Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Título: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL E CONTRATO PRELIMINAR Ementário de temas: Responsabilidade civil pré-contratual - Contrato Preliminar Leitura obrigatória: AZEVEDO, Antonio Junqueira de. “Responsabilidade Pré-Contratual no Código de Defesa do Consumidor: Estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum”, in Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 173/183. Leituras complementares: LOBO, Carlos Augusto da Silveira. “Contrato Preliminar”, in Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin (org). O Direito e o Tempo. Rio de Janeiro: Renovar, 2009; pp. 313/324. Os negócios jurídicos, em geral, são precedidos por uma fase de entendimentos, de negociações, comumente denominada de “tratativas”. Nessa fase do contrato que ainda há de nascer as eventuais partes de uma futura relação contratual discutem como melhor compor os seus interesses para a formação do contrato. A negociação de um contrato é objeto de estudos que ultrapassam o universo estritamente jurídico e alcançam a seara das técnicas e estratégias de negociação, amplamente difundidas através de diversas publicações e cursos especializados. Pode ocorrer, todavia, que as negociações não cheguem ao estágio de formação do contrato. É natural que alguma eventualidade ocorra e que uma das partes tenha que abandonar as tratativas. Contudo, existem hipóteses em que a própria fase pré-contratual gera para as então futuras partes de um contrato uma vinculação capaz de gerar danos caso seja rompida de forma injustificada. O rompimento injustificado de negociações é apenas uma das hipóteses da chamada responsabilidade pré-contratual. Note-se que nesse momento ainda não existe contrato e que o vínculo existente entre as partes não se baseia na reciprocidade de obrigações devidamente contratadas, mas sim na tutela de um bem cada vez mais relevante para a prática contratual no direito brasileiro: a confiança. Responsabilidade pré-contratual A responsabilidade pré-contratual, ou culpa in contrahendo, se distancia das duas espécies tradicionais de responsabilização uma vez que não pode ser enquadrada como responsabilidade contratual, pois que contrato ainda não existe, e nem mesmo figurar como responsabilidade extra-contratual pois existe um vínculo prévio entre as partes que a diferencia da situação peculiarmente encontrada na chamada responsabilidade aquiliana (extra- contratual). Nesse terceiro gênero de responsabilização, portanto, pode-se encontrar uma interação voltada para a formação de um futuro contrato. Esse vínculo específico caracteriza a responsabilidade pré-contratual. Esse vínculo impõe aos indivíduos o dever de não frustrar as expectativas legitimamente criadas pelos seus próprios atos. A partir desse entendimento surgirá a tutela da confiança aplicada à proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Claramente esse vínculo existente entre as partes surge de um imperativo da boa-fé objetiva, princípio da moderna teoria contratual, já estudado em aulas anteriores. É, portanto, a tutela da confiança o fundamento da responsabilidade pré-contratual. Especificamente no que diz respeito ao rompimento das tratativas, Regis Fichtner Pereira identifica quatro hipóteses características dessa forma de responsabilização: (i) quando ocorre a ruptura injustificada das tratativas; (ii) quando, no desenvolvimento das negociações, um dos interessados cause dano à pessoa ou ao patrimônio do outro; (iii) quando tenha ocorrido o estabelecimento de contrato nulo ou anulável e um dos interessados conhecia, ou deveria conhecer, o vício no negócio jurídico; (iv) quando, mesmo instaurada a relação jurídica contratual, das negociações preliminares tenham surgido eventuais danos a serem indenizados. Referência Bibliográfica: Regis Fichtner Pereira. