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O cultivo da imaginação e a atenção á Adversidade Cupertino

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O CULTIVO DA IMAGINAÇÃO E A ATENÇÃO À DIVERSIDADE 
CHRISTINA MENNA BARRETO CUPERTINO 
Universidade Paulista 
 
Inicio esse texto retomando brevemente, para os que passam a participar das discussões 
do nosso grupo de pesquisa, o que foi previamente apresentado e discutido com relação a essa 
investigação em particular, que trata da consolidação de uma prática – a Oficina de Criatividade 
– seja como recurso para atendimento psicológico, seja para a formação de psicólogos. 
Implantada em 1990, estudada formalmente como atividade de sensibilização para 
psicólogos em formação desde 1995 (Cupertino, 2001), a Oficina é hoje oferecida em uma 
variedade de situações e contextos por alunos de Psicologia, após terem passado eles mesmos 
pela experiência. Nas oficinas, sempre conduzidas em grupo, são utilizados recursos 
expressivos variados como colagem, desenho, pintura, argila, massa, expressão corporal, 
musical. São usados também textos literários, poesias, filmes, música, exposições de arte, 
dança, selecionadas segundo os eventos culturais importantes da cidade. Tais recursos visam 
criar o terreno para a ressignificação das experiências vividas pelos participantes, no sentido da 
transformação pessoal, social e das relações. 
Além de comentar brevemente as diferentes situações onde vem sendo realizada essa 
prática, dessa vez meu olhar também pretende conduzir o leitor a uma distância respeitável para, 
atendendo à sugestão do titulo específico desse simpósio, falar de fronteiras, dos limites de onde 
ela emerge no horizonte da contemporaneidade. O pano de fundo, as questões básicas que 
orientam esse momento atual da investigação, diante das quais desvela-se o surgimento de 
novas formas de oferecer serviços de Psicologia à população, são as impactantes mudanças 
características da época contemporânea e suas conseqüências sobre as relações do homem 
consigo mesmo, com seus semelhantes e com o mundo, que apenas começarei a esboçar. E a 
conseqüente necessidade de promover revisões da Psicologia frente às suas tradicionais práticas 
normativas e naturalizantes. 
A proposta desse trabalho, iniciado há quase vinte anos atrás, vem sendo trazer à luz e 
submeter à constante interrogação não só de que maneira se caracteriza o aprendizado do fazer 
da Psicologia através da vivência e da implantação de Oficinas de Criatividade por alunos de 
graduação, mas, mais que isso, delimitar as especificidades do que hoje podemos talvez nos 
atrever a nomear como modalidade de atendimento psicológico. 
 
 
 
2 
 Em um breve histórico, podemos delinear seu percurso nas seguintes etapas: 
 1. Implantação como formação de profissionais para o trabalho com portadores de altas 
habilidades: 
 A Oficina de Criatividade foi criada em 1988 para atender a necessidade de formar 
profissionais aptos a lidar com crianças portadoras de altas habilidades, freqüentadoras de um 
programa especial recém criado na mesma instituição. Nessas condições, de treino de 
criatividade, passou a ser oferecida como disciplina optativa de estágio no curso de graduação 
em Psicologia e em cursos de pós-graduação lato sensu nas áreas de Psicologia e Educação. 
 2. Estabelecimento como grupo de sensibilização na formação de psicólogos: 
 Alguns semestres depois de implantada como estágio, a Oficina começou a mostrar que, 
mais que para treino da criatividade, ela poderia ser valiosa para a sensibilização dos alunos, 
para a promoção do conhecimento de si e do outro, tão necessários para o exercício profissional, 
e muitas vezes relevados tanto pelos alunos, que vão até o fim do curso sem passarem por 
psicoterapia, quanto pelos próprios cursos de Psicologia, que não promovem situações propícias 
para esse desenvolvimento. Encarada dessa forma, foi alvo de estudo, transformando-se na 
minha tese de doutorado (Cupertino, 2001), na qual apontei e discuti os processos nela gerados, 
baseada na fenomenologia heideggeriana e em aproximações da Psicologia com disciplinas 
adjacentes, como a Antropologia, a Sociologia e a Filosofia. 
 3. Extensão como modalidade de atendimento na formação de educadores de periferia: 
 A partir dos resultados obtidos na formação de psicólogos, passei a considerar a 
expansão da oferta de um trabalho nos mesmos moldes para outras populações e atividades de 
formação, escolhendo como foco inicial um grupo de educadores de uma comunidade de 
periferia adjacente a um Centro de Psicologia Aplicada no qual eu dava supervisão. Esse 
trabalho foi alvo de uma pesquisa desenvolvida entre 1997 e 1999, que discutiu basicamente as 
condições de implantação de um serviço como esse e da própria realização da investigação a ele 
relacionada, considerando principalmente as diferenças entre os todos os participantes, 
pesquisadores e pesquisados (Cupertino, 2000). 
 Nessa situação começou a se desvelar a necessidade de colocar à disposição de um 
segmento da população normalmente desconsiderado pela Psicologia tradicional modalidades 
de atendimento que respondessem às suas necessidades específicas, fossem elas de tempo, de 
problemática, ou mesmo de vida cotidiana. Foi tornando-se cada vez mais claro, uma vez 
vivenciado diretamente, o distanciamento que a Psicologia, em sua vertente naturalizante e 
higienista, estabelece com relação à compreensão de boa parte das experiências humanas, que 
 
