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Professor Uberdan - O DIREITO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS

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O DIREITO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS
 ANTONIO CARLOS WOLKMER[1: Professor Titular de História das Instituições Jurídicas da UFSC. Doutor em Direito e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (RJ). É pesquisador integrante do CNPq, CONPEDI e da Fondazione Cassamarca (Treviso – Itália). Professor visitante dos cursos: Mestrado e Doutorado em História Ibero-Americana (UNISINOS-RS); Pós-Graduação em Direito Processual do IBEJ (Curitiba-PR) Mestrado em Criminologia e Direito Penal da Universidade Cândido Mendes (RJ); Doutorado em Derechos Humanos y Desarrollo na Universidad Pablo de Olavide (Sevilha - Espanha). Autor e organizador de inúmeros livros, dentre os quais: Direito e justiça na América indígena: da conquista à colonização. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 1998; História do direito no Brasil. 3. ed, Rio de Janeiro: Forense, 2003; Introdução à História do Pensamento Político. Rio de Janeiro: Renovar, 2003; Humanismo e Cultura Jurídica no Brasil. Florianóplis: Fundação Boiteux, 2003; Direitos Humanos e Filosofia Jurídica na América Latina. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004; ]
1. INTRODUÇÃO
Toda cultura tem um aspecto normativo, cabendo-lhe delimitar a existencialidade de padrões, regras e valores que institucionalizam modelos de conduta. Cada sociedade esforça-se para assegurar uma determinada ordem social, instrumentalizando normas de regulamentação essenciais, capazes de atuar como sistema eficaz de controle social. Constata - se que, na maioria das sociedades remotas, a lei é considerada parte nuclear de controle social, elemento material para prevenir, remediar ou castigar os desvios das regras prescritas. A lei expressa a presença de um direito ordenado na tradição e nas práticas costumeiras que mantêm a coesão do grupo social.
Certamente que cada povo e cada organização social dispõe de um sistema jurídico que traduz a especialidade de um grau de evolução e complexidade. Falar, portanto, de um direito arcaico ou primitivo implica ter presente não só uma diferenciação da pré-história e da história do direito, como, sobretudo, nos horizontes de diversas civilizações, precisar o surgimento dos primeiros textos jurídicos com o aparecimento da escrita.
Não só subsiste um certo mistério, como falta uma explicação cientificamente correta e respostas conclusivas acerta das origens de grande parte das instituições jurídicas no período pré-histórico. Entretanto, ainda que prevaleça uma consensualidade sobre o fato de que os primeiros textos jurídicos estejam associados ao aparecimento da escrita, não se pode considerar a presença de um direito entre povos que possuíam formas de organização social e política primitivas sem o conhecimento da escrita. Autores como John Gilissen questionam a própria expressão “direito primitivo”, aludindo que o termo “direito arcaico” tem um alcance mais abrangente para contemplar múltiplas sociedades que passaram por uma evolução social, política e jurídica bem avançada, mas que não chegaram a dominar a técnica da escrita. Assim sendo, as inúmeras investigações científicas têm apurado que as práticas legais de sociedades sem escrita assumem características, por vezes, primitivas, por outras, expressam um certo nível de desenvolvimento.
Certamente que a pesquisa dos sistemas legais das populações sem escrita não se reduz meramente à explicação dos primórdios históricos do direito, mas evidencia, sobretudo, um enorme interesse em curso, porquanto “milhares de homens vivem ainda atualmente, na segunda metade do século XX, de acordo com direitos a que chamamos „arcaicos‟ ou „primitivos‟. As civilizações mais arcaicas continuam a ser as dos aborígenes da Austrália ou da Nova Guiné, dos povos da Papuásia ou de Bornéu, de certos povos índios da Amazônia no Brasil”[2: GILISSEN, John. Introdução histórica do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 33.]
Não parece haver dúvida de que o processo contemporâneo de colonização gerou um surto de pluralismo jurídico, representado pela convivência e dualismo concomitante, de um direito “europeu (common law nas colônias inglesas e americanas, direitos romanistas nas outras colônias) para os não indígenas e, por vezes, para os indígenas evoluídos; e outro, do tipo arcaico para as populações autóctones”.[3: GILISSEN, John. Introdução histórica do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 33.]
Tendo em conta estas asserções iniciais, cabe pontualizar alguns aspectos do direito nas sociedades primitivas como a formação, caracterização, fontes e funções.
2. FORMAÇÃO DO DIREITO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS 
A dificuldade de se impor uma causa primeira e única para explicar as origens do direito arcaico deve-se em muito ao amplo quadro de hipóteses possíveis e proposições explicativas distintas. O direito arcaico pode ser interpretado a partir da compreensão do tipo de sociedade que o gerou. Se a sociedade pré-histórica fundamenta-se no princípio do parentesco, nada mais natural do que considerar que a base geradora do jurídico encontra-se primeiramente, nos laços de consangüinidade, nas práticas de convívio familiar de um mesmo grupo social, unido por crenças e tradições. [4: LUHMANN. Niklas, Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro 75, 1983, v. I, p. 182-184.]
