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LUIZ ANTONIO DE CARVALHO FRANCO a escola do trabalho e o trabalho da escola

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A ESCOLA DO TRABALHO E O TRABALHO DA ESCOLA 
LUIZ ANTONIO DE CARVALHO FRANCO 
, TERCEIRA EDIÇÃO, SÃO PAULO, 
EDITORA CORTEZ:AUTORES ASSOCIADOS, 1991 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO 
CAPÍTULO 1 - CAPITALISMO E TRABALHO 
CAPÍTULO 2 - SOCIALISMO E TRABALHO 
CAPÍTULO 3 - O TRABALHO DA ESCOLA 
 
 
 
 
05 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
A questão da preparação para o trabalho tem aparecido insistentemente nos 
discursos educacionais oficiais dos últimos tempos e também como 
preocupação da maioria dos educadores. Em geral, podemos dizer que essas 
preocupações são justas e legítimas. 
As diferentes políticas educacionais, no entanto, têm tratado essa 
problemática de maneira descontextualizada. Essas políticas, de um lado, 
têm superestimado a importância do trabalho e, de outro, não têm 
discutido o seu real significado para o homem e tampouco a forma como tem 
sido organizado na sociedade moderna. Por que no plano do discurso se 
valoriza tanto o trabalho quando, na prática, este é organizado de tal 
forma que não pode trazer satisfações a quem o executa? 
 
Neste pequeno livro discutiremos a questão da preparação para o trabalho 
a partir da especificidade da educação escolar, tendo como referência as 
relações de trabalho próprias do capitalismo. Pensamos, contudo, que a 
crítica à organização do trabalho no capitalismo não basta. Os educadores 
comprometidos com uma escola que busca contribuir para a construção de 
uma 
 
 
 
06 
 
sociedade socialista não podem deixar de discutir a organização do 
trabalho naqueles países chamados de "socialistas". O capitalismo e o 
"socialismo existente" são parentes próximos, e em ambas o trabalho tem 
se constituído em poderoso instrumento de desumanização e embrutecimento 
do trabalhador. Os educadores progressistas não podem furtar-se a fazer 
uma crítica contundente a esses regimes, que organizam de tal forma o 
trabalho que este escapa totalmente ao controle do trabalhador. 
 
As relações entre escola e trabalho serão discutidas tendo como 
referência a escola pública de 2° grau , se bem que não deixamos de fazer 
alguns comentários sobre a de 1º grau. A esta cabe basicamente 
possibilitar ao aluno a apropriação da língua nacional, na medida em que 
o domínio da leitura e da escrita constituem elementos essenciais para o 
aluno interagir socialmente. Cabe; ainda, a esse nível de ensino, 
propiciar ao aluno a apropriação de noções de aritmética (somar, dividir, 
subtrair, multiplicar), além de noções básicas de história, geografia e 
ciências. A escola de 1° grau, realizando sua função precípua com 
competência, estará preparando o aluno para o trabalho. O 2º grau, por 
outro lado, representa um aprofundamento desses conhecimentos, além da 
introdução de outros saberes: técnicos, fi1osóficos, etc. Além disso, a 
maioria dos alunos desse grau de ensino já trabalha e muitos outros 
buscam ingressar rapidamente no mercado de trabalho. A questão da 
preparação para o trabalho no 2° grau , portanto, está muito mais 
presente e precisa ser tratada tendo em conta a especificidade desse grau 
de ensino. 
 
 
07 
 
 
CAPITALISMO E TRABALHO. 
 
O capitalismo, como realidade histórica singular, só pode ser 
compreendido em sua estrutura dinâmica e, portanto, através de seu 
movimento que atravessa diversos estágios manufatureiros até chegar à 
grande empresa moderna. O que se observa em seu surgimento e evolução é a 
tendência no sentido de converter as unidades de produção anteriormente 
caracterizadas por um emprego autônomo ou familiar, em geral artesanal, 
em trabalho assalariado. Evidentemente, nem todas as relações sociais de 
produção são transformadas em relações assalariadas, mas a tendência 
dominante aponta inexoravelmente nesse rumo. No capitalismo, a dinâmica 
do capital combina diferentes processos, ou seja, processos de 
dissolução, preservação e instauração de novas relações de produção. 
 
No capitalismo, por exemplo, existem formas cuja característica principal 
é a não-utilização permanente nem fundamental do trabalho assalariado. 
Isto porque um dos traços marcantes do capitalismo é o seu 
desenvolvimento desigual e combinado, ou seja, numa formação econômico- 
social concreta convivem simultaneamente tanto as relações sociais 
típicas do modo de 
 
 
08 
 
 
 
 
 produção capitalista quanto aquelas relações denominadas "pré- 
capitalistas", "arcaicas", etc., que te em resistir ao avanço 
do 
capital. Estas última redefinidas constantemente pelo movimento do ca 
 a ele subordinando-se, de sorte que seu caráter "pré-capitalista" ou 
"arcaico" se articula de algum modo com as relações propriamente 
capitalistas em seu conjunto. A inserção dessas relações no sistema 
produtivo lhes dá um contorno próprio, não como categoria dominante, 
apesar de em números populacionais esse ser bastante significativo. 
 Sua importância numérica pode ser observada na grande quantidade de 
empresas familiares, nos trabalhadores por conta própria subordinados, no 
trabalho dos artesãos, etc. Essas relações de produção, no entanto, não 
podem ser entendidas como se fossem "marginais" ou "não-incorporada; 
 modo de produção capitalista. É necessário perceber por outro lado, 
que nesse processo de desenvolvimento desigual e combinado do 
capitalismo, o que predomina , no momento é o capital monopolista. É 
esse fato marca e dá contorno às relações de produção. 
 
0 processo de desenvolvimento do capital desde o seu período 
manufatureiro até a atual monopolista, sofreu profundas transformações, 
principalmente ao nível da divisão técnica do trabalho utilização 
sistemática da ciência e da tecnologia aparelho de produção e na 
organização e controle trabalho do trabalhador. 
 
De acordo com Marx, a manufatura se origina de forma, a partir do 
artesanato, de duas maneiras: 
 
 "De um lado, surge da combinação de ofícios independentes diversos que 
perdem sua independência e se tornam tão especializados que passam a 
 constituir apenas 
 
09 
 
operações parciais do processo de produção de uma única mercadoria (...) 
de outro, tem sua origem na cooperação de artífices de determinado 
ofício, decompondo 0 ofício em suas diferentes operações particulares, 
isolando-as e individualizando-as para tornar cada uma delas função 
exclusiva de um trabalhador especial" (Marx, 1971). 
 
No período manufatureiro, os artesãos, que anteriormente eram produtores 
independentes, passam a ser paulatinamente subordinados aos interesses do 
capital, através de um processo crescente de racionalização da produção. 
Com a manufatura, os artesãos são reunidos num mesmo local de trabalho, 
passando a produzir mercadorias sob as ordens e vigilância do 
capitalista. Para Marx, o mecanismo vivo da manufatura é o "trabalhador 
coletivo", ou seja, trabalhadores parciais e limitados, mas que, ao mesmo 
tempo, produzem em menos tempo em comparação com os ofícios 
independentes. Nas palavras de Marx, no entanto, 
 
"complexa ou simples, a operação continua manual, artesanal, dependendo 
portanto da força, da habilidade, rapidez e segurança do trabalhador 
individual, ao manejar seu instrumento. O ofício continua sendo a base. 
Essa estreita base técnica exclui realmente a análise científica do 
processo de produção, pois cada processo parcial percorrido pelo produto 
tem de ser realizável como trabalho parcial profissional de um artesão" 
(Marx, 1971). 
 
Na manufatura, a produção de uma mercadoria, que antes resultava do 
trabalho de um só artesão, é subdividida em vários passos, consumindo o 
trabalho de vários artesãos, cada um deles realizando uma operação 
específica, até chegar ao produto final. As modificações introduzidas 
pela manufaturano trabalho do artesão (perda dos meios de produção e 
submissão aos 
 
10 
 
desígnios do capital) não lhe retiravam totalmente poder sobre o processo 
de trabalho. Este poder decorria do fato de que a produção ainda dependia de 
sua capacidade artesanal e de sua habilidade pessoal. A expropriação 
final dos artesãos pelo capital somente oco quando o trabalho executado 
por eles, individualmente passa a ser executado por máquinas. Esse processo é 
descrito por Marx da seguinte maneira: 
"Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se da ferramenta; na 
fábrica, serve à máquina. Naquele procede dele o movimento do instrumental 
de trabalho nesta, tem de acompanhar o movimento do instrumento. Na 
manufatura, os trabalhadores são membros de mecanismo vivo. Na fábrica, 
eles se tornam com mentos vivos de um mecanismo morto que existe independente deles" 
(Marx, 1971). 
 
Na fábrica, pois, se desenvolve de maneira crescente a submissão do 
trabalho vivo (o operário) trabalho morto ( a máquina ) . 
 
O modelo concorrencial de capitalismo que surge com a Revolução Industrial 
já não é o modelo capitalismo existente hoje. No capitalismo concorrencial, o 
proprietário individual do capital (ou grupo militar ou pequeno 
grupo de sócios) e a empresa era idênticos, e a produção em cada 
indústria era distribuída entre um mínimo razoavelmente grande de e 
presas. Esse modelo está ultrapassado historicamente não é mais a regra na 
moderna sociedade industrial. Estamos em plena era do capitalismo 
monopolista, q tem seu início nas últimas décadas do século XI A partir 
dessa época começa a se firmar a concentração e centralização do capital 
sob a forma dos primeiros trustes, cartéis, etc. É a partir disse 
movimento que 
 
 
11 
 
 estrutura e o funcionamento da indústria moderna começam a tomar 
sua forma atual (Braverman, 1977). 
 
