura, muito se deve a sua ação. 
Na déc. de 50 houve a primeira sintetização de um psicofármaco utilizado para tratamento psiquiátrico. Desde então, a indústria farmacêutica investe recursos extraordinários em pesquisas na área da psicofarmacologia, bem como no seu marketing. 
Os psicofármacos, além do espaço hegemônico no tratamento de sofrimentos severos, se estendem aos “sofrimentos cotidianos”, reforçando o paradigma do discurso biomédico.
OS NEUROLÉPTICOS (“antipsicóticos”):
 Tornaram possíveis a alta de pacientes bastante graves que viveram nos manicômios durante décadas. Exs.: clorpromazina, levomepromazina, flufenazina, haloperidol, risperidona, olanzapina.
 Agem sobre: sintomas psicóticos (delírios e alucinações); insônia; quadros crônicos de tiques; dificuldade de controle de impulsos, agressividade ou agitação não reativa/difusa; situações de crises graves, atuando como tranquilizador. 
 Apesar do nome não são usados só em pacientes psicóticos. É comum o uso na dependência de crack: seu efeito de contenção química evita que o usuário saia de casa nos primeiros dias, quando a fissura está mais acentuada. 
Alguns efeitos colaterais:
 Efeitos extrapiramidais (“impregnação motora”): contrações na motricidade - dentes trincam, pescoço entorta, olhos viram.
 Acatisia: intensa inquietação psicomotora;
 Discinesia tardia: movimentos involuntários na musculatura oro-língua-facial; 
 Mucosas secas, constipações, retenção urinária;
 Ganho significativo de peso; 
 Efeitos cardíacos; 
 Efeitos endócrinos: galactorreia e amenorreia; 
 Anorgasmia e redução da libido.
OBS: Há diferenças marcantes entre os neurolépticos da 1ª e 2ª geração.
OS BENZODIAZEPÍNICOS:
 Popularizaram-se pelos efeitos ansiolíticos com baixo risco de morte. Estimulam mecanismos que equilibram estados de tensão e ansiedade. Exs: diazepam, lorazepam, clonazepam, bromazepam, alprazolam, etc.
 Seu sintoma-alvo principal é a ansiedade (por reação aguda ao estresse; em crises psicóticas; ou em transtornos de ansiedade). Induzem o sono, provocam relaxamento muscular, reduzem o estado de alerta, alguns são anticonvulsivantes. 
 Podem provocar dependência física e psicológica. O tratamento crônico com benzodiazepínicos não é recomendado, devem ser utilizados por períodos de tempo o mais curtos possíveis.
 