 
 
3 
não cabem nos referenciais tradicionais ou que são por eles consideradas como “desvios” do 
padrão e/ou patologia. 
 É importante assinalar que o trabalho com população de baixa renda já era feito por 
mim, dentro desses mesmos padrões naturalizantes, e foi preciso a experiência de uma forma de 
atendimento menos estruturada, com menos espaço para o sistemático, para que a inquietação 
de buscar outros caminhos se fizesse presente, incitando-me à pesquisa mais profunda do 
potencial da Oficina de Criatividade. 
 4. Levantamento de onde e como se fazia trabalho semelhante: 
 Paralelamente a essas considerações, e em virtude dessa falta de uma estrutura pré-
definida para o atendimento, passou a delinear-se em contornos mais nítidos um 
questionamento paralelo: o uso de recursos expressivos de natureza artística como forma 
privilegiada de expressão, aspecto característico da Oficina de Criatividade. Em algumas das 
outras investigações já mencionadas, eu já havia enfatizado bastante a importância do lugar 
ocupado por tais recursos, responsáveis pelo estabelecimento de uma outra fala, gestual e não 
representacional, que favorece outras formas de apreensão do mundo, contato e relação entre as 
pessoas. 
 O interesse por essa questão mostrou-me alguns lugares e pessoas que trabalhavam com 
esses mesmos recursos, em arte-terapia ou práticas ainda não tão claramente nomeadas, 
levando-me a conduzir um outro estudo, dessa vez dirigido para o levantamento sistemático de 
atividades semelhantes que tivessem sido alvo de teses ou dissertações, em um período definido 
entre 1996 e 2001. De acordo com os resultados, mostrava-se, ainda de forma embrionária, o 
potencial de intervenções baseadas em recursos expressivos como maneira de ter acesso à 
experiência humana de forma a compreendê-la e, se necessário, dar continência e alivio ao 
sofrimento. Principalmente, no entanto, evidenciava-se o caráter prospectivo de trabalhos como 
esses, projetando os indivíduos para vivências, tempos e espaços diversos, promovendo o 
estabelecimento de redes de entendimento e solidariedade (Cupertino, 2005). Parecia estar 
surgindo a possibilidade de trabalhar a partir de uma Psicologia mais voltada para o devir, mais 
competente em colocar a vida em movimento do que em cristalizá-la em diagnósticos e 
prognósticos voltados ao ajustamento a padrões preestabelecidos e à “cura” dos desvios. 
 5. Implantação da Oficina de Criatividade como prática de atendimento dentro da área 
de estágio: 
 A experiênciavivida e os resultados observados por mim ao levar as oficinas a outras 
situações e instituições, somada à ampliação mostrada no levantamento mencionado, sugeria 
 
 
 