 Quais os métodos encontrados e/ou utilizados pelo capitalismo para 
atingir esse novo estágio do seu desenvolvimento . 
 
Para Braverman, o que inaugura a nova era ê a rápida consumação da 
colonização do mundo, as rivalidades internacionais e os conflitos 
armados pela divisão do globo em esferas de influência econômico-político-militar. 
Assim, o capitalismo monopolista abrange o aumento de organizações monopolistas 
no interior de cada país capitalista (e, quando é possível, no interior dos países 
"socialistas"), a divisão internacional do trabalho, o imperialismo, o mercado 
mundial do capital, bem como as mudanças na estrutura do poder estatal 
(Braverman) 
 
A empresa capitalista dos períodos anteriores encontrava-se bastante 
limitada, entre outras coisas, pelo baixo volume de capital disponível e 
pela capacidade de gerenciamento do capitalista ou grupo de sócios. 
 
 Ficam patentes, nessas fases, os limites impostos pelas a 
fortunas 
pessoais e pelas capacidades individuais. Por outro lado, como vimos, é 
somente no período manufatureiro que o capital encontra as condições propícias para 
modificar as condições de produção, pois é a partir desse momento que começa 
a concentrar os trabalhadores num único local de trabalho, sob o seu controle 
e vigilância. É somente a partir da manufatura que o capital conseguirá impor uma 
certa divisão do trabalho, que e apoiará ainda na destreza e na habilidade 
individual do trabalhador (Braverman, 1977) 
 
 
 
12 
 
Na era do capitalismo monopolista tais limites inteiramente 
ultrapassados. A empresa moderna desenvolverá os mecanismos 
indispensáveis para a incorporação real dos trabalhadores ao capital, o 
que lhe permite instaurar de maneira completa o modo de produção 
capitalista. Em verdade, a empresa moderna arrebenta com o vínculo direto 
entre o capital e o seu proprietário individual. Hoje, os grandes 
conglomerados de capital só podem ser reunidos na medida em que 
transcende a soma de riqueza daqueles diretamente associados c a empresa. 
Esse fato é determinante para que o controle operacional recaia cada vez 
mais sobre um funcionalismo gerencial contratado pelo capital. Nesse pois 
o estágio atual do capitalismo se diferencia profundamente dos estágios 
anteriores, ou seja, os dois lados capitalista (proprietário e 
administrador), antigamente unidos numa mesma pessoa, agoira tornam 
separados. 
 
 
O capitalismo monopolista, que se complexo de forma acelerada, introduz, 
então, a "gerência científica". Os gerentes, em geral, são retirados 
dentre aqueles possuidores de capital, família, relações e ou vínculos na 
rede da classe burguesa, mas também podem ser homens que ascendam de 
outras classes sociais mediante a cooptação. O fato é que o capitalismo 
monopolista exige métodos modernos e maquinarias sofisticadas, dentro de 
um empenho para planejar e contra o processo de trabalho e torná-lo um 
processo dirigido exclusivamente pela gerência. 
 
 
De acordo com Braverman, novos métodos e c maquinaria são incorporados 
dentro de um esforço transformar o processo de trabalho em um processo 
controlado e dirigido exclusivamente pela gerência. 
 
 
 
13 
 
primeira forma de divisão do trabalho, o ofício é desmontado e restituído aos 
trabalhadores parcelado, de modo que o processo como um todo já não 
seja mais ;da competência de um só trabalhador individual. A partir daí, 
empreende-se uma análise de cada uma das tarefas distribuídas entre os 
trabalhadores, com. vistas a controlar as operações individuais. É apenas 
na era da revolução técnico-científica que as gerências evocam para si 
o problema de apoderar-se de todo o processo e controlar cada elemento dele, sem 
exceção 
(Braverman, 1977: 149). Aquele que concebe novos objetos e novas 
idéias passa a ser' uma pessoa ou grupo de pessoas diferente 
daquele que está encarregado de executá-los. Essa separação 
entre teoria e prática, concepção e execução, pensamento e ação 
é 
a marca distintiva do trabalho 
no capitalismo moderno e, consequentemente, do seu empobrecimento. 
 
 
Tais dicotomias, de acordo com Landes, são produzidas através de duas 
formas: em primeiro lugar, "a fragmentação do trabalho 
em 
operações simples, suscetíveis de serem efetuadas por máquinas de finalidade 
única, manejadas por operários não-qualificados ou semi qualificados" 
e, em segundo, "o desenvolvimento de métodos fabris tão exatos 
que a montagem se tornasse rotina; em outras 
palavras 
, a produção de peças intercambiáveis. Somente desta forma podia-se levar o trabalho 
aos operários a um ritmo predeterminado, para que fosse processado e montado 
através de uma série de ações simples e repetitivas" 
(Landes, 1980: 106). 
A divisão técnica do trabalho no interior da em presa e o controle da 
organização do processo de trabalho como um todo têm seu início no 
momento em 
 
 
14 
 
que a revolução técnico-científica, baseada na utilização sociedade, não 
passa de um mito. A sofisticação ciensistemática da ciência e da 
tecnologia para a mais rápida científico-tecnológica não implica maior 
qualificação dos transformação da força de trabalho em capital, começa 
a ser implementada. Nesse processo, como afirma Braverman, o controle 
pertence agoira àqueles que podem "arcar" com o estudo dele, a fim de 
conhecê-lo melhor do que os próprios trabalhadores conhecem sua atividade 
viva. Com isso, elimina-se praticamente o trabalho qualificado 
(Braverman, 1977: 106). Esta eliminação tem constituído condição sine qua 
nonpara o desenvolvimento do capitalismo. Como assinala Landes, 
 
 
"se avaliada pelos métodos modernos de tempos e movimentos, a mão-de-obra 
qualificada tende a ser menos eficiente do que a semi qualificada ou não- 
qualificada, quando supervisionadas diretamente; e isto é de se esperar, 
pois o operário qualificado estabelece seu próprio ritmo de trabalho ao 
invés de adequá-lo ao da máquina. Além disso, esses mestres artífices 
eram orgulhosos, suscetíveis e geralmente bem organizados" (Landes, 1980: 
105 ). 
 
 
O capitalismo moderno e a ciência e a tecnologia que lhe têm servido de 
suporte podem ser interpretados, em seu conjunto, como a história da 
desqualificação dos agentes diretos da produção. A mecanização e 
desqualificação do trabalho não atinge apenas a indústria. Ao contrário, 
é um processo que vem atingindo todos os setores da sociedade: 
indústrias, escritórios, bancos, escolas, etc. O que caracteriza a atual 
divisão do trabalho é sua extrema fragmentação, que é, no fundo, uma 
"condição técnico-política" mais bem adaptada a uma organização 
hierárquica, mais adaptada ao controle tanto da mão quanto do cérebro do 
trabalhador. 
 
 
Como vemos, a qualificação dos trabalhadores no capitalismo moderno, em 
todos os setores modernos da 
 
 
 
15 
 
 
 trabalhadores (como a aparência das coisas poderia indicar). Ao 
contrário, implica a crescente desqualificação do trabalhador e, consequentemente, 
a degradação do trabalho. Mais precisamente: a aplicação sistemática da ciência 
e da tecnologia na produção, ao mesmo tempo que necessita de uma 
minoria de trabalhadores qualificados e superqualificados, desqualifica a 
maioria da força de trabalho, submetendo-a a um trabalho sem sentido, 
cansativo, repetitivo e degradante. 
 
 
De acordo com Braverman, para o trabalhador, o conceito de qualificação 
está ligado tradicionalmente ao domínio do ofício, ou seja, à combinação do 
conhecimento de materiais e processos com as habilidades manuais exigidas para 
o 
desempenho em determinado ramo da produção. O parcelamento das funções e a 
reconstrução da produção como um processo coletivo ou social destruíram 
o conceito tradicional de qualificação, inauguraram apenas um modo para o domínio 
do processo de trabalho a ser feito mediante e com o conhecimento 
técnico-científico 
 e de engenharia do trabalho (Braverman, 1977: 
375). A extrema concentração do poder e do conhecimento nas mãos da administração 
fechou essa via de acesso à maioria dos trabalhadores. O que sobrou 
a estes foi um conceito reinterpretado e inadequado de 
qualificação: uma habilidade específica, uma operação limitada e repetitiva, a 
velocidade como qualificação, e assim por diante. No capitalismo moderno, 
o conceito de qualificação torna-se degradado, ao mesmo tempo que as relações 
de trabalho também se deterioram. Em verdade, parece que tem havido 
uma grande 
confusão no que se refere 
 
16 
 
 
a termos como "maior destreza" e "qualificação". Quando um marceneiro é 
qualificado em seu ofício, observa Kennedy, a qualificação abrange ainda 
sua capacidade de imaginar como as coisas ficarão na forma final se tais 
ou quais materiais forem utilizados. Quando ele pode avaliar acuradamente 
tanto o atrativo estético quanto a utilidade funcional, organizar seu 
ferramenta, força e seus materiais de modo a realizar a tarefa que 
lhe dê meio de vida e reconhecimento - neste caso estamos falando de 
qualificação. Mas, continua o autor, se o homem deve ser capacitado 
rapidamente e com facilidade para fazer nada mais que mexer os dedos para 
cima e para baixo como meio de vida, ermitão estamos falando de destreza. 
Na grande indústria capitalista moderna, destreza aumentada significa 
qualificação diminuída (Kennedy, in Braverman, 1977: 375). 
 