É neste sentido que a lei primitiva da propriedade e das sucessões teve em grande parte sua origem na família e nos procedimentos que a circunscreveram, como as crenças, os sacrifícios e o culto aos mortos. Ninguém melhor que Fustel de Coulanges para escrever que o direito antigo não é resultante de uma única pessoa, pois se impôs a qualquer tipo de legislador. Nasceu espontânea e inteiramente nos antigos princípios que constituíram a família, derivando “das crenças religiosas, universalmente admitidas na idade primitiva desses povos e exercendo domínio sobre as inteligências e sobre as vontades”. [5: COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Hemus, 1975, p. 68-150.]
Posteriormente, num tempo em que inexistiam legislações escritas, códigos formais, as práticas primárias de controle são transmitidas oralmente, marcadas por revelações sagradas e divinas. Distintivamente da ênfase atribuída à família feita por Fustel de Coulanges, H. Summer Maine entende que esse caráter religioso do direito arcaico, imbuído de sanções rigorosas e repressoras, permitiria que os sacerdotes-legisladores acabassem por ser os primeiros intérpretes e executores das leis. O receio da vingança dos deuses, pelo desrespeito aos seus ditames, fazia com que o direito fosse respeitado religiosamente, Daí que, em sua maioria, os legisladores antigos (reis sacerdotes) anunciaram ter recebido as suas leis do deus da cidade. De qualquer forma, o ilícito se confundia com a quebra da tradição com a infração ao que a divindade havia proclamado.[6: Círculo do Livro, [s/d], p. 32-33.]
Neste aspecto, nas manifestações mais antigas do direito, as sanções legais estão profundamente associadas às sanções rituais. A sanção assume um caráter tanto repressivo quanto restritivo, na medida em que é aplicado um castigo ao responsável pelo dano e uma reparação à pessoa injuriada. [7: Cf. RADCLIFFE-BROWN, Alfred R. O direito primitivo. In: Estrutura e função na sociedade primitiva. Sobre o papel dos antigos reis-sacerdotes, consultar: FRAZER, Sir James George. O ramo de ouro. São Paulo: Petrópolis: Vozes, 1973, p. 262-263, 269.]
Para além do formalismo e do ritualismo, o direito arcaico manifesta-se não por um conteúdo, mas pelas repetições de fórmulas, através dos atos simbólicos, das palavras sagradas, dos gestos solenes e da força dos rituais desejados.
Os efeitos jurídicos são determinados por atos e procedimentos que, envolvidos pela magia e pela solenidade das palavras, transformam-se num jogo constante de ritualismos
Entretanto, o direito primitivo de matriz sagrada e revelado pelos reis-legisladores (ou chefes religioso-legisladores) avança, historicamente,para o período em que se impõe a força e a repetição dos costumes. Daí que, no dizer de H. Summer Maine, o direito antigo compreende, claramente, três grandes estágios de evolução: o direito que provém dos deuses, o direito confundido com os costumes e, finalmente, o direito identificado com a lei.
Nas sociedades antigas, tanto as leis quanto os códigos foram expressões da vontade divina, revelada mediante a imposição de legislador - administradores, que dispunham de privilégios dinásticos e de uma legitimidade garantida pela casa sacerdotal. Escreve H. Summer Maine que algumas experiências societárias, ao permitirem o declínio do poder real e o enfraquecimento de monarcas hereditários, acabaram por favorecer a emergência de aristocracias, depositárias da produção legislativa, com capacidade de julgar e de resolver conflitos. [8: Cf. SUMMER MAINE, Henry. EI derecho antiguo: parte general. Madrid: Alfredo Alonso, 1893, p. 18-19]
Mas este momento inicial de um direito sagrado e ritualizado, expressão das divindades, desenvolve-se na direção de práticas normativas consuetudinárias. Certamente que ainda não se trata de um direito escrito, porém de um conjunto disperso de usos, práticas e costumes, reiterados por um longo período de tempo e publicamente aceitos. É a época do direito consuetudinário, largo período em que não se conheceu a invenção da escrita, em que uma casta, ou aristocracia, “investida do poder judicial era o único meio que podericonservar, com algum rigor, os costumes da raça ou da tribo”. [9: SUMMER MAINE, Henry. Op. cit., p. 20.]
O costume aparece como expressão da legalidade, de forma lenta e espontânea, instrumentalizada pela repetição de atos, usos e práticas. Por ser objeto de respeito e veneração, e ser assegurado por sanções sobrenaturais, dificilmente o homem primitivo questionava sua validez e sua aplicabilidade.