4 
insistentemente a tentadora possibilidade de propor aos alunos inscritos no estágio que 
conduzissem, eles mesmos, atividade semelhante, não só fora do ambiente de supervisão, mas 
do próprio Centro de Psicologia Aplicada da universidade, estendendo-o à comunidade. Dessa 
forma, o estágio passou a ser dividido em duas etapas. Num primeiro momento, os alunos 
passam pela vivência em Oficina de Criatividade, para em seguida implantar oficinas em 
comunidades e instituições escolhidas por eles. Os atendimentos, feitos em duplas ou trios, 
duram em média dez encontros, e o resultado do processo é retratado em trabalhos escritos que 
vêm sendo apresentados e publicados, ampliando o conhecimento e o âmbito do debate sobre 
essa forma de atendimento (Piza e Cupertino, 2004; Gianetti e Cupertino, 2006). 
Essa “aplicabilidade” de mão dupla da Oficina passou a constituir dois mundos diversos 
em muitos aspectos. Num deles acontece sensibilização dos alunos. Nele estão definidos um 
público e um setting, ainda mantidos dentro de um universo contido de familiaridade: um 
espaço conhecido (o Centro de Psicologia Aplicada), com características de funcionamento 
também. As condições são próximas das “ideais”: salas apropriadas, um tempo destinado às 
oficinas, material adequado e, acima de tudo, a disponibilidade dos participantes, criados numa 
cultura psi na qual boa parte das pessoas está inclinada a tomar parte em atividades desse tipo, a 
“se conhecer”. A diversidade, ali, fica limitada, por exemplo, à diferença de idade e experiência 
– profissional e de vida – entre supervisionandos e supervisores, além do fato óbvio de que 
pessoas são diferentes umas das outras. De resto somos quase todos, com maior ou menos poder 
aquisitivo, trabalhadores de classe média, e temos em comum nossa escolha unânime pela 
Psicologia. Nossos horizontes existenciais são minimamente compartilhados, e mesmo se 
considerarmos as dificuldades econômicas vividas (paradoxalmente) pelos estudantes da rede 
privada de ensino superior, fazemos parte de uma elite privilegiada, com acesso, entre outras 
coisas, à educação superior. Nessa vertente, a da prática de sensibilização para estagiários de 
Psicologia, a oficina pode ser entendida como espaço de abertura para que o formando se 
perceba diferente, e também como ferramenta para o acolhimento a uma presumida diversidade 
externa, constituída pela clientela a ser atendida por ele. Dentro dessa oficina, entretanto, os 
limites são estreitos. O desalojamento proporcionado por ela é, de alguma forma, mais 
confortável do que aquele ao qual somos submetidos quando saímos do ambiente protegido da 
clínica. 
Um outro mundo é o que já descrevi, no simpósio passado, como aquele dos “clientes 
nos ambientes de origem deles, com suas mais que precárias condições de vida, que vêm nos 
confrontando com configurações do exercício profissional até agora pouco exploradas” 
(Cupertino, 2005), que exigem uma outra forma de deslocamento. Um mundo que se mostra, a 
cada ano que passa, mais áspero à compreensão, enigmático, estrangeiro. Habitá-lo 
 
 
 
