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APOSTILA TEORIA DA COMUNICAÇÃO Material produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda 2017 Sumário 1 Introdução ao CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA COMUNICAÇÃO ............................................. 2 1.1 O que é teoria? .................................................................................................................... 2 1.2 Conceitos de comunicação e informação ........................................................................... 2 1.3 Comunicação e ciência ........................................................................................................ 4 1.4 Paradigmas, teorias e modelos ........................................................................................... 5 2 SEMIÓTICA ................................................................................................................................ 10 2.1 A semiótica de Charles Sanders Peirce ............................................................................. 10 2.2 Outras fontes e caminhos ................................................................................................. 15 2.2.1 As fontes soviéticas .................................................................................................... 15 2.2.1 A matriz de Saussure .................................................................................................. 15 3 TEORIA MATEMÁTICA DA COMUNICAÇÃO .............................................................................. 17 3.1 Modelo de Shannon e Weaver .......................................................................................... 17 3.2 Conceitos adotados pela teoria......................................................................................... 19 3.3 Crítica ao modelo informacional ....................................................................................... 20 4 A ESCOLA DE CHICAGO E A PESQUISA NORTE-AMERICANA .................................................... 22 4.1 A teoria da agulha hipodérmica ou teoria da bala mágica ............................................... 23 4.2 O paradigma funcionalista da Comunicação ..................................................................... 24 4.3 O modelo de Harold Lasswell ............................................................................................ 26 4.4 A Teoria da Persuasão ou os estudos empírico-experimentais ........................................ 27 4.5 A Teoria dos Efeitos Limitados e o modelo do two-step flow ........................................... 30 4.6 A corrente dos Usos e Gratificações ................................................................................. 31 5 TEORIA CRÍTICA E A INDÚSTRIA CULTURAL ............................................................................. 34 5.1 Gênese da Teoria Crítica ................................................................................................... 34 5.2 Indústria Cultural ............................................................................................................... 36 6 O CENTRO DE BIRMINGHAM E OS ESTUDOS CULTURAIS ........................................................ 40 6.1 Principais teóricos do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS) ................. 41 6.2 Narrativa histórica sobre os interesses de estudo: ........................................................... 42 6.3 Os estudos sobre os meios de comunicação .................................................................... 43 6.4 Traços fundamentais dos Estudos Culturais em divergência com o Funcionalismo e a Teoria Crítica: .......................................................................................................................... 44 7 MODELO TEÓRICO - CULTURAL EUROPEU OU TEORIA CULTUROLÓGICA ............................... 47 7.1 Edgar Morin e a cultura de massa ..................................................................................... 49 7.2 Umberto Eco: Apocalípticos e Integrados ......................................................................... 50 8 FOUCAULT: A ORDEM DO DISCURSO E O CONCEITO DE PANÓPTICO ..................................... 54 8.1 A ordem do discurso ......................................................................................................... 54 8.1.1 O discurso jornalístico e o discurso publicitário ......................................................... 55 8.2 O conceito de Panóptico ................................................................................................... 56 8.2.1. As concepções de Superpanóptico e o Sinóptico ...................................................... 58 9 MARSHALL MCLUHAN E A ALDEIA GLOBAL ............................................................................. 61 9.1 A tese central .................................................................................................................... 62 9.1.1 Bases do pensamento de McLuhan: .......................................................................... 62 9.2 Meios Quentes e Meios Frios ............................................................................................ 64 9.3 Os estudos continuam... .................................................................................................... 65 10 OUTROS MODELOS TEÓRICOS ............................................................................................... 67 10.1 Teoria do Espelho ............................................................................................................ 67 10.2 Teoria do Newsmaking .................................................................................................... 68 10.2.1. Critérios de noticiabilidade ..................................................................................... 70 10.3 Teoria do Gatekeeper...................................................................................................... 75 10.4 Teoria do Agendamento ou Agenda Setting .................................................................. 77 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................... 82 2 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 1 Introdução ao CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA COMUNICAÇÃO 1.1 O que é teoria? Reflexão mental sobre a realidade e se faz ligada à prática, portanto, formula problemas para o conhecimento e exige soluções. Quando analisamos a origem da palavra, na época de Aristóteles (384-322 a. C.), teorizar (acerca de alguma coisa) corresponde a retirar algo de sua realidade imediata, abstraindo-o, e proceder a um exercício de raciocínio logicamente orientado. THEORIA = ação de contemplar, admirar algo com o pensamento. Pela Theoria, o ser humano se aproxima de THEUS (Deus). Outros significados: contemplação atenta; admiração pelo pensamento; reflexão; forma de representação que se pretende situada acima da realidade sensível. A TEORIA SEMPRE ESTÁ ATRELADA À PRÁTICA E VICE E VERSA. TEORIA + PRÁTICA = PRÁXIS Constituída por um sistema, ordenado de enunciados ou ideias que resumem os fatos observados, unidos ao processo histórico concreto e que permite antecipar ou predizer seu desenvolvimento. Fenômenos da Comunicação são estudados valendo-se de outras áreas do conhecimento como a Antropologia, Sociologia, Psicologia, Linguística, Teoria Política. 1.2 Conceitos de comunicação e informação A palavra comunicação é derivada do termo em latim communicare que significa tornar comum ou associar, partilhar, trocar opiniões. Assim, como define Vilalba (2006, p.5-6) comunicação é a “açãosocial de tornar comum”. O sentido é essencial para tornar ou não essa ação comum, ou seja, informando ou desinformando. Segundo o autor, o sentido é: uma resposta mental a um estímulo percebido pelo corpo e que, na mente, torna-se informação. Por sua vez, essa informação, aplicada de maneira eficaz, transforma-se em conhecimento. Tudo isso acontece por meio do processo de comunicação, em que o sentido é formado, apresentado e negociado. Comunicação significa todos os processos de transação, de troca, entre os indivíduos, a interação do indivíduo com a natureza, do indivíduo com as instituições 3 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação sociais e ainda o relacionamento que o indivíduo estabelece consigo mesmo. Pela comunicação, o sujeito se faz pessoa, indo do singular ao plural. Existem vários sentidos e usos do termo e existem inúmeras acepções. Abrangem domínios extremamente diversificados que compreendem atos discursivos como silêncios, gestos e comportamentos, olhares e posturas, ações e omissões. A comunicação não é um processo mecânico, mas é a expressão de todo um complexo histórico e sociocultural. O sentido da comunicação implica em romper isolamentos e a ideia de realizar algo em comum. O estabelecimento de relações acaba provocando o compartilhar de consciências que buscam uma ação em comum, intercâmbio de ideias ou até a discussão entre diferentes pontos de vista sobre um determinado objeto. Agora, classificar uma comunicação de informação exige outra análise porque se pode comunicar sem informar. Martino (2007, p. 17) define que informação é: uma comunicação que pode ser ativada a qualquer momento, desde que outra consciência (ou aquela mesma que codificou a mensagem) venha resgatar, quer dizer ler, ouvir, assistir... enfim decodificar ou interpretar aqueles traços materiais de forma a reconstituir a mensagem. Em outras palavras, a informação é o rastro que uma consciência deixa sobre um suporte material de modo que outra consciência pode resgatar, recuperar, então simular, o estado em que se encontrava a primeira consciência. O termo informação se refere à parte propriamente material, ou melhor, se refere à organização dos traços materiais por uma consciência, enquanto que o termo comunicação exprime a totalidade do processo que coloca em relação duas (ou mais) consciências. Em seu sentido etimológico, “informar” significa dar forma a. A partir dessa afirmação pode-se dizer que a comunicação pode existir, mas a informação ocorre quando quem recebe a mensagem consegue absorver o sentido. Uma página de um livro é informação para um ser humano, mas não para um cão. Por outro lado, a mesma página de um livro também pode ser totalmente sem sentido para um analfabeto, pois ele não consegue absorver o conteúdo da mensagem. As nuances entre informação 4 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação e comunicação são delicadas, pois o que pode ser valioso para uns, é completamente sem importância ou sentido para todos. 1.3 Comunicação e ciência O que é ciência? No seu sentido mais amplo, ciência (do latim scientia, significando "conhecimento") refere-se a qualquer conhecimento (ou prática) sistemático. Num sentido mais restrito, ciência refere-se a um sistema de adquirir conhecimento baseado no método científico, assim como ao corpo organizado de conhecimento conseguido através de tal pesquisa. Os parâmetros que definem a comunicação como um campo da ciência são os seguintes: • Qual o objeto de estudo de Comunicação? • Quais métodos e técnicas são utilizados? • Quais pressupostos teóricos possui? Podemos identificar, em linhas gerais, pelo menos dois objetos de estudo da comunicação. São eles: 1) Meios de comunicação ou mídia: refere-se ao estudo da comunicação realizada ou mediada pelos meios tradicionais e pelas novas tecnologias, considerando a repercussão desses meios, os impactos decorrentes de seu surgimento e desenvolvimento, por exemplo. 2) Processo comunicativo: implica em analisar os processos de produção e circulação de informações, considerando as dimensões psicobiológicas, social, e do mundo físico, inclusive os processos produção e interpretação de sentidos, relativos ao simbólico e a linguagem. O CAMPO DA COMUNICAÇÃO É INTERDISCIPLINAR! Os primeiros estudos acerca da comunicação foram realizados por estudiosos de diferentes áreas como cientistas políticos, sociólogos, psicólogos etc. Sendo assim, as práticas comunicativas transformaram em objeto de estudo de diferentes ciências. 5 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Sua natureza interdisciplinar possibilita a análise do fenômeno da comunicação por diferentes campos do conhecimento sob diferentes perspectivas. 1.4 Paradigmas, teorias e modelos O paradigma é uma noção central de toda a reflexão que tome a Comunicação com objeto. O termo, na filosofia grega antiga, significava o ato ou o fato de “fazer-se aparecer” ou “ representar-se de maneira exemplar”. Paradigmas podem ser definidos como “quadros de referência”. Paradigma supõe “ordenação”, “série organizada de apontamentos” ou “conjunto de formulações genéricas”. Em plano filosófico, um paradigma serve à “afirmação de uma identidade”. A função positiva do paradigma é não renegar diferenças possíveis dessas identidades. Porém, sua função negativa surge quando se deixa traduzir como “um conjunto de normas que, pela interposição ativa de teorias, ensejam a elaboração de modelos”. Adotar um paradigma significará firmar um ponto de vista, não somente porque assim se “vê de perto”, mas também porque se determina o modo pelo qual se vai exercer um olhar. Todo paradigma serve à introdução de certezas e convicções que autorizam a formulação de perguntas. Figura 1 Figura 2 Um paradigma muda quando ocorrem, por exemplo, as chamadas revoluções científicas. As revoluções acontecem quando determinadas crenças e convicções, até então aceitas como verdades, sofram abalos e venham a desmoronar. Entre os exemplos clássicos dessas mudanças de paradigmas científicos figura o sistema do astrônomo 6 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Cláudio Ptolomeu (100-170 d.C.) (Figura 1). Suas teorias e explicações astronômicas, que afirmam a imobilidade da Terra e sua posição no centro do universo (Figura 2), dominaram o pensamento científico até o século XVI. Outro sistema, a nova astronomia de Nicolau Copérnico (1473-1543) (Figura 3), as revogou, demonstrando que o Sol ocupava o centro do universo; a Terra, em movimento de rotação, girava em torno dele (Figura 4). Figura 3 Figura 4 Os paradigmas mudam. Em resumo, um paradigma consiste em uma mistura de pressupostos filosóficos, de modelos teóricos, de conceitos-chave e de prestigiosos resultados de pesquisa – isso tudo passando a constituir um universo de pensamento familiar a pesquisadores, em dado instante do desenvolvimento de uma disciplina científica. A partir do entendimento do conceito de paradigma, podemos fazer a relação entre PARADIGMA - TEORIA – MODELO. O paradigma serve como referência para um fazer científico durante uma determinada época ou um período de tempo demarcado. A teoria é uma construção intelectual, o modo de apresentação do saber. Ou seja: como descrição e explicação de fatos e fenômenos previstospor um paradigma e selecionado por uma teoria, o modelo retém aspectos e relações tidos como mais importantes para a referida teoria. Todo modelo acarreta uma simplificação dos fatos e fenômenos 7 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação teoricamente existentes e que podem ser observados. A partir do entendimento dessa relação, começam os estudos dos paradigmas da comunicação e seus modelos teóricos. Os modelos teóricos da comunicação são: 1. Paradigma matemático – informacional Ideias principais: Æ Uma teoria baseada em princípios matemáticos e estatísticos. Æ Foi motivada pela formalização matemática do controle comportamental pela previsibilidade e o cálculo de seus sinais aparentes. Æ A regulação automática da ação humana. Exemplos: - Modelo teórico-matemático da comunicação - Modelo de Berlo - Modelo de Schram 2 . Paradigma funcionalista-pragmático Ideias principais: Æ Convicção de que os seres humanos obedeciam a “automatismos comportamentais”. Æ Os meios de comunicação possuem um poder incontestável e absoluto. Æ As cidades grandes anulavam as diferenças individuais. ÆA sociedade deixa de se constituir por relações pessoais, de intimidade, de solidariedade comunitária para adquirir uma nova conformação, definida por relações impessoais, anônimas e portadoras de uma solidariedade de conveniência (mecanicamente oferecida). Exemplos: - Modelo da Agulha Hipodérmica - Modelo de Laswell - Modelo de Lazarfeld 8 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação - Modelo de Klapper - Modelo de usos e satisfações OBSERVAÇÕES! 9 O funcionalismo supõe que o desenvolvimento dos meios de comunicação corresponda a novas necessidades sociais. 9 Os meios devem proporcionar satisfações a expectativas de um público – parte da população total que se acha exposta à ação dos referidos meios. 9 Pragmatismo – corrente de ideias que prega a validade de uma doutrina que adota como critério de verdade a utilidade prática. Senso prático. 9 Pragmático – voltado para objetivos práticos, realista, objetivo. 3. Paradigma conceitual ou crítico-radical Ideias principais: Æ Os meios de comunicação seriam veículos propagadores de ideologias próprias às classes dominantes, impondo-as às classes populares pela persuasão ou pela pura e simples manipulação. Exemplo: - Escola de Frankfurt 4. Paradigma conflitual-dialético Ideias principais: Æ Os meios de comunicação não podem ser considerados variáveis independentes do desenvolvimento tecnológico e da evolução histórica da acumulação capitalista. Æ Correspondem a uma necessidade peculiar ao capital no processo de legitimação de seus princípios afirmativos. Æ A resolução de conflitos faz surgir o novo. Æ A transmissão da informação “massificada” persegue objetivos comerciais e financeiros; acessoriamente ela se pretende “transcultural” e “multinacional”, isto é, “mundializada”. Daí sua funcionalidade. 9 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Exemplos: - Modelo da proposição marxista - Modelo da dependência - Modelo neo-marxista 5. Paradigma culturológico Ideias principais: Æ Da mais importância às produções da “indústria da cultura” como filmes, seções de jornais, revistas especializadas, histórias em quadrinhos, ficção de TV. Æ Em comum, os teóricos tinham o entusiasmo, a ausência de atitudes preconceituosas ou elitistas e o espírito aberto em relação à “indústria da cultura”. Æ Correlacionam notícia e fait divers (notícias de variedades) e as considera como duas vertentes da “cultura massiva”. Æ Edgar Morin, um dos principais teóricos desse paradigma, enxerga na “cultura massiva” uma intensa circulação de imagens, símbolos, ideologias e mitos, que dizem respeito tanto à vida prática quanto à vida imaginária. Exemplos: - Modelo teórico-cultural - Cultural Studies (Estudos Culturais) 6. Paradigma midiológico Ideias principais: Æ Abordagem que entende que o desenvolvimento humano é totalmente ligado ou é uma consequência das ferramentas tecnológicas. Exemplos: - Modelo do meio como a mensagem - Modelo da midialogia francesa 10 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 2 SEMIÓTICA “O universo está em expansão. Onde mais poderia ele crescer senão na cabeça dos homens? ” Charles Sanders Peirce A Semiótica é a ciência dos signos. É a ciência geral de todas as linguagens. Em outras palavras, é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis. Tem por função classificar e descrever todos os tipos de signos logicamente possíveis. Ou seja: que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de sentido. Essa produção de sentidos faz parte da nossa existência no mundo como indivíduos sociais que somos. Nos comunicamos através da leitura e/ou produção de formas, volumes, massas, interações de forças, movimentos, imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes. Podemos ainda nos comunicar através de gestos, objetos, sons musicais, expressões, cheiro e tato. Mesmo com tanta diversidade, ainda somos, segundo Santaella (2002, p. 12), ligados “à crença de que as únicas formas de conhecimento, de saber e de interpretação do mundo são aquelas veiculadas pela língua, na sua manifestação como linguagem verbal, oral ou escrita”. No entanto, “grupos humanos constituídos sempre recorreram a modos de expressão, de manifestação de sentido e de comunicação sociais outros e diversos da linguagem verbal”. São desenhos, pinturas, esculturas, poética, cenografia. Diante de tantas possibilidades, o estudo da Semiótica busca divisar e desvendar a linguagem. A Semiótica nasceu a partir da necessidade de uma ciência capaz de criar dispositivos de indagação e instrumentos metodológicos aptos a desvendar o universo diversificado dos fenômenos de linguagem. 