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Economia Institucional I Bibl: Cavalieri (2009), cap.3, seções 3.2.2 e 3.2.3; Hodgson (2004); Monastério (1998), caps. 3 e 4. Aulas 12 e 13 A abordagem evolucionária de Thorstein Veblen: instintos, hábitos, instituições e a história da humanidade. 1 0. Alguns elementos biográficos • Thorstein Veblen nasceu em 1857 em uma comunidade de imigrantes noruegueses na área rural de Wisconsin (EUA). Só aprendeu inglês fluente quando foi à universidade (aos 17 anos). • Estudou no Carleton College (Minnesota), onde foi aluno de John Bates Clark. • Fez seu doutorado (filosofia) em Yale, orientado por Charles Peirce; concluiu em 1884. • Foi professor na Universidade de Chicago (1892- 1906), em Stanford (1906-9), em Missouri (1911-18) e na New School (NY, 1919-27). • Faleceu em California em1929. 1. A obra de Veblen - I • Principais obras: – Teoria da Classe Ociosa (1899), que foi a obra que o tornou um autor conhecido. – Teoria da Empresa Industrial (1904). – O Instinto de Trabalho Eficaz (1914). – A Propriedade Absenteista (1923). • Podemos pensar que a obra de Veblen tem três grandes eixos: – Veblen como crítico de outras escolas de economia. – Veblen como teórico. – Veblen como pesquisador aplicado. 2. Veblen como teórico: a ação humana - I • Para Veblen, a conduta humana tem três níveis formadores: os instintos, os hábitos e as instituições. • Os instintos são motivações últimas (propensões) para a ação humana. • O conceito vebleniano de instinto não é principalmente o das atitudes não deliberadas (o que ele chama de “tropismas”: p.ex., se afastar de uma coisa quente). • Sua implementação ocorre fundamentalmente através de ações raciocinadas (como a de buscar a solução para um problema). 2. Veblen como teórico: a ação humana - II – P.ex., o instinto da paternidade faz com que os pais cuidem das crianças, mas as decisões adequadas em cada momento são, em grande parte, racionalmente decididas. • Quanto mais inteligentes as pessoas, e quanto maior o conhecimento da sociedade, mais sofisticado será o caminho para atender os instintos. • Os instintos foram formados ao longo da evolução humana. 2. Veblen como teórico: a ação humana - III • Dado seu longo período de formação, nada garante que os instintos sejam os mais adequados para todas as diversas condições e situações que os seres humanos (em suas diversas sociedades) encontram ao longo da evolução. – Como foram selecionados em diferentes situações, alguns instintos podem até se contrapor. • Os instintos podem mudar pelo surgimento de mutações, como qualquer outra característica. 2. Veblen como teórico: a ação humana - IV • A repetição dos tipos de problemas encontrados leva a que as soluções encontradas convirjam para sequências adequadas (ótimas?) de ações: os hábitos. – Os hábitos são o produto de um processo deliberativo, enquanto que os instintos não o são. – Os hábitos não são “ritual e repetição”, mas são o produto de nossa capacidade, desenvolvida ao longo de milênios, de lidar com a incerteza, a complexidade e a mudança nas circunstâncias que nos rodeiam. – Os hábitos são muitas vezes criados por imitação dos outros, o que mostra seu caráter social. • Da perspectiva institucionalista, os hábitos estão na base de todo pensamento e conduta. Toda deliberação, incluindo a otimização racional, se apoia em hábitos e regras. 2. Veblen como teórico: a ação humana - V • Segundo Hodgson, os hábitos são “… uma proclividade ou capacidade adquirida, que pode ou não ser efetivamente expressa no comportamento. O comportamento repetido é importante para estabelecer um hábito. Mas se adquirimos um hábito, não o usamos necessariamente o tempo todo. É uma propensão a nos comportarmos de uma maneira particular em uma classe particular de situações” (2004. p.652). • Muitos hábitos acabam sendo selecionados ao nível das comunidades, e passam a ser instituições. • O surgimentos das instituições a partir dos hábitos é uma questão de mudanças cumulativas que leva a uma transformação de categoria. 2. Veblen como teórico: a ação humana - VI • Os hábitos acabam gerando instituições quando se cria uma convicção coletiva (implícita) de que uma certa ação (ou sequência delas) é a correta em determinadas circunstâncias. • Em resumo: a. Os instintos são uma dimensão básica mais rígida do comportamento. b. Os hábitos consideram a deliberação, inicialmente ao nível individual, mas também podem ser coletivos. c. As instituições são hábitos generalizados e arraigados no plano coletivo. • Todos eles tendem a ser conservadores. 