5 
profissionalmente tem servido para trazer à tona todo o peso da necessidade de contextualização 
e abertura para a alteridade, experimentado de forma mais limitada, e talvez mesmo ingênua, 
dentro do CPA. 
O período transcorrido entre o que foi apresentado no último simpósio e a redação desse 
texto foi extremamente rico em situações que começaram a caracterizar alguns limites para a 
implantação e funcionamento das Oficinas de Criatividade, relevantes não só para defini-las 
melhor como prática, mas para levantar temas importantes referentes à formação de psicólogos 
na época contemporânea. Se na Psicologia tradicional, de consultório ou de laboratório, 
ambientes assépticos mantêm à distância a “vida real”, e se na clínica tradicional o acontecer 
dessa vida é mediado e contido pela familiaridade e rigidez do setting, em nossa Oficina ela tem 
emergido com toda a força, convidando-nos não só a compreender nossas relações com clientes 
tão diferentes [entre eles e de nós] de forma a descobrir arranjos viáveis de atendimento, mas a 
perseguir a construção conjunta de significados para o que vivemos [eles e nós], na direção de 
estabelecer o diálogo e facilitar encontros transformadores. 
Em ambiente protegido, o trabalho vinha mostrando apenas parcialmente a questão 
principal, que é o alcance da diversidade propriamente dita. Em nossas saídas, por outro lado, 
no nosso trabalho na direção de capturar e potencializar, a partir do mergulho nessa diversidade 
mesma, as forças que impulsionam a vida e rompem com as cristalizações, o compromisso de 
dar conta do diferente invade nossas supervisões e nossas vidas, estabelecendo-se como o maior 
desafio que temos a enfrentar. Idosos, crianças, jovens, mães, professores, pacientes de 
fisioterapia, portadores de Parkinson ou AVC, voluntários, agentes comunitários, que 
constituem nossa clientela, a cada ano, em cada grupo, demandam de nós um estado quase 
permanente de procura de condições de diálogo com tão variados segmentos, com histórias e 
circunstâncias de vida o mais das vezes tão alheias às nossas. 
O movimento de ampliação dos contextos de atuação atingiu uma variedade 
caleidoscópica, como mostra a lista de alternativas de atendimento apresentadas acima. Entre os 
pressupostos implícitos nesse movimento, que consigo identificar nesse momento com mais 
clareza, esteve, em primeiro lugar, fazer com que os alunos vivenciassem diversas 
possibilidades de atendimento fora do setting tradicional do exercício profissional, normalmente 
constituído por um consultório dentro de uma clínica, para a qual os clientes devem se dirigir 
em horários estabelecidos, para serem atendidos por um tempo determinado, tanto em minutos, 
quanto em dias da semana e em semanas do semestre letivo. Para fazer as oficinas, eles têm que 
se adaptar às condições das instituições às quais recorrem para cumprimento das horas de 
estágio, e viabilizar o atendimento às vezes em condições inconcebíveis para os enquadres mais 
 
 
 
6 
tradicionais. A variedade de situações trazidas para as supervisões a cada semana funcionou 
como uma fonte inesgotável de possibilidades de troca, de constatação da inquestionável 
multiplicidade das formas do existir humano e da conseqüente necessidade de configurar, para 
cada situação, condições apropriadas e viáveis para facilitar encontros transformadores, que 
estivessem alicerçados no âmbito do fazer psicológico. Valeu, também, para que os alunos 
percebessem que não existem modelos fixos que possam ser “aplicados” em qualquer relação 
humana. Os insights relacionados a esse aspecto foram bastante intensos e mobilizadores, 
reafirmando a percepção de que parte do aprendizado em psicologia deve se dar num estado de 
suspensão, de gestação e paciência, para que se configurem os sentidos possíveis para cada 
experiência vivida. 
Associado a esse pressuposto estava um outro, que era o seguinte questionamento: já 
que não nos dirigimos aos nossos ambientes de trabalho munidos de manuais e de regras 
preestabelecidas, nem estamos propensos a classificar, rotular e “curar”, que Psicologia 
estaríamos fazendo nessas condições, fora de modelos e settings preestabelecidos. Ou seja, 
minha pretensão era ir tornando explícitos, junto com os alunos, os conhecimentos por eles 
adquiridos ao longo dos primeiros quatro anos de curso, através da retomada de quais deles 
estavam sendo postos em ação, quais as incompatibilidades identificadas, os paradoxos, as 
fantasias e expectativas do que se constituía, para eles, como um atendimento psicológico. A 
pergunta ao fundo de nossas supervisõesera, primordialmente: de que maneira o atendimento 
em questão pode ser considerado um atendimento psicológico? 
A pertinência dessas perguntas deriva de dois riscos envolvidos na prática das oficinas 
de criatividade. Um deles é o uso de recursos expressivos, que pode caracterizar a atividade 
como um passatempo mais parecido com uma terapia ocupacional ou produção de artesanato, e 
o outro são as particularidades de algumas populações atendidas, como crianças ou idosos 
asilados, por exemplo, aos quais os estagiários podem mais fazer companhia, ou de quem 
podem “tomar conta”, sem que isso se caracterize como um atendimento psicológico. 
Além dos pressupostos implícitos, é possível identificar, dessa vez a partir dos dados 
recolhidos nos grupos de supervisão (para 80 alunos, divididos em cinco grupos) ao longo do 
ano letivo de 2006, algumas respostas deles às especificidades dessa modalidade de 
atendimento, assim como algumas categorias mais amplas relacionadas a elas, para começar a 
discutir. Então, com relação ao primeiro item, e diante das indagações formuladas acima, 
identifico três segmentos distintos, distribuídos pelos diferentes grupos. 
O primeiro deles foi o dos alunos que de fato tomaram conta ou proporcionaram um 
passatempo assistido aos seus clientes. Em sua maioria chocados com a realidade à qual haviam 
 