2.1 A semiótica de Charles Sanders Peirce Umas das fontes principais da ciência Semiótica é o trabalho do cientista- lógico- filósofo Charles Sanders Peirce (1839-1914) nos Estados Unidos. 11 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação A semiótica é uma das disciplinas que fazem parte da ampla arquitetura filosófica de Peirce. Essa arquitetura está alicerçada na Fenomenologia que, como base para qualquer ciência, observa os fenômenos e, através da análise, postula as formas ou propriedades universais desses fenômenos. Ou seja: a Fenomenologia investiga os modos como apreendemos qualquer coisa que aparece à nossa mente, qualquer coisa como um cheiro, uma formação de nuvens no céu, o ruído da chuva, uma imagem numa revista, etc., ou algo mais complexo como um conceito abstrato, a lembrança de um tempo vivido, enfim, tudo que se apresenta à mente. Peirce, a partir da observação de vários fenômenos, chega as suas categorias através da análise e do atento exame do modo como as coisas aparecem à consciência. Todo esse trabalho gerou as suas três categorias universais de toda a experiência e todo pensamento. É o chamado modelo da tríade. Todas as relações semióticas são triádicas. A leitura dos signos: Primeiridade Æ A ideia original. O presente, o imediato. A primeira apreensão das coisas. Consciência aberta ao mundo. Primeiro contato (sentimento puro) Æ o sabor do vinho, o amor, perfume das rosas, uma dor de cabeça; Secundidade Æ Mundoreal, reativo. Arena da existência cotidiana. Estamos vivos e reagindo em relação ao mundo. Existir é estar em uma relação com o mundo. Começa a compreender – dúvida – processo (conteúdo), elaboração de hipóteses. Æ Ação e reação ainda em nível de binariedade pura, sem o governo da camada mediadora de intencionalidade, razão ou lei. Terceiridade Æ Síntese intelectual. Confirmação (características individuais). Leitura elaborada. Difusão, crescimento e inteligência. O pensamento em signos. Æ A mais simples ideia de terceiridade é aquela de um signo ou representação. Exemplo: - O azul simples e positivo. É um primeiro. - O céu, como lugar e tempo, aqui e agora, onde se encarna o azul. É um segundo. - A síntese intelectual, elaboração cognitiva – azul no céu, o azul do céu. É um terceiro. 12 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação A tríade semiótica de Peirce: Como já foi citado, as relações semióticas são triádicas, isto é, envolvem basicamente o signo, o objeto que o signo representa e o interpretante, segundo Peirce. Diante de qualquer fenômeno, isto é, para conhecer e compreender qualquer coisa, a consciência produz um signo. • O signo (ou representamen) pode ser considerado algo, um elemento de comunicação que representa alguma coisa para alguém. Faz parte da Primeiridade. • O objeto que o signo representa é algo que transmitirá uma mensagem a alguém (que pode ser um fato). Faz parte da Secundidade. • O interpretante é o receptor do signo (que pode ser a interpretação que alguém venha a fazer do fato; a ideia criada do signo na mente do observador). Mediador do pensamento. Faz parte da Terceiridade. Exemplos: UM E-MAIL: Escrevo um e-mail para um colega. O e–mail é um signo daquilo que desejo transmitir-lhe, que é o objeto do signo. O efeito que a mensagem produz em meu colega é o interpretante do e-mail que, ao fim, é um mediador entre aquilo que desejo transmitir a meu colega e o efeito que esse desejo nele produz através do e-mail. 13 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação UM COMERCIAL DE CARRO: O carro é um signo do produto, que vem a ser o objeto desse signo, isto é, do comercial na TV. O impacto ou não que a publicidade despertar no público é o interpretante da publicidade. UM FILME: O enredo é originário de um romance, assim o filme é um signo desse romance, que é, portanto, o objeto do signo, cujo interpretante será o efeito que o filme produzirá em seus espectadores. As tricotomias ou a classificação dos signos: As classificações podem nos ajudar na leitura de todo e qualquer processo sígnico. As tricotomias de Peirce mais conhecidas e divulgadas são as listadas abaixo. Tomando- se a relação do signo consigo mesmo, a relação do signo com seu objeto e a relação do signo com seu interpretante. Novamente aqui podemos observar o sistema de tríade: Relação do signo consigo mesmo: x Quali-signo - (Qualidade) - uma qualidade que é um signo. Ex. cor, uma cor pura sem considerar seu contexto. Segundo Santaella... Æ “ Quantos artistas não fizeram obras para nos embriagar apenas com uma cor? ” Æ “Por que uma simples cor pode funcionar como signo? “ Æ“ Ora, uma simples cor, como o azul claro, produz uma cadeia associativa que nos faz lembrar o lembrar o céu, mar, roupa de bebê, etc. Por isso mesmo, a mera cor não é o céu, não é roupa de bebê, mas lembra, sugere isso. ” x Sin-signo - (Singularidade) uma coisa ou um evento existente tomado como signo. Ex. cata-vento, um diagrama de alguma coisa em particular. 14 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação x Legi-signo - (Lei) é uma convenção ou lei estabelecida pelos homens. Ex. as letras do alfabeto, as palavras, signos matemáticos, químicos. Relação signo e objeto: x Ícone - segundo Pierce, é aquele signo que, na relação signo-objeto, indica uma qualidade ou propriedade de um objeto por possuir certos traços (pelo menos um) em comum com o referido objeto. São ícones os quadros, desenhos, estruturas, modelos, metáforas e comparações, figuras lógicas e poéticas etc. Os ícones comunicam de forma imediata porque são imediatamente percebidos. Signo possui analogia com seus referentes. Ex: foto, desenho de alguém ou de alguma coisa. x Índices - são aqueles signos nos quais a relação signo-objeto S (O) é uma relação direta, casual e real com seu objeto, como, por exemplo, o ponteiro de um relógio. É um signo que se refere a um determinado objeto em razão de ser afetado por ele. O mesmo que indício de alguma coisa ou acontecimento. Ex: fumaça, indício de fogo; terra molhada, indício de que choveu; pegadas, indício de que tal animal passou. x Símbolo - É aquele signo onde a relação signo-objeto S (O) designa seu objeto independente da semelhança (caso no qual é ícone) ou das relações causais com o objeto (caso no qual é índice). É um signo arbitrário, cuja ligação com o objeto é definida por uma lei convencionada. Deste modo, ele é um legi-signo, de vez que atua como um tipo ou uma lei geral. Um signo da linguagem verbal, sua relação com o referente pode ser arbitrária. Ex: palavra, cruz, sinal de trânsito, placas de trânsito. Relação signo e interpretante: x Rema: para seu interpretante, é um signo de possibilidades, de meras hipóteses que podem per provadas ou não. Ex: uma palavra qualquer é um rema, a palavra menino. x Dicente: é um signo de existência real, um evento, uma ocorrência, um fato. Ex: o menino está doente. 15 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação x Argumento: é um signo de uma lei, é a expressão de todo o sistema comportando regras. Traz um raciocínio completo, justificado, com caráter conclusivo. Nesse caso, temos o argumento. Ex: O menino está doente porque apresenta manchas vermelhas e temperatura alta. 2.2 Outras fontes e caminhos 2.2.1 As fontes soviéticas x No século XIX, o trabalho de A. N. Viesse-lovski, A. A. Potiebniá, na União Soviética caminhou para a descoberta do estruturalismo linguístico. x Teorias debatiam a ligação entre a fase de desenvolvimento da língua com os estágios de desenvolvimento da sociedade. x Estudos incluíam relações entre linguagem e os ritos antigos e entre linguagem de gestos e a língua articulada. x O cineasta Eisenstein, considerado um “artista intersemiótico” surgido na Rússia revolucionária e pós revolucionária, era preocupado com a origem dos sistemas de signos, na presença da literatura em suas reflexões sobre o cinema. A obra do cineasta mostrava as relações entre as artes com a ciência e a técnica. x Estudos científicos da Poética, Formalismo Russo, nasceram no Círculo Linguístico de Praga. x A partir dos anos 50, um número cada vez maior de pesquisadores desenvolve o trabalho a partir da perspectiva de Iuri Lotman (1922-1993), semioticista e historiador cultural, e procura responder questões sobre todos os sistemas de signos em ciências mais recentes como Cibernética e Teoria da Informação. 2.2.1 A matriz de Saussure x Esta fonte é baseada no Curso de Linguística Geral, proferido pelo linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure (1857-1915), da Universidade de Genebra, na primeira década do século passado. O curso foi transformado em livro e publicado a partir de anotações dos alunos de Saussure após sua morte. Saussure investigou a construção lógica da linguagem. 16 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação x Saussureconcebia o signo como uma combinação de significante (parte física da palavra – forma gráfica + som) e um significado (um conceito transmitido pelo significante), unidos por uma relação de arbitrariedade. Vejamos a charge a seguir.. x Observe que a mulher não sabe o significado de “recíproco”. O significante ficou sem sentido para ela. x Ponto coincidente entre o pensamento de Saussure e Peirce Æ A convicção de que o pensamento e a comunicação se fundamentam no emprego de SIGNOS. 17 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 3 TEORIA MATEMÁTICA DA COMUNICAÇÃO A Teoria Matemática da Comunicação ou Teoria da Informação - como também é conhecida - é, na verdade, uma sistematização do processo comunicativo a partir de uma perspectiva puramente técnica, quantitativa. Foi elaborada, em 1949, por dois engenheiros matemáticos, Claude Shannon (1916-2001) e Warren Weaver (1894-1978), que trabalhavam para a Bell Telephone, nos Estados Unidos. Constitui um estudo de engenharia da comunicação que se caracterizava por sua extrema simplicidade e fácil compreensão. A comunicação, de acordo com a Teoria Matemática, é vista não como processo, mas como sistema com elementos que podem ser relacionados e montados num modelo. A proposta é de um modelo linear fixo, em que os elementos são encadeados e não podem se dispor de outra forma. O fenômeno comunicativo é cristalizado numa forma fixa. 3.1 Modelo de Shannon e Weaver O modelo de Shannon e Weaver tornou-se uma importante referência para toda a discussão dos processos de comunicação. A comunicação é representada como um sistema de transmissão de informações que pode ser esquematizado da seguinte maneira: 18 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação • Uma fonte emissora de informação (o comunicador) seleciona uma mensagem a ser enviada a partir de um conjunto ou repertório de mensagens possíveis; • Dada mensagem, um transmissor ou emissor (um suporte técnico, mecânico) a codifica (converte em sinais), de acordo com as regras e combinação de um código determinado; • Assim convertidos, esses sinais são transmitidos por meio de um canal (meio pelo qual se passa o sinal da fonte para o destinatário) a um receptor (suporte técnico, mecânico). • O receptor capta os sinais, a mensagem é recuperada e decodificada pelo destinatário. Por exemplo, na telefonia: • A fonte de informação é o cérebro da pessoa que fala (selecionando a mensagem desejada a partir de um conjunto de mensagens possíveis – repertório). • O transmissor converte a mensagem em ondas eletromagnéticas. • O sinal é uma corrente elétrica variável e o canal é um fio. • O receptor é o fone que recebe o sinal e o converte em mensagem inteligível para o destinatário, o cérebro da pessoa com quem se fala. 19 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 3.2 Conceitos adotados pela teoria Alguns conceitos correlatos adotados por esta teoria, bem como os elementos do processo são adequados a um sistema lógico de estudo puramente matemático e quantitativo: • Ruído: fatores que distorcem a qualidade de um sinal (sons perturbadores, mensagens que interferem em outras mensagens); se ampliarmos o sentido de ruído, podemos incluir todos os fatores que podem reduzir a efetividade da comunicação; quanto maior o ruído, menor é a fidelidade da comunicação; • Fidelidade: a comunicação que atinge seu propósito inicial; a eliminação do ruído aumenta a fidelidade e a produção de ruído reduz a fidelidade. • O conceito de informação: ligado à incerteza, à probabilidade, ao grau de liberdade na escolha das mensagens; pode ser definido como todo sinal físico introduzido em um dado sistema e capaz de reduzir seu grau de entropia, caracterizando-se, portanto, pela sua novidade. Constitui informação todo conteúdo novo veiculado em um sistema por dada mensagem com o objetivo de manter seu funcionamento. • Entropia: medida da desordem ou da imprevisibilidade da informação; ganha sentido de desorganização de uma mensagem, a tendência dos elementos fugirem da ordem. O processo de informação visa conter tal tendência, conservar ou modificar o nível de organização deste sistema, evitando que o grau de entropia cresça e o leve ao princípio de dissolução. • Redundância: repetição utilizada para garantir o perfeito entendimento; toda vez que certos sinais forem repetidos com a finalidade de assegurar o processo de redução do grau de incerteza ou entropia de um sistema. Visa neutralizar os possíveis efeitos de uma fonte de ruído no canal. • Feedback: representa um mecanismo que permite à fonte controlar o modo como o receptor está recebendo as informações; é o mecanismo de realimentação do sistema. Para Shannon e Weaver, a problemática da comunicação pode ser analisada em três níveis (resolvendo-se o primeiro, soluciona-se o conjunto), respondendo a três questões: 20 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação - Técnico: problema da transmissão das informações; capacidade de o canal conduzir as informações sem ruído. Qual a acuidade (capacidade de percepção) de uma transmissão de sinais? - Semântico: significado das informações. Qual o grau de nitidez com que os sinais transmitidos veiculam os significados desejados? - Pragmático ou Informativo-Comunicacional: capacidade de as informações modificarem o comportamento das pessoas. Qual a eficiência/eficácia dos significados captados/assimilados no comportamento do receptor? E no que diz respeito à finalidade desejada e prevista pelo emissor/fonte da informação? 3.3 Crítica ao modelo informacional Muitas investigações acerca da comunicação humana e os estudos de mídia usaram o modelo da Teoria Matemática, mas ele entrou em crise por volta de 1970. Durante o processo de vigência do paradigma matemático, os processos de interação foram reduzidos à pura e simples transmissão de mensagens de um emissor para um receptor. Segundo Jean Baudrillard (apud RÜDIGUER, 2011, p.25), os fenômenos comunicativos foram reduzidos a uma construção formal e foram “excluídos de pronto a reciprocidade, o antagonismo entre os participantes ou a ambivalência de seu intercâmbio”. Os conceitos de comunicador foram coisificados, perdendo seu sentido humano, prático e social. 21 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Nesse contexto, o ponto de vista técnico foi superestimado e concedeu-se primazia aos veículos e canais de comunicação, esquecendo-se que a comunicação por hipótese, não pode ser mediada, constituindo também um processo de interação social. RELEMBRANDO... 22 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 4 A ESCOLA DE CHICAGO E A PESQUISA NORTE-AMERICANA O que é normalmente conhecido como Teoria da Comunicação diz respeito a uma tradição de estudos e pesquisas que se inicia no começo do século XX. O que não significa que, até este momento específico, não se estudava a comunicação. Por exemplo, os estudos do filósofo grego Aristóteles sobre a retórica (estudo da argumentação, em tempos de ágora, debates e filósofos gregos) podem ser identificados como estudos sobre a comunicação. No entanto, os primeiros estudos sobre a comunicação demassa acontecem nos Estados Unidos, na década de 30, a partir de uma demanda pragmática, mais política do que científica - determinando uma problemática de estudos que não foi abordada pelo interesse científico. Nessa época, pesquisadores em torno da chamada Escola de Chicago priorizaram os estudos com enfoque microssociológico de processos comunicativos, tendo a cidade como local privilegiado de observação. Herbert Blummer (1900-1987), um dos membros da Escola de Chicago, a partir das ideias de George Herbert Mead (1863-1931) sobre psicologia social, inaugura o termo “interacionismo simbólico” (foco nos processos de interação social - que ocorrem entre indivíduos e grupos - mediados por relações simbólicas), dando início a um outro campo na área, com pressupostos teóricos próprios. As correntes de pensamento desses pesquisadores se desenvolveram de forma marginal nos Estados Unidos, constituindo campos de pesquisa restritos às áreas em que se originaram e com pouca influência no resto do mundo até os anos 60. Todas essas tradições de estudo só foram retomadas nesse período, quando então fizeram sentir sua influência sobre o conjunto de estudos em comunicação em todo o mundo. Isso porque, entre os anos 20 e 60, os estudos norte-americanos foram marcados pela hegemonia de um campo de estudos denominado Mass Communication Research. Essa tradição de estudos é composta por autores variados com modelos teóricos diversos e resultados distintos. Contratados por diversas instituições para resolver problemas imediatos relativos às questões comunicativas - daí o caráter instrumental desse tipo de pesquisa -, pesquisadores como Lasswell, Lazarsfeld, Lewin e Hovland deram início a esse campo de estudos ou a longa tradição de análise em comunicação. 23 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Os primeiros estudos seguiram a questão dos efeitos, uma temática específica da pesquisa americana, essa corrente de preocupação congrega variados estudos de naturezas diferentes. O campo da Mass Communication Research pode ser dividido nos grupos a seguir. 