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual – Teoria Geral e Responsabilidade pela Ruptura das Negociações Contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 102. Destaca-se que, mesmo sendo uma terceira forma de responsabilidade, apartada das tradicionais responsabilidades contratual e extra-contratual, a responsabilidade pré- contratual não prescinde da análise dos elementos comumente necessários para qualquer pleito de responsabilidade civil, ou seja, a conduta culposa de uma das partes da negociação, o dano causado e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Sendo a responsabilidade pré-contratual uma derivação do princípio da boa-fé objetiva (tutela da confiança) no direito brasileiro, torna-se imediata a conclusão de que as violações que geram esse tipo de responsabilidade são violações aos chamados deveres secundários (ou anexos), típicos da composição do princípio da boa-fé objetiva. Esses deveres acessórios são basicamente os quatro a seguir destacados: (i) dever de informação e esclarecimento; (ii) dever de cooperação e lealdade; (iii) deveres de proteção e cuidado; (iv) dever de segredo ou sigilo. O primeiro dever secundário (dever de informação e esclarecimento) tem por objetivo tornar as comunicações típicas da negociação claras e transparantes, tudo de forma a evitar que a parte contrária venha a incidir em erro na manifestação de sua vontade. O dever de cooperação e lealdade, por seu turno, impõe que as partes apenas permaneçam nas tratativas enquanto possuam um interesse sério e legítimo na formação de um futuro contrato, contando, ainda, com situação jurídica e econômica apta para o seu cumprimento. O dever de proteção e cuidado comanda às partes a observância de todas as precauções possíveis e razoáveis para que a parte contrária não venha a ser lesionada nas tratativas e no futuro contrato. O quarto e último dever secundário, ou seja, o dever de sigilo tem por escopo assegurar que as informações obtidas pelas partes durante as negociações sejam mantidas, salvo disposição em contrário, e de forma razoável, em regime de estrita confidencialidade, não sendo as mesmas utilizadas para fins outros que venham a ser estranhos à conclusão do contrato. Contrato Preliminar O contrato está celebrado e perfeito quando coincidem as vontades dos contratantes em um mesmo ponto e para a obtenção de certos efeitos. No entanto, até o momento da convergência das manifestações de vontades dos contratantes, decorrem uma série de momentos e atos preparatórios e sucessivos15 até se alcançar o perfeito consenso e formação do contrato com a aceitação da proposta. Referência Bibliográfica: PEREIRA DA SILVA, Caio Mário. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. É comum, todavia, que em razão do avanço das negociações, em que as partes acordem sobre objeto, que se ajuste um contrato em que se determina a celebração de outro contrato. A esse tipo contratual denomina-se contrato preliminar ou pactum de contrahendo. Por esse contrato as partes se obrigar a celebrar um futuro contrato chamado de contrato definitivo. Esse contrato é usualmente utilizado quando não se mostra conveniente às partes celebrar o contrato de forma definitiva, seja pela necessidade de algum fato futuro (liberação da carta de crédito junto à uma instituição financeira), seja porque o pagamento será realizado de modo parcelado. Para CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA é “aquele [contrato] por via do qual ambas as partes ou uma delas se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será contratoprincipal”. ORLANDO GOMES, por sua vez o define como a “convenção pela qual as partes criam em favor de uma delas, ou de cada qual, a faculdade de exigir a imediata eficácia de contrato que projetaram”. Ainda no mesmo sentido, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO o define como a “convenção provisória, contendo os requisitos do art. 104 do Código Civil e os elementos essenciais do contrato (res, pretium e consensum), tem por objeto concretizar um contrato futuro e definitivo, assegurando pelo começo de ajuste a possibilidade de ultimá-lo no tempo oportuno”. Referência Bibliográfica: MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de direito civil. Direito das obrigações 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2007. Podemos distinguir o contrato preliminar do principal, então, pois o objeto deste é uma prestação substancial, enquanto que o daquele é concluir outro contrato (obrigação de fazer). Os requisitos do contrato preliminar são aqueles inerentes à qualquer outro negócio jurídico, conforme preceitua o art. 104 do Código Civil: capacidade das partes, objeto, forma e declaração de vontade. No que diz respeito à capacidade das partes, é preciso que além da capacidade gnérica para a