 
 
7 
sido transportados, mantiveram a maior parte do tempo uma atitude condescendente que quem 
está “ajudando o próximo”, angustiando-se muito com um sofrimento que não é “apenas” 
psicológico, do qual (esse, sim) acreditavam que podiam dar conta, mas sim derivado da 
precariedade das condições de vida dos clientes. Um outro bloco de alunos conseguiu superar 
ou desconsiderar esse choque (muitas vezes porque são oriundos do mesmo tipo de comunidade 
à qual prestavam atendimento), mas manteve-se no nível de trabalhar as atividades propostas 
apenas como técnicas, como tarefas a serem cumpridas, por eles e pelos clientes. 
Outro segmento foi formado por alunos especialmente produtivos em promover 
discussões férteis para muito além da supervisão dos atendimentos, que ajudaram a delinear 
questões muito pertinentes ao estabelecimento de um lugar para as oficinas dentro das 
instituições por eles freqüentadas e também dentro da gama de possibilidades de atendimento 
em Psicologia. Alunos diferenciados, em termos de compromisso com a formação, 
conhecimento prévio, dedicação ao estudo e ao trabalho, mostravam compreender o fazer 
característico desse tipo de atendimento, apresentando ousadia e flexibilidade nas diversas 
situações vividas nas instituições. Isso facilitava a avaliação rápida dos acontecimentos e a 
tomada de decisões pertinentes para as necessárias mudanças de rumo ao longo dos encontros 
com os clientes. A maioria deles demonstrou bastante autonomia e, além disso, foram alunos 
questionadores, nos dois sentidos: o de demonstrar inquietação, curiosidade, habilidade no 
levantamento de questões pertinentes e o de colocar em xeque as propostas mesmas do estágio, 
confrontando alguns pressupostos e estratégias. 
Das discussões ocorridas em tais situações, algumas questões foram sendo identificadas 
e passaram a se constituir como categorias, que apenas começo a aprofundar nesse texto. Nessa 
reflexão está embutida a preocupação com temas como o individualismo contemporâneo, o 
compromisso estereotipado com o “social”, a possibilidade de engajamento político num mundo 
fragmentado, que não oferece pontos de apoio que não nos fundamentalismos. Passa também 
pela falência das utopias, e pelo estabelecimento de horizontes micropolíticos como norteadores 
da experiência humana contemporânea engajada na manutenção e no movimento da vida, e do 
papel da Psicologia e suas modalidades de atuação/intervenção nesse processo. Os relatos estão 
ainda desconexos, na forma de cenários ou reformulações pontuais de conceitos e noções, 
identificados na literatura, e precisam ser melhor articulados. 
Afastando um pouco o olhar, como prometido, para as condições de onde emerge a 
possibilidade de nossa prática, percebemos que o mesmo movimento de interpenetração de 
subjetividades já não mais rigidamente definidas percebido nos atendimentos parece reger as 
relações num mundo globalizado, mas num processo onde a diferença vem se confundindo com 
 
 
 