4.1 A teoria da agulha hipodérmica ou teoria da bala mágica A Teoria Hipodérmica é um modelo que nasce a partir da primeira reação que a difusão dos meios de comunicação de massa despertou nos estudiosos. Ela se constrói, portanto, em relação à novidade que são os fenômenos da comunicação de massa, e às experiências totalitárias da época em que surge - o período entre guerras. A síntese dessa teoria é que cada indivíduo é diretamente atingido pela mensagem veiculada pelos meios de comunicação de massa, ou seja, existe uma concepção de onipotência dos meios, e de efeitos diretos. Sua preocupação básica é justamente com esses efeitos. Esse modelo apresentava a fonte emissora em extrema vantagem, relegando o receptor a uma condição de integral de passividade. Pensa-se em uma “massa” na qual os indivíduos não possuem rosto e na qual as individualidades se diluem. Há que se destacar a presença da teoria da sociedade de massa, e de uma teoria psicológica da ação, ligada ao objetivismo behaviorista. A presença de um conceito de sociedade de massa destaca o isolamento físico e normativo do indivíduo na massa e a ausência de relações interpessoais. Daí a atribuição de tanto destaque às capacidades manipuladoras dos mass media. A ação da teoria Hipodérmica está baseada na psicologia behaviorista que estuda o comportamento humano com métodos de experimentação e observação das ciências naturais e biológicas. O behaviorismo (do termo inglês behaviour ou do americano behavior, significando conduta, comportamento) entendia a ação humana como resposta a um estímulo externo. O resultado da utilização desse tipo de concepção é que a Teoria Hipodérmica considerava o comportamento em termos de estímulo e resposta, o que permitia estabelecer uma relação direta entre a exposição às mensagens e o comportamento: se uma pessoa é “apanhada” pela propaganda, ela pode ser controlada, manipulada, levada a agir. Em síntese, o modelo de estudo da comunicação predominante no período compreendido entre as duas guerras mundiais. Baseava-se na ideia de que se as 24 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação mensagens conseguissem alcançar os indivíduos que constituem a massa, a persuasão é facilmente inoculada. Esse modelo de entendimento considerava a mídia uma “seringa”, injetando informações, inoculando ideias, minando resistências e submetendo vontades à vontade. Atingido pela mensagem a comunicação (propaganda) obtém o êxito preestabelecido. O indivíduo pode ser controlado, manipulado e levado a agir. Uma das principais críticas ao modelo teórico é que dentro de sua concepção causa-efeito existe a negligência com as relações interpessoais, pois na medida em que se percebe que os efeitos não são diretos, a resposta ao estímulo se defronta com fatores psicológicos, quebrando a ideia de linearidade no processo. 4.2 O paradigma funcionalista da Comunicação Influenciados pelo positivismo (que chegou aos EUA no início do séc. XX) e pelo funcionalismo de Émile Durkheim (1858-1917), os pesquisadores norte-americanos explicam os mecanismos da sociedade da mesma forma que a biologia explica o funcionamento da vida. A comunicação ajudaria o habitante das cidades a sobreviver em uma situação de mudanças. Enquanto os modelos anteriores focavam, por exemplo, a mídia de massa e a propaganda, o Funcionalismo focou na comunicação normal (interpessoal, social) 25 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação A corrente funcionalista aborda hipóteses sobre as relações entre os indivíduos, a sociedade e os meios de comunicação de massa. A questão de fundo são as funções exercidas pela comunicação de massa na sociedade. O centro das preocupações deixa de ser o indivíduo para ser a sociedade, a partir de linha sócio-política. Já não é a dinâmica interna dos processos comunicativos que define o campo de interesse de uma teoria dos mass media, mas sim a dinâmica do sistema social. O funcionalismo supõe que o desenvolvimento dos meios de comunicação corresponda a novas necessidades sociais, sendo este o caso, a tais meios compete proporcionar satisfações a expectativas de um público – parte da população total que está exposta à ação dos referidos meios. Assim, a teoria sociológica de referência para estes estudos é o estrutural- funcionalismo, de Émile Durkheim. O sistema social na sua globalidade é entendido como um organismo cujas diferentes partes desempenham funções de integração e de manutenção do sistema. Analogia entre o social e o biológico: toma como estrutura o organismo do ser vivo, composto de partes, e no qual cada parte cumpre seu papel e gera o todo, torna esse todo funcional ou não. Cada parte ajuda a preservar o todo. Durkheim chama isso de solidariedade orgânica. Este conceito está intimamente ligado à perspectiva da divisão do trabalho na sociedade, para Durkheim. Neste sentido, a comunicação teria FUNÇÕES e DISFUNÇÕES na sociedade, assim como cada indivíduo ou instituição social: • Vigilância (informativa, função de alarme); • Correlação das partes da sociedade (integração); • Transmissão da herança cultural (educativa). • Atribuição de status (estabilizar e dar coesão à hierarquia da sociedade); • Execução de normas sociais (normatização); • Disfunção narcotizante: o público fica “dopado” com a quantidade de informações que lhe chega. 26 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda ApostilaTeoria da Comunicação • Disfunção do livre fluxo: o fato do fluxo informativo dos mass media circular livremente pode ameaçar a estrutura fundamental da própria sociedade. 4.3 O modelo de Harold Lasswell É a obra do cientista político e teórico da comunicação, Harold Lasswell (1902- 1978), Propaganda Techniques in the World War, publicada em 1927, que costuma ser identificada como o marco inicial da Mass Communication Research. No texto, ele analisou e estudou os efeitos da mídia nas motivações das duas primeiras guerras mundiais. O modelo de Lasswell segue a proposta de formalização do processo comunicativo. Aceita a ideia do estímulo, mas discorda que há resposta sem resistência. Como cientista político, propõe um paradigma para orientar o estudo científico de variados aspectos da comunicação de massa. Seu modelo, a partir de uma “questão-programa”, foi elaborado inicialmente em 1927 e proposto novamente no final dos anos 40 (1948). Para Lasswell, uma forma adequada para descrever um ato de comunicação é responder as seguintes questões: Quem?; Diz o que?; A quem?; Através de que canal?; Com que efeitos?. Abaixo, segue o modelo e sua devida explicitação: Para Lasswell, o estudo científico da comunicação tende a concentrar-se em uma ou outra das interrogações: a) "quem": nesta fase estudam-se os fatores que iniciam e guiam o ato da comunicação. O estudo desse item implica numa análise de controle; b) "diz o que": implica na análise de conteúdo da mensagem; c) "em que canal": análise dos meios interpessoais ou de massa; d) "a quem": análise de audiência ou pessoas expostas ou atingidas por esse meio; 27 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação e) "com que efeito": análise dos efeitos, ou seja, do impacto obtido pela mensagem sobre a audiência. Trata-se simultaneamente de uma sistematização orgânica do modelo da Teoria Hipodérmica, uma herança e uma evolução. Enquanto na Teoria Hipodérmica a resposta é dada sem oferecer resistência, para Lasswell, existe resistências de diversas formas por parte dos destinatários das mensagens. A fórmula de Lasswell possui uma estreita ligação com outro modelo comunicativo dominante na Mass Communication Research, o da Teoria Matemática ou Teoria da Informação. Os dois modelos se caracterizam pela unidirecionalidade, pela predefinição de papéis, pelo congelamento e simplificação do processo. Se, no caso da Teoria Matemática, a preocupação inicial era a eficácia do canal – cálculo da quantidade de informação, entropia, ruído -, na “questão-programa” de Lasswell, o centro do problema está nos efeitos provocados pelas mensagens (ou pelos meios de comunicação), e a ênfase sobre a técnica é menor. 4.4 A Teoria da Persuasão ou os estudos empírico-experimentais Os estudos empírico-experimentais debruçaram-se sobre os fenômenos psicológicos individuais que constituem a relação comunicativa, com o objetivo de perceber como ocorrem os processos de persuasão ocorridos a partir da ação dos meios. Para tanto, partiram da determinação das características psicológicas dos receptores. Entre os vários estudos, destacam-se as pesquisas do psicólogo e sociólogo Carl Iver Hovland (1912-1961), um dos pioneiros da perspectiva funcionalista junto com Paul Lazarsfeld e Harold Lasswell. Hovland era interessado pelos fenômenos de persuasão nos pequenos grupos, assim como os processos de informação das opiniões individuais. A ele se deve o sleeper effect (os efeitos de uma mensagem podem ser mais fortes ou mais fracos, na recepção e ao fim de algum tempo). Pesquisava a eficácia da propaganda junto a soldados americanos. Duas coordenadas orientam estes estudos: a características dos destinatários e organização das mensagens com finalidades persuasivas. A primeira coordenada que orienta esse tipo de estudos se orienta em relação às características dos destinatários que interferem na obtenção dos efeitos pretendidos. A estrutura que orienta esses estudos é uma concepção tão mecanicista quanto à da Teoria Hipodérmica. A de que, 28 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação entre a causa (ou estímulo) e o efeito (a reposta), existem processos biológicos intervenientes - ou seja, é a mesma concepção de causa-efeito, mas dentro de um quadro analítico um pouco mais complexo, porque considera as seguintes variáveis: o interesse em obter informação, a exposição seletiva provocada pelas atitudes já existentes, a interpretação seletiva e a memorização seletiva. Vejamos a seguir, cada uma detalhadamente: • O interesse em obter informação: isso significa que para existir sucesso numa campanha, é necessário que o próprio público queira saber mais sobre o assunto que está sendo transmitido. • A exposição seletiva provocada pelas atitudes já existentes: trata-se de saber escolher quais veículos de informação irão atingir o público-alvo com maior precisão. Exemplo: rádio? Televisão? Também serve para os produtores dos veículos descobrirem seus públicos e saber o que eles querem ver, ouvir ou ler. • A interpretação seletiva: os indivíduos não se expõem aos meios de comunicação num estado de nudez psicológica, pois são revestidos e protegidos por predisposições existentes. Como exemplo, as crenças religiosas, ideologias liberais ou conservadoras, partidarismo, preconceitos, empatias com o emissor etc. • A memorização seletiva: o indivíduo tende a guardar somente aquilo que é mais significativo para ele em detrimento dos outros valores transmitidos, chamados aqui de secundários. Mas também pode ocorrer o efeito latente, onde a mensagem persuasiva não tem efeito algum no momento imediato em que é transmitido, mas com o passar do tempo, o argumento rejeitado pode passar a ser aceito. A segunda coordenada tem a ver com a organização das mensagens com finalidades persuasivas - ou seja, os fatores ligados às mensagens. Essa tendência de pesquisa, para desenvolver-se, utilizou das conclusões obtidas na primeira coordenada. As variáveis que se relacionam com as mensagens são: a credibilidade do comunicador, a ordem da argumentação, a integralidade das argumentações e a explicitação das conclusões. 29 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Abaixo, vamos analisar cada uma das variáveis: • A credibilidade do comunicador: estudos mostram que a mensagem atribuída a uma fonte confiável produz uma mudança de opinião significativamente maior do que aquela atribuída a uma fonte pouco confiável. Mas a pesquisa não descarta que, mesmo na fonte não confiável, pode ocorrer o efeito latente. • A ordem da argumentação: a maior força de um dos argumentos influencia a opinião numa mensagem com múltiplos pontos de vista. 1) Efeito primacy caso se verifique a maior eficácia dos argumentos iniciais. 2) Efeito recency, caso se verifique que os argumentos finais são mais influentes. • O caráter exaustivo das argumentações: tenta argumentar um assunto de forma exaustiva até esgotá-lo para convencer a opinião pública. • A explicitação das conclusões: o que é melhor? Deixar as intenções implícitas ou explícitas? Conforme esta perspectiva, o ideal é “mastigar” a informação para o público. Sinteticamente: a teoria empírico-experimental ou da persuasão leva em consideração alguns fatores psicológicos dos receptores. Estes seriam uma “resistência” à mensagem enviada pelo emissor. Para quebrar esta resistência, seria necessária uma otimização da mensagem, utilizando-se do feedback obtido junto aos receptores. 30Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 4.5 A Teoria dos Efeitos Limitados e o modelo do two-step flow A abordagem empírica de campo ou “dos efeitos limitados” procurou estudar os fatores de mediação existentes entre os indivíduos e os meios de comunicação de massa. Essa corrente de estudos é composta de abordagens distintas: a) Na primeira, o principal representante é o psicólogo Kurt Lewin (1890-1947), interessado nas relações dos indivíduos dentro de grupos e seus processos de decisão, nos efeitos das pressões, normas e atribuições do grupo no comportamento e atitudes de seus membros. b) Outros estudos dessa corrente, de natureza mais sociológica, foram desenvolvidos por Paul Lazarsfeld (1901-1976). Pesquisador de enorme influência nos Estados Unidos, ele iniciou seus estudos preocupado com reações imediatas da audiência dos conteúdos da comunicação de massa. São pesquisas sobre a mediação social que caracteriza o consumo: a percepção de que a eficácia dos mass media só é susceptível de ser analisada no contexto social em que funcionam. Foram realizados estudos sobre a composição diferenciada dos públicos e seus modelos de consumo da comunicação de massa. Entre as obras de Lazarsfeld, duas se destacam como decisivas na teorização norte-americana: The People’s Choice, de 1944, e Personal Influence: The Part Played by People in the Flow of Mass Communication, de 1955. O objeto de estudo dessa teoria era, como os demais, os mass media, mas, especificamente dentro dos processos gerados a partir de sua presença, aqueles relacionados aos processos de formação de opinião. Os resultados das pesquisas levaram a descoberta do “líder de opinião”, indivíduo que, no meio da malha social, influencia outros indivíduos na tomada de decisão. Essa ideia foi base para o desenvolvimento do modelo do two-step flow of communication – que entende a comunicação como um processo que se dá num fluxo em dois níveis: dos meios aos líderes e dos líderes às demais pessoas. Essa teoria, mais atenta à complexidade dos fenômenos, deixa de salientar a relação causal direta entre propaganda de massas e manipulação de audiência para 31 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação passar a insistir num processo indireto de influência em que as dinâmicas sociais se intersectam com os processos comunicativos. Abaixo, segue modelo comparativo entre a Teoria Hipodérmica, que usa uma abordagem mais simplificada do processo de comunicação, e o modelo two-step-flow: Interessante perceber que esta perspectiva também é chamada de teoria da influência devido aos líderes de opinião, pessoas influentes na sociedade ou em grupos específicos, que fariam o papel da mediação da informação. O avanço destas descobertas é que elas demonstram que os efeitos não podem ser atribuídos à esfera do indivíduo, mas à rede de relações - é a noção do enraizamento dos processos e de seu caráter não-linear que começa a tomar corpo. Até então, a audiência era concebida como um conjunto de classes etárias, de sexo, de casta, etc, e pensava-se que as relações informais entre as pessoas não influenciavam o resultado de, por exemplo, uma campanha de propaganda. 4.6 A corrente dos Usos e Gratificações Os diversos modelos teóricos da Comunicação, com o desenvolvimento de inúmeras pesquisas, incentivam o surgimento de outras abordagens da problemática dos efeitos nos processos comunicativos. Uma delas é a corrente dos Usos e Gratificações, trabalhada por Elihu Katz (1929-), discípulo de Lazarsfeld. Nessa corrente, o eixo das preocupações se desloca da pergunta “o que os meios fazem com as pessoas” para pensar no uso que as pessoas fazem dos meios. Abre-se a investigação para a atividade de apropriação promovida pelos receptores das mensagens midiáticas. O receptor passa a ser visto como sujeito agente, capaz de praticar processos de intepretação e satisfação de necessidades. Em resumo, tenta explicar os elevados graus de consumo psicossocial da mídia de massa. 32 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Katz, Gurevitch e Haas (1973) distinguem cinco classes de necessidades que os mass media satisfazem: • Necessidades cognitivas: aquisição e reforço de conhecimentos e de compreensão • Necessidades afetivas e estéticas: reforço da experiência estética, emotiva • Necessidades de integração a nível social: reforço dos contatos interpessoais • Necessidades de integração a nível da personalidade: segurança, estabilidade emotiva • Necessidade de evasão: abrandamento das tensões e dos conflitos Já “as necessidades” a serem satisfeitas são as seguintes: x Entretenimento: como escape psicológico aos problemas do cotidiano; despressurização emocional; x Relacionamento pessoal: “companhia” para pessoas sós ou “agenda temática” para a conversação em meio social; x Identificação projetiva: referências personalizadas e comparações feitas, por exemplo, a situações humanas mostradas; reforço de opiniões; soluções para males existenciais; x Vigilância e fiscalização: coleta de “modas e novidades” – a televisão como “uma janela aberta para o mundo”. Esta corrente articula-se em cinco pontos fundamentais: • A audiência é concebida como ativa • Depende de a audiência relacionar a escolha do mass media, com a satisfação da necessidade; • Os mass media competem com outras fontes de satisfação das necessidades; • Muitos dos objetivos da utilização dos mass media podem conhecer-se através de dados fornecidos pelos destinatários; • Devem suspender-se os juízos de valor acerca do significado cultural das comunicações de massa. 33 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Em síntese: uma mensagem, por mais potente que seja, não pode influenciar o indivíduo que não faça uso dela na interação psíquica-social. O efeito da comunicação de massa é entendido como consequência das satisfações às necessidades experimentadas pelo receptor: os meios de comunicação de massa são eficazes e na medida em que o receptor lhes atribui tal eficácia, baseando-se precisamente na satisfação das necessidades. A influência das comunicações de massa permanecerá incompreensível se não se considerar a sua importância relativamente aos critérios de experiência e aos contextos situacionais do público: as mensagens são captadas, interpretadas e adaptadas ao contexto subjetivo das experiências, conhecimentos e motivações. 