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Trópico dos pecados (Capítulo 4)

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FAMIUA E ORDEM PATRIARCAL 
CONTROVI!RSIAS 
PATRIARCALISMO E MISOGINIA 
Em ma cosa cada um ; rú .. E com muito 
mnir mzáo podemos dizer que o marido tnn 
servidáo rm sua mulhtr, porque /he usa de todt, 
sua subrtáncin, honra t founda, e /he obedrct 
em htdo. 
)oáo de Barros. Espelho dos casados. 1540 
A naturezn humana ; uma mu/Jur possuú/a 
ptlo Diabo. 
Arnauld. Segunda apologia de Jansenius. 
Século XVIII 
O predominio da "familia patriarcal" na sociedadc brasilcira, desde o século XVI 
até pelo menos o final do XIX, tem sido alvo dos mais privilegiados por parte de 
nossa moderna critica historiográfica. Dirigindo-se especialmente a Gilberto Freyrc, 
mas também a chamada "hisroriografia tradicional". diversos estudiosos rcconrc-
menre dedicados a pesquisa ou a rellexáo sobre a familia no Brasil t~m rcssaltado 
a obsolesc~ncia do modelo patriarcal enquanro elemento de comprcensáo de nos-
so "passado familiar". Objeto essencial dessa critica é o suposto "esrcreótipo" da 
familia numerosa, composta nio só do núcleo conjuga! e de seus filhos, mas 
da vasta gama de criados, patentes, agregados e escravos, submetidos todos ao 
poder quase absoluto do chek da casa- a um só rempo. marido, pai e patriarca, 
verdadeiro dominus da casa-grande. 
"" 
. S, io Buarque de Holanda, para quem a 
l . é is extenSiva a erg 11 d. . A cr nca ' P0 ' d adapra~áo do ve 10 JreHo canónico 
, . . 1 b 'leira resulcou e urna , - , . 
fam1ha pamarca rasJ b, . longo de inúmeras gera<;oes, a reahdade 
'd Península 1 enea ao . . 1 
romano, mann ° na d'l d e "o círculo famd1ar e, com e e, a autori-
d lanrac;óes, 1 atan o-s , . " 
escravocrata as P . . "E , deo be m caracrenstJco , prossegue o au-
d d . d patrr fomzbas. sse nu . 
a e 1mensa 0 odelo da antigü•dade, em que a própria 
" do se comporta como seu m . 1 d , . . 
mr, em ru . d fi ¡ acha esrreiramente vmcu a a a 1dé1a de 
al família denvada e amu us, se . 
P avra ' filhos sáo apenas os membros hvrcs do vasto 
escravidáo, e em que mesmo os J "1 A '1 . . , 
b d. d patriarca ( ... ). na oga, e SUJelta a mesma carpo inteiramenre su or ma os ao b d . 
, . ' . - d e mília colonial presente na o ra e Caw Prado J r.: 
crmca, sena a concepc;ao e IJ . , 1 
. · 1 d , vidao ao poder senhonal e a popu osa casa-grande 
estreJtamente vmcu a a a escra ' . . . 
. 1 " la de vícios" em razáo das IIHIInJdades entre bran-
- vasta pe 0 auror como esco • . . 
cose escravos e dos desregramencos sexuais que ah tmham lugar. E~1bora rcprove, 
" d · , · " bien te imoral da casa-grande, em rudo diStante de urna a mo a Jesumca ' o am . - . . 
"virruosa" ordem familiar, é a família patriarcal que Caw Prado supoe ter ex1sndo 
em nosso passado, ao menos enrre os poucos que logravam se casar na sociedade 
colonial.' 
Masé sobretudo contra as idéias de Gilberto Freyre e, em menor escala, de 
AmOnio Cindido, que nossa moderna historiografia dirige sua crítica. Contra 
Freyre por ter confundido, na idealizas;ao que fez da casa-grande, a família senho-
rial nordestina -larifundiária e escravocrata- como conjunto múltiplo e dis~ 
tinto dos núcleos familiares de ourras camadas sociais e regióes e, ainda, por ter 
exagerado a autoridade marital e a submissao da mulher na sociedade colonial. 