A inversão e a difusão da técnica da escritura, somada à compilação de costumes tradicionais, proporcionam os primeiros códigos da Antigüidade, como o de Hamurábi, o de Manu, o de Sólon e a Lei das XII Tábuas. Constatam-se, destarte, que os textos legislados e escritos “eram melhores depositários do direito e meios mais eficazes para conservá-lo que a memória de certo número de pessoas, por mais força que tivessem em função de seu constante exercício”.[10: SUMMER MAINE, Henry. EI derecho antiguo: parte general. Madrid: Alfredo Alonso, 1893, p. 22]
Esse direito antigo, tanto no Oriente quanto no Ocidente, na explicação de H. Summer Maine, não diferenciava, na essência, a mescla de prescrições civis, religiosas e morais. Somente em tempos mais avançados da civilização é que se começa a distinguir o direito da moral e a religião do direito. Certamente, de todos os povos antigos, foi com os romanos que o direito avançou para uma autonomia diante da religião e da moral.[11: SUMMER MAINE, Henry. Op. cit.]
Pode-se dizer, por fim, que outra regularidade desse processo normativo foi a longa e progressiva evolução das obrigações e dos deveres jurídicos da condição de status (as obrigações são fixadas na sociedade, de acordo com o status que ocupam seus membros),inerentes ao direito primitivo, para o da relação contratual dependente da vontade e autonomia das partes, características já do direito legislativo e formal.
3. CARACTERÍSTICAS E FONTES DO DIREITO ARCAICO
Pode-se distinguir, segundo as lições de John Gilissen, algumas características do direito nas sociedades arcaicas. Primeiramente, o direito primitivo não era legislado, as populações não conheciam a escritura formal e suas regras de regulamentação mantinham-se e conservavam-se pela tradição. Um segundo fator de conhecimento é que cada organização social possuía um direito único, que não se confundia com o de outras formas de associação. Cada comunidade tinha suas próprias regras, vivendo com autonomia e tendo pouco contato com outros povos, a não ser em condições de beligerância. Um terceiro aspecto a considerar é a diversidade dos direitos não escritos. 
Trata-se da multiplicidade de direitos diante de uma gama de sociedades atuantes, advinda, de um lado, da especificidade para cada um dos costumes jurídicos concomitantes, de outro, de possíveis e inúmeras semelhanças ou aproximações de um para outro sistema primitivo. Além de apontar a inexistência de uma legalidade não escrita, de uma certa unicidade de jurídico para cada comunidade e, por fim, a pluralidade dos direitos não escritos, Gilissen reconhece também que o direito arcaico está profundamente contaminado pela prática religiosa.[12: Cf. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 35.]
 Tal é a influência da religião sobre a sociedade e sobre as leis, que se toma intento pouco fácil estabelecer uma distinção entre o preceito sobrenatural e o preceito de natureza jurídica. Na verdade, o direito estava totalmente subordinado à imposição de crenças dos antepassados, ao ritualismo simbólico e à força das divindades. Um secretismo nebuloso mesclava e integrava, no religioso, as regras de cunho social, moral e jurídico.[13: GILISSEN, John. Op. cit. ]
Por último, Gilissen chama atenção para o fato de que os direitos primitivos são “direitos em nascimento”, ou seja, ainda não ocorre uma diferenciação efetiva entre o que é jurídico do que não é jurídico. Assinala-se, no entanto, que as regras de controle podem variar no tempo e no espaço. Os critérios que permitem auferir, na sociedade moderna, o que é jurídico podem não ser aplicados às comunidades da pré-história. 
Admite-se, assim, que um costume de épocas arcaicas assume em caráter jurídico na medida em que, constrangendo,garante o cumprimento das normas de comportamento.[14: GILISSEN, John. John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988.]
Ainda, seguindo as incursões históricas do erudito pesquisador belga, cabe mencionar urna breve passagem pela questão das fontes do direito entre as sociedades sem escrita. Do pouco que se sabe e que, com certeza, pode-se apontar, é que as fontes jurídicas primitivas são poucas, resumindo-se, na maioria das vezes, aos costumes, aos preceitos verbais, às decisões pela tradição, etc.
No que concerne aos costumes, há de se reconhecer corno a fonte mais importante e mais antiga do direito, manifestação que se comprova por ser a expressão direta, cotidiana e habitual dos membros de um dado grupo social. Novamente, aqui, a religião aparece como fenômeno determinante, na medida em que o receio e a ameaça permanente dos poderes sobrenaturais é que garante o rígido cumprimento dos costumes.[15: GILISSEN, John. Op. cit., p. 37.]
Neste quadro, colocam-se, igualmente, certos preceitos verbais, não escritos proferidos por chefes de tribos ou de clãs, que se impõem pela autoridade e pelo respeito que desfrutam.
Trata-se de verdadeiras leis ainda que não escritas, repousando no prestígio daqueles que detêm o poder e o conhecimento.
Por fim, parece significativo mencionar, como fonte criadora de preceituações jurídicas nas sociedades arcaicas, certas decisões reiteradas utilizadas pelos chefes ou anciãos das comunidades autóctones para resolver conflitos do mesmo tipo. Conjuntamente ao que designa de “precedente judiciário”, Gilissen acrescenta também os procedimentos orais propagados por gerações corno os “provérbios e adágios”.[16: GILISSEN, John. Op. cit., p. 37-38.]

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