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JUSTIÇA – O QUE É FAZER A COISA CERTA Michael Sandel Somos donos de nós mesmos? A ideologia libertária A ideologia libertária Segundo Michael Sandel, a ideologia libertária é a que defende a liberdade que cada um tem de utilizar o que é seu como bem entender. Para os libertários, nem mesmo o Governo e as leis podem impedir o ser humano de fazer o que desejar com as coisas que estão em sua propriedade. A liberdade deve ser respeitada, pois, é um direito fundamental inerente à todos. Para os libertários “temos o direito de fazer o que quisermos com aquilo que nos pertence, desde que respeitemos os direitos dos outros de fazer o mesmo”. O Estado mínimo Apenas um Estado Mínimo é compatível com a teoria libertária, pois, não impede nem reprime as liberdades individuais. Qualquer Estado que vá além disso é moralmente injustificável. O libertário rejeita três tipos de diretrizes e leis que o Estado moderno normalmente promulga: Paternalismo; Legislação sobre a moral; Redistribuição de renda e riqueza. Para muitos teóricos libertários, qualquer tentativa de forçar maior igualdade econômica tenderia a coagir e a destruir uma sociedade livre. Muitas atividades estatais amplamente aceitas são infrações ilegítimas das liberdades individuais. A previdência social ou qualquer outro programa governamental obrigatório é um de seus principais exemplos. O correto deveria ser incentivar às pessoas a essas políticas, mas não obrigá-las. Alguns são contra o salário mínimo ou criar leis contra a discriminação no mercado de trabalho e, até mesmo contra a obrigatoriedade nos diplomas e exigências para o exercício de profissões, pois cada um tem o direito de escolher a que riscos aceita se sujeitar ou sujeitar o próprio corpo que é propriedade única e exclusiva de seu possuidor. A filosofia do livre mercado Em “Anarchy, State, and Utopia”, Robert Nozick defende os princípios libertários e faz um desafio ao conceito difundido sobre justiça distributiva. Nozick repudia a ideia de que uma distribuição justa consista em um determinado padrão. O que importa é como a distribuição é feita, sendo que deve atender a duas condições – justiça na aquisição de posse e justiça em sua transferência. A primeira condição é que a riqueza seja obtida por meio de negociações legais no mercado e a outra é que as doações sejam voluntárias e recebidas de outras pessoas. O dinheiro de Michael Jordan A figura do ex-jogador de basquete, Michael Jordan, é usada para ilustrar o pensamento de Nozick acerca da redistribuição de riquezas. É então construído um cenário em que, partindo-se de uma distribuição equânime, aqueles que quiserem assistir aos jogos de Jordan, depositariam cinco dólares em uma caixa cada vez que comprassem um ingresso, dinheiro que seria dado a Jordan e que no final da temporada totalizaria em 31 milhões de dólares. O resultado disso é que a distribuição inicial não existe mais. Nozick então afirma que esse cenário demonstra dois problemas inerentes à teorias geralmente aceitas de justiça distribuitivas, referentes à interferência nas liberdades individuais e à violação dos direitos de Jordan, quando taxado para apoias programas de ajuda aos necessitados. Desse modo, Nozick evidencia uma sequência lógica entre taxação, trabalho forçado e escravidão. Somos proprietários de nós mesmos? 5.1- Objeções Os defensores da redistribuição da riqueza através da taxação dos ricos fazem algumas objeções à lógica libertária: OBJEÇÃO 1: aponta que a taxação não é tão ruim quanto o trabalho forçado. Quando são cobrados impostos sobre o ganho financeiro adquirido com o trabalho, há a opção de que se trabalhe menos e pague menos impostos, mas, se houver trabalho forçado, essa escolha não existirá. A ideologia libertária contrapõe tal objeção utilizando o seguinte argumento: o Estado não pode forçar ninguém a fazer essa escolha. Para exemplificar, o autor diz que tanto a atitude do Estado - de taxar o rico obrigatoriamente - como a atitude de um ladrão que rouba uma TV ou a quantia equivalente em dinheiro estão em desacordo com direitos fundamentais do homem. OBJEÇÃO 2: defende que o pobre precisa mais do dinheiro do que o rico. Porém, a ideologia libertária contesta esse argumento dizendo que isso não significa que homens ricos(exemplo de Michael Jordan e Bill Gates) sejam obrigados a abrir mão de sua riqueza para fazer doações de caridade. "Roubar do rico para dar ao pobre não deixa de ser um roubo", escreve o autor, simplesmente porque esse ato viola os direitos de liberdade e de propriedade. Por exemplo: mesmo que um paciente necessite de um transplante de rins, o Estado não pode obrigar alguém a doar seus rins, mesmo que o estado de saúde do paciente seja pior que o do suposto doador, apenas porque ninguém pode violar o direito fundamental de outrem de optar por permanecer com seu corpo intacto. OBJEÇÃO 3: diz que Michael Jordan tem uma dívida com aqueles que contribuem para seu sucesso e, consequentemente, para a riqueza adquirida através do basquete. Entretanto, segundo a ideologia libertária, aquelas pessoas que contribuíram para o sucesso