34 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 5 TEORIA CRÍTICA E A INDÚSTRIA CULTURAL 5.1 Gênese da Teoria Crítica Para compreender os eixos em torno dos quais se desenvolveu a Teoria Crítica, é essencial retomarmos os turbulentos acontecimentos que constituíram seu contexto: • Derrota do movimento proletário de esquerda na Europa Ocidental, depois da I Guerra; • O colapso dos partidos de massa de esquerda na Alemanha; que se transformaram em reformistas ou dominados por Moscou; • Degeneração da Revolução Russa com a ascensão do Stalinismo; • Ascensão do fascismo e do nazismo; Nessas condições, na Europa, quase ao mesmo tempo em que se disseminava a pesquisa administrativa norte-americana, uma outra corrente de estudos se desenvolvia. Trata-se da Teoria Crítica - nome dado ao conjunto de estudos e proposições elaborados na Europa - particularmente pelos investigadores do Institut für Sozialforschung, ou Escola deFrankfurt - e que em muito diferiam do rumo que a pesquisa norte-americana estava tomando na época. O nome Escola de Frankfurt refere-se simultaneamente a um grupo de intelectuais e a uma teoria social. Este termo surgiu posteriormente aos trabalhos mais significativos de Max Horkheimer (1895-1973), Theodor Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898- 1979), Walter Benjamin (1892-1940) e Jürgen Habermas (1929-), sugerindo uma unidade geográfica que já então, no período do pós-guerra, não existia mais, referindo-se inclusive a uma produção desenvolvida, em sua maior parte, fora de Frankfurt. Os investigadores da Escola de Frankfurt - Adorno, Marcuse e Horkheimer, entre outros - caracterizavam-se por serem mais acadêmicos, envolvidos com uma concepção teórica global da sociedade e nitidamente influenciados por Marx e Freud. A Teoria Crítica é o oposto da teoria tradicional. Busca unir teoria e prática, ou seja, uma nova ciência social interdisciplinar, filosoficamente orientada. O marco do surgimento da teoria crítica da sociedade é o ensaio-manifesto publicado por Horkheimer em 1937, intitulado “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”. Enquanto a pesquisa administrativa tradicional promovia estudos pontuais, a Teoria Crítica buscava uma crítica da sociedade como um todo, num caminho inverso ao das disciplinas setoriais, que estariam desempenhando uma “função de manutenção da ordem social existente”. 35 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Segundo o autor, a filosofia capacitava os cientistas sociais a identificar e explorar questões que não poderiam de outra maneira ser levantadas. Sem uma teoria social filosoficamente orientada, do “tipo correto”, toda uma gama de fenômenos poderia ser descartada da investigação. Mas o que seria um “tipo correto” de filosofia social? Para Horkheimer o tipo correto de teoria social é “crítica”. A questão, então, seria a seguinte: segundo ele, o que significa para a teoria social ser “crítica”? O que é uma “teoria crítica”? A base da Teoria Crítica é amplamente marxista. É uma consideração das forças sociais de dominação que torna a atividade teórica inseparável, na prática, de seu objeto de estudo. A Teoria Crítica não é meramente descritiva, é uma forma de provocar, incentivar a mudança social, fornecendo um conhecimento das forças da desigualdade social que pode, por sua vez, orientar a ação política que visa a emancipação (ou, no mínimo, a diminuição da dominação, e da desigualdade). Toda a evolução conceitual da Teoria Crítica é baseada em momentos históricos que afetaram irreversivelmente a vida e as ideias dos jovens Adorno, Marcuse e Horkheimer, judeus marxistas. No decorrer do tempo, a crise do pós-guerra na Alemanha, a Revolução Russa vitoriosa e a propagação do nazismo na Europa incentivaram a mudança da chamada Escola de Frankfurt por diversos países europeus até culminar com sua emigração para os Estados Unidos. O cenário político e ideológico estabelecido na Alemanha a partir da ascensão de Hitler ao poder demarcou em grande parte a vida dos teóricos da Escola de Frankfurt. Justamente por estarem vinculados a um posicionamento marxista eram acusados de desenvolver atividades hostis ao estado. Além da utilização dos pressupostos marxistas, a identidade da Teoria Crítica é ligada aos elementos da psicanálise e na análise das temáticas novas que as dinâmicas sociais da época configuravam - o totalitarismo, a indústria cultural, etc - numa preocupação com a superestrutura ideológica e a cultura. Assim, não se pode dizer que o tema dessa corrente sejam os meios de comunicação de massa, mas que, entre os vários assuntos abordados por esta escola, os mais próximos a este tema seriam aqueles relativos à Indústria Cultural - marcados pelo enfoque da manipulação. 36 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Para a Teoria Crítica, a Indústria Cultural seria resultado de um fenômeno social observado nas décadas de trinta e quarenta, em que filmes, rádios e semanários constituem um sistema harmônico no qual os produtos culturais são feitos adaptados ao consumo das massas e para a manipulação dessas mesmas massas. Nesse contexto, os frankfurtianos se opuseram à prática de pesquisa orientada para servir aos interesses do poder estatal e das empresas de comunicação. 5.2 Indústria Cultural O termo Indústria Cultural foi utilizado pela primeira vez por Adorno e Horkheimer, para substituir o termo “cultura de massa”. O objetivo da Indústria Cultural é atingir a massa popular, transcendendo toda e qualquer distinção de natureza social, étnica, sexual ou psíquica. Todo o conteúdo é disseminado por meio dos veículos de comunicação de massa. Veículos ou meios de comunicação de massa Æ televisão, rádio, internet, jornais, revistas. Cultura de massa Æsurge com o nascimento do século XX e dos novos meios de comunicação. É aquela considerada, por uma maioria, sem valor cultural real. Ela é veiculada nos meios de comunicação de massa. A massa não é uma definição de classe social, mas de se referir a maioria da população. Essa cultura é produto da Indústria Cultural. A Indústria Cultural, os meios de comunicação de massa e a cultura de massa surgem como funções do fenômeno do processo de industrialização quando também começa o que conhecemos como economia de mercado ou de uma economia baseada no consumo de bens. O processo de industrialização trouxe alterações no modo de produção e na forma do trabalho humano. É o uso crescente da máquina e a submissão do ritmo humano de trabalho ao ritmo da máquina; a exploração do trabalhador; a divisão do trabalho. São os traços marcantes da sociedade capitalista liberal, onde é nítida a oposição de classes e em cujo interior começa a surgir a cultura de massa. Nesse contexto, dois conceitos merecem atenção: a reificação (ou transformar em coisa; a coisificação) e a alienação. Para a sociedade capitalista, o padrão maior de avaliação tende a ser a coisa, o bem, o produto, a propriedade. Tudo é julgado como coisa, inclusive o homem. O homem reificado é um homem alienado. Alienado de sua vida, de 37 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação seus projetos, de seu país. Afinal, ele não dispõe de tempo livre e nem de instrumentos teóricos para criticar a si mesmo e a sociedade. A cultura, nesse cenário, é feita em série, industrialmente, para o grande número – passa a ser vista não como instrumento de crítica e conhecimento, mas como produto trocável por dinheiro e que deve ser consumido como se consome qualquer coisa. Um produto para atender as necessidades e gostos médios de um público que não tem tempo de questionar o que consome. Uma cultura perecível, como qualquer peça de vestuário. Segundo o texto de Rüdiger (2007, p. 138), Horkheimer, Adorno, Marcuse e outros citavam o termo Indústria Cultural como “a conversão da cultura em mercadoria, ao processo de subordinação da consciência à racionalidade capitalista, ocorrido nas primeiras décadas do século XX”. A expressão também “designa uma prática social, através da qual a produção cultural e intelectual passa a ser orientada em função de sua possibilidade de consumo no mercado”. Vale destacar que o conceito de Indústria Cultural não se refere às empresas produtoras e nem às técnicas de comunicação. A televisão, o jornal, a interne, o rádio não são a Indústria Cultural que, na verdade, faz o uso dessas tecnologias. A Indústria Cultural corresponde a um sistema em que os vários produtos culturais se conjugam harmonicamente.Essa integração é deliberada e produzida “do alto”, pelos produtores, com a determinação do tipo e da função do processo de consumo. Entre algumas características, destacam-se a estandardização e a organização, os estereótipos e a baixa qualidade, que seriam impostos pelo gosto do público. A produção estética integra-se à produção mercantil em geral, permitindo o surgimento da ideia de que o que somos depende dos bens que podemos comprar e dos modelos de conduta veiculados pelos meios de comunicação. As grandes empresas multimídia e conglomerados privados passam a conferir um poder cada vez maior às tecnologias de reprodução e difusão de bens culturais. Uma das estratégias de dominação, por parte da Indústria Cultural, seria a produção de estereótipos, com a divisão dos produtos em gêneros: o terror, a comédia, o romance, a aventura. A partir dela se consegue definir um modelo de atitude do espectador, um modo como o conteúdo será percebido. O objetivo é garantir o triunfo do capital investido na produção desses bens culturais, além de seduzir os espectadores 38 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação em diferentes níveis psicológicos. Essa característica é que faz com que ela se assemelhe aos credos totalitários. Para a Escola de Frankfurt, os indivíduos sob a ação da Indústria Cultural deixaram de ser capazes de decidir autonomamente, passando a aderir acriticamente aos valores impostos, dominantes e avassaladores difundidos pelos meios. Segundo o antropólogo norte-americano Clifford Geertz (1926-2006), o conceito de ideologia inerente à Indústria Cultural é denominado de Teoria da Tensão. Esta perspectiva parte do pressuposto de que a sociedade é naturalmente desagregada, manifesta nas dicotomias liberdade e ordem política, paz e guerra, estabilidade e mudança. É baseada nos escritos da Escola de Frankfurt e em certos aspectos do Mal- estar na civilização, de Sigmund Freud. Outros conceitos... O filósofo e crítico social norte-americano Dwight MacDonald (1906-1982) fala na existência de três formas de manifestação cultural: superior, média e de massa. Eles mostram alguns problemas que podem ocorrer quando se estuda a Indústria Cultural a partir apenas da oposição entre cultura superior e de massa. 1) Cultura superior: todos os produtos canonizados pela crítica erudita. Ex: composições de Beethoven, a Monalisa 2) Cultura média ou midcult: remete ao universo dos valores pequeno burgueses. É considerada um subproduto da cultura de massa. Ela toma emprestado procedimentos, obras da cultura superior e as adapta para tornar sua linguagem mais fácil e ainda as vende como cultural superior. Ex: Beethoven em ritmo de funk, as pinturas que podem ser compradas nas feiras de artesanato, as poesias com chavões e frases comuns. 3) Cultura de massa ou masscult: seria chamada pelo autor de uma cultura “inferior. O problema é que as formas culturais atravessam as classes sociais com uma intensidade e uma frequência maiores do que se costuma pensar. Não é fácil distinguir o que seria a cultura dita superior da cultura de massa. É possível delimitar fronteiras entre elas? 39 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Outro ponto importante: será que os chamados produtos da cultura dita superior são de domínio intelectual exclusivo da classe dominante? Outros autores também abordam a questão dos conceitos de cultura popular e cultura pop. 1) Cultura popular: a soma dos valores tradicionais de um povo, expressos da forma artística como danças e objetos, ou nas crendices e costumes gerais. Possui o traço da recusa, da negação, da contestação às normas e valores estabelecidos. 2) Cultura pop: Veio do popular. É um tipo de arte que tenta reproduzir ícones dos meios de comunicação, em uma época que coincide com o auge do cinema e da televisão e com a explosão de certas bandas e artistas, como os Beatles. A cultura pop foi emanada dos meios de comunicação em uma tentativa de dialogar com a arte erudita, desde a pintura e a escultura até a música, a dança e a literatura. Questões importantes para debate: 1) A preocupação com o que a televisão, o cinema, o rádio e a internet veiculam deveria ser muito menor do que a preocupação com o fato de que as pessoas passam o tempo livre em sua companhia. 2) Os que controlam a mídia manipulam a consciência, mas eles não são, em geral, tão diferentes dos que a consomem. 3) Todo sistema cultural está sempre em mudança. Entender essa dinâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário entender as diferenças dentro de um mesmo sistema. Esse é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e “admirável mundo novo” do povo. Nesse contexto, como se posicionar a respeito da ideia da cultura como mercadoria com base no conceito de Indústria Cultural, partindo das ideias do texto de Francisco Rüdiger sobre a Escola de Frankfurt. 40 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 6 O CENTRO DE BIRMINGHAM E OS ESTUDOS CULTURAIS As origens dos Estudos Culturais ou Cultural Studies provêm das investigações de intelectuais britânicos, reunidos no chamado Centro de Birmingham, na Inglaterra. Decorrem de uma percepção crítica em relação às correntes do pensamento moderno ocidental que contemplavam uma educação para as classes detentoras, sejam do poder econômico, sejam do poder cultural, com a exclusão das classes menos favorecidas. O modelo teórico dos Cultural Studies, tal como a teoria crítica, admite haver um “sistema cultural dominante” que se manifesta e atua pela interposição dos meios de comunicação. Retoma e revisa o paradigma crítico-radical, no entanto, não lhe dará perfeita continuidade. As pesquisas a partir desse modelo introduzem a possibilidade de analisar práticas que até então eram vistas fora da esfera da cultura. Construíram uma tendência importante da crítica cultural que questiona o estabelecimento de hierarquias entre formas e práticas culturais, estabelecidas a partir de oposições como cultura alta/baixa, superior/inferior. Aliás, aqui acredita-se não em uma cultura, mas em culturas. Além da cultura dominante, existe a cultura do outro (chamado o “desviante”, o “diferente”) que não se deixa assimilar inteiramente e encontra suas próprias formas de adequação e pertença a configurações que lhe são próprias. Os Estudos Culturais são um campo de investigação interdisciplinar. Combina a economia política, a sociologia, a teoria social, a crítica literária, o cinema, a antropologia cultural, a filosofia e os estudos dos fenômenos culturais em diversas sociedades. A exemplo de outras teorias surgidas nos anos 70, situam os meios de comunicação no âmago da sociedade, inter-relacionando-os a instituições e a indivíduos. Entre os anos 60 e 70 os estudos culturais ganham força após a criação do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos ou Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), na Universidade de Birmingham. As relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como suas relações com a sociedade e as mudanças sociais, vão compor o eixo principal de observação do CCCS. 41 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 6.1Principais teóricos do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS) Richard Hoggart (1918-2014) – “The uses of literacy” (1957). É em parte autobiográfico e em parte história cultural do meio do século XX. Suas principais contribuições foram: 1) A consideração de artefatos culturais, antes desprezados, da cultura popular e dos meios de comunicação de massa, através de metodologia qualitativa; 2) inaugura o olhar de que no contexto do popular não existe apenas submissão, mas também resistência, o que, mais tarde, será recuperado pelos estudos de audiência dos meios massivos. Raymond Williams (1921-1988) – “Culture and Society” (1958). Constrói um histórico do conceito de cultura, culminando com a ideia de que a "cultura comum ou ordinária" pode ser vista como um modo de vida em condições de igualdade de existência com o mundo das artes, literatura e música. 1) Através de um olhar diferenciado sobre a história literária, mostra que cultura é uma categoria-chave que conecta a análise literária com a investigação social. Edward P. Thompson (1924-1993) – “The Making of the English Working-class” (1963). Reconstrói uma parte da história da sociedade inglesa de um ponto de vista particular - a história "dos de baixo". Suas principais contribuições foram: 1) o ressurgimento do conceito de Ideologia nos 60, levando em consideração as relações de poder em todas as esferas sociais. Influencia o desenvolvimento da história social britânica na perspectiva marxista. 2) concepção de que a cultura era uma rede vivida de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana, na qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano. Thompson resistia ao entendimento de cultura enquanto uma forma de vida global. Em vez disso, preferia entendê-la enquanto um enfrentamento entre modos de vida diferentes. Stuart Hall (1932-2014) – pesquisador jamaicano que também deu importante contribuição na formação dos Estudos Culturais britânicos ao substituir Hoggart na direção do Centro, de 1968 a 1979. Incentivou o desenvolvimento da investigação de práticas de resistência de subculturas e de análises dos meios massivos, identificando seu papel central na direção da sociedade; exerceu uma função de "aglutinador" em 42 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação momentos de intensas distensões teóricas; destravou debates teóricos-políticos, tornando-se um "catalizador" de inúmeros projetos coletivos. Estudou o conceito de identidade a partir de um viés culturalista. Com o objetivo de analisar os efeitos sociais do pós-guerra na Inglaterra, Hall tentava compreender a relação entre a cultura contemporânea e a sociedade de transformação. Embora não tenham uma intervenção coordenada entre si, os autores citados revelam um leque em comum de preocupações que abrangem as relações entre cultura, história e sociedade. O grupo do CCS ainda amplia o conceito de cultura para que sejam incluídos dois temas adicionais. 1) A cultura não é uma entidade monolítica ou homogênea, mas ao contrário, manifesta- se de maneira diferenciada em qualquer formação cultural ou histórica 2) A cultura não significa simplesmente sabedoria recebida ou experiência ou experiência passiva, mas um grande número de intervenções ativas – expressas através do discurso e da representação que podem tanto mudar a história quanto transmitir o passado. Æ Ou seja: a criação cultural se situa no espaço social e econômico, dentro do qual a atividade criativa é condicionada. Como já foi abordado, os Estudos Culturais são um campo de investigação interdisciplinar. Nesse contexto, a multiplicidade de objetos de investigação também caracteriza esses estudos. Æ Estudam sociedade em geral, cultura é um dos focos. ÆPrincipal eixo de observação: relação entre cultura, história e sociedade. ÆTerreno de investigação: temas ligados às culturas populares e aos meios de comunicação de massa (MCM) e, posteriormente, a temáticas relacionadas com as identidades (sexuais, de classe, étnicas, etc.) 6.2 Narrativa histórica sobre os interesses de estudo: Æ Anos 70: o trabalho em torno das diferenças de gênero; subculturas (pequenos grupos de cultura) e feminismo (gênero e identidade). Emergência das subculturas que buscam resistir à estrutura dominante de poder. 43 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Æ Segunda metade dos anos 70: foco na cobertura jornalística – meios de comunicação de massa (MCM) que são vistos não apenas como entretenimento, mas como aparelhos ideológicos de Estado. Æ Anos 80: interesse na audiência (recepção). Æ Anos 90: Papel dos MCM na construção de identidades. 