8 
a desigualdade. Não só o universo que a prática da oficina abrange se ampliou 
consideravelmente, requisitando de nós o desdobramento em múltiplas direções. O mundo em 
que vivemos – nós e nossos clientes – vem passando por mudanças importantes. Entre o período 
do pós-guerra até Maio de 68, e daí até o atentado às Torres Gêmeas, em 2001, podemos 
identificar mudanças drásticas em conceitos como comunidade, igualdade, direitos, liberdade. A 
diversidade se impõe com tanta força que se configura fortemente a questão da 
(im)possibilidade de qualquer expectativa de um horizonte último norteador da convivência 
entre homens e entre estes e o planeta. 
Levantado a partir do embate nem sempre suave com as condições de vida dos clientes, 
e de nossa conseqüente (porém inexoravelmente constitutiva) dificuldade em compreender esses 
transbordamentos de sentido, esse questionamento se dirige para tópicos que passo a explorar. 
Dentre as categorias identificadas e citadas acima, escolhi apresentar nesse encontro a que está 
melhor formulada e que sugere direções estimulantes para o debate, através do qual o plenário 
desse simpósio pode ajudar-me a refletir. 
Ela é a mais forte, justamente por ser a que nos confronta com situações de vida tão 
estrangeiras que demandam de nós um esforço de tradução (ou contextualização), relembrando, 
entretanto, e em consonância com Sarti (2003), que “o “contexto” […] é o mundo de 
significação do sujeito pesquisado. Isso implica não tomar como referência apenas o mundo de 
significação do pesquisador, no sentido de traduzir o fenômeno em seus termos, mas tentar 
entender que há um mundo de significação a ser desvendado…” (p. 13). 
Essa noção não redutiva e ampla de contextualização afirma, implicitamente, a 
existência de horizontes mínimos que sustentem, ainda que provisoriamente, qualquer diálogo 
na busca de conhecimento, ações ou políticas compartilhadas. Aprofundar essa questão passa 
pelo já suficientemente debatido fim das grandes narrativas e, junto com ele, o ponto que me 
instiga e que quero trazer para discussão: a quase consensual constatação do fim das utopias, 
definidas como o design de uma sociedade ideal que “tem a intenção de modelar a imagem da 
sociedade a partir de um ideal ético, de uma certa concepção da justiça, da felicidade, da 
eficácia e da responsabilidade” (Attali, 2000). 
Nos diz Russell Jacoby que “se o século XIX deu origem às utopias, o século XX 
estimulou as antiutopias. […] As utopias que falam ao nosso século são distopias, como “We” 
[Nós], de Zamyatin, “Admirável Mundo Novo”, de Huxley, e “1984”, de Orwell, que mostram 
um mundo de controle e dominação.” (2001, p. 206). 
 Tomando o exemplo das obras literárias, tão caras ao nosso fazer de oficineiros, esse 
pensamento se expande em direções às vezes paralisantes. Por exemplo, como passamos dessas 
 
 
 
9 
distopias para uma “fantasia”(?) como a descrita em “Não me abandone jamais”, de Kazuo 
Ishiguro? Se as primeiras ainda se mantinham no nível compreensível do humano, ainda que no 
registro da dominação, a última nos coloca frente ao dilema há pouco impensável, de uma 
comunidade de humanos clonados criados para serem peças de reposição de órgãos. Humanos 
com uma vida, sentimentos, relações de afeto e desafeto, criados para o abate. 
Um outro exemplo de dilema relacionado à convivência com a diversidade e a condição 
volátil de qualquer horizonte último sobre o qual ela possa se assentar vem do mesmo Jacoby 
(idem), quando se refere à sentençade morte imposta ao escritor Salman Rushdie pelo aiatolá 
Khomeini, tradução do embate entre os valores da sociedade européia e os islâmicos. Denuncia 
a omissão dos intelectuais ocidentais atribuindo-a ao fato de que estes, confrontados com um 
“princípio abstrato de liberdade”, consideram que não se pode tomar posição, quando se trata de 
valores ancorados em culturas diferentes. 
Essas questões são relevantes diante do nosso cotidiano profissional, conduzido junto a 
populações diante das quais nos perguntamos em que medida temos que entrar no mérito de 
algumas situações inquietantes e/ou complicadas por elas levantadas. Ao discutir a validade ou 
não do estabelecimento de categorias universais para avaliar situações como essa, ou a questão 
feminina, racial, homossexual, e outras, entramos em um debate onde encontramos pontos de 
cisão e outros de contato. 
Se os movimentos estudantis de Maio de 68 visavam a disseminação de direitos 
universais a mulheres, negros, homossexuais, ampliando o “universal” ditado pelo modelo do 
homem europeu ocidental civilizado, hoje se observa o acirramento dos antagonismos de forma 
a por em risco conquistas dessa mesma sociedade ocidental, como os direitos humanos, por 
exemplo, e os valores democráticos, que vêm sofrendo sérios golpes desde o ataque ao World 
Trade Center há seis anos atrás. 
Há, entretanto, os que ainda defendem idéias revistas de utopia, por acreditarem que 
sem ela estamos condenados à imanência, a um mundo unidimensional, sem transcendência. 
Jacques Attali é um deles, e seu pensamento já havia me ajudado anteriormente no 
início da minha trajetória pelas periferias urbanas, diante dos mesmos impasses de “tradução” 
de experiências, sobre as quais devemos nos furtar de aplicar modelos derivados do paradigma 
da lógica positivista a elas alheios. Sobre o que ele me ensinou eu já dizia em outro trabalho: 
“Sobre a lógica não linear, a principal obra para a análise de nossa trajetória como grupo de 
pesquisa na favela na qual trabalhamos, até esse momento, é o livro Chemins de Sagesse 
(1997), de Jacques Attali, economista francês preocupado com as formas contemporâneas de 
organização social e de relação com o mundo. A essas formas, definidas por ele como não 
 