 
A principal conseqüência da divisão e parcelamento das tarefas, 
decorrentes da forma de organizar o trabalho em uma hierarquia de 
crescente complexidade, é a ausência de controle do processo de trabalho 
pelo trabalhador. Este fica reduzido a uma pequena unidade participante 
de um processo relativamente complexo, cuja definição é dada por aqueles 
que concebem o trabalho, pela tecnologia moderna, pelas normas e 
regulamentos e pelo poder disciplinar das empresas. Isso o leva a 
desconhecer o processo de trabalho em sua totalidade, ao contrário, por 
exemplo, do artesão, que dominava todas as fases do processo, ou seja, 
concebia novos produtos, os produzia e, finalmente, os vendia no mercado. 
A divisão do trabalho garante para o capital tanto a posse da técnica 
quanto do trabalho intelectual, impedindo que os trabalhadores deles se 
apoderem. Isso se realiza, entre outras coisas, 
 
 
 
17 
 
 
reduzindo o trabalho do trabalhador a um mero trabalho manual de execução pura e 
simples, impedindo a colaboração entre trabalho manual e intelectual, 
recusando 
aos trabalhadores a possibilidade de aproveitarem a experiência prática adquirida 
na produção para, assim, apoderarem-se da técnica e da ciência. 
 
 
A organização do processo de trabalho no capitalismo tem implicado a centralização 
cada vez maior do poder, ou seja, a organização do trabalho está indissoluvelmente 
ligada às técnicas de produção e de dominação sobre 
aqueles que trabalham. A organização do trabalho, com sua hierarquia, normas e papéis 
rigidamente estabelecidos e a inserção do trabalhador num processo de trabalho 
que ele não domina tem duas conseqüências imediatas: rígido 
controle sobre a produção e sobre o trabalhador e aumento da 
produtividade do trabalho e da mais-valia. 
 
 
O capitalismo, desde o seu início, pode ser entendido como um processo que procura, 
entre outras coisas, dividir minuciosamente o trabalho, 
racionalizar ao máximo o processo produtivo e desqualificar o trabalho da 
maioria da força do trabalho. Um dos seus grandes teóricos é Taylor, que não 
poupa esforços para criar um novo tipo de trabalhador e de homem. Taylor 
 inicia suas experiências "científicas" por volta de 1880. 
O capitalismo americano, nessa época, já ocupava uma 
posição 
de destaque no cenário mundial, através da formação dos 
grandes 
monopólios e da implantação destes em outros países. A expansão do capitalismo 
americano, tanto interna quanto externamente, encontrava 
alguns 
obstáculos que precisavam ser transpostos. 
 
 
 
 
18 
 
 
De um lado, o fim da Guerra de Secessão, com a vitória do Norte 
capitalista sobre o Sul escravista, liberou um enorme contingente de 
trabalhadores para o capital. De outro, a partir de 1850, milhões de trabalhadores 
europeus chegavam aos Estados Unidos. Por fim, no período em 
que Taylor iniciava suas experiências, o processo de trabalho nos Estados 
Unidos repousava basicamente sobre o trabalhador qualificado. O 
conhecimento do processo de trabalho era uma espécie de monopólio desses 
trabalhadores, na medida em que controlavam as técnicas e o ritmo da 
produção, além de terem forte organização sindical. Esses trabalhadores, 
assim, representavam uma espécie de barreira à fragmentação e ao aumento 
do ritmo do trabalho. Nesse quadro, o esforço de Taylor se centrará na 
mudança da natureza do processo de trabalho até então existente. Era 
preciso incorporar à força de trabalho industrial o imenso contingente de 
trabalhadores não-qualificados (imigrantes e ex-escravos) e, ao mesmo 
tempo, liquidar com o poder dos trabalhadores qualificados sobre o 
processo de trabalhoe colocá-lo nas mãos da direção da empresa. 
 
 
 
Entre outras coisas, Taylor busca basicamente o seguinte: desenvolver nos 
trabalhadores as atitudes maquinais e automáticas; destruir o trabalho 
profissional qualificado; aplicar os métodos da ciência aos problemas 
complexos da gerência; não confiar na iniciativa do trabalhador; banir, 
se possível completamente, o trabalho cerebral do operário; criar um 
departamento de planejamento para "fazer a cabeça" do trabalhador; 
estudar e cronometrar o movimento e desempenho do trabalhador; impor ao 
trabalhador a maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado; 
tirar do 
 
 
 
19 
 
 
 
trabalhador qualquer decisão sobre o trabalho; passar o controle do 
processo de trabalho, desde a mais simples à mais complicada operação, às 
mãos da gerência, e assim por diante. ' 
 
 
O taylorismo, assim, aponta para a necessidade imperativa de a "gerência 
científica" impor ao trabalhador a maneira rigorosa pela qual o trabalho. 
deve ser executado e, ao mesmo tempo, exige que o trabalho de cada 
trabalhador seja totalmente planejado e controlado pela gerência, a quem 
cabe fornecer instruções acerca do que, como e em que tempo deve ser 
efetuado 0 trabalho. Nesse processo, o trabalho intelectual deve ser 
totalmente separado do trabalho manual. 
 
 
O que Taylor buscava era fazer com que aqueles que executavam o trabalho 
se ajustassem aos cargos descritos e às normas de desempenho, tornando, 
assim, supérflua a sua qualificação. Pedia ao operário que trabalhasse e 
não que pensasse; para a tarefa de pensar existia a "gerência 
científica". A esta é transferido 0 monopólio do conhecimento técnico- 
científico. 
 
 
O essencial do taylorismo é, portanto, 
"destituir os trabalhadores do conhecimento do ofício, do controle 
autônomo e imposição a eles de um processo de trabalho acerebral no qual 
sua função é a de parafusos e alavancas" ( Braverman, 1977 : 121 ) . 
 
 
O grande sonho de Taylor era transformar cada trabalhador numa espécie de 
"gorila domesticado", num "gorila amestrado". O sonho de Taylor, de fato, 
coincidia com o sonho da indústria mecanizada. 
 
 
Gramsci, referindo-se à tentativa de integração total do trabalhador e à 
sua transformação em um "gorila amestrado", diz que 
 
 
20 
 
"efetivamente Taylor exprime com cinismo brutal o objetivo da sociedade 
americana: desenvolver ao máximo, no trabalhador, as atitudes maquinais e 
automáticas, romper o velho nexo psicofísico do trabalho profissional 
qualificado, que exigia uma determinada participação ativa da 
inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador, e reduzir as 
operações .produtivas apenas ao aspecto fisicomaquinal" (Gramsci, 1976: 
397). 
 
 
A tentativa de transformar o trabalhador numa máquina, num autômato, não 
é um processo linear. Ao contrário, esse processo está permeado de 
contradições. Nas palavras de Gramsci, 
 
 
"quando o processo de adaptação se completou, verifica-se então que o 
cérebro do operário, em vez de mumificar-se, alcançou um. estado de 
liberdade completa. Só o gesto físico mecanizou-se inteiramente; a 
memória do ofício, reduzido a gestos simples e repetitivos em ritmo 
intenso, 'aninhou-se' nos feixes musculares e nervosos e deixou o cérebro 
livre para outras ocupações" (Gramsci, 1976: 404). 
 
 
Essa contradição, para Gramsci, foi percebida pelos industriais norte- 
americanos, que 
"compreenderam muito bem esta dialética inerente aos novos métodos 
industriais. Compreenderam que 'gorila domesticado' é apenas uma frase, 
que o operário continua 'infelizmente' homem e, inclusive, que ele, 
durante o trabalho, pensa demais ou, pelo menos, tem muito mais 
possibilidade de pensar, principalmente depois de ter superado a crise de 
adaptação. Ele não só pensa, mas o fato de que o trabalho não lhe dá 
satisfações imediatas, quando compreende que se pretende transformá-lo 
num gorila domesticado, pode levá-lo a um curso de pensamentos pouco 
conformistas" (Gramsci, 1976: 404). 
 
 
A longo prazo, portanto, a tentativa de produzir "gorilas amestrados" se 
transforma em seu oposto. Os trabalhadores têm mais tempo para pensar, 
desenvolver 
 
 
21 
 
sua inteligência, forjar sua "vontade" política e perceber as condições 
humilhantes de trabalho a que foram submetidos. 
 
 
O capitalismo, assim, não consegue transformar totalmente o homem em 
"coisa", em "objeto", em simples apêndice da máquina. Nas palavras de 
Castoriadis, 
 
 
"o capitalismo só pode funcionar com a contribuição constante da 
atividade propriamente humana de seus subjugados que, ao mesmo tempo, 
tenta reduzir e desumanizar o mais possível. Ele só pode funcionar na medida em que 
sua tendência profunda, que é efetivamente a retificação, não se realiza, na 
medida em que suas normas são constantemente combatidas em sua aplicação" 
(Castoriadis, 1986: 27). 
 
 
O trabalho começa a ser percebido pelos trabalhadores como uma atividade 
extremamente desagradável, enfadonha, monótona, repetitiva e alienante. 
Com isso, observa-se uma espantosa falta de gosto e até uma certa 
resistência face ao trabalho; indiferença e indolência do trabalhador; 
sabotagem; aumento do absenteísmo; baixa qualidade dos produtos; 
acidentes no trabalho, e outras formas de reação contra o trabalho 
alienante da sociedade capitalista moderna. Além desses fatos, que 
ocorrem no dia-a-dia do processo de produção, os trabalhadores começam a 
se organizar contra o seu embrutecimento e amputação, pelo controle do 
processo de trabalho, a pressionar os patrões no sentido de reivindicarem 
condições menos absurdas e menos degradantes de trabalho. A revolta dos 
trabalhadores é basicamente contra a opressão a que estão confinados. 
 