6.3 Os estudos sobre os meios de comunicação Como destacamos, os Estudos Culturais percorreram um longo caminho em diversos focos de investigação e pesquisa. No caso dos meios de comunicação de massa, os pesquisadores não os viam apenas como entretenimento, mas como aparelhos ideológicos de Estado, no início dos anos 70. Os MCM são também considerados grandes responsáveis pela construção dos significados da sociedade contemporânea. Neste sentido, a teia comunicacional teria responsabilidade na construção das identidades culturais contemporâneas, fornecendo elementos para essa construção por meio de seus veículos. Comunicação e cultura fornecem uma à outra, seus mais preciosos nutrientes. Comunicar não é “manipular por meio de símbolos, mas intensificar, renovando-a, a uma troca simbólica”. As pesquisas, no caso dos meios de comunicação, na segunda metade dos anos 70, tinham foco na análise da estrutura ideológica, principalmente da cobertura jornalística. Esta etapa foi denominada por Hall de “redescoberta da ideologia”, sendo que uma das premissas básicas desta fase pressupunha que os efeitos dos meios de comunicação podiam ser deduzidos da análise textual das mensagens emitidas pelos próprios meios. O próprio Stuart Hall publicou pela primeira vez em 1973 o texto Encoding and decoding in the television discourse. O trabalho é um exemplo de investigação que chamava a atenção dos pesquisadores de Birmingham: a temática da recepção e a densidade dos consumos midiáticos. A partir dos anos 80, o projeto dos Estudos Culturais parte para outros territórios além da Inglaterra, ocorrendo mudanças importantes a partir da observação sobre a desestabilização das identidades causada pela aceleração no processo de globalização. O foco central passa a ser a reflexão sobre as novas condições de constituição das identidades sociais e sua recomposição numa época em que as solidariedades 44 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação tradicionais estão debilitadas. Nesse contexto, se definem novas análises dos meios de comunicação, combinando análises de texto com pesquisa de audiência. São implementados estudos de recepção, especialmente no que diz respeito aos programas de TV, literatura popular, séries de televisão e filmes de grande bilheteria. Nos anos 90, se consolida o leque de investigações sobre a audiência que procura captar a experiência, a capacidade ação dos mais diversos grupos sociais vistos, principalmente à luz das relações de identidade com o âmbito global, nacional, local e individual. Questões como raça e etnia, o uso e integração de novas tecnologias como o vídeo e a TV, assim como seus produtos na constituição de identidades de gênero, de classe, bem como as geracionais e culturais e as relações de poder nos contextos domésticos de recepção. Identifica-se a forte inclinação para refletir sobre o papel dosmeios de comunicação na constituição de identidades. Posteriormente o consumo, antes demonizado pela Escola de Frankfurt, toma lugar central nestas discussões, a partir dos estudos da escola latino-americana de comunicação, tomando proeminência nos estudos de pesquisadores como Néstor Garcia Canclini e Jose Martín-Barbero. 6.4 Traços fundamentais dos Estudos Culturais em divergência com o Funcionalismo e a Teoria Crítica: 1) Onde o Funcionalismo via um grande organismo vivo, tendendo ao equilíbrio, no qual os conflitos eram tratados como anomalia ou, onde a Teoria Crítica via uma sociedade dominada, submetida completamente ao poder do capitalismo e da mídia, os Estudos Culturais vão ver o conflito, a luta, a disputa de hegemonia de classes, setores e blocos diferenciados. A sociedade não é harmônica e sim cheia de conflitos. A dominação existe, mas como processo de disputa, não como algo dado, plasmado, imutável. 2) A análise de que o campo da cultura e da comunicação se constitui numa arena decisiva para a luta social e política na sociedade contemporânea. Os Estudos Culturais reconhecem que existem intencionalidades de dominação por parte da Indústria Cultural. No entanto, partem de uma visão de que existem muitos elementos intervenientes que fazem com que estas intencionalidades se realizem ou não, em partes ou integralmente. Reconhecer que os emissores não são os todo-poderosos do processo de comunicação 45 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação não pressupõe desconsiderar que eles detêm um poder, e grande, no conflito e na disputa existente na sociedade. Relativizar seu poder de mando não quer dizer subestimá-lo. 3) As mediações sociais são decisivas para determinar como se realiza o processo comunicacional em cada sociedade. Parte de uma visão de que é necessário antes de tudo reconhecer as especificidades da constituição de dada sociedade, seus dados de configuração histórica, para, a partir deles, buscar entender como os meios atuam. Esse traço distintivo motivou especial reflexão sobre como se constituem as indústrias culturais em países vindos de mestiçagem, capitalismo tardio e dependente, produzidos a partir de encontros de cultura, com modernizações conservadoras, além de permitirem também a análise do deslocamento do popular para o massivo; da relação entre Estado e indústria cultural; da característica monopolista e conservadora dos empreendimentos em comunicação, etc. 4) Ver na chamada “recepção” um papel ativo e importante que pode alterar o resultante de todo o processo. A partir das mediações sociais, as pessoas de “relacionam” com a comunicação de massa, estabelecendo negociações simbólicas a partir da oferta proposta pelos veículos, mas também de sua visão do mundo, de seus hábitos e crenças, ou seja, de sua cultura. Sem idealizações desse público e suas capacidades, fica clara a visão de que ele se constitui por ação ou omissão em sujeito do processo, ator que determina o desfecho da trama em questão. É impensável analisar a sociedade contemporânea, sem entender que existem dimensões diferenciadas da realidade: o real cotidiano, feitos dos valores e das rotinas vivenciadas diretamente pelas pessoas; e o real midiático, dimensão relacionada a tudo que se produz de simbólico através dos meios massivos de comunicação. 46 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação RESUMINDO.... Conceitos básicos dos Estudos Culturais e contribuições para pesquisas Æ Cultura não é homogênea. Manifesta-se de maneiras diferentes em qualquer formação social ou época histórica. Æ Redefinição do conceito de cultura: perpassa todas as práticas sociais. Conceito expandido: artes + vida cotidiana (práticas que antes eram vistas fora da esfera cultural). Privilegiam as atitudes dos indivíduos, o papel dos sujeitos, das estruturas sociais. Æ Cultura popular ganha legitimidade, transformando-se em lugar de crítica e reflexão. Æ Crítica às análises mercadológicas de cultura de massa e às teorias conspirativas. Æ Meios de comunicação não podem ser dissociados do contexto – outro “modelo de transmissão de cultura”. A contribuição das pesquisas dos Estudos Culturais: - O destaque para a Escola de Birminghan – década de 60 – Inglaterra - Cultura no âmbito de uma teoria da produção e reprodução social. - Sociedade é concebida como um conjunto hierárquico e antagonista de relações sociais caracterizadas pela opressão de classes, sexos, raças, etnias e estratos sociais. - Modelo gramsciniano de hegemonia e contra-hegemonia. - Combinação de força e hegemonia. - A emergência dos Estudos Culturais e sua análise dos meios de comunicação de massa vieram, no mínimo, romper esta polarização e procurar oferecer uma visão mais ampla e mediada para o entendimento do papel dos meios de comunicação. 47 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 7 MODELO TEÓRICO - CULTURAL EUROPEU OU TEORIA CULTUROLÓGICA A teoria culturológica, que tem uma base ideológica similar aos Estudos Culturais e teóricos do Centro de Birmingham (item 6 desta apostila), começou seus estudos na década de 60. O marco inicial foi o lançamento do livro Cultura de massa no século XX: o espírito do tempo, do antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin (1921-). Além de Morin, a teoria tem entre seus adeptos semiólogos (analistas de significações), filósofos, antropólogos e estudiosos da cultura como: 9 Roland Barthes (1915-1980) - semiologia e estruturalismo. Usou a análise semiótica em revistas e propagandas. Estudo dos mitos contemporâneos sobre a mídia; 9 Umberto Eco (1932-2016) - polêmica entre os apocalípticos e integrados; 9 Georges Friedmann (1902-1977) - reflexões filosóficas e morais sobre o futuro da civilização e a tecnologia – o trabalho, o progresso e a técnica; 9 Jean Braudillard (1929-2007) - a sociedade do consumo – estudo dos impactos da comunicação e das mídias na sociedade e na cultura contemporânea; 9 Pierre Lévy (1956-) – estudos de comunicação, informação, interatividade, cultura virtual contemporânea e área da cibernética (ciência que estuda os mecanismos de comunicação e de controle nas máquinas e nos seres vivos); 9 Pierre Bourdieu (1930-2002) – estudos sobre a televisão – cotidiano do campo jornalístico; 9 Louis Althusser (1918-1990) - conceitos e exemplos dos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) – escola, família, igreja e mídia; 9 Michel Foucault (1926-1984) - suas teorias abordam a relação entre poder e conhecimento e como eles são usados como uma forma de controle social por meio de instituições sociais - conceito de panóptico (dispositivo de vigilância) – a ordem do discurso (mais detalhes no item 8 desta apostila). Todos os teóricos da “culturologia” tinham o entusiasmo, a capacidade de produção analítica e crítica, a ausência de atitudes preconceituosas ou “elitistas” e o espírito aberto em relação à “indústria da cultura”. Nesta apostila, os estudos serão mais focados nos 48 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação trabalhos de Edgar Morin e Umberto Eco. Já alguns conceitos de Michel Foucault serão abordados no item 8 desta apostila. A teoria culturológica parte da análise da teoria crítica (item 5 desta apostila), segundo a qual a mídia seria o veículo de alienação das massas. Já os culturólogos vêem a cultura como uma fabricação da mídia, fornecendo as massas aquilo que elas desejam: uma informaçãotransformada por imagens e uma arte produzida na ótica da indústria, ou seja, massificada e vendida pela mídia como se fosse uma imagem da realidade que as pessoas vivem. A cultura nasce de uma forma de sincretismo entre a realidade e o imaginário. Para a teoria culturológica, a cultura massificada é peculiar e inerente, possuindo características essenciais à atmosfera cultural que marcou as três últimas décadas do século XX. A “culturologia” corrige a teoria crítica, as situar-se no âmbito da antropologia cultural e da análise estrutural, podendo ser considerada, sob certos aspectos, precursora de um modelo teórico recepcional (teoria da recepção) que foca seus estudos na análise do receptor. Stuart Hall, um dos teóricos do Estudos Culturais (item 6 desta apostila), desenvolveu essa linha de pesquisa. Fazendo a relação entre informação e ficção jornalística – notícia e fait divers (notícias populares e variedades) – o modelo teórico cultural europeu as considera como duas vertentes da cultura massiva. A relação dinâmica, que enlaça padronização cultural e inovação no domínio da cultura, é a mesma que determina o sincretismo existente entre real e imaginário, como se tratasse das duas faces da mesma moeda. Resumindo, o foco dos estudos da teoria culturológica: - Meios de comunicação de massa, mas sob uma perspectiva diferente da Escola de Frankfurt: menos foco na mídia e no destinatário, mais foco nos produtos da IC e na relação consumidor. - Objeto de consumo. - Cultura produzida pela mídia (cultura de massa) é uma nova forma de cultura. Entretanto, a cultura de massa corrompe e desagrega as outras culturas, que não saem imunes ao contato com a cultura industrializada. - Realidade contemporânea é policultural. 49 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação - Contradição produção X consumo: exigências produtivas e técnicas de estandardização e caráter particular inovador do consumo cultural (mesmo o que é padrão precisa de originalidade). - Cultura nasce de uma forma de sincretismo (entre real e imaginário). 7.1 Edgar Morin e a cultura de massa O sociólogo francês Edgar Morin enxerga na cultura massiva uma intensa circulação de mensagens, símbolos, ideologias e mitos, que dizem respeito tanto à vida prática quanto à vida imaginária. Ele se detém no estudo de aspectos da cultura difundida pelos meios de comunicação, utilizando vários exemplos busca provar que nessa forma de cultura se delineia uma mitologia em contraste às exigências do realismo e à rapidez com que os acontecimentos se sucedem. Morin é fascinado pelos sonhos de evasão que se apresentam na vasta produção cultural. Ou seja: a vida imaginária é mais intensa e significativa do que a vida de todo dia. É a “imaginação da vida, encontrada em filmes, novelas, romances populares e notícias de variedades (faits divers). Nessas produções, a lei e a norma social, que a tantos abatem, enfraquecem e desanimam, são enfrentadas, vencidas ou ignoradas. O desejo se faz amor vitorioso, as ansiedades somem e as angustias se diluem. A vida conhece a liberdade porque é vivida por “heróis” e “semideuses” como nas mitologias antigas, nos contos populares de todos os tempos, nas histórias em quadrinhos modernas, nos seriados de televisão e na publicidade cotidiana. A cultura de massa, em seu realismo próprio, oferece uma visão da liberdade que pouco ou nada tem em comum com a lei social vigente. A vida que falta a tantas vidas é mostrada em distantes horizontes geográficos (exotismo) ou históricos (passado aventuroso ou futuro descortinado pela ficção científica). A vida surge épica ou lírica seja no alto da pirâmide ou nos degraus mais baixos. E essa vida tem seus heróis e Edgar Morin os chama de “olimpianos”. Nesse contexto, aí estão as ideias centrais do autor: Æ Os “olimpianos” são as personalidades do mundo do espetáculo, dos esportes e da moda. Eles vivem em um “Olimpo” bem distinto e distante da realidade de milhares de pessoas anônimas. Eles estão distantes das dificuldades da vida cotidiana e, se não 50 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação chegam a escapar a todas as pressões e aos constrangimentos da vida real, é porque no fundo são humanos, o que os torna de pronto identificáveis. Æ O tema da liberdade se faz presente nas produções dos meios de comunicação como fuga onírica ou escapada mítica a um mundo perigoso. Æ Tema central: industrialização da cultura. Æ Busca estudar a sociologia da cultura contemporânea. Æ Critica intelectuais por julgarem a existência somente da “cultura culta”. Æ Sistemas de influência recíproca: o mundo alimenta-se da mídia e a mídia alimenta-se do mundo. 7.2 Umberto Eco: Apocalípticos e Integrados Umberto Eco, crítico e estudioso da cultura, acreditava ser a “cultura massiva” a forma cultural por excelência do “homem moderno”. Para ele, não há mais como separar cultura e fenômenos de Comunicação. Em sua obra Apocalípticos e Integrados, livro lançado em 1965, reúne uma série de ensaios sobre a questão da cultura de massas na era tecnológica. O livro apresenta debates e discussões sobre essa questão, destacando- se o mito do Super-homem e a oposição entre teóricos do funcionalismo (“integrados”) e os pensadores da Escola de Frankfurt (“apocalípticos”). O capítulo chamado “O mito do Super-homem” trata do processo de identificação do herói com os leitores através da análise semiótica (item 2 desta apostila). O autor mostra a influência exercida pelo personagem dos quadrinhos no comportamento do leitor ou telespectador através de um olhar semiótico. Segundo Eco, o sujeito receptor da mensagem do desenho se torna um mero fantoche dominado pela propaganda e o poder da força americana ilustrada na imagem do super-herói. 51 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação A imagem de Clark Kent, mesmo sendo a identidade verdadeira do kriptoniano invencível Kal-El, se assemelha ao cidadão comum com desejo de ascensão. Muitas vezes, Clark se sente impotente em resolver seus dilemas e frustrações, que que guarda embaixo de suas roupas comuns, o brasão em forma de S e a capa vermelha do homem de aço indestrutível que voa e corre na velocidade da luz. Seus poderes podem ser relacionados as aspirações de ascensão social do cidadão. Afinal, o Super-Homem não deixa nada para depois e tudo se resolve agora ou no mesmo dia. Na visão de Umberto Eco, o sujeito receptor dessa mensagem que tem aspirações de status, de nível social, perde sua identidade. A figura do Super-Homem se insere na mente de seus espectadores da mesma maneira que as campanhas publicitárias. O “super” é também um homem. O herói se identifica com os humanos pois se parece com eles com seus defeitos, dúvidas e medos como também em seus desejos de poder e de ser amado. Deixar de ser medíocre para ser um destaque. Deixar de ser esnobado para ser desejado (Lois esnoba Clark, mas ama o Super-Homem). Ser um símbolo de idealização e realização como o super-herói. Apocalípticos e integrados são dois termos de definição “genérica” e “polêmica”, como definiu Umberto Eco. As duas palavras “fetiches”, nomeadas pelo autor, servem para designar as correntes teóricas: os pensadores de Frankfurt e os funcionalistas. São fetiches porque, segundo Eco, “bloqueiam o discurso” e incentivam discussões polêmicas evasivas, esquivas e dúbias. Para Eco, as principais características das correntes teóricas seriam as seguintes: 52 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de MirandaApostila Teoria da Comunicação Æ Apocalípticos: - São aqueles que vivem no passado e se apegam a velhos costumes, velhas teologias e métodos reacionários de rejeição para encontrar a verdade. - São os que escolhem obedecer à autoridade imposta ao invés da reflexão do intelecto iluminado. Seguem a Igreja e ao Governo com devoção. - Pertencem à velha geração. - Para eles, a simples ideia de uma cultura produzida e compartilhada por todos é um absurdo monstruoso. - Eles consideram a “cultura de massa” uma anti-cultura, representando uma decadência total. - Condenam tudo o que esteja relacionado a novas tecnologias e seu uso na arte. Rejeitam a distribuição de informação em grandes quantidades. - Confiam que é possível difundir uma cultura que evite o condicionamento industrial. Æ Integrados: - São aqueles que possuem uma visão otimista sobre a generalização do quadro cultural e defendem esse fenômeno cegamente. - Estão convencidos dos benefícios das novas tecnologias e as difundem como parte de um futuro livre e promissor. - Acreditam que o fenômeno da indústria cultural e suas muitas formas de transmissão são uma oportunidade sem precedentes para trazer as mais variadas formas de expressão artística para setores anteriormente marginalizados - Avaliam que o desenvolvimento tecnológico é uma oportunidade de expansão cultural. Afinal, a televisão, os jornais, o rádio, o cinema, as histórias em quadrinhos e os romances populares disponibilizam bens culturais ao alcance de todos. Ao comentar a polêmica sobre a oposição entre teóricos do funcionalismo (“integrados”) e os pensadores da Escola de Frankfurt (“apocalípticos”), Umberto Eco concluiu que uns e outros cometeram os mesmos erros, “fetichizando” conceitos como mass culture e Kulturindustrie. Ambas as partes serviram-se de ideias preconcebidas para 53 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação abordar fatos sociologicamente complexos, como as relações entre sociedade, cultura e meios de comunicação. Æ O “apocalíptico” elabora teorias sobre a decadência da sociedade em função da indústria cultural e da cultura de massa. No entanto, esses mesmos teóricos utilizam para difundir suas ideias os próprios canais e meios alienadores da sociedade sobre os quais fazem severas críticas. Segundo Eco, os textos “apocalípticos” seriam uma outra face da mesma moeda, pois são produtos sofisticados oferecidos ao consumo de massa. “No fundo, o apocalíptico consola o leitor porque lhe permite entrever, sob o derrocar da catástrofe, a existência de uma comunidade de “super-homens”, capazes de se elevarem nem que seja apenas através da recusa, acima da banalidade média” (ECO, 1970, p. 9). Æ O “integrado” “raramente teoriza e assim, mais facilmente, operam, produzem, emitem as suas mensagens cotidianamente em todos os níveis”. Assim, pode-se deduzir que nas concepções teóricas de Eco os funcionalistas não estão preocupados com a crítica das ações, mas sim com a praticidade e funcionalidade do sistema social. Na verdade, a grande preocupação do funcionalista é que a engrenagem social movida por cada indivíduo e as instituições sociais esteja produzindo constantemente sem erros e falhas. Porém, existe aí uma dose exacerbada de positivismo dos funcionalistas, pois mesmo criticando a própria crítica dos Críticos de Frankfurt, Umberto Eco vê a pertinência da contestação dos estudiosos alemães no aspecto de que os funcionalistas pretendem emergir a sociedade na alienação para a condução manipulada de suas funções. Segundo escreveu o autor, “para o integrado, não existe o problema dessa cultura (popular) sair de baixo ou vir confeccionada de cima para consumidores indefesos”, pois sua pretensão é conduzir a sociedade para à massificação e consequentemente tirar proveito como o lucro dessa alienação. 