de Jordan consentiram em trabalhar e receber pelo seu trabalho, segundo um valor previamente estabelecido pelo mercado. Assim, Jordan não lhes deve nada. Mesmo se devesse, não haveria justificativa para a taxação de suas riquezas em prol dos menos favorecidos financeiramente. OBJEÇÃO 4: como parte de uma sociedade democrática, Jordan teria voz ativa para interferir na elaboração e aprovação de leis que regulamentam impostos em seu país. Os libertários respondem dizendo que o consentimento democrático não garante que sua posição acerca dos impostos seja respeitada: pode ser que, mesmo que ele lutasse contra a lei relativa aos impostos, ela fosse aprovada. Ele teria que submeter à lei e pagar o que é devido, porque trata-se de uma determinação do Estado. OBJEÇÃO 5: "Jordan é um homem de sorte", porque seu talento é valorizado na sociedade em que vive. Então, é justo que a comunidade atribua taxação de seus ganhos em prol da população. Para contestar tal objeção, o autor faz uso de um raciocínio lógico: Se Jordan não é dono de seu próprio talento, não é dono de si mesmo; "e, se ele não é dono de si mesmo, quem o é?" A idéia de pertencer a si mesmo, e não à comunidade ou ao Estado, explica porque não é certo que alguém deixe de lado seus direitos em prol do direito alheio. 5.2- Vendendo os rins Na maioria dos países ocidentais, a compra e a venda de órgãos são proibidas. Entretanto, algumas pessoas se baseiam na noção libertária de que o indivíduo é dono de si mesmo e que por isso, cada um tem o direito de fazer o que bem entender com seu próprio corpo vendendo ou não seus órgãos quando quisesse. A maioria das pessoas que defendem a venda de órgãos alega que isso poderia salvar a vida de milhares de pessoas. No entanto, a ideologia libertária não corresponde a esse caso, pois, caso cada um pudesse determinar o que deverá ser feito a seu corpo, vender os órgãos não seria relacionado a salvar vidas ou a recuperar a saúde. Um camponês que precisa pagar a faculdade de seus filhos e não vê outra alternativa ao invés de vender seus dois rins para um rico e excêntrico colecionador de órgãos, poderia ser impedido de o fazer, mesmo sabendo que iria morrer? Seus órgãos não seriam utilizados por alguém que necessite dele para sobreviver e além disso, o camponês morreria. Se aplicado na teoria libertária, o camponês teria o direito de fazê-lo e o rico colecionador também. É possível existir a venda de órgãos única e exclusivamente para salvar vidas, no entanto, não seria ela baseada na ideia de que cada um é dono de si e tem a propriedade sobre seu corpo. 5.3- Suicídio assistido Na década de 1990, um médico americano foi preso por ter administrado drogas letais a cerca de 130 pessoas as ajudando a cometer suicídio assistido. O Dr. Jack Kervokian sempre lutou por leis a favor da eutanásia e do suicídio assistido a pacientes desacreditados pela medicina. Nos países ocidentais,somente na Holanda é permitido abertamente. Segundo a lógica libertária, cada um é dono de si e tem o direito de fazer o que bem entender sobre seu corpo e sobre sua vida. Entretanto, os argumentos utilizados pelo Dr. Jack, são de que o suicídio assistido só é cometido por compaixão à pessoa que sofre e não possui mais esperanças de sobreviver sem sentir dores e sem sofrer, e, deve ser cometido apenas a fim de aliviar a dor física. Mas segundo a lógica libertária, o suicídio sem precedentes físicos também pode ser cometido por qualquer pessoa. 5.4- Canibalismo consensual Em 2001, na cidade alemã de Rotenburg, Bern-Jurgen Brandes, engenheiro de software de 43 anos, respondeu um anúncio na internet que procurava alguém que aceitasse ser morto e comido. O anúncio havia sido colocado por Armin Meiwes, técnico em informática de 42 anos. Brandes resolveu aceitar a proposta e compareceu no dia e local marcado por Meiwes. O engenheiro de software foi morto e cortado em pedaços que foram guardados no freezer. Quando a polícia descobriu, Meiwes já havia comido quase 20 quilos de sua vítima voluntária. A Alemanha não possui legislação específica para canibalismo e Meiwes não poderia ser acusado de assassinato, pois a vítima participara voluntariamente da própria morte. O advogado de Meiwes alegou que seu cliente deveria ser acusado de “matar por solicitação”, crime cuja pena não passa de 5 anos. No entanto, a corte o penalizou com 8 anos e meio de reclusão. Alguns anos mais tarde, a corte decidiu trocar a pena de Meiwes, pois considerou a pena muito branda e o condenou a prisão perpétua. O assassino canibal tornou-se declaradamente vegetariano, afirmando que a criação de animais de corte seria desumana. O canibalismo consensual é um desafio aos libertários como conceito de posse di si mesmo, pois, nesse caso, tanto vítima quanto assassino estavam de comum acordo sobre o feito. Para os libertários, é injusto proibir o canibalismo consensual, pois, viola um dos direitos fundamentais: a liberdade. O Estado estaria sendo injusto tanto ao punir Armin Meiwes, quanto ao cobrar altos impostos de Bill Gates e Michael Jordan para ajudar aos menos favorecidos.
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