 
As gerências, ao mesmo tempo, começam a se preocupar com as questões 
colocadas acima, ou seja, procuram descobrir formas para eliminar a 
proporção 
 
 
22 
 
de erros e falhas, a taxa de absenteísmo, de deserções, etc. Buscam, no 
fundo, preservar a "saúde social" da empresa, com a participação ativa 
dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, reproduzir ampliadamente o capital 
com o mínimo de resistência possível dos trabalhadores. 
 
 
É dentro desse quadro contraditório das relações de trabalho na empresa 
moderna que os empresários passam a tomar uma série de cautelas e 
iniciativas "educativas" em relação aos trabalhadores, com o objetivo de 
adaptá-los aos novos métodos de produção e de trabalho. Com efeito, a 
adaptação ao trabalho alienante do capitalismo, como assinala Gramsci, 
não pode se dar apenas através da coerção, mas, ao contrário, 
 
 
"a coerção deve ser sabiamente combinada com a persuasão e o 
consentimento, e isto pode ser obtido, nas formas adequadas de uma 
determinada sociedade, por uma maior retribuição que permita um 
determinado nível de vida, capaz de manter e reintegrar as forças desgastadas pelo 
novo tipo de trabalha' (Gramsci, 1976: 405 ). 
 
 
Em verdade, há algum tempo já, alguns teóricos do capitalismo vêm 
propondo novos métodos de controle do processo de trabalho que, ao mesmo 
tempo, garantam a lucratividade e permitam resolver alguns dos problemas 
gerados pela alienação do trabalho. Como conseguir a colaboração do 
trabalhador no processo de trabalho alienado? Em muitos países capita- 
listas avançados começam a ser colocadas em prática estratégias como: 
descentralização do poder, ou seja, a participação dos trabalhadores nas 
decisões e nos lucros; co-gestão; alimentação gratuita; condução 
gratuita; formação permanente, etc. Além disso, em relação ao próprio 
processo interno de trabalho, o capital vem implementando experiências, 
tais como: transferências 
 
 
23 
 
e rodízios, "enriquecimento" de cargos; organização do trabalho por 
equipes; círculos de controle dequalidade, etc. Onde essas experiências 
foram realizadas observasse um certo incremento na satisfação pelo 
trabalho, além de aumento da produtividade. Essas medidas dos 
empresários, no entanto, não eliminam a fragmentação, a alienação do 
trabalho e a separação entre concepção e execução. 
 
 
O capital, além dessas medidas, introduz as "relações humanas", como 
forma de evitar os conflitos e estabelecer o equilíbrio ou um estado de 
colaboração de classes definido como "saúde social". Busca, dessa forma, 
eliminar as resistências informais às exigências impostas pela 
administração superior. Conta, para isso, com o concurso de especialistas 
em psicologia social e sociologia industrial, para converter as 
resistências ao trabalho alienante em problema individual de inadaptação 
ao trabalho, através da manipulação dos conflitos, da tentativa de tornar 
suportável e controlável a luta de classes. O que as "relações humanas" 
buscam, no fundo, é integrar os trabalhadores, fazê-los participantes 
ativos dos projetos do capital. Buscam fazer com que o trabalhador aceite 
a miséria humana e cultural a que foi submetido, não mais exclusivamente 
através de pauladas, mas também pelo convencimento, pela persuasão. 
Como é possível que o processo de concentração e controle econômico e 
científico-tecnológico fique nas mãos de um número restrito de grupos 
capitalistas? Com é possível que as decisões que são determinantes para 
toda a sociedade fiquem nas mãos de grupos tão reduzidos? Como é possível 
colocar o interesse geral 
 
 
24 
 
 
do conjunto da sociedade em harmonia com os interesses desses grupos, com 
os interesses e a lógica do capital? 
 
 
A burguesia, enquanto classe dominante e dirigente, tem no Estado 0 
organismo adequado à sua expansão. O Estado é o guardião máximo dos seus 
interesses econômicos e políticos mediatos e imediatos. Os interesses 
econômicos e políticos da burguesia são assegurados, direta ou 
indiretamente, pelo Estado, de um lado, pela "sociedade política", ou 
seja, o conjunto de mecanismos através do qual a burguesia detém o mono- 
pólio de violência (poder de sanções, de polícia, de aplicação das leis, 
etc.) e, de outro, pela "sociedade civil", ou seja, através dos aparelhos 
privados de hegemonia (sindicatos, partidos políticos, escola, imprensa, 
etc.). A burguesia, assim, impõe a sua dominação tanto através da coerção 
quanto do consenso. Esse processo, no entanto, é contraditório. Pelo fato 
da sociedade capitalista estar assentada no antagonismo de classes, a 
hegemonia burguesa nunca é pacífica, absoluta. Os trabalhadores, a partir 
da situação histórica específica em que vivem, podem tornar-se 
conscientes da exploração e, ao mesmo tempo, transformarem-se em direção 
consciente dos interesses de outras camadas sociais, não intrinsecamente 
burguesas, com vistas à transformação radical da sociedade capitalista. 
Foge ao âmbito desse trabalho, todavia, uma análise do papel do Estado na 
hegemonia burguesa. Interessa-nos, isto sim, · discutir como a burguesia 
estabelece a sua hegemonia na e a partir da fábrica. 
 
 
De acordo com Gramsci, 
 
 
"a hegemonia vem da fábrica, e para ser exercida só necessita de uma 
quantidade mínima de profissionais da política e da ideologia" (Gramsci, 
1976: 381-2). 
 
 
 
25 
 
 
 
E quem são esses "profissionais da política e da ideologia" criados pelo 
capitalismo industrial? Basicamente, os técnicos e os cientistas ligados 
à produção: 
~ engenheiros, economistas, mestres, contramestres, supervisores, 
encarregados, chefes de seção, técnicos de nível médio, pessoal de 
escritório, etc. Esses técnicos e cientistas são os "intelectuais 
orgânicos" do capitalismo, os organizadores e controladores do aparelho 
privado de produção da classe à qual estão ligados organicamente. Esses 
intelectuais têm a função de "educar" o trabalhador para o trabalho 
alienado e, ao mesmo tempo, difundir normas e valores compatíveis com a 
acumulação ampliada do capital. O empresário capitalista, assim, cria 
consigo o tipo de intelectual necessário à indústria, à reprodução 
ampliada do capital. 
 
 
Gramsci nega uma concepção pedante e humanista do intelectual, entendido 
como "grande intelectual", homem de letras, filósofo, erudito, 
intelectual como criador desinteressado, produtor de pensamento ou de uma 
filosofia "pura", não contaminado pelas relações sociais de produção. 
 
 
Por intelectual, 
 
 
"cabe entender não somente essas camadas sociais tradicionalmente 
chamadas de intelectuais, mas em geral toda a massa social que exerce funções de 
organização em um sentido amplo: 
seja no plano da produção, da cultura ou da administração pública" 
(Gramsci, citado em Buciglucksmann, 1980: 46). 
 
 
Nesse sentido, na medida em que o homem utiliza a um nível mais ou menos 
elevado as suas capacidades cerebrais, todos os homens podem ser 
considerados intelectuais. Assim, para Gramsci, não existem não-intelectuais, sendo, 
portanto, impossível separar o homo jabér do homo sapiens: 
 
 
26 
 
"em qualquer trabalho físico, mesmo no mais m e degradado, existe um 
mínimo de qualificação isto é, um mínimo de atividade intelectual cr 
(Gramsci, 1968: 7). 
 
Mais: 
 
 "todo homem, fora de sua profissão, desenvolve atividade intelectual 
qualquer, ou seja, é um "filosofo, um artista, um homem de gosto, participa de 
uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui 
assim para manter ou para ficar uma concepção do mundo, isto é, para 
promover novas maneiras de pensar" (Gramsci, 1968: 7-8) 
 
Assim, 
 
 "todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer tão; mas nem todos 
os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais" (Gramsci, 
1968: 7 ). 
 
O desempenho da função de intelectual está indissoluvelmente ligado a uma 
função-posição no mundo da produção e da reprodução das relações sociais, 
isto é, a uma posição específica de saber e de poder sociedade. 
 
Para Gramsci (1968: 3), cada classe fundamental (burguesia ou proletariado) 
cria os seus "intelectual orgânicos", na medida em que são gerados e 
organicamente ligados a uma dessas classes. Nem todos o; "intelectuais 
orgânicos", no entanto, nascem no seio da própria classe. Ao contrário, 
através do processo orgânico denominado por Gramsci de "transformismo", 
as classes dominantes incorporam e assimilam os intelectuais das classes 
dominadas, procurando, assim, enfraquecer as condições concretas de luta 
política das classes trabalhadoras, fazendo com que os 
 
 
 
27 
 
intelectuais destas passem a desenvolver uma função balterna no bloco 
histórico dominante. Os intelectuais, assim, cooptados pelas classes 
dominantes, serão os organizadores de todas as atividades e funções inerente ao 
desenvolvimento industrial e à exploração da mais-valia. As classes 
trabalhadoras, por outro lado, iam e "cooptam" intelectuais de outras 
classes, não trinsecamente burguesas. A tarefa dos intelectuais .s 
classes trabalhadoras significa luta hegemônica, ou 
 
 
"processo de desarticulação-rearticulação, isto é, trata-se de 
desarticular dos interesses dominantes aqueles elementos que estão 
articulados em torno deles, mas não inerentes à ideologia dominante, e 
rearticula-los em torno dos interesses populares, dando-lhes a 
consistência, a coesão e a coerência de uma concepção de mundo elaborada, 
vale dizer, de uma filosofia" (Saviani, 1980: 10-1). 
 