54 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 8 FOUCAULT: A ORDEM DO DISCURSO E O CONCEITO DE PANÓPTICO O filósofo, historiador de ideias, teórico social e crítico literário francês Paul - Michel Foucault ou como gostava de ser chamado Michel Foucault (1926-1984) é conhecido por suas críticas às instituições sociais (psiquiatria, medicina e prisões). Desenvolveu suas pesquisas mais como historiador do que como um filósofo. Minuciosamente, pesquisou documentos originais do período que investigava. Isso revelou, diretamente das fontes, como eram a sociedade, o conhecimento e a estrutura de poder da época em questão. De acordo com o autor, o aparecimento de qualquer sistema de conhecimento está sempre relacionado como uma modificação no poder. Economia, sociologia e até ciência: o surgimento e o desenvolvimento de tais sistemas de conhecimento sempre são acompanhados por modificações significativas do poder. Foucault concluiu que saber e poder estavam relacionados e os juntou em “saber/poder”. Este é o tema central da sua filosofia. A partir da abordagem desse tema, Michel Foucault cobriu vários assuntos como loucura, sexualidade, disciplina e punição. A história dessas categorias foi essencial para suas argumentações. Publicou várias obras, destacando História da Loucura (1961), As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas (1963), Vigiar e Punir (1975), História da Sexualidade – volume I (1976) e História da Sexualidade – volume II (1984), História da Sexualidade – volume III (1986), uma publicação póstuma. 8.1 A ordem do discurso O livro A Ordem do Discurso apresenta o texto de uma conferência/ aula inaugural proferida por Michel Foucault no College de France no dia 2 de dezembro de 1970. O autor relata suas principais reflexões e pesquisas sobre como os diversos discursos encontrados em uma sociedade ou de um grupo social específico exercem funções de controle, limitação e validação das regras de poder desta mesma sociedade. Nessa conferência, resume as noções, princípios e táticas da organização do discurso e, em decorrência, as possibilidades de analisá-lo. 55 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação A essência da crítica de Foucault à ordem do discurso refere-se aos procedimentos que visam o controle do que é produzido, por quem é produzido e de como se distribuem os discursos. Sua hipótese é a de que “em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu conhecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade” (FOUCAULT, 2014a, p. 9). O filósofo propõe posturas e procedimentos metodológicos de análise do discurso. Para o autor, “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder de que queremos nos apoderar” (FOUCAULT, 2014a, p. 10). Conceitos importantes citados na obra: Æ Existem diferenças entre o que pode ser verdade, uma “possibilidade de verdade” e o que Foucault designa “no verdadeiro”, aquela “verdade” aceita por determinada sociedade, aquela que interessa a um grupo social. O que chama de “no verdadeiro” é o que é considerado válido pelo poder dominante ou a “verdade” oficial. ÆNem sempre existe equilíbrio entre o que o discurso diz representar e os objetos e conceitos que podem existir como “possibilidade de verdade”. ÆO discurso não possui foco no significado e sim no significante e, portanto, no imaginário dos receptores. Reproduz “de” e “para” esse imaginário afirmandoa função de perpetuar regras, normas, valores que estão “no verdadeiro” socialmente aceito. 8.1.1 O discurso jornalístico e o discurso publicitário De acordo com Traquina (2012), na década de 70, um novo paradigma manifesta- se nos estudos sobre o jornalismo: as notícias enquanto construção discursiva. Um texto jornalístico, de acordo com o gênero (opinativo ou informativo), é composto por formações discursivas que indicam posições históricas e ideológicas do jornalista. A notícia não é um mero reflexo do real, um “espelho” que reflete fielmente a realidade. Já a peça publicitária indica posicionamentos sócio históricos e ideológicos de um momento. O discurso publicitário tem o objetivo mercadológico de vender produtos e serviços e produzir necessidades para os consumidores. 56 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Nesse contexto, como a obra de Michel Foucault pode ser relacionada à análise dos discursos publicitários e jornalísticos? A partir das ideias do filósofo pode-se refletir sobre esses discursos. É a “ordem do discurso” que estabelece para Foucault (2014a) as possibilidades de organização do real que possui uma função normativa e reguladora e age por meio da produção de saber, de estratégias de poder e práticas discursivas. A partir dessa reflexão, é importante perguntar: como se exerce o poder? ÆComo já foi abordado, Foucault concluiu que saber e poder estavam relacionados e os juntou em “saber/poder”. O poder produz saber. ÆO poder é uma estratégia. O poder não age apenas por violência ou convencimento ideológico. Æ Foucault destaca o poder como produção e não apenas repressão. ÆÉ justamente no discurso que se articulam poder e saber, pois “o discurso veicula e produz poder; reforça-o, mas também o mina, expõe, debilita e permite barrá-lo” (FOUCAULT, 2014a, p. 96). ÆOs discursos são blocos táticos no campo das correlações de força. ÆO conceito de manipulação ideológica pode ser descartado porque os efeitos de “verdade” são produzidos dentro dos discursos que, em si mesmos, não são falsos nem verdadeiros. E quando se pensa nos discursos jornalístico e publicitário... ÆMesmo com objetivos e propostas diferentes, possuem um conjunto de regras históricas que definiram suas funções para produzir seus textos e enunciados. ÆCada um, de acordo com suas características, são blocos táticos na correlação de forças. ÆO poder destes discursos produz saber e fazem a junção saber/poder. ÆOs efeitos desses discursos não refletem apenas a manipulação, pois eles podem reforçar o poder, mas também podem enfraquecê-lo. 8.2 O conceito de Panóptico O nascimento da prisão aconteceu por volta da virada do século XVIII, quando a tortura e a execução dos corpos em praça pública deram lugar ao encarceramento. Nas 57 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação prisões, assim como nas escolas, fábricas e exército, o corpo do homem estava sendo submetido à disciplina e à vigilância. A grande explosão demográfica do século XVIII e o crescimento do aparelho de produção despertaram a importância de tornar o exercício do poder menos custoso possível e fazer com que o poder social seja levado cada vez mais longe, obtendo maior alcance e com o máximo de intensidade. Isso foi possível através do desenvolvimento das disciplinas ou uma série de técnicas que permitem aumentar a eficácia do poder. Elas permitem, por exemplo, ajustar a produção do saber e de aptidões na escola, a produção de saúde nos hospitais e até a produção de força destrutiva de um exército. É nesse cenário que o modelo clássico do Panóptico 1 de Jeremy Bentham 2 para prisões se destaca e passa a ser um modelo. O Panóptico é uma estrutura de forma circular com uma plataforma de observação erguida no meio. Isso possibilitava que um observador central espionasse as celas situadas abaixo, ao redor do prédio. Cada prisioneiro nessas celas estava, então, ciente de que suas atividades eram vigiadas o tempo todo. “É visto, mas não vê; objeto de uma informação, nunca sujeito de uma comunicação” (FOUCAULT, 2014b, p.194). Das celas se vê a torre central, mas a visibilidade lateral é nula. E esta é a garantia da ordem. Se os detentos são condenados não há perigo de complô, de tentativa de evasão coletiva, projeto de novos crimes para o futuro, más influências recíprocas; se são doentes, não perigo de contágio; loucos, não há risco de violências recíprocas; crianças, não há “cola”, nem barulho, nem conversa, nem dissipação. Se são operários, não há roubos, nem conluios, nada dessas distrações que atrasam o trabalho, tornam-no menos perfeito ou provocam acidentes. A multidão, massa compacta, local de múltiplas trocas, individualidades que se fundem, efeito coletivo, é abolida em proveito de uma coleção de individualidades separadas. Do ponto de vista do guardião, é substituída por uma multiplicidade enumerável e controlável; do ponto de vista dos detentos, por uma solidão sequestrada e olhada. (FOUCAULT, 2014b, p.195). Foucault disserta sobre o conceito e avalia que ali estava a imagem arquetípica da nossa sociedade. O encarceramento envolvia controle e saber. Poder e saber eram uma única coisa. O Panóptico funciona “como um laboratório de poder” (IDEM, p.198). 1 Mais referências sobre o conceito estão no capítulo 3 em: FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 42.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. 2 Jeremy Bentham (1748-1832) foi um filósofo, jurista e idealizador do Panopticon, um modelo estrutural que seria capaz de ser aplicado as mais diversas instituições (escolas, prisões, hospícios e hospitais) como forma de otimização da vigilância e economia de pessoas para realizar tal função. 58 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Segundo o autor, “é um local privilegiado para tornar possível a experiência com os homens, e para analisar com toda certeza as transformações que se pode obter neles”. 8.2.1. As concepções de Superpanóptico e o Sinóptico Com as inovações tecnológicas, o poder pode se mover com a velocidade de um sinal eletrônico. O poder se tornou extraterritorial, não mais limitado pela resistência do espaço. O advento do telefone celular é um exemplo de um ”golpe de misericórdia” simbólico na dependência em relação ao espaço. Não é mais necessário um ponto telefônico fixo para que uma ordem seja dada ou cumprida. Em vez do panoptismo o mundo de hoje é regido pela informação. No livro de Zygmunt Bauman, Globalização: consequências humanas (1999), nas páginas 56 a 58, ele mostra que para além do Panóptico, que exigia vigilância constante, disciplina, exames constantes, certificação e, portanto, uma liberdade restrita a um determinado espaço, nós temos agora o banco de dados, que oferece uma liberdade maior de movimento, desde que você ofereça cada vez mais informações aos bancos de dados, que possa permitir reconhecer quem você é e o que você quer. O banco de dados visa descobrir os "intrusos": nova figura que afasta os locais e representa aquele que não está registrado e catalogado. No mundo da informação, o global é o catalogado. A partir daí, surge a concepção do Superpanóptico com as seguintes características: Æ Bancos de dados eletrônicos: versão ciberespacial atualizada do Panóptico. ÆOs vigiados, fornecendo os dados a armazenar para órgãos do governo, bancos, empresas de crédito, são fatores primordiais e voluntários da vigilância. Æ Somos fisgados para dentro das redes, dos bancos de dados, nas autoestradas dainformação. ÆLocais de armazenamento de informação: nossos corpos são ‘amarrados informaticamente’. Æ Armazenagem de quantidades maciças de dados: ampliadas a cada uso de um cartão de crédito e a cada ato de compra. Æ Poder panóptico: de uma situação em que muitos vigiam poucos para outra em que poucos vigiam muitos. Æ A vigilância substituiu o espetáculo. 59 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação ÆTempos pré-modernos: o poder costumava impor-se, deixando os plebeus observarem com espanto, medo e admiração a sua pompa, riqueza e esplendor. Æ Poder moderno: poder prefere ficar na sombra, observando os súditos, em vez de ser observado por eles. ÆO panóptico social: somos constantemente observados pelos nossos amigos, família, colegas de trabalho. A comunicação invade nossos espaços e, aos poucos, estamos nessa rede onde nos controlamos e controlamos os demais. Nesse contexto, passamos do Panóptico com o controle de caráter local para a concepção do Sinóptico que seria um mecanismo de poder global. Marcando essa diferença, Bauman (1999, p. 60) acredita que “o panóptico forçava as pessoas à posição em que poderiam ser vigiadas. O sinóptico não precisa de coerção – agora este induz as pessoas à vigilância”, este perde o status de instituição física instituída para uma instituição virtual fixada, não em um espaço físico, mas no imaginário dos indivíduos, pois agora não necessitamos de um vigia, eu posso ser meu próprio vigia, assim como estou em constante vigília para com o conjunto ao qual estou inserido. Assim, as características principais do poder Sinóptico seriam: ÆProcesso contemporâneo: o desenvolvimento de novas técnicas de poder, que consistem em muitos vigiarem poucos. A condição de ser observado por muitos e em todos os cantos do planeta. Æ Agora, não precisamos do espaço físico localizado, tanto o alvo quanto o controle estão em constante movimento, chega o fim das estruturas necessárias para o controle e nasce o poder a partir do controle virtual. ÆAscensão crescente dos meios de comunicação de massa (sobretudo a televisão): leva à criação, junto com o Panóptico, de outro mecanismo de poder: o Sinóptico Alguns exemplos que despertam reflexões... • Muitos observam poucos: os poucos que são observados são as celebridades. • O mundo das celebridades em exibição constante: a mensagem de um estilo de vida. 60 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação • O programa Big Brother: nome inspirado no livro “1984”, escrito pelo inglês George Orwell em 1948. • As distopias3 em romances e filmes: Admirável Mundo Novo: Aldous Huxley (1932), Fahrenheit 451: Ray Braudbury (1953), V de Vingança (2005), Jogos Vorazes (2013). 3 Oposto da utopia. Pensamento filosófico que caracteriza uma sociedade imaginária controlada pelo estado ou por outros meios extremos de opressão, criando condições de vida insuportáveis aos indivíduos. 61 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 9 MARSHALL MCLUHAN E A ALDEIA GLOBAL Mind your media men!4 Herbert Marshall McLuhan O impacto das tecnologias sobre a comunicação massificada e as primeiras ideias sobre a transformação do comportamento do receptor em função da introdução do computador e suas possibilidades interativas na sociedade foram os campos de estudos da chamada Escola Canadense ou Escola de Toronto, que surgiu na década de 50. Os debates e pesquisas dessa corrente de pensamento focavam nos meios de comunicação e na evolução deles. A base da discussão era ir contra as ideias de manipulação massiva de teorias como a da Bala Mágica ou Hipodérmica e da Crítica. Os pesquisadores notaram que era preciso estudar também os efeitos dos meios de comunicação enquanto tecnologia e não apenas seus efeitos enquanto difusores de mensagens. Os principais teóricos da Escola de Toronto são Harold Innis (1894-1952), historiador e economista canadense, e Marshall McLuhan (1911-1980), também canadense, destacado educador, filósofo e teórico da Comunicação, cujo trabalho é tema desse capítulo. Diretor do Centre of Culture and Technology da Universidade de Toronto, McLuhan distinguiu-se pelas análises que fez dos meios de comunicação (os media), o que lhe valeu o epíteto de “profeta da era eletrônica”. De acordo com ele, um medium (meio de comunicação) deveria ser entendido como uma “prótese técnica” apta a prolongar o corpo humano e a estender os sentidos elementares, intensificando a percepção. As opiniões sobre o trabalho de McLuhan se dividem. Muitos o chamam de visionário e outros classificam seu trabalho como superficial e baseado em determinismo tecnológico (uma teoria reducionista, criada por Thorstein Veblen (1857-1929), um economista e sociólogo americano, que pressupõe que a tecnologia de uma sociedade impulsiona o desenvolvimento de sua estrutura social e valores culturais). Entre as principais críticas a essa visão é que a comunicação não pode ser estruturada de maneira 4 O sentido da frase que McLuhan dizia constantemente para seus alunos seria: “Prestem atenção aos meios de comunicação ou observem os meios de comunicação!” 62 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação técnica. A consequência desse “equívoco” seria a progressiva perda do sentido da comunicação: as tecnologias em si mesmas não mediatizam a sociedade. Rüdiger (2011, p. 137) destaca, com base nessas discussões, que “o pensamento tecnológico [...] não é um bom meio de explicar a sociedade. Assim, apenas arriscamo-nos a conceber um sucedâneo do velho paradigma informacional”. O autor quer dizer, em outras palavras, que estaríamos voltando ao conceito da Teoria Matemática da Comunicação (capítulo 3). 9.1 A tese central Segundo a tese de McLuhan, ao instituir “novos hábitos de percepção”, toda tecnologia da comunicação contribui decisivamente para a configuração de um meio social novo. Os meios de comunicação não apenas subentendem dada estrutura social, como eles próprios a ensejam. A invenção e a adoção de uma ou outra tecnologia de comunicação traz consigo transformações sociais, culturais, políticas e de civilização. McLuhan defende a hipótese de que as tecnologias constituem uma extensão dos sentidos humanos, de modo que o predomínio de uma ou outra implica o predomínio de um ou outro modo de percepção da realidade. “A tecnologia cria um ambiente humano totalmente novo”. No princípio, é expressão dos sentidos, porém depois torna-se o que os atinge e altera. Nesse contexto, os indivíduos são modificados por suas técnicas de comunicação. As primeiras mídias eram extensões do corpo e dos sentidos, dos olhos e dos ouvidos humanos. As telecomunicações constituem não somente extensões do sistema nervoso central, mas técnicas que sobre ele rebatem, determinando uma nova modelagem da sociedade. 