 
 
10 
lineares, Attali contrapõe o ideal de linearidade, transparência e racionalidade da era 
Moderna. Segundo ele, as pistas que devemos seguir atualmente foram deixadas pelos povos 
antigos, através dos labirintos, presentes nos quatro cantos do mundo e análogos a muitas das 
situações vividas na era contemporânea, desde a trama do transporte urbano até navegação 
pela Internet, do acúmulo de informações à aceitação das diferenças culturais. Nos diz ele que 
"na sociedade mercantil, o ideal de comunicação e troca é a linha reta, transparente" (pg. 
139), atribuindo as mesmas características aos processos de conhecimento, calcados em 
"atributos valorizados na sociedade industrial: a rapidez, a razão, a lógica, a transparência" 
(pg. 160). A contraposição a esta idéia é a necessidade de voltarmo-nos ao legado das 
sociedades nômades e do mito dos labirintos, aprendendo a conhecer aquilo que se mostra 
obscuro através de vias pouco valorizadas até agora, como "a perseverança, a lentidão, a 
malícia, a curiosidade, a improvisação, o domínio de si mesmo, a flexibilidade, a astúcia" (pg. 
160). A experiência que temos como grupo de pesquisa em uma favela brasileira tem sido 
fortemente apoiada por esse tipo de reflexão. Numa posição a ser esclarecida ao longo deste 
artigo, nesta situação vivemos todos – favelados e pesquisadores - uma experiência 
labiríntica.” (Cupertino, 2000) 
As características que Attali define como valiosas para o trânsito na contemporaneidade 
são, como se observa, positivas. E, anos depois, ele permanece num otimismo, dessa vez, um 
tanto pueril. Em sua análise crítica da falência das utopias até agora propostas, identifica quatro 
eixos que as vêm norteando: a eternidade, a igualdade, a liberdade e a fraternidade. Afirma a 
falência das três primeiras propostas dizendo que “Atualmente, chegamos ao ponto em que estes 
três tipos de utopia tropeçam em contradições. Para prometer a eternidade, as religiões 
restringem as liberdades. Onde existem, estas últimas não conseguiram impedir o aumento das 
desigualdades e da precariedade. Ao contrário, a igualdade só soube esboçar-se sobre a ruína 
das liberdades. De todo modo, nenhuma dessas utopias logrou alcançar o objetivo que havia 
estabelecido.” (Attali, 2000, p. 62) E imagina, uma noção um tanto mágica e singela, de um 
mundo no qual “cada um se sinta feliz em fazer felizes aos outros. Isso receberá o nome de 
fraternidade.” (idem) sem elaborar melhor de que forma chegaríamos a esse ponto. 
Trabalho recente do próprio Russell Jacoby (2007), que antes registrava o fim das 
utopias, pretende recuperá-las partindo da análise e da crítica das falas dos principais 
intelectuais que as associam aos totalitarismos, de início rejeitando o caráter utópico 
pretensamente atribuído a movimentos como, por exemplo, o nazismo. Reconhecendo que o 
pensamento utópico pode estar na base de reformas reais, nessa obra ele separa o que denomina 
de utopias projetistas das utopias iconoclastas. As primeiras seriam aquelas citadas acima (1984, 
Admirável Mundo Novo), com prescrições rigorosas até quanto ao vestuário e alimentação de 
 