 
Os trabalhadores, por outro lado, necessitam conquistar os intelectuais 
comprometidos com a transformação da ordem existente, atraí-los para o seu 
campo ~ luta. Não para que estes, pelo fato de dominarem ciência e a 
teoria revolucionária, introduzam "de fora" a consciência socialista nos 
trabalhadores, pois ~o estaria em contradição com afamosa frase de Marx 
que a emancipação dos trabalhadores só pode ser obra dos próprios 
trabalhadores. Como assinala Castoriadis, (1985a: 178), 
 
 
"o conteúdo do socialismo é precisamente essa atividade criadora das 
massas, que nenhuma teoria jamais pôde e jamais poderá antecipar. Marx 
não pôde antecipar a Comuna (não como evento, mas como forma de organização social), 
nem Lênin os sovietes; e nem um nem outro puderam antecipar 
a gestão operária. Marx pôde apenas extrair as conclusões e revelar a 
significação da ação do 
 
 
28 
 
proletariado parisiense durante a Comuna imenso mérito de fazê-lo 
subvertendo suas próprias concepções anteriores. Mas seria igualmente falso uma 
vez extraídas essas conclusões, a teoria verdade e que possa fixá-la em 
formulações doravante válidas de modo ilimitado. Essas formulações valem apenas até 
a fase seguinte da entrada das massas, pois essas tendem em cada 
oportunidade superar o nível de sua ação anterior e, por isso as conclusões da 
elaboração teórica precedente. 
 
 
Se todos os homens são intelectuais, nem estão num mesmo plano. Para 
Gramsci, a intelectual deve ser diferenciada em graus e sentido, a 
função de organização da hegemonia fábrica moderna comporta graus diversos, 
funções masificadas. 
 
 
Os intelectuais modernos, como assinalados anteriormente, são os que dominam 
em função do desenvolvimento da indústria e das forças produtivas Qual a função 
específica dos intelectuais no processo produtivo? 
 
 
O proprietário dos meios de produção (associados e acionistas), ou 
seja, o "estado-mal indústria, não deixa de desempenhar funções atuais. 
 
 
Esse conjunto de atividades intelectuais do do-maior" da empresa 
geralmente não é exercício ele, mas pelos seus agentes, os "intelectuais 
organização da burguesia. Como assinala Piotte ( 1975 : 25 ) 
 
 
"a função do capitalista e a função do intelectual podendo estar 
unidas no mesmo indivíduo, as funções distintas: o capitalista é o 
proprietário dos meios de produção e açambarcador da mais-valia, o intelectual 
 
 
 
 
29 
 
é o organizador, aos níveis econômico, social, cultural e político, da 
direção e da dominação nesta classe sobre o conjunto da sociedade'. 
 
 
E quais seriam esses intelectuais que a burguesia cria ao se criar e 
desenvolver enquanto classe, e que comandam a produção em nome do 
capital? Quais seriam esses intelectuais que a burguesia "compra", 
normalmente com altos salários, para administrar e controlar o aparelho 
de produção? 
 
 
Em primeiro lugar, a empresa moderna conta com os intelectuais 
encarregados da concepção e organização do processo de trabalho em sua 
base moderna. Esses intelectuais (com formação universitária completa, 
cursos de especialização, pós-graduação, etc.) passam a ter uma 
importância cada vez mais decisiva na empresa moderna, ao mesmo tempo que 
a revolução técnico-científica, baseada na utilização sistemática da 
ciência e da técnica para o mais rápido aumento de produção, 
produtividade e lucratividade, começa a ser implementada. Estamos nos 
referindo à "gerência científica", ou seja, aos intelectuais que não só 
concebem a divisão e organização do trabalho, mas que também estabelecem 
as formas de controle sobre o processo de trabalho, de acordo com os 
interesses do capital. 
 
Com a revolução técnico-científica, a partir das últimas décadas do 
século XIX, observa-se um crescimento enorme na escala de operações 
gerenciais, na medida em que não apenas as empresas aumentaram ;m tamanho 
e complexidade, mas, ao mesmo tempo, as funções empreendidas pela 
gerência foram ampliadas assustadoramente, ou seja, as funções de 
dirigir outras pessoas, organizar, decidir, controlar, etc. Essas 
 
30 
 
 funções agora são realizadas com instrumentos sofisticados: 
controle completo de todo o sal o trabalho; a pesquisa operacional; o 
uso de computadores; a "ciência" das relações humanas; os e as técnicas 
de organização do trabalho; a planificação, etc. O objetivo do capital, com 
isso, é a eficácia do processo de produção, diminuir mente o 
preço 
do trabalho e, ao mesmo tempo subordinar, de fato, os produtores diretos. Em 
poucas palavras: o capitalista e o "estado-maior" da empresa não produzem 
necessariamente todas essas inovações lógicas indispensáveis à 
acumulação ampliada tal. Ao contrário, compram dos "intelectuais o 
do 
capital (técnicos especializados e cientistas) essa "mercadoria". 
 
 
 Nos vastos complexos industriais modernos, a gerência científica", usando 
das inovações tecnológicas anteriormente referidas, exerce a coordenação 
e subordinação através de dois mecanismos básicos: o é aquele que permite 
controlar as diversas processo de trabalho, é a pirâmide hierárquica, 
a delegação dos poderes e de responsabilidades, com mecanismos financeiros 
ou de controle para garantir a subordinação; o segundo consiste em reduzir a 
importância das decisões individuais, de tornar cada vez mais automático o 
funcionamento do sistema, predeterminando-o do alto, padronizando as fases 
do processo, mando cada fase em papel objetivo, nitidamente separado dos 
outros (II Manifesto, Gorz, 1980: 176) . Estamos, como vemos, muito longe da 
empresa onde era possível ao trabalhador conceber o produzir e 
vender. 
 
31 
 
 No topo da hierarquia da empresa encontram-se também os 
"intelectuais orgânicos" do capital, encarregados da administração, 
dos serviços de escritório. Esses intelectuais cuidam basicamente da 
contabilidade da empresa, dos serviços comerciais e dos serviços gerais 
(compra de material, limpeza, segurança, etc.). O pessoal 
envolvido com esse setor está completamente separado da produção 
direta e em seu meio observa-se a mesma alienação do trabalho que 
ocorre no aparelho produtivo: divisão e parcelamento das tarefas, 
separação entre concepção e execução, etc. 
Em segundo lugar, na estrutura hierárquica da empresa moderna encontram- 
se os intelectuais "intermediários", ou seja, os supervisores, técnicos 
de nível médio, contramestres, etc. Em geral, a formação superior .não é 
exigida desses intelectuais, ainda que, em razão da oferta e demanda, 
técnicos de nível superior possam exercer essas funções. O papel desses 
intelectuais "intermediários" é subalterno em relação à "gerência 
científica" (que, por sua vez, é subalterna em relação ao "estado-maior" 
da empresa), na formação da vontade coletiva do corpo de trabalho. Esses 
intelectuais, em verdade, fazem a mediação entre capital e trabalho, 
entre os escalões superiores e os trabalhadores diretos. O papel desses 
intelectuais "intermediários" 
é o de fiscalizar, verificar o cumprimento das normas ï técnicas e de 
rendimento e observar se o plano de 
produção estabelecido está sendo cumprido. Observa-se, 
com isso, que a "gerência científica" desempenha uma ' função intelectual 
mais importante, para o capital, do 
que os intelectuais "intermediários", ainda que a presença destes seja indispensável 
para o controle dos trabalhadores 
diretos e a acumulação do capital. O espaço 
 
32 
 
de competência técnico-política dos intelecto mediáreis" refere-se tanto 
à coerção quanto a do consenso dos trabalhadores diretos. Cabe a eles encontrar, 
de um lado, mecanismos de vigiar disciplinar a força de trabalho e, de 
outro, bons trabalhadores", convencê-los de, que a empresa é uma 
"comunidade", que os interesses são os mecanismos, enfim, que todos fazem parte de 
uma família". Assim, a função dos intelectuais "intermediários" é garantir que 
o trabalho concebido pela científica" seja executado da forma em que foi 
concebido.Tal função exige dos "intermediários" a em duas linhas básicas: em 
primeiro lugar, o do processo técnico de trabalho, de forma execução se 
faça na forma e no ritmo preestabelecidos em segundo, a garantia da adesão do 
trabalhador às condições de trabalho impostas. 
E a base da pirâmide hierárquica da e de acordo com Kuenzer ( 1985: 
47), na base da pirâmide hierárquica da empresa encontra-se uma 
 
"imensa massa de operários desqualificados, que minam mais que o 
conhecimento relativo à sua tarefa parcial e esvaziada de significado pela 
simplificação do processo produtivo, cuja função é a eterna geração de mais-valía". 
A mesma autora prossegue dizendo que para os trabalhadores de execução está 
reservado 
"um ensino prático e parcial de uma tarefa fragmentada, ministrado no 
próprio trabalho ou em instituições especializadas de formação profissional. Este 
aprendizado pelo seu próprio caráter fragmentário, não possibilita ao trabalhador 
a elaboração científica de sua reproduzindo as condições de sua dominação pela ciência 
a serviço do capital" ( 1985: 48 ). 
 
 
33 
 
Como vemos, a qualificação dos que concebem e planejam o 
processo de trabalho ("gerência científica") e daqueles que 
examinam se tal processo está sendo cumprido (intelectuais 
"intermediários") tem sua contrapartida na desqualificação da 
maioria da força de trabalho e, consequentemente, na 
 sua alienação e opressão. 
 