prática dos atos da vida civil (art. 3º e 4º), os contraentes tenham a capacidade específica para a celebração do contrato futuro, sob pena de inviabilizar a execução específica do contrato preliminar. Dessa forma, por exemplo, o leiloeiro jamais poderá prometer comprar os bens de cuja venda esteja encarregado (art. 497 do CC) . Quanto ao objeto, além da necessidade dele ser lícito, possível, determinado ou determinável, devem ser observadas as regras atinentes ao contrato principal. Sendo assim, na promessa de venda, por exemplo, é necessário que as partes acordem na coisa e no preço. No que concerne à forma, é preciso tecer alguns comentários. Antes do advento do Código Civil de 2002, discutia-se muito a necessidade do instrumento público quando o contrato ao qual se reportava o pactum de contrahendo assim o exigisse. Para alguns a forma do contrato preliminar deveria ser a mesma forma do definitivo, enquanto que para outros a forma era autônoma em relação à do contrato a ser celebrado. O Código Civil, entretanto, pôs fim à celeuma doutrinária e jurisprudencial em seu art. 462. Determina o artigo que o contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado. O dispositivo clarifica a problemática explicitando que o pré-contrato não está sujeito à forma do contrato definitivo. Podemos concluir, portanto, que ainda que o contrato definitivo exija forma pública, será válido o pré-contrato celebrado mediante instrumento particular. Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado . Cumpre ressaltar, por fim, que em tema de contrato preliminar, prevalece o princípio da liberdade da forma (art. 107 c/c 462 do CC). Nesse sentido, parece existir contradição entre o artigo em análise e o parágrafo único do art. 463. Esse último dispositivo determina que o contrato preliminar deve ser levado ao registro competente. Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive. Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente. A interpretação dos dispositivos, todavia, não suscita maiores dúvidas. O registro do contrato preliminar só deverá ser observado quando as partes tiverem interesse em levá-lo ao conhecimento de terceiros, como determina o art. 221 do Código Civil. Nesse sentido, é o enunciado 30 da I Jornada de Direito Civil. Enunciado 30 – A disposição do parágrafo único do art. 463 do novo Código Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros. O art. 463 do Código Civil prevê que, realizado o contrato preliminar sem que dele conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes poderá exigir a celebração do contrato definitivo. Para tanto deverá assinar prazo ao outro contraente, que será aquele previsto no contrato ou, em sua ausência, prazo razoável para o cumprimento do pactuado. Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive. E caso haja recusa de uma das partes? Nessa hipotése poderá o contratante, mediante requerimento ao juiz, exigir o cumprimento forçado do contrato preliminar. Em outras palavras o inadimplente é compelido a executar o contrato especificamente, determinando o juiz que o efeito do pré-contrato se produza, independentemente do seu consentimento. Ou seja, o juiz suprirá a vontade da parte que descumpriu o pactum de contrahendo e a sentença judicial equivalerá ao próprio contrato que era a pestação ajustada no preliminar. Essa é a solução aventada pelo Código Civil no seu art. 464 e que está em perfeita consonância com o princípio da execução específica das obrigações e do moderno processo civil (art. 461, 461-A, 639 e 641 do CPC). Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação. O dispositivo, no entanto admite uma exceção: quando, pela natureza da obrigação, for impossível conferir caráter definitivo ao contrato preliminar. O artigo em comento refere-se aos casos de obrigações personalíssimas ou intuitu personae em que o fato devido pelo devedor só poderá ser prestado pelo próprio. Nas hipóteses de obrigações infungíveis ou em que não haja mais interesse do credor na realização do contrato, a este só restará exigir perdas e danos, conforme informa o art. 465 do mesmo diploma legal. Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos. Registre-se, por oportuno, que esta solução é subsidiária, pois que a tutela específica das obrigações é a que melhor alcança o interesse do credor.
Compartilhar