9.1.1 Bases do pensamento de McLuhan: 1. Os efeitos dos meios são novos ambientes criados; e cada novo ambiente reprograma a vida sensorial. 2. Uma inovação técnica é informação nova, inquietante, perturbadora. O impacto físico e social das novas tecnologias e o ambiente criado afetarão todas as consequências psíquicas e sociais características das antigas tecnologias. 63 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação3. As sociedades humanas sempre foram mais moldadas pelo caráter dos meios pelos quais se comunicam do que pelos teores da comunicação. O prolongamento de qualquer um dos nossos sentidos elementares modifica nossa maneira de pensar e de agir; altera, sobretudo, nossa maneira de perceber o mundo. 4. O meio é a mensagem. Trata-se de uma formulação pela qual o autor pretende sublinhar que o meio, geralmente pensado como simples canal de passagem do conteúdo comunicativo, mero veículo de transmissão da mensagem, é um elemento determinante da comunicação. Uma mensagem não é mais considerada um “conteúdo”, senão uma “massagem” psíquica, isto é, um conjunto de resultados práticos de uma tecnologia da comunicação sobre o sensório humano. Utilizando a luz elétrica como metáfora, e assumindo que esta é um meio de comunicação “quando utilizada no registro do nome de algum produto” (MCLUHAN, 2007, p. 23), pois transmite uma informação. Ele também destaca que a luz elétrica também é mensagem, na medida em que sua chegada a determinados locais alterou completamente a organização social. 5. Os meios de comunicação instituem novas correlações e proporções não somente em nossos sentidos elementares, mas também entre eles próprios quando estabelecem ações recíprocas de um meio a outro. Influenciam-se e um supera o outro, sem destruí- lo. 6. Eletronicamente interligado, o mundo se torna uma aldeia global. O termo foi criado em 1960. É o mundo ligado pelos meios de comunicação eletrônicos, que permitem a volta da oralidade, à visão e à lógica não linear. O progresso tecnológico estaria reduzindo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia. O autor elegeu a televisão como paradigma da aldeia global. Ou seja, o conceito precedeu a internet. Detalhe: McLuhan esqueceu, entretanto, que as formas de comunicação em uma aldeia são essencialmente bidirecionais e entre dois indivíduos. Somente agora, com o celular e a internet, é que o conceito começa a se concretizar. Uma das principais críticas a esse conceito é de seria utópico já que muitos são excluídos do acesso aos meios! 64 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 9.2 Meios Quentes e Meios Frios McLuhan também define os meios de comunicação como sendo Meios Quentes (Hot Media) e Meios Frios (Cool Media). Trata-se, segundo ele, de “temperatura informacional”. Meios Quentes (Hot Media) Æ Os meios quentes estendem um sentido elementar (audição, visão) e apresentam grande volume de informações bem definidas. Em outras palavras, os meios quentes são aqueles que nos trazem as informações mais “mastigadas”, onde não é necessário muito esforço por parte do receptor, sendo que este utiliza essencialmente apenas um de seus sentidos. Quanto maior é o volume de informação transmitido pelo meio, mais quente ele é. McLuhan afirma que “[...] Um meio quente é aquele que prolonga um único de nossos sentidos em alta definição (alta saturação de dados)”; “a forma quente exclui”; “não deixa muita coisa a ser completada pela audiência”. Ou seja: os receptores participam menos, pois a quantidade de dados que chegam a eles é suficiente para que eles entendam. O filósofo fazia analogias a seus estudantes dizendo que ler um jornal pela manhã era o equivalente, informacionalmente falando, a tomar um banho quente. O que está em jogo nesta definição é, principalmente, a participação, o envolvimento. “Uma conferência envolve menos do que um seminário, e um livro menos do que um diálogo. ” Ex: fotografia, jornal, revista, livro, rádio e cinema. Meios Frios (Cool Media) Æ Os meios frios proporcionam informações mal definidas, exigindo do receptor maior “participação sensorial” para a apreensão de suas mensagens. Ou seja, é necessário maior esforço e envolvimento por parte da audiência para compreender a mensagem transmitida através dos meios frios; requere-se maior participação do receptor. McLuhan diz que “[...] a fala é um meio frio de baixa definição, porque ao ouvido é fornecida uma magra quantidade de informação”; “a forma fria inclui”. Ex: televisão, telefone, histórias em quadrinhos, diálogo e caricatura. 65 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Na evolução midiática, determinante nas transformações da cultura humana, McLuhan distingue três grandes períodos, culturas ou galáxias: Cultura oral ou acústica Æ própria das sociedades não-alfabetizadas, cujo meio de comunicação por excelência é a palavra oral (dita e ouvida). Cultura tipográfica ou visual (Galáxia de Gutenberg) Æ que caracteriza as sociedades alfabetizadas e que, pelo privilégio atribuído à escrita e, consequentemente, à leitura se traduzem na valorização do sentido da visão. Esta cultura descobriu um novo modo de conservar a memória, aumentando seu volume e liberdade de emprego. Cultura eletrônica do audiovisual Æ Hoje se pode pressentir alguns sinais. Ela é determinada pela velocidade instantânea que caracteriza os meios elétricos de comunicação e pela integração sensorial provocada por eles. Concebeu uma maneira de socializar o conhecimento, permitindo o reforço dos laços de irmandade entre os homens. “Na idade elétrica, quando nosso sistema nervoso central é tecnologicamente projetado para envolver-nos na humanidade inteira, incorporando-a em nós, necessariamente temos de envolver-nos, em profundidade, em cada uma de nossas ações. Não é mais possível adorar o papel olímpico e dissociado do literato ocidental” (MCLUHAN, 2007, p. 18). Ou seja: temos de estar envolvidos na ação. 9.3 Os estudos continuam... Teóricos da Escola de Toronto, em especial McLuhan, destacaram a influência dos meios de comunicação sobre a sociedade e a civilização como “globalmente positiva”. Essa linha de pensamento trouxe mais leveza para as discussões e reflexões sobre a Teoria Crítica e a Indústria Cultural entre as Teorias da Comunicação. Depois de McLuhan, cresceu o entendimento de que as comunicações não têm a ver com um processo social, mas com a materialidade de seus meios técnicos, com as conexões objetivas entre nossos corpos e as mídias e com a natureza estrutural do processamento da informação por elas agenciado. Teóricos como Derrick de Kherckhove (1944-), sociólogo belga, naturalizado canadense, Vilém Flusser (1920-1991), filósofo tcheco, naturalizado brasileiro, Friedrich Kittler (1943-2011), teórico da mídia alemão, e Scott Lash (1945-), professor inglês de 66 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação sociologia e estudos culturais, são apenas alguns a explorar a hipótese mcluhiana de que os meios, em vez de se sucederem, tornam-se o conteúdo dos que surgem mais tarde e que, por essa via, eles definem o modo de ser do mundo. 67 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 10 OUTROS MODELOS TEÓRICOS 10.1 Teoria do Espelho Várias questões incentivaram e continuam trazendo inspiração para os estudos sobre o jornalismo. Qual o papel dos jornalistas na produção de notícias? Por que as notícias são como são? Afinal, qual o papel do jornalismo na sociedade? A primeira teoria para explicar porque as notícias são como são, que surgiu no século XIX, é oferecida pela própria ideologia profissional dos jornalistas (pelo menos nos países ocidentais). É a teoria mais antiga e responde que as notícias são como são porque a realidade assim as determina. Ou seja: o jornalismo reflete a realidade. A base dessa teoria é a ideia-chave deque o jornalista é um comunicador desinteressado, isto é, um agente que não tem interesses específicos a defender e que o desviam de sua missão de informar, procurar a verdade, contar o que aconteceu, doa a quem doer. A teoria se desenvolveu em países mais desenvolvidos enquanto os meios de comunicação social, nesse contexto a imprensa, cresceram como indústria. Com esse crescimento, houve um duplo processo que decorre por todo o século XIX e prossegue no século XX: a comercialização do jornalismo e a profissionalização dos jornalistas, seus agentes. O novo paradigma das notícias como informação iria substituir o velho paradigma que concebe o papel dos meios de comunicação social como arma política e jornalistas como militantes partidários. Com o novo paradigma, o papel do jornalista é definido como o observador que relata com honestidade e equilíbrio o que acontece, cauteloso por não emitir opiniões pessoais. O desenvolvimento dessa concepção, que ainda hoje é o padrão dominante no campo jornalístico ocidental, tem dois momentos históricos importantes: Æ O surgimento, em meados do século XIX, do jornalismo de informação com a ideia- chave da separação entre “fatos” e “opiniões”. As agências de notícias foram as maiores defensoras desse jornalismo. Æ O surgimento, no século XX, do conceito de objetividade nos anos 20 e 30 nos Estados Unidos. Michael Schudson, um dos pesquisadores das teorias do jornalismo, explica que 68 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação o ideal da objetividade foi a afirmação de um método concebido em função de um mundo no qual mesmo os fatos não eram merecedores de confiança devido ao surgimento de uma nova profissão, Relações Públicas, e a tremenda eficácia da propaganda verificada na Primeira Guerra Mundial. O jornalista Walter Lippmann destacou em seu livro Opinião Pública (1922) que os jornalistas precisavam procurar no método científico e nos procedimentos profissionais o antídoto para a subjetividade. Até hoje, os jornalistas costumam defender a Teoria do Espelho com base na crença de que as notícias refletem a realidade. Isso acontece porque ela dá legitimidade e credibilidade aos jornalistas, tratando-os como imparciais, limitados por procedimentos profissionais e dotados de um saber de narração baseado em método científico que garante o relato objetivo dos fatos. Sobre as críticas à teoria, existe o argumento de que a linguagem neutra é impossível, pois não há como transmitir o significado direto (sem mediação) dos acontecimentos. Além disso, as notícias ajudam a construir a própria realidade, o que inviabiliza a existência de um simples reflexo do real. Na verdade, os próprios jornalistas estruturam representações do que supõem ser a realidade no interior de suas rotinas produtivas e dos limites dos próprios meios de comunicação. 10.2 Teoria do Newsmaking O jornalismo está longe de ser o espelho do real. É a construção social de uma suposta realidade. Dessa forma, é no trabalho de enunciação (ato individual de utilização da língua pelo falante, ao produzir um enunciado num dado contexto comunicativo) que os jornalistas produzem os discursos que, submetidos a uma série de operações e pressões sociais, constituem o que o senso comum das redações chama de notícia. Assim, a imprensa não reflete a realidade, mas ajuda a construí-la. Esses pressupostos estão incluídos no modelo teórico do newsmaking, cuja sistematização foi feita por autores como Mauro Wolf e Nelson Traquina. A perspectiva do newsmaking rejeita a teoria do espelho. Mas isso não significa considerar as notícias ficcionais, sem correspondência com a realidade exterior. A teoria do newsmaking é construtivista, um método que enfatiza o caráter convencional das notícias, admitindo que elas informam e têm referência na realidade. 69 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Entretanto, também ajudam a construir essa mesma realidade e possuem uma lógica interna de constituição que influencia todo o processo de construção. O newsmaking dá ênfase à produção de informações, ou melhor, à potencial transformação dos acontecimentos cotidianos em notícia. A atenção desses estudos está sobre o emissor, no caso o profissional da informação, visto enquanto intermediário entre o acontecimento e sua narratividade que é a notícia. As pesquisas do newsmaking também incluem o relacionamento entre fontes primeiras e jornalistas, bem como as diferentes etapas da produção informacional, seja ao nível da captação da informação, seja em seu tratamento e edição e, enfim, em sua distribuição. Os estudos são realizados com ênfase nas pesquisas participantes. O pesquisador junta-se à equipe pesquisada, mas não faz parte dela, pois ali se encontra provisoriamente, o tempo necessário para desenvolver seus estudos. Os dados são colhidos por observação sistemática e diretamente pelo pesquisador junto aos pesquisados. A socióloga Gaye Tuchman é uma das mais respeitadas pesquisadoras do newsmaking. Suas ideias são constantemente citadas no livro Teorias da Comunicação, de Mauro Wolf, para quem a teoria se articula em três vertentes principais: 1) A cultura profissional dos jornalistas: táticas, códigos, estereótipos e símbolos relativos aos meios de comunicação de massa que criam e mantêm paradigmas profissionais e autoimagem. 2) A organização do trabalho: convenções que determinam e definem o que seja notícia e legitimam os processos produtivos das mesmas, constituindo o conceito de noticiabilidade (item 9.3.1) 3) Os processos produtivos das notícias: legitimados pela organização do trabalho Segundo Wolf, Gaye Tuchman analisa com competência a organização do ofício jornalístico, sem a qual seria impossível produzir notícias, já que há uma superabundância de fatos do cotidiano. De acordo com a socióloga, os órgãos de informação devem cumprir três obrigações para produzir o noticiário: 1) Tornar possível o reconhecimento de um fato desconhecido como acontecimento notável; 70 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 2) Elaborar formas de relatar os acontecimentos que não tenham a pretensão de dar a cada fato ocorrido um tratamento idiossincrático (peculiar, incomum); 3) Organizar e situar o fato no tempo e no espaço de modo que os acontecimentos noticiáveis possam afluir e ser trabalhados de forma planificada. Ou seja: Tuchman quer dizer que o processo de produção da notícia é planejado como uma rotina industrial. Tem procedimentos próprios e limites organizacionais. Embora, o jornalista seja participante ativo na construção da realidade, não há uma autonomia incondicional em sua prática profissional, mas sim a submissão a um planejamento produtivo. Essa afirmação diminui a pertinência de alguns enfoques conspiratórios na teoria do jornalismo como, por exemplo, o paradigma da “manipulação da notícia”. Assim, uma suposta intenção manipuladora por parte do jornalista seria superada pelas imposições da produção jornalística. As normas ocupacionais teriam maior importância do que as preferências pessoais na seleção e filtragem das notícias. Æ Diante da imprevisibilidade dos acontecimentos, as empresas jornalísticas precisam colocar ordem no tempo e no espaço. Para isso, estabelecem determinadas práticas unificadas na produção de notícias. É dessas práticas que se preocupa a teoria do newsmaking. 10.2.1. Critérios de noticiabilidade Como já foi comentado sobre as principais vertentes da teoria do newsmaking, as convençõesde organização do trabalho jornalístico determinam e definem o que seja notícia e legitimam o processo produtivo das mesmas, constituindo o conceito de noticiabilidade. Noticiabilidade é: Æ a aptidão potencial de um fato tornar-se notícia; Æ o conjunto de requisitos que se exige de um acontecimento para que ele adquira existência enquanto notícia; 71 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Æ o conjunto de critérios que operacionalizam instrumentos segundo os quais os meios de comunicação de massa escolhem, dentre múltiplos fatos, aqueles que adquirirão o status de noticiabilidade. Æ “conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia”. (TRAQUINA, 2013, p.61) A noticiabilidade de um fato pode então ser analisada segundo sua possibilidade de integrar-se ou não ao fluxo normal e rotineiro da produção de informações. É regrada por valores-notícia (componentes da noticiabilidade) que são conjuntos de elementos e princípios através dos quais os acontecimentos são avaliados pelos meios de comunicação de massa e são analisadas suas potencialidades de produzir resultados e novos eventos que se transformarão em notícias. DESSE MODO... Æ “Os critérios de noticiabilidade são o conjunto de valores-notícia que determinam se um acontecimento, ou assunto, é suscetível de se tornar notícia, isto é, se ser julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável e, por isso, possuindo valor- notícia ” (TRAQUINA, 2013, p.61). Æ Os valores-notícia ou news value não podem nem devem ser analisados isoladamente. Eles “são de fato um código ideológico”, segundo o pesquisador e professor de jornalismo da Universidade de Cardiff (Reino Unido), John Hartley. Já Stuart Hall refere-se aos valores-notícia como um “mapa cultural” do mundo social. As noções consensuais sobre o funcionamento da sociedade que ajudam a marcar fronteiras entre o “normal” e o “desvio”, entre o “legítimo e o “ilegítimo”. OS VALORES-NOTÍCIA, SEGUNDO NELSON TRAQUINA (2013, p. 75-90) I) Valores-notícia de seleção: segundo Mauro Wolf, são critérios que os jornalistas utilizam na seleção dos acontecimentos, isto é, na decisão de escolher um acontecimento como candidato à sua transformação em notícia. Eles estão divididos em dois subgrupos: 72 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação a) Critérios substantivos: dizem respeito à avaliação direta do acontecimento em termos da sua importância ou interesse como notícia. - Morte: valor-notícia fundamental para a comunidade jornalística. Razão que explica o negativismo do mundo jornalístico que é apresentado diariamente. - Notoriedade: a notoriedade do ator do acontecimento. O nome e a posição da pessoa são importantes como fator de noticiabilidade. - Proximidade: em termos geográficos, mas também em termos culturais. Um acidente de avião no Rio de Janeiro poderá ser notícia relevante num jornal nacional, mas terá menos destaque em um jornal do Pará, por exemplo. - Relevância: preocupação de informar o público dos acontecimentos que são importantes porque têm impacto na vida das pessoas. - Novidade: para os jornalistas, uma questão central é precisamente o que há de novo. - Tempo: é outro valor-notícia de maneiras diferentes. Em primeiro lugar, na forma da atualidade. Um acontecimento na atualidade pode servir de “gancho” para outro acontecimento ligado a esse assunto. Em segundo, o tempo serve para justificar a noticiabilidade de um acontecimento do passado, mas nesse mesmo dia. E existem ainda dos dias comemorativos que servem de “ganchos” para justificar falar do assunto. - Notabilidade: qualidade de ser visível, de ser tangível. Há diversos registros de notabilidade: quantidade de pessoas que o acontecimento envolve (jornalistas atribuem valor às notícias quanto mais gente envolvida em um desastre); inversão ou o contrário de ser normal (o homem que morde o cão); os acontecimentos insólitos (o ladrão que devolve o carro roubado); falha, defeito e insuficiência (acidentes de aviação, acidentes nucleares, explosões de foguetes); excesso ou escassez (mudanças bruscas de temperatura, racionamento de água). - Inesperado: aquilo que surpreende a expectativa da comunidade jornalística. Um grande acontecimento que provoca o caos na redação. - Conflito: controvérsia, violência física ou simbólica, como uma disputa verbal entre políticos. 