Essa situação aponta para a necessidade de os trabalhadores elaborarem seus próprios 
"intelectuais orgânicos" para desenvolverem, de forma 
consciente e eficaz, a luta de classes no interior da empresa capitalista moderna. 
Os "intelectuais orgânicos" dos trabalhadores devem formar um "bloco" com 
o coletivo a dos trabalhadores, condição necessária para lutar contra a 
exploração e a opressão que o capitalismo impõe. Essa é uma condição 
necessária 
também para que os trabalhadores criem novas relações sociais e de trabalho 
e, portanto, uma sociedade socialista. Os trabalhadores, assim, podem e devem 
 
 
"produzir os intelectuais ao nível hegemônico, dado que são uma classe que, 
pelo lugar que ocupa no modo de produção capitalista, pode aspirar, de maneira 
realista, à direção da sociedade" (Piotte, 1975:17). 
 
Os "intelectuais orgânicos" das classes trabalhadoras têm por função "suscitar, 
entre os membros da classe à qual estão organicamente ligados, uma tomada de 
consciência da sua comunidade de interesses, provocar no 
interior 
dessa classe uma concepção de mundo hegemônica e autônoma" (Piotte, 1975: 18). 
 
As condições históricas para essa tomada de consciência estão dadas há muito tempo. 
A propriedade privada dos meios de produção; a experiência da 
desqualificação 
 
 
 
 
34 
 
do trabalho; o desemprego permanente alienação do trabalho; a distribuição criteriosa 
de no interior da empresa moderna; a ausência de democracia real no 
aparelho de produção, etc. são condições suficientes para aqueles que produzem a 
social procurarem reverter essa situação. A superação dessa situação imposta pelo 
capital, no entanto, começa na fábrica, mas não se encerra nela. A 
perspectiva possível de os trabalhadores dirigem o aparelho de 
produção e a sociedade inteira implica necessariamente sua organização ao nível da 
empresa e da sociedade como um todo: comissões de fábrica, sindicatos e 
partidos. Esse processo de organização da classe trabalhadora implica todo um 
trabalho 
de difusão de idéias, apropriação dos princípios da técnica e da ciência, 
domínio completo do conteúdo do trabalho, controle do processo de trabalho 
e dos meios de produção e assim por diante. 
 
 
35 
 
 
 
CAPÍTULO 02 
 
SOCIALISMO E TRABALHO 
 
 
 
O processo de alienação do trabalho descrito até aqui não é um privilégio 
do capitalismo. Em verdade, um processo quase idêntico encontra-se em 
curso há muito tempo naqueles países que se fazem passar por 
"socialistas". 
Não entraremos aqui nas razões "objetivas" que levaram o "socialismo 
histórico" a se identificar cada vez mais com o capitalismo. Interessados apenas 
discutir as relações de trabalho e o quanto estas nada têm a 
ver com os interesses e a autonomia dos trabalhadores e muito menos com o 
socialismo. 
No que se refere â natureza das relações de produção e à organização do 
trabalho, principalmente na fábrica, existe uma identidade quase total 
entre os países capitalistas e aqueles denominados "socialistas" 
com a diferença de que as fábricas destes não conseguem a mesma 
eficiência e produtividade alcançadas por aquelas. Em ambas, no entanto, 
são utilizadas normas semelhantes de trabalho, as mesmas técnicas desumanizantes e 
opressoras, a mesma disciplina de ferro, a mesma hierarquia 
militar, com vistas a obrigar o trabalhador a trabalhar. Ambas tendem a 
"educar" os 
 
 
36 
 
trabalhadores na convicção de que eles não poderiam por si mesmos, gerir a 
empresa e a sociedade, na medida em que para esta tarefa existe uma categoria 
especial de homens dotados da capacidade específica de dirigir, planejar e pensar. 
As conseqüências disso são conhecidas: expropriação dos trabalhadores da em 
todos os níveis e manutenção da opressão exploração. 
 
As relações de trabalho no "socialismo histórico serão discutidas tendo como 
referência concreta a Soviética. O chamado "socialismo 
histórico não forma uma realidade histórico-social hom Ao 
contrário, os ritmos de desenvolvimento são os quais o avanço 
científico-tecnológico e bélico apresenta disparidades; a relação das 
burocracias com o conjunto dos trabalhadores também não é a mesma; existem 
divergências ideológicas entre eles, e assim por dia fato de 
levarmos em conta essa diversidade não que a partir do estudo das 
relações de trabalho União Soviética, possamos fazer algumas inferências para todo 
o "bloco socialista". Com efeito, a Soviética é o país mais avançado do 
ponto de vista econômico, científico, tecnológico e militar desse . Com isso, consegue 
manter sob sua influência e dependência praticamente todos os demais países 
ditos socialistas". Em verdade, a União Soviética é uma e de "modelo" que 
os demais países procuram alcançar algum dia. 
 
A Revolução de Outubro foi a primeira revolução de caráter proletário vitoriosa em 
todo o mundo revolução apresentou conquistas indiscutíveis: permitiu que 
a Rússia evoluísse rapidamente de país capitalista atrasado a potência industrial; 
integrou os trabalhadores 
 
 
37 
 
 
do campo (que antes viviam em estado de semi- servidão) à sociedade 
industrial; elevou o nível de vida geral da população inscreveu a realização 
do pleno emprego como norma da planificação econômica erradicou o analfabetismo e 
elevou o nível cultural da população, etc. Essas conquistas, pelo menos em 
parte, também foram alcançadas por outros países "socialistas", tanto por aqueles 
onde os trabalhadores tomaram o poder pela via revolucionária' quanto por 
aqueles em que os tanques e as baionetas russas "implantaram"' o 
"socialismo", como é o caso dos países da Europa oriental. 
Essas conquistas, 
no entanto, devem ser vistas de um duplo ângulo: 
 
 
l. representam um avanço apenas em relação aos países capitalistas 
periféricos", "subdesenvolvidos", nos quais as classes dominantes 
não 
conseguiram sequer realizar a tarefas de uma revolução 
democrático-burguesa. Ao que parece, pequenos avanços têm sido suficientes para calar 
a 
boca da "esquerda"cínica a respeito da realidade do 
"socialismo 
histórico". A "esquerda", em verdade, não tem feito outra coisa a 
não ser justificar e defender esses países, esquecendo-se do 
essencial: o socialismo pode ser reduzido ao direito à 
alimentação, 
à educação e ao trabalho? O socialismo é compatível com a exploração e a 
opressão dos 
trabalhadores? O socialismo é possível à revelia da autogestão dos trabalhadores em 
todos os domínios da vida social? Ora, "esquecer" todas essas questões 
é 
esquecer do próprio conteúdo do socialismo, é mistificar a história e, mais 
do que isso, tornar-se cúmplice de um regime que não representa os 
interesses e as aspirações dos trabalhadores 
 
38 
 
2. de outro, e tendo em conta os países listas avançados, o "socialismo 
histórico" não conseguiu mostrar a sua superioridade como modo de produção . A 
produtividade da economia soviética, por exemplo extremamente baixa. Como 
assinala Castoriadis. 
 
"a produtividade média" da economia russa é consideravelmente 
inferior ao que habitualmente se supõe indústria, ela deve ser da ordem de um quinto 
 
produtividade americana (que não é atualmente elevada 
que a dos países avançados da Europa ocidental") 
 
 
o que não permite satisfazer plenamente as necessidades básicas dos trabalhadores. 
Em contrapartida um setor em que os soviéticos têm se mostrado praticamente 
imbatíveis: o militar. Nesse setor não há ineficiência ou incompetência. O 
crescimento desmesurado desse setor (20 milhões de pessoas envolvidas 
 sem contar o pessoal militar propriamente dito) Castoriadis a dizer 
que não existe uma Rússia, mas duas. Diz ele: 
 
"não há uma economia e uma produção russas , mas duas. Há a produção, a 
economia, a vida da civil e a produção, a economia, 
a vida da Rússia militar " ( 1982: 22-3, v. 1 ). 
 
Entre essas duas Rússia existe uma "separação relativa", mas a importância 
atribuída ao setor é infinitamente superior. Na prática, 
o 
setor fica com 
 
 
"a nata da produção anual de engenheiros, 
cientistas etc., e a nata da mão-de-obra especializada. Essas pessoas 
trabalham nas empresas fechadas 
(conhecidas na Rússia como caixas ), onde obtêm salários 
substancialmente mais elevados e, o que é mais importante 
 
39 
 
benefícios não-monetaríos - em troca. da desistência do 
único 
direito do operário russo: mudar de local de trabalho 
(Castoriadís,1985: 19-20). 
 
 
O crescimento militar da União Soviética está totalmente de acordo com os rumos que 
tomou a Revolução de Outubro, desde os seus primeiros momentos. 
Esse 
país já desistiu há muito de construir o socialismo, pois isso implicaria 
uma subversão total da sociedade instituída há décadas. Só lhe resta o 
expansionismo e, nesse sentido, sua prática não difere da de outros países 
imperialistas: domínio, pela força, de outros países; campeã do status 
quo; esmagamento de todas as revoluções proletárias que possam fugir ao seu 
controle, etc. 
 
 
A Revolução Russa e os "socialismo satélites" estancaram e não conseguiram apontar 
caminhos para a construção do socialismo. O espancamento do "socialismo histórico" 
consistiu precisamente no retrocesso da participação dos trabalhadores na direção 
das transformações econômicas, sociais e políticas. A participação nas decisões 
(da fábrica ao planejamento central) passou rapidamente às mãos da burocracia estatal 
e do partido único, cada vez mais distanciados da base social que pretendiam 
representar. A denominada marcha para o socialismo 
não passa de marcha-à-ré. De fato, no "socialismo histórico" (da União 
Soviética a Cuba) não há socialismo e tampouco transição para o 
socialismo. Não há socialismo porque, como assinala Castoriadis (1985a: 
94), 
 
 
"o socialismo ( . . . ) é a organização consciente, pelos próprios homens, de suas 
vidas em todos os domínios; que, por conseguinte, ele significa a gestão da produção 
pelos produtores, tanto na escala da empresa quanto na da economia, que ele implica 
a supressão de todo aparelho de direção separado da sociedade; que ele deve 
 
 
40 
 
envolver uma modificação profunda da tecnologia próprio conteúdo do trabalho 
enquanto atividade primordial dos homens e, ao mesmo tempo, uma modificação radical 
de todos os valores para os quais implícita ou explicitamente, está orientada 
a sociedade. 
 