2. Veblen como teórico: a ação humana - VII A vida do homem em sociedade, assim como a vida de outras espécies, é uma luta pela existência e, portanto, é um processo de adaptação seletiva. A evolução da estrutura social tem sido um processo de seleção natural de instituições. O progresso que tem sido, e é, feito nas instituições humanas e no caráter humano pode ser atribuído, amplamente, a uma seleção natural dos hábitos mais adequados de pensamento e a um processo de adaptação forçada de indivíduos a um ambiente que se modificou progressivamente com o crescimento da comunidade e com as instituições cambiantes sob as quais os homens têm vivido (segue...) 2. Veblen como teórico: a ação humana - VIII As instituições não somente são o resultado de um processo seletivo e adaptativo que molda os tipos prevalentes ou dominantes de atitudes ou aptidões espirituais; elas são ao mesmo tempo métodos especiais de vida e relações humanas, e são portanto, por sua vez, fatores eficientes de seleção. De modo que as instituições cambiantes, por seu turno, contribuem para uma seleção posterior de indivíduos dotados com o temperamento mais adequado, e para uma adaptação posterior de hábitos e temperamentos individuais à mudança ambiental através da formação de novas instituições (Veblen, “Teoria da Classe Ociosa” in Cavalieri, p.254-5). 3. O processo de seleção - I • Para Veblen, o critério básico de seleção dos fatores que orientam nossa conduta (dos vetores de ação) é a sua capacidade de atender à procura dos requisitos materiais da vida. • A seleção tem três componentes básicos: a. Transmissão de caracteres (hereditariedade); b. Mutações (surgimento de variações); c. Mecanismo de seleção. • Essas componentes operam tanto ao nível biológico quanto ao sócio-cultural. 3. O processo de seleção - II • A hereditariedade opera fundamentalmente ao nível dos instintos, embora também possa se falar de uma tenacidade dos hábitos coletivos de pensamento. • As mutações podem surgir em todos os níveis de seleção. – Ao nível das sociedades, as mutações não precisam ser aleatórias, podem ser deliberadas. • A seleção opera fundamentalmente ao nível das instituições. A seleção de instintos é muito mais lenta, e os do ser humano contemporâneo teriam se constituído já em algum momento da pré- história. 4. Os instintos em Veblen - I • Veblen destaca quatro instintos que estariam presentes nos seres humanos: a. Instinto de trabalho eficaz (workmanship). b. Instinto de inclinação paternal (parental bent). c. Instinto de curiosidade desinteressada (idle curiosity). d. Instinto predatório (predatory). • Os dois primeiros seriam talvez os mais essenciais na evolução. 4. Os instintos em Veblen - II • O instinto de trabalho eficaz é “a preferência do ser humano pela atividade eficaz e a repugnância pelo esforço fútil...” (cit. in Monastério, p. 57).• O instinto de trabalho eficaz faz com que as pessoas gostem do trabalho efetivo, o que traz resultados. • Possuir este instinto certamente foi selecionado ao longo da evolução, pois aqueles com estas características tinham maiores chances de sobreviver. • Curiosamente, para Veblen, ao longo da evolução e com a melhora dos níveis de vida, o desgosto pelo trabalho (e portanto a apologia do ócio), que teria sido inviável anteriormente, surge como opção. 4. Os instintos em Veblen - III • Se o instinto de trabalho eficaz é selecionado ao nível individual, o de inclinação paternal é selecionado ao nível do grupo. Sem ele, os herdeiros têm maiores dificuldades para sobreviverem. • A curiosidade desinteressada significa que os seres humanos “...buscam o conhecimento instintivamente e o valorizam” (cit. in Monastério, p. 58). • Este instinto favorece a seleção no plano intelectual, pois favorece quem encontra novas maneiras de fazer as coisas. • O instinto predatório é o mais polêmico. Seria algo essencialmente masculino, vinculado com a capacidade de se impor na competição sexual. Este só apareceria num estágio posterior, no qual o ser humano não está tão preocupado pela luta pela sobrevivência, e passa a se preocupar mais com o ambiente humano. 5. A crítica aos clássicos e neoclássicos • Veblen critica o Homo economicus (He) em quatro aspectos: a) Ele se opõe à visão do He como maximizador que faz cálculos hedonistas continuamente. Também critica a sua apresentação como tendo grande perspicácia e conhecimentos do futuro. b) O He seria passivo: busca a satisfação de desejos dados e se ajusta às forças que atuam sobre ele para conseguir esse fim. c) O He seria imutável face ás pressões do ambiente; não tem passado nem futuro, e se uma força deixa de pressioná-lo, ele volta à situação inicial. d) O conceito de He não leva em consideração que a conduta humana tem uma dimensão coletiva. 