 
 
11 
seus habitantes. Segundo ele, essas são utopias engessadas, que apenas projetam o passado para 
o futuro, ou seja, não revelam nenhum tipo de ruptura ou transformação. Já as iconoclastas 
reconhecem idéias usualmente associadas às utopias, como a harmonia, a paz, o prazer, mas 
apenas aspiram a elas, sem dar-lhes forma. 
O desenho de ambas as modalidades de utopia nos traz de volta às Oficinas de 
Criatividade, e ao tema que me levou a escolher perseguir essa questão em primeiro lugar, pelo 
tratamento que dá a um de seus ingredientes mais fundamentais: a imaginação, com sua força 
subversiva. Serão as oficinas, com sua proposta de cultivo da imaginação dentro de ambientes 
onde predomina a racionalidade dos caminhos preestabelecidos, o lugar para poder conceber 
não apenas uma diversidade de mundos, mas mundos menos desiguais? É dessa forma que 
gosto de pensar que o campo criado em cada oficina favorece as trocas e mudanças: num 
ambiente em que as especificidades dos participantes, mais que determinar posições 
hierárquicas ligadas à detenção do saber, servem para compor uma visão multidimensional das 
problemáticas abordadas, permitindo o estabelecimento de afinidades, redes e solidariedade e 
favorecendo as descobertas. 
Claramente, não há espaço para a imaginação nas utopias projetistas, onde tudo está 
previsto e arrumado. Também não há espaço para ela no exercício profissional do psicólogo 
voltado ao ajustamento, à condução das experiências para o interior de parâmetros 
antecipadamente definidos, predominantemente retrospectivos. O contato diário com a 
desigualdade, o conhecimento das diversas formas de dominação e extermínio ocasionadas pelo 
choque entre supostas regras e modos de funcionamento de “mundos civilizados” e outros que 
devem ser transformados à imagem e semelhança dos primeiros (ou será o contrário?), as 
possibilidades destrutivas e massificantes que podem tomar forma através do desenvolvimento 
da técnica, encontram contraponto nessa inefável condição desejante da utopia iconoclasta, que 
não dá forma definida às suas aspirações, e resiste ao apresentar uma “recusa a reduzir o futuro 
desconhecido ao presente conhecido, a esperança à sua causa.”(Jacoby, 2007, p. 69) 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
ATTALI, J. Chemins de sagesse. Paris: Fayard, 1997. 
__________ Fraternidades. Buenos Aires: Paidós, 2000. 
CUPERTINO, C.M.B. The limits of traditional evaluation and the identification of gifted 
children in a Brazilian“favela”. [Os limites da avaliação tradicional e a identificação de 
 
 
 
12 
superdotados em uma favela brasileira]. Gifted Education International, v. 15, n. 1, 2000, 
p. 71 a 79. 
___________________Criação e formação: fenomenologia de uma oficina. São Paulo: Arte e 
Ciência, 2001. 
___________________ Criação e formação: a Oficina de Criatividade Revisitada. Anais do VI 
Simpósio Nacional de Práticas Psicológicas em Instituição – Psicologia e Políticas 
Públicas. Vitória, ES: UFES, 2005. 
ISHIGURO, K. Não me abandone jamais. São Paulo: Companhia da Letras, 2005. 
JACOBY, R. O fim da utopia. Rio de janeiro: Record, 2001. 
___________ Imagem imperfeita. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 
SARTI, C. A. A família como espelho.. São Paulo: Cortez: 2003.

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