Alguns efeitos colaterais:
 Fenômenos de tolerância (necessidade de doses maiores para fazer efeito), e dependência (recaída de sintomas quando suspenso abruptamente);
 Déficits cognitivos (perda de atenção, dificuldade de fixação); 
 Sedação, sonolência, depressão respiratória quando associados com outras drogas sedativas;
 Alta dosagem (20 a 40 vezes mais altas que as habituais) provoca hipotonia muscular, dificuldade para ficar de pé, perda da consciência. Com doses maiores, coma e óbito;
 A interrupção abrupta pode causar síndrome de abstinência (ansiedade acentuada, tremores, visão turva, palpitações, confusão mental e hipersensibilidade a estímulos externos).
OS ANTIDEPRESSIVOS:
 Os “antidepressivos tricíclicos” apareceram no final dos anos 50: imipramina, clomipramina, amitriptilina, etc. Nos anos 80 foi descoberta a fluoxetina, assim como os outros medicamentos desta classe (paroxetina, sertralina, escitalopram, citalopram), revolucionou o tratamento da depressão e de outras doenças psiquiátricas. 
 Agem sobre os sintomas: depressivos; de pânico; obsessivo-compulsivos; de ansiedade (os “ansiolíticos” são para tratamento sintomático e de curto prazo); de fobia social.
 Ao contrário do nome, não são indicados apenas para pacientes deprimidos, mas também para bulimia, anorexia, ansiedade generalizada, etc.
Alguns efeitos colaterias:
 Boca seca, constipação, efeitos sedativos e tonturas;
 Ansiedade, agitação, cefaleia, insônia (mais frequente) ou sonolência;
 Anorgasmia, retardo da ejaculação; 
 Inibição do citocromo P-450, interagindo na metabolização de outras medicações; 
 Efeitos cardiovasculares:
aumento da frequência cardíaca;
 Efeitos neurológicos: tremores de mãos, sedação, dificuldade para encontrar palavras, gagueira, estados confusionais podem ocorrer em idosos. Os pacientes devem ser orientados a não operar máquinas perigosas, dirigir veículos, caso sonolentos, e evitar consumo de álcool.
ESTABILIZADORES DO HUMOR:
 Ajudam a tratar episódios de mania, hipomania e depressão em pacientes bipolares; seu uso nas intercrises previne novos episódios; alguns são anticonvulsivantes. Exs.: carbonato de lítio, carbamazepina, ácido valpróico. 
 Atuam sobre episódios maníacos-depressivos; como potencializadores dos antidepressivos (lítio); sobre a dificuldade de controle dos impulsos - muito utilizados em crianças, adolescentes e adultos jovens, para a maioria dos problemas externalizantes, onde há agressividade e agitação; diminuem a fissura por uso de crack (carbamazepina).
Alguns efeitos Colaterias:
 Lítio: acne, aumento do apetite, edema, diarreia, ganho de peso, gosto metálico, náusea, sede excessiva, tremores finos; toxicidade renal e tireoideana; intoxicação (precipitada por diminuição de ingestão de sal, uso de diuréticos, desidratação, ou doses excessivas de lítio);
 Carbamazepina: perda da coordenação muscular, visão dupla, dor epigástrica, náusea, prurido, sonolência, tontura; alterações hematológicas e hepáticas; múltiplas interações medicamentosas (interfere em outros medicamentos); 
 Ácido Valpróico: náuseas, ganho de peso, sedação, tremores, queda de cabelo (reversível); alterações hematológicas e hepáticas.
O IMPERATIVO DA FELICIDADE:
Você deve fingir, até conseguir.
Desde a déc. de 90, a categoria de antidepressivos cresceu massivamente no mercado. Inclusive sua prescrição abusiva como solução universal para problemas pessoais, familiares e sociais. 
Medicalizar sintomas de tristeza inerentes à realidade humana, tornou-se natural em uma sociedade que já não sabe conviver com a dor, as frustrações e dificuldades imanentes à vida. 
PATOLOGIZAÇÃO DO SOFRIMENTO:
Os psicofármacos ocupam lugar estratégico no imaginário popular. Pacientes e profissionais, quando apostam em sua “potência mágica” produzem a patologização do sofrimento comum.
A medicalização imediata do sofrimento psíquico funciona como escape para a impotência profissional (e pessoal) diante de queixas e acontecimentos difíceis de suportar (e de vivenciar).
BANALIZAÇÃO DIAGNÓSTICA:
Presenciamos atualmente uma explosão de “autodiagnósticos” de transtorno bipolar (e outros tantos). Essa tendência leva ao consumo abusivo de estabilizadores de humor. Há um equívoco em considerar sintomas de irritação como sintomas de transtorno bipolar. Neste processo, a rotulação toma uma dimensão importante, e o sujeito passa a se apresentar reduzido ao “diagnóstico”, sem se propor a lidar com seu sofrimento.
CULTURA DA MEDICAÇÃO:
Tomou doril, a dor sumiu!
O uso indiscriminado de medicamentos, sem prescrição médica, somado ao desenvolvimento de dependência, tornou-se uma das grandes dificuldades enfrentadas pela saúde no âmbito mundial. 
O acúmulo de medicamentos nas residências, um verdadeiro arsenal terapêutico, é também fator de diversos riscos.
 
ESTRATÉGIAS DE CUIDADO:
São cotidianas as revoltas e tabus no dia-a-dia das unidades de saúde: usuários implorando por renovação de receitas, médicos contrariados. Enfrentar a cronicidade do uso indiscriminado de psicofármacos é uma responsabilidade que deve ser compartilhada. O vínculo e a escuta devem ser priorizados em qualquer contato do usuário com a unidade. Algumas estratégias: 
 Educação em Saúde; Grupos de Medicação; Eventos de conscientização junto da Atenção Básica.
“A partir do momento em que o usuário compreende e se corresponsabiliza pelo uso da medicação que passará a não somente demandar “troca de receitas”, mas poderá se implicar um pouco diante das queixas que traz. Para o profissional, diante de alguém em sofrimento, é importante considerar a perigosa ideia de que o remédio possa representar uma solução rápida, uma resposta para uma angústia que sente diante da impotência e da vontade de extirpar o problema. “Muita calma nessa hora”. Uma escuta atenta e mesmo adiar a prescrição para o próximo encontro podem ser peças fundamentais no vínculo que vai sustentar a gestão compartilhada do uso daquela medicação. Uma parceria que, desse modo, já nascerá com consistência”. 
(Ministério da Saúde, 2013, p.155) 
PRÓXIMA AULA:
Transtornos mentais na infância e adolescência – urgência para a saúde mental
REFERÊNCIAS :
ALVES, Rhayssa et. al. A Publicidade de medicamentos e o incentivo à automedicação. XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, 2012. <http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2012/resumos/R32-0386-1.pdf>
BRASIL, Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica, nº34. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde mental, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_34.pdf>
 
REFERÊNCIAS :
GUARIDO, Renata. A medicalização do sofrimento psíquico: considerações sobre o discurso psiquiátrico e seus efeitos na Educação. Revista da Faculdade de Educação da USP Educ. Pesqui., vol.33, n.1, 2007. <http://www.scielo.br/pdf/ep/v33n1/a10v33n1.pdf>
ROSA, Carlos; VILHENA, Júlia. Diagnóstico em saúde mental: por uma concepção não objetivista das representações da loucura. Contextos Clínicos, vol. 5, nº1, 2012. <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822012000100004>
REFERÊNCIAS :
SOARES, Márcia Britto de Macedo; MORENO, Doris Hupfeld; MORENO, Ricardo Alberto. Psicofarmacologia de antidepressivos. Revista Brasileira de Psiquiatria, v.21, 1999.
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44461999000500006>
Sites utilizados:
<http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=212>
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