73 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação - Infração: violação, transgressão das regras. Assim podemos compreender a importância do crime como notícia. Muito ligado ao valor-notícia da violência ou conflito. - Escândalo: como os envolvendo políticos, por exemplo. São acontecimentos que correspondem à situação do jornalista como “cão de guarda” das instituições democráticas. b) Critérios contextuais: dizem respeito ao contexto da produção da notícia e não às características do próprio acontecimento. - Disponibilidade: facilidade com que é possível fazer a cobertura dos acontecimentos. Depende dos recursos das empresas jornalísticas. Não é possível ir a todas, isto é, cobrir todos os acontecimentos com o envio de um jornalista. - Equilíbrio: relacionada com a quantidade de notícias sobre um acontecimento ou assunto que já existe ou existiu há relativamente pouco tempo no produto informativo. Devido ao valor de equilíbrio, “não tem valor-notícia porque na já demos isso há pouco tempo”. - Visualidade: se há elementos visuais como fotografias ou filmes. É muito comum no telejornalismo. Há imagens do fato? Qual a qualidade das imagens? - Concorrência: As empresas jornalísticas têm concorrentes. Existem situações que demonstram mais essa concorrência ou não. Como no caso dos “furos” ou a exclusividade, por exemplo. A busca pelo “furo” para ser melhor e mais rápido que a concorrência incentiva um fenômeno do chamado “pack journalism”, isto é, a tendência para os membros da tribo jornalística de andar em grupos, numa matilha, seguindo-se uns aos outros. - Dia noticioso: acontecimentos estão em concorrência com outros acontecimentos. Cada dia jornalístico é um novo dia. Há dias ricos em acontecimentos com valor-notícia e outros dias pobres em acontecimentos com valor-notícia. II) Valores-notícia de construção: são qualidades da sua construção como notícia e funcionam como linhas-guia para apresentação do material, sugerindo o que deve ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve ser prioritário na construção do acontecimento como notícia. 74 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação - Simplificação: quanto mais o acontecimento é desprovido de ambiguidade e de complexidade, mais possibilidades tem a notícia de ser notada e compreendida. Uma notícia facilmente compreensível é preferível a uma outra cheia de ambiguidade. Os clichês, os estereótipos e as ideias feitas são muitas vezes necessários. - Amplificação: quanto mais amplificado é o acontecimento mais possibilidades de a notícia ser notada. Podemos ler expressões deste valor-notícia nos seguintes títulos que atestam para a presença do valor-notícia da amplificação: “Brasil chora a morte de ....” - Relevância: quanto mais sentido a notícia dá ao acontecimento, mais hipóteses a notícia tem de ser notada. Compete ao jornalista tornar aquela notícia relevante para as pessoas, demonstrar que tem significado para elas. Por exemplo, o impacto ambiental do desastre de Mariana.- Personalização: quanto mais personalizado um acontecimento é o acontecimento, mais possibilidades tem a notícia de ser notada, pois facilita a identificação do acontecimento em termos negativo ou positivo. Por personalizar, entendemos valorizar as pessoas envolvidas no acontecimento: acentuar o fator pessoa. - Dramatização: reforço dos aspectos mais críticos, do lado emocional, a natureza conflitual. - Consonância: quanto mais a notícia insere o acontecimento numa “narrativa” já estabelecida, mais possibilidades a notícia tem de ser notada. Implica a inserção da novidade num contexto já conhecido com a mobilização das histórias que os leitores conhecem. 75 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Sistematização dos valores-notícia encontrados no jornalismo segundo a perspectiva de Mauro Wolf e Nelson Traquina VALORES – NOTÍCIA DE SELEÇÃO: CRITÉRIOS SUBSTANTIVOS VALORES – NOTÍCIA DE SELEÇÃO: CRITÉRIOS CONTEXTUAIS VALORES – NOTÍCIA DE CONSTRUÇÃO Morte Disponibilidade Simplificação Notoriedade Equilíbrio Amplificação Proximidade Visualidade Relevância Relevância Concorrência Personalização Novidade Dia noticioso Dramatização Tempo Consonância Notabilidade Inesperado Conflito (ou controvérsia) Infração Escândalo Fonte: Traquina (2013) e Wolf (2003) 10.3 Teoria do Gatekeeper O Gatekeeper é um clássico exemplo de teoria que privilegia a ação pessoal. O conceito refere-se à pessoa que tem o poder de decidir se deixa passar a informação ou se a bloqueia. Ou seja: diante de um grande número de acontecimentos, só se tornam notícias aqueles que passam por uma cancela ou portão (gate em inglês). E quem decide isso é o porteiro ou selecionador (o gatekeeper), que é o próprio jornalista. Ele é o responsável pela progressão da notícia ou por sua “morte”, caso opte por evitar a publicação. O termo surgiu pela primeira vez em 1947, mas não se referia ao jornalismo. Ele foi elaborado pelo psicólogo Kurt Lewin para estudar as modificações dos hábitos 76 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação alimentares em um determinado grupo social. Lewin percebeu que existem canais por onde flui a sequência de comportamentos relativos a um determinado tema. Esses canais desembocam em uma zona filtro (o gate), que é controlada por quem tem o poder de decidir (o gatekeeper). No caso dessa pesquisa específica, era a decisão doméstica sobre que alimentos deveriam ser adquiridos para o consumo da família. A teoria do gatekeeper é uma das primeiras a surgir na literatura sobre os estudos do jornalismo. Seus contornos foram traçados na década de 1950, por David Manning White. Ele estudou o fluxo das notícias dentro dos canais de organização dos jornais com o objetivo de individualizar os pontos que funcionam como cancelas. O pesquisador acompanhou a rotina de um editor não identificado, chamado de Mr. Gate, um jornalista de meia-idade, com 25 anos de experiência, profissional, morador de uma cidade de cem mil habitantes, cuja função era determinar as notícias que deveriam ser selecionadas entre as centenas de despachos de agências que chegavam diariamente à redação. Durante uma semana, White anotou os motivos que levaram Mr. Gate a rejeitar notícias não utilizadas. White concluiu que as decisões de Mr. Gate foram subjetivas e arbitrárias, dependentes de juízos de valor baseados no conjunto de experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper. Resumindo, o resultado das pesquisas foi esse: Æ De cada dez despachos, nove foram rejeitados. Æ Das 1.333 explicações para a recusa de uma notícia, cerca de 800 referiam-se à falta de espaço. Æ 300 foram consideradas repetidas (sobrepostas a outras histórias já selecionadas) ou não tinham interesse jornalístico. Æ 76 não estavam na área de interesse do jornal. 77 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Æ O fator tempo teve importância significativa na seleção das notícias. Quanto mais tarde no dia chegaram as notícias, maior era a proporção da anotação “sem espaço” ou “serviria”. As críticas... Nos anos seguintes, a teoria do gatekeeper foi perdendo prestígio. Estudos posteriores chegaram à conclusão que as decisões do gatekeeper estavam mais influenciadas por critérios profissionais ligados às rotinas de produção das notícias e a eficiência e velocidade do que por uma avaliação individual de noticiabilidade. Entretanto, nas palavras de Mauro Wolf, um sociólogo e semiólogo italiano, “o mérito desses primeiros estudos foi o de individualizar onde, em que ponto do aparelho, a ação do filtro é exercida explícita e institucionalmente”. Os estudos sobre a problemática do gatekeeper foram ampliados e passaram a se concentrar na maneira como a seleção é exercida, ou seja, na análise dos contextos relativos à escolha do selecionador. Um desses contextos é o da organização profissional da redação, também estudada nas teorias do jornalismo. 10.4 Teoria do Agendamento ou Agenda Setting A ideia-chave da teoria do agendamento defende que os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são veiculados na imprensa, sugerindo que os meios de comunicação agendam nossas conversas. Ou seja: a mídia determina quais assuntos farão parte das conversas dos consumidores de notícias. A agenda setting, como é chamada nos Estados Unidos, surgiu no início da década de 70 como uma reação a uma outra teoria: a dos efeitos limitados (criada por Paul Lazarsfeld e conceituada no item 4 da apostila), que teve seu auge entre os anos 40 e 60. O agendamento representa a insatisfação da nova geração de pesquisadores em comunicação que tinha experiência prática em redações com o paradigma da limitação dos efeitos midiáticos na vida social. Na verdade, é possível dizer que a teoria do agendamento foi antecipada em cinquenta anos pelo livro de Walter Lippmann, Public Opinion, publicado em 1922, quando 78 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação foi sugerida uma relação causal entre a agenda midiática e a agenda pública. Nele, o autor mostra que a mídia é a principal ligação entre os acontecimentos do mundo e as imagens desses acontecimentos em nossa mente. Na perspectiva de Lippmann, a imprensa funciona como agente modeladora do conhecimento, usando os estereótipos como forma simplificada e distorcida de entender a realidade. Em 1972, a teoria do agendamento fica em evidência a partir das pesquisas de Maxwell McCombs e Donald Shaw. É quando os chamados estudos dos efeitos assumem outra direção. O objetivo não é mais analisar o papel da mídia na mudança de opiniões, mas sim sua influência na formação e mudança de cognições, ou seja, na forma como as pessoas apreendem (e aprendem) as informações e formam seu conhecimento sobre o mundo. A preocupação não está centrada apenas no que as pessoas conversam, mas também como elas conversam. A hipótese da agenda setting não defende que a imprensa pretende persuadir. A influência da mídia nas conversas dos consumidores de notícias advém da dinâmica organizacional das empresas de comunicação com sua cultura própria e critérios de noticiabilidade. Segundo Donald Shaw, citado por Mauro Wolf, "as pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os profissionais de mídia incluem ou excluem do seu próprio conteúdo." Na maioria dos casos, estudos baseadosnessa teoria referem-se à relação entre a agenda midiática e a agenda pública. Entretanto, os objetivos desses estudos não são verificar mudanças de voto ou de atitude, mas sim a influência da mídia na opinião dos cidadãos sobre que assuntos devem ser prioritariamente abordados pelos políticos. No Rio de Janeiro, por exemplo, o assunto violência tem espaço diário nos jornais. Adivinhem de que tema os políticos mais falam? Essa discussão faz parte das abordagens de Maxwell McCombs e Donald Shaw, citados por Nelson Traquina. “[...] O mundo político é reproduzido de modo imperfeito pelos diversos órgãos de informação. Contudo, as provas deste estudo, de que os eleitores tendem a partilhar a definição composta dos media acerca do que é importante, sugerem fortemente a sua função de agendamento. ” (McCOMBS e SHAW, 1972, In: TRAQUINA, 2000, p.57). 79 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação As ideias principais da teoria são as seguintes: a) O fluxo contínuo da informação: o processo de informação e comunicação não é fechado. Sofremos todos os dias uma verdadeira avalanche informacional que, na maioria das vezes, nos leva ao conhecido processo de entropia (excesso de informações que não trabalhadas devidamente pelo receptor, se perdem ou geram situações inusitadas). Este fluxo contínuo informacional gera o que McCombs, denominará efeito de enciclopédia que pode ser provocado pela mídia, sempre que isso interesse, através de procedimentos técnicos como o chamado box que revistas e jornais muitas vezes estampam nas páginas junto a uma grande reportagem ou também os sites de notícias que utilizam os links “saiba mais sobre o caso”, visando atualizar o leitor sobre determinado fato. É assim que se pode explicar o porquê de guardarmos, de forma consciente ou não, uma série de informações que são utilizadas por nós sobre determinados fatos divulgados na mídia. b) Os meios de comunicação, por consequência, influenciam sobre o receptor não a curto prazo, como boa parte das antigas teorias achavam, mas sim a médio e longo prazos: Com a observação de períodos de tempo mais longos se pode verificar com mais precisão os efeitos provocados pelos meios de comunicação. Leva-se em conta ainda o tempo decorrido entre essa divulgação e a concretização de seus efeitos em termos de uma ação por parte do receptor. c) Os meios de comunicação, embora não sejam capazes de impor o que pensar em relação a um determinado tema, como desejava a teoria hipodérmica, são capazes de, a médio e longo prazos, influenciar sobre o que pensar e falar: dependendo dos assuntos que venham a ser abordados – agendados – pela mídia, o público termina, a médio e longo prazos, por incluí-los em seus assuntos diários e, dependendo do assunto, suas preocupações. A agenda da mídia passa a se constituir em uma agenda individual e mesmo na agenda social. Essa situação toma forma dentro processo de urbanização da sociedade e o surgimento dos meios de comunicação de massa também chamados de mass media, constituídos pelos jornais, revistas, emissoras de rádio, cadeias de televisão e sites de notícias. Com sociedades mais complexas, temos necessidade de mediação dos meios de comunicação, pois não podemos presenciar todos os fatos que ocorrem diariamente em 80 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação todo o mundo. Portanto, dependendo da mídia, sofremos sua influência a médio e longo prazos, não nos impondo conceitos, mas incluindo em nossas preocupações certos temas que, de outro modo, não chegariam a nós, os consumidores de notícias, ou seriam temas de nossa agenda. Estas hipóteses ganharam força nas pesquisas do professor McCombs, a partir do acompanhamento de campanhas eleitorais nos Estados Unidos. Ele selecionou alguns jornais, canais de televisão e revistas e observou os temas das reportagens divulgadas sobre as campanhas e os candidatos. O professor verificou que a mídia provocou um forte impacto, influenciou o eleitor e também os candidatos que acabaram incluindo em suas agendas temas que, inicialmente, não eram abordados nas campanhas, mas que, como foram citadas pelos concorrentes ou agendados pela mídia terminaram por ser considerados pelas agendas dos candidatos. Após várias pesquisas, McCombs concluiu que a influência do agendamento da mídia depende: - do grau de exposição a que o receptor está exposto; - do tipo de mídia; - do grau de relevância e interesse que este receptor considere pelo tema; - a necessidade orientação do receptor ou sua falta de informação ou ainda seu grau de incerteza; Sobre a teoria do agendamento, ainda existem outros conceitos básicos a se considerar: 1) Acumulação – capacidade que a mídia tem de dar relevância a um determinado tema, destacando-o entre os acontecimentos diários que serão transformados em notícia; 2) Consonância – apesar de suas diferenças e especificidades, as mídias possuem traços em comum e semelhanças na maneira pela qual atuam na transformação do relato de um acontecimento que se torna notícia; 3) Onipresença – um acontecimento que, transformado em notícia, ultrapassa os espaços tradicionalmente a ele determinados se torna onipresente. Por exemplo, quando a página policial acaba abordando um assunto de esportes como episódios, envolvendo a corrupção de juízes por dirigentes de futebol; 81 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação 4) Relevância – ela é avaliada pela consonância do tema nas diferentes mídias. Ou seja: se um determinado acontecimento é noticiado por praticamente todas essas mídias, possui evidente relevância; 5) Frame temporal – quadro de informações que se forma ao longo de um determinado período de tempo da pesquisa e que nos permite a interpretação do acontecimento. Esse quadro cobre todo o período de levantamento de dados das duas ou mais agendas (isto é, a agenda da mídia e a agenda dos receptores, por exemplo); 6) Time-lag: é o intervalo entre o período de levantamento da agenda da mídia e a agenda do receptor. Como se avalia a existência de um efeito de influência da mídia sobre o receptor e esse efeito ocorre em um certo período de tempo para se efetivar e ser observada, esse intervalo de tempo é o time-lag; 7) Centralidade – capacidade que os mídias têm de colocar como algo importante determinado assunto, dando-lhe não apenas relevância quanto hierarquia e significado. Há muitos assuntos que são noticiados constantemente, mas não são considerados como centrais para nossa vida, enquanto outros assim se tornam; 8) Tematização – é um procedimento ligado à centralidade, na medida em que se trata da capacidade de dar o destaque necessário (sua formulação, a maneira pela qual o assunto é exposto), de modo a chamar atenção. É a chamada suíte da matéria ou os múltiplos desdobramentos que a informação vai recebendo. O objetivo é manter a atenção dos consumidores de notícias sobre o fato; 9) Saliência – valorização individual dada pelo receptor a um determinado assunto noticiado; 10) Focalização – a maneira pela qual a mídia aborda um determinado assunto, apoiando- o, contextualizando-o, assumindo determinada linguagem, tomando cuidados especiais para a sua editoração, utilizando imagens, chamadas, etc. 82 Produzido pela prof. ª Amli Paula Martins de Miranda Apostila Teoria da Comunicação Para concluir a explicação, um exemplo de como funciona a teoria do agendamento nos dias atuais: Uma matéria sobre o médico Jaime Gold, de 57 anos, esfaqueado e morto duranteum assalto na Lagoa, no Rio de Janeiro, foi veiculada em maio de 2015. Segundo testemunhas, ele foi atacado por adolescentes. A polícia descobriu que eram menores de idade. O caso ganhou páginas e espaço nos principais jornais e sites de notícias. Em poucas horas, se torna um dos assuntos mais comentados no Brasil. Diante do crime, começaram os debates sobre a redução da maioridade penal para 16 anos. Infelizmente, assassinatos desse tipo ocorrem diariamente, em vários lugares do país e por inúmeros motivos. Porém, diante da abordagem de algumas mídias que deixaram de contextualizar as causas deste tipo de problema social, a maioria queria a redução da maioridade penal. Fica evidente a importância em analisar e contextualizar um fato e conhecer todos os lados da história, baseando as opiniões em várias fontes de informação. Consultar apenas uma fonte, sem verificar a veracidade das informações é um grande impedimento para se ter uma visão completa e adequada da situação. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Carlos Alberto. A pesquisa norte-americana. In: HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga. Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. 7.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2007. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 12. reimp. 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