 
A partir dessas considerações mais fato se impõe: a estilização dos meios 
de a planificação central da economia não garantem automaticamente a supressão da 
exploração, do trabalho e tampouco a construção de uma sociedade socialista. 
Essas medidas provocam, e a supressão da propriedade privada, o desaparecimento 
das antigas classes. dominantes, o fim da do mercado, mas não resolvem o problema 
quem dirigirá a produção? Quem controlará o poder político? 
 
A Revolução Russa de 1917 é o exemplo mais significativo de como os trabalhadores 
podem gerir, por si mesmos, a produção. Através de suas lutas 
trabalhadores se conscientizaram rapidamente que poderiam administrar 
a produção e criar novas formas de organização do trabalho. 
 
No início da implantação da nova ordem social, a administração da produção 
se deu basicamente através do desenvolvimento dos comitês de fábrica. O período de 
autogestão operária da produção, no entanto, foi curto. Logo em seguida a burocracia 
toma o seu lugar e, com isso, a autonomia dos trabalhadores no controle da produção 
desaparece da cena histórica. Com efeito rapidamente os comitês de fábrica passam 
ao controle de instâncias superiores. O controle operário da produção, assim, deixa 
de ser realizado pelos dores e passa a ser puro controle do partido 
e do Estado 
 
 
41 
 
soviéticos. Como assinala Bettelheim ( 1979: 137) 
 
"os comitês de fábrica, assim, perdem sua autonomia, deixam de dispor de 
verdadeiros poderes, integram-se no controle operário central ( . . . ). 
Os comitês de fábrica tornam-se, como diz Lênin, responsáveis perante o 
Estado pela `manutenção estrita da ordem, disciplina e proteção dos bens". 
 
A introdução dessas relações desiguais faz com que a burocracia estatal e o 
partido substituam os trabalhadores na direção dos seus trabalhos e nas suas lutas. 
 
Esse processo de degenerescência do socialismo começa a ocorrer logo nos 
primeiros anos pós-Revolução de Outubro. Castoriadis diz que, 
 
"já em 1919, a gestão da produção e da economia estava nas mãos dos 
especialistas; e a gestão da vida política, nas mãos dos 
especialistas 
da 
política revolucionária, isto é, do Partido"( 1983 : 
167-8 ) . 
 
A produção passa a ser organizada "de cima para baixo", segundo métodos do 
"capitalismo de Estado" e o processo leva ao aumento do poder dos "dirigentes 
da 
indústria, do planejamento central e da política, independentemente da 
vontade dos trabalhadores. O poder econômico e 
político passa às 
mãos de uma maioria, o que gera relações de exploração semelhança 
àquelas existentes no capitalismo. Cristaliza-se, assim, o que se buscava eliminar, 
ou seja, a exploração, a divisão entre concepção e execução, entre trabalho manual 
e trabalho intelectual, entre o fazer e o pensar. Nas palavras de Bettelheim 
(1979: 50, v. 1),"as fábricas são dirigidas por executivos que 
mantêm com 
seus operários algumas relações de chefia e que somente são 
responsáveis perante seus superiores. As 
empresas 
agrícolas são dirigidas em condições praticamente 
semelhantes. De um modo geral, os produtores 
 
 
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diretos não tem direito de opinar, exceto quando se lhes pede que aprovem 
ritualisticamente as decisões ou as 'proposições' elaboradas nas esferas 
superiores do Estado e do Partido. ( . . . ) as normas de gestão das empresas soviéticas 
baseiam-se, de forma crescente, na dos países 
capitalistas avançados, e numerosos managers soviéticos vão se graduar 
em escolas de administração de empresa (as business schools) dos Estados 
Unidos e do Japão". 
 
As conseqüências desastrosas desse processo não tardam a aparecer: a 
volta da hierarquia nas fábricas; o planejamento do trabalho restrito a 
um reduzido número de especialistas; e, finalmente, os trabalhadores 
realizando o que a cúpula dirigente define como sendo os objetivos da 
empresa. De acordo com Tragtenberg (1986: 34), "já em 1920, das 2.051 
empresas importantes, 1.783 estavam sob a direção de um administrador 
nomeado pelo Estado". 
 
O suporte teórico para tal direitização das relações de trabalho também 
foi buscado no capitalismo, num dos principais instrumentos de alienação 
do trabalho desse regime, ou seja, no taylorismo. 
 
O taylorismo é introduzido no processo produtivo russo pelo próprio 
Lênin. A diferença em relação ao capitalismo é que na Rússia o taylorismo 
é introduzido numa organização do trabalho baseada na propriedade estatal 
dos meios de produção. Os seus efeitos brutalizantes e desumanizantes 
para os trabalhadores, como veremos em seguida, são os mesmos observados 
no capitalismo. Lênin tem uma atitude crítica e, ao mesmo tempo, de 
admiração em relação ao taylorismo. Sua definição do taylorismo é a 
seguinte: 
 
"uma combinação da brutalidade sutil da exploração capitalista e de um 
número de consideráveis realizações científicas no campo da análise dos 
movimentos mímicos durante o trabalho, da eliminação de movimentos 
 
43 
 
 
supérfluos e desajeitados, da elaboração de métodos corretos de trabalho, 
etc." (Lênin, in Castoriadis, 1983: 168 ). 
Lênin, portanto, não nega o aspecto desumanizante do taylorismo, mas o 
que prevalece em seu pensamento são as vantagens do mesmo: 
"devemos levantar a questão da aplicação de muitas coisas que são 
progressivas e científicas no sistema Taylor ( . . . ) a revolução exige 
que as massas obedeçam sem discussão à vontade única dos chefes do 
processo de trabalho (... ); devemos aprender a combinar a democracia de 
reunião das massas trabalhadoras com uma disciplina de ferro durante o 
trabalho, com a obediência sem discussão à vontade de uma só pessoa, o 
líder soviético, durante o trabalho" (Lênin, in Castoriadis,"I983: 168). 
As vantagens do taylorismo para Lênin decorrem basicamente dos seguintes 
pontos: 
l. a possibilidade de os trabalhadores dominarem a técnica, a ciência do 
trabalho e o processo de produção e, ao mesmo tempo, trabalharem de 
maneira mais racional e, portanto, mais eficaz; 
2. a possibilidade de os trabalhadores reduzirem a jornada de trabalho, 
através do aumento da produtividade; 
3. por fim, a possibilidade de incorporação de uma enorme massa de 
trabalhadores não-qualíficados ao processo produtivo, já que os 
trabalhadores qualificados, em sua maioria, tinham sido mortos durante a 
revolução e a guerra civil. 
O que se pode depreender dessas colocações de Lênin é uma espécie de 
"aposta" nos benefícios do taylorismo numa economia estatizada. É como se 
o taylorismo, numa economia estatizada, pudesse ter efeitos contrários 
àqueles gerados no capitalismo. Em ver 
 
 
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essa esperança não passa de ilusão, na medida em que o cerne do 
taylorismo é a alienação, a desqualificação do trabalhador, a separação 
entre o pensamento e a ação. Nas palavras de Bettelheim, 
"as tentativas de 'transformação' do sistema Taylor em um sistema 
'soviético' fracassaram. Aparentemente, este fracasso se deve às formas 
da disciplina de trabalho existentes e ao papel do diretor único e dos 
especialistas que conservaram a direção do processo de produção e de sua 
organização. Mais profundamente este fracasso se explica pela natureza do 
'taylorismo', que 'codifica' a separação do trabalho intelectual (em 
conformidade com as tendências do modo de produção capitalista) e não 
está, portanto, em condições de suprimir esta separação, pois isso 
implicaria a~ iniciativa coletiva na transformação contínua do processo 
de produção, e não somente a `apropriação' de um `saber' construído na 
base da separação prévia do trabalho manual e do trabalho intelectual" 
(Bettelheim, 1983: 236, v. II). 
O processo de introdução do taylorismo na Rússia entra em choque com a 
auto-organização dos trabalhadores e a democratização das relações de 
trabalho no interior das empresas. O aniquilamento de qualquer 
perspectiva de construção do socialismo é sempre justificado por razões 
"objetivas": reconstrução das forças produtivas destruídas :pela 
revolução e pela guerra civil; recuperação econômica do país; defesa da 
nova ordem social, etc. O próprio Lênin, no entanto reconhece 
, nessas medidas 
" um desvio em relação aos princípios da Comuna de. Paris (. . . ), não 
só uma suspensão - num certo campo e numa certa medida - da ofensiva 
contra o capital ( . . . ), mas também um passo atrás de nosso poder 
estatal socialista' (Lênin, in Finzi, 1986: 149-50). 
Concretamente, com essas palavras, Lênin abandona a luta pela construção 
do socialismo, em nome 
 