6. Veblen e a periodização da historia - I • Veblen traça sua visão da história da humanidade em várias obras, especialmente em “O Instinto de trabalho eficaz”. • O ponto de partida de Veblen é o neolítico. Ele chama este período de Selvageria Pacífica, caracterizada por uma vida sedentária e gregária em grupos pequenos sem divisão de tarefas, e pela inexistência de excedente. • Dado o baixo nível material, os humanos dependiam da solidariedade mútua. Suas instituições mantinham os conhecimentos. • Nessa época os instintos básicos dos humanos já estariam consolidados. • Quando surge o excedente, o instinto predatório faz com que ocorram brigas por sua destinação →surge assim a propriedade privada. – Sempre que houver propriedade privada, o processo econômico será uma luta entre os homens pela posse de bens. 6. Veblen e a periodização da historia - II • Entra-se assim no estágio de Barbarismo. Nele, indivíduos alheios à comunidade podem ser propriedade de alguns membros da mesma. • Este é também o estágio no qual surge a classe ociosa, que passa a viver dedicada à guerra, ao governo, aos esportes e/ou à religião. • Neste período surgem os símbolos de status, que vão sendo acumulados: começa uma cultura pecuniária. • Pouco a pouco as pessoas deixam de serem comparadas pelo que podem fazer ao inimigo; a comparação importante passa a ser pelas posses materiais. 6. Veblen e a periodização da historia - III • Entra-se assim na fase da Pecuniária Pacífica, ou também chamada Era da Manufatura (que, em termos gerais, corresponde ao período pós-feudal). – Nela, o direito de propriedade prescinde da violência para sua defesa. • Os direitos de propriedade generalizam-se nesta fase. Também aumenta o número de proprietários (surge a classe média). • Neste momento o instinto de trabalho eficaz pôde voltar a comandar as ações: “...quanto mais pacífica uma sociedade, mais propensa ela estará às aplicações calcadas no trabalho produtivo” (Cavalieri, p.272-3). • Mas também há lugar para uma componente pecuniária que promove instituições individualistas, trazida pelas comparações emulativas. 6. Veblen e a periodização da historia - IV • Há aqui uma dualidade, pois coexistem instituições dedicadas ao trabalho eficaz com outras calcadas no ganho individual. • Para Veblen, a situação das classes sociais na Era da Manufatura poderia ser assim caracterizada: As três classes reconhecidamente convencionais, quais sejam, a superior, a média e a baixa, são todas categorias pecuniárias; a classe superior (aristocrática) é aquela que tipicamente tem riqueza sem ter trabalhado ou barganhado por ela; enquanto a classe média tem surgido com suas empresas como uma forma de tráfico comercial (negócios); e as classes baixas possuem o que têm pelo trabalho eficaz. Isso é uma gradação de (a) predação; (b) negócios; (c) indústria; a primeira sendo inútil e lucrativa, a segunda lucrativa e a terceira útil (Veblen in Cavalieri, p.274). 6. Veblen e a periodização da historia - V • Todavia, a aplicação do instinto de trabalho eficaz leva ao surgimento de tecnologias poupadoras de trabalho: entramos na Era das Máquinas. • Nela são cruciais o aumento populacional, o das comunicações, a urbanização e o papel mais importante da ciência na produção. • Neste período, o homem torna-se crescentemente um apêndice da máquina, gerando descontentamento. • Veblen entende que pode ter um choque entre os instintos, que vêm da época da selvageria, e este mundo, mas diz que ainda não é possível fazer avaliações sobre os resultados deste novo estágio. 7. Aplicações: Veblen e a classe ociosa - I • Para Veblen a emulação é uma característica econômica muito forte presente em todos os seres humanos. • Pode ser definida como a atitude de um indivíduo de querer se comparar com os demais, tentando superá-los de modo a ser coletivamente estimado (surgem assim as “distinções escusas”). • A emulação surge de uma combinação entre os instintos de trabalho eficaz e predatório. • Os trabalhos valorizados passam a ser os exploratórios (de dominação, não industriais). • Com a mudança da sociedade rumo à manufatura, a comparação depende da posse de objetos. 7. Aplicações: Veblen e a classe ociosa - II • Por sua vez, o trabalho eficaz deixa de responder apenas ao instinto de supervivência: agora também tem que dar conta da “necessidade” de emulação. • Nesse contexto, as comparações em termos de status passam a ser determinadas pela capacidade de se dedicar ao lazer (ócio) em oposição ao trabalho: surge o “ócio conspícuo”. • A abstenção do trabalho útil institucionaliza-se, e valoriza-se a dedicação a atividades totalmente inúteis (o exemplo de Veblen é a etiqueta). 7. Aplicações: Veblen e a classe ociosa - III • Na classe ociosa, a abstenção do trabalho útil é especialmente exigida das mulheres. • Surge o “ócio vicário”, indivíduos que ajudam a desempenhar o ócio (mordomos, haréns, etc.). • Posteriormente, a manifestação de ser membro da classe ociosa passa a exigir também o consumo conspícuo. • Isto permite perpetuar o que Veblen denomina instituições imbecis. – Veblen é muito crítico a estas práticas, pois desviam do instinto de trabalho eficaz.
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