 
45 
 
 
de uma "transição" do capitalismo ao socialismo. O que significa um passo 
atrás? De um lado, retomar o processo de acumulação e exploração do 
trabalhador nos moldes capitalistas. o que Lênin chama de suspensão da 
ofensiva contra o capital. De outro, significa desistir de construir o 
socialismo. A União Soviética, em verdade, não deu um passo atraís, mas 
sempre caminhou para trás, de costas para o socialismo e para os trabalhadores. 
O autoritarismo, o abandono do socialismo e á brutalização do trabalho 
era um processo que já estava em curso na Rússia antes da chegada dos 
métodos e dos princípios tayloristas. O taylorismo, nesse sentido, não 
era de maneira alguma incompatível com o pensamento dos principais 
líderes da Revolução de Outubro, particularmente Lênin e Trotski. 
Em 1920, por exemplo, Trotski vai mais além e propõe a "militarização" 
dos sindicatos e do trabalho. Nisso realmente Taylor não pensou, e os 
"méritos" dessas idéias cabem exclusivamente a Trotski que, no fundo, 
confunde as atividades sindicais e a organização do trabalho na fábrica 
com a organização e a disciplina do Exército Vermelho. 
São da pena de Trotski os pensamentos que seguem: "Os operários devem 
estar ligados a seu emprego, sujeitos a serem transferidos; é necessário 
dizer-lhes o que devem fazer". Trotski luta também contra a deserção do 
trabalho: "particularmente, publicando listas negras dos desertores do 
trabalho" é, finalmente, "encerrando-os em campos de concentração" 
(Trotskï, in Bettelheim, 1979: 351, v. I). Com relação à militarização do 
trabalho, Trotski afirma que esta 
"é impensável sem a militarização dos sindicatos como tais, sem o 
estabelecimento de um regime no qual cada 
 
 
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trabalhador se considere um soldado do trabalho que não pode dispor 
livremente de si mesmo" (Trotski, in Bettelheim, 1979: 351, v. 1 ). 
O que move o pensamento do teórico da "revolução permanente" é a 
convicção de que o partido tem sempre o direito de afirmarsua ditadura, 
mesmo que esta possa entrar em conflito temporário com os "homens 
instáveis da democracia operária". É como se os princípios de auto-organização dos 
trabalhadores não passassem de um fetiche, como se os 
trabalhadores não tivessem o direito à democracia no plano social e no da 
empresa, de elegerem livremente os seus representantes, etc., 
independentemente dos "humores instáveis" do próprio partido e de seus 
líderes. 
A idéia básica do pensamento de Trotski, e também do de Lênin, é a do 
partido infalível, idêntico e superior ao conjunto dos trabalhadores. O 
partido é uma espécie de "demiurgo" colocado acima da luta de classes, de 
"fora" da história e, portanto, das condições sociais. Essa idéia 
metafísica de partido cria a ilusão de que nunca erra e, dessa forma, 
sendo "iluminado", pode exercer as funções de controle e coerção dos trabalhadores, 
sempre para o bem destes. Os interesses e aspirações dos 
trabalhadores são hipostasiados no partido e no Estado, ou seja, 
entidades desvinculadas dos interesses individuais e coletivos dos 
trabalhadores. Os trabalhadores, com isso, estão excluídos de qualquer 
processo decisório e, portanto, nenhum controle social efetivo se exerce 
de "baixo para cima". Elimina-se, dessa maneira, a dialética partido- 
trabalhadores é o enriquecimento recíproco de ambos. Mais do que isso: 
justifica-se a concepção de revolução "de cima ara baixo" (sob a 
iniciativa e liderança do partido e do Estado). 
 
 
47 
 
A crença na infalibilidade do partido é que dá a Trotski a certeza de 
propor a "militarização" do trabalho e dos sindicatos. É a mesma crença 
de Lênin quando propõe uma "disciplina de ferro" no interior das em- 
presas. Não se trata aqui de negar a importância da disciplina no 
trabalho, mas sim de mostrar que as colocações dos referidos autores 
sobre essa questão nada têm a ver com o socialismo. Com efeito, o 
problema da disciplina no trabalho não pode ser algo puramente exterior 
e, nesse sentido, não pode ser confundido com a militarização, com a 
disciplina de ferro, com a obediência cega aos superiores. Essa forma de 
regular as relações de trabalho, imposta "do alto", como queriam os mais 
brilhantes teóricos da Revolução Russa, é incompatível com o socialismo. 
Isto porque a disciplina no trabalho não pode ser outra coisa que a 
disciplina livremente estabelecida, a disciplina imposta pelo conjunto 
dos trabalhadores a seus membros nos locais de trabalho, e jamais algo 
imposto de fora, seja pelo partido, pelo Estado ou pelos gerentes das 
empresas. 
Com a morte de Lênin em 1924, Stalin assume o poder. Expulsa Trotski do 
país e, posteriormente, manda assassiná-lo no México. Além disso, liquida 
com todos os "inimigos" do regime, ou seja, os revolucionários de 
Outubro. 
Com a ditadura stalinista ganha força e se consolida o culto da 
eficiência, da produtividade e da disciplina no trabalho. O culto do 
ideário taylorista passa a conviver com o "culto da personalidade" do 
ditador. 
De acordo com Rago & Moreira (1986: 93), 
"a rápida industrialização propugnada pelo primeiro plano qüinqüenal 
(1928/1932) reforçou ainda mais a organização despótica do processo no 
conjunto das indústrias".. 
 
 
48 
 
Esse período não mostra mais uma resistência aberta dos trabalhadores 
ante as condições autoritárias em que o trabalho devia ser realizado 
mas sim uma resistência "passiva" no interior das fábricas. Esse fato, 
como assinalam Rago & Moreira ( 1 986: 93 ), 
"levou o Estado a lançar mão de medidas disciplinares severas. Um decreto 
governamental de 1932 expulsava dos alojamentos operários culpados de 
absenteísmo e os privava dos cupons de abastecimento. Uma outra forma de 
resistência era a alta rotatividade dos operários, chegando no ano de 
1935 a 86,1% o número de trabalhadores que mudaram de emprego no setor 
industrial. Outro decreto impunha a redução dos salários e o rebaixamento 
de cargos para os operários que danificassem as máquinas". 
Em 1936 é desencadeado na União Soviética o movimento stakhanovista, com 
o objetivo de incentivar o aumento da produtividade do trabalho. O nome 
do movimento vem de Alexei Stakhanov, que consegue cavar 102 toneladas de 
carvão em seis horas. Esse feito de Stakhanov é elogiado inclusive pelo 
Provada, que o qualifica de "operário-modelo". Com isso, tem início 
"um movimento de propaganda da excelência no trabalho, preocupado com a 
generalização das formas mais produtivas. A figura do operário-padrão, 
representada por Stakhanov, era elevada pelo discurso do partido à condição de um 
novo tipo de trabalhador, o trabalhador soviético autêntico, 
leia-se submisso e produtivo, e cujo exemplo deveria ser imitado em todo 
o país" (Rago & Moreira, 1986: 94). 
A reação da maioria dos trabalhadores veio logo em seguida, na medida em 
que os parâmetros tomados de Stakhanov não poderiam ser generalizados 
para o conjunto dos trabalhadores. Assim, 
"os casos de sabotagem das normas e de abandono das fábricas avolumam-se 
no período. Afinal, durante o verão de 1936, de 9,5% a 22% (dependendo da 
fábrica) 
 
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da força de trabalho empregada na construção de máquinas eram incapazes 
de executar as normas impostas (Rago & Moreira, t986: 94). 
Desses períodos até os dias atuais, as relações de trabalho na União 
Soviética não têm caminhado no rumo do socialismo. Ao contrário, têm se 
identificado cada vez mais com as existentes no capitalismo. um engano 
imaginar que com o processo de "desestalinização", a partir do XX 
Congresso do Partido Comunista, alguma coisa tenha se alterado. Afinal, a 
"desestalinização" foi realizada pelos próprios stalinistas e não pelos 
trabalhadores. 
Aparentemente, no que se refere às relações de trabalho, parece que o 
único país do "bloco socialista" que não se encaixa no "modelo" analisado 
é a Iugoslávia. De fato, as experiências de autogestão operária aí têm 
sido cantadas em prosa e verso no Ocidente. A bibliografia crítica sobre 
a "autogestão das empresas", no entanto, tem mostrado que a mesma não 
passa de uma mistificação, na medida em que é limitada, formal e não 
elimina a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual. Na Iugoslávia, 
a "autogestão das empresas" existe independente da autogestão dos trabalhadores nos 
rumos da economia, do aparelho político e do poder do Estado. 
Tragtenberg, referindo-se à Iugoslávia, diz que "o Estado limita a 
autogestão operária na fábrica a aspectos secundários, enfatizando 
especialmente a produtividade, e a Liga Comunista da Iugoslávia, partido 
único, exerce o poder sobre os aspectos mais significativos da vida 
social e econômica do país e, logicamente, sobre o que ocorre no interior 
das unidades fabris" (Tragtenberg, 1986: 49). 
Por outro lado, e de acordo com o mesmo autor, "pesquisas recentes têm 
demonstrado a participação cada 
 
 
 
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vez maior dos chamados 'quadros técnicos' nos órgãos de autogestão em 
detrimento do trabalhador de linha". 
A "gestão operária" iugoslava, na medida em que não se dá em todos os 
níveis da vida social, não passa de uma farsa orquestrada pelo partido e 
pelo Estado. De outro lado, o crescimento dos "quadros técnicos" indica o 
fortalecimento de uma categoria de dirigentes separada dos trabalhadores 
diretos, e não a sua supressão, como condição necessária para o 
estabelecimento do socialismo. 
O "socialismo existente", portanto, sem nenhuma exceção, é a negação da 
autonomia dos trabalhadores, pois não permite que estes dirijam e 
organizem conscientemente suas vidas. Nesse aspecto (como em muitos 
outros) iguala-se às práticas do capitalismo, na medida em que ambos 
suprimem ao máximo as faculdades criativas e de auto-organização dos 
trabalhadores. 
Historicamente, os trabalhadores desses países têm dado provas de que não

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