Contra Antonio Cándido, por lhe ter seguido o modelo, ainda que com mais 
sistemática e nao poucas diferens;as. Trata-se de se u clássico ensaio de 1951, "The 
Brazilian Family", ande a família colonial nos é apresentada em termos de urna 
estrutura dupla: "um núcleo central, legalizado, composro do casal branco e seus 
filhos legítimos, e uma periferia nem sempre bem delineada, constituída de escra-
vos e agregados, índios, negros o u mestis;os, na qual esravam incluídas as concubinas 
~o ch_efe ~ seus filh~s ilegítimos", além da vasta gama de marginalizados que, 
pors;ao nao-famd•ar da sociedade, subsisria nas franjas da ordem patriarcal. E, a 
semelhans;a de Freyre, também Antonio Cándido acenruou a relativa inferiorida-
de da posis;ao feminina b · d . • · 
'su veru a ocasiOnalmence por adultérios, pela gerencia 
dos trabalhos na casa-grand 1 'b' 1 ' "1 
. _ e, pe a su Ita e eva~áo de herdeiras ou viúvas a Vltl 
cond•s;ao de mandantes-' 
Nossa recente historiogr fi · . d 1 · l . a la onenra sua diScordáncia com relas;áo ao mo e-
o patnarca a parur de dais ei l 
xos, nem sempre excludentes. Em primeiro ugar, 
117 
com base e m_ p~squisas sobre a estrurura populacional, familiar e domiciliária no 
passado b_rasJ!eJro: al~~ns autores tém aponrado, com razáo, a exisréncia de nu-
merosos tipos de fan11ha o u domicílio, em nada parec'd e '1' . 
. · " , . , 1 os coma Iam¡ 1a patnarcal 
e escravocrata descuta pelos classJcos . Eni de M S l 
. . . amara, por exemp o, aurora 
de um esrudo p10ne1ro nesse campo, verifico u que durante 0 século XIX somenre 
z6o!o dos domicílios de Sao Paulo apresenravam características da família "extensa 
ou patriarcal" .. ~ lra~i Del N ero Costa, por sua vez, consrarou que, no alvorecer do 
século XIX, V da R1ca centava com várias formas de domicílio, desde 05 "sin ula-
res" aos "múltiplos", incluindo es res últimos a coabita~áo de vários núcleos :ami-
liares. 5 E, resumindo esse ponro de vista e m crítica a Freyre e Cándido, Mariza 
Correa afirma que "a família patriarcal pode ter existido, e seu papel ter sido 
extremamente imponanre, apenas náo existiu soz.inha, nem comandou do aho da 
varan da da casa-grande o processo total da sociedad e brasileira" .r. 
Nesse sentido, discorda-se basicamenre da generaliz.a¡;áo da "família pa-
triarcal", exclusiva das elites agrárias, e acenrua-se, por outro lado, a relativa an-
rerioridade da "família nuclear", e m várias regióes, e m rela¡;áo ao processo de 
urbanizac;áo e as "transformac;óes burguesas" acorridas no Brasil a partir do final 
do século XIX. Reproduz-se, nessa crítica, náo raro intencionalmente, a perspec-
tiva de Peter Laslett e do chamado "grupo de Cambridge", que desde 1969 ques-
tionaram a domináncia da '1amília extensa" no passado euro pe u e verificaram que 
muito antes da Revoluc;:áo Industrial a família nuclear predominava em vastas 
regióes da Inglaterra e da Fran~a. 7 
O segundo eixo a que nos referimos consiste numa aproximac;áo, mais ou 
menos explícita, entre a crítica da família patriarcal e o quesdonamento da sujei-
c;áo da mulher ao poder masculino. Esboc;a-se, portanto, náo urna tendencia de 
negar ern absoluto a opressáo das mulheres na ColOnia, mas sim a de matiz.á-la, 
restringí-la a certas mulheres de elite enclausuradas pelos esposos, re~sahand~-se 
por ourro lado, as rebeldías e transgressóes femininas, a eventual ascen~.ao de m un~ 
mulheres ao governo doméstico e, sobrerudo, a relativa "liberdade em que va-
viam as mulheres nas camadas populares da sociedade.' 
. d d srram em face do modelo pa-0 ceric1smo que os estu os recentes emon 
triarcal, a descoberra de outros ripos de família que náo 0 da casa-grande, as 
d ,. mulheres desempenhavam em observa~óes sobre a variedade e papeiS que as h . 
'b . ~ . t para 0 avanc;o dos con eclffi('n-
nosso passado, rudo isso contn ua ereuvamen e od 
. 1 b '1 . p ce-nos conrudo, que a m erna 
tos acerca do período coloma rasa e1ro. are ' _ . 
. em numerosos aspectos, nao rcstste 
crítica ao nosso antigo patriarcahsmo, carrera . ~ 
l maneira com que munos veem a 
a urna avalia<;áo de conjunto, a comec;ar pe a 
.. , fl' · 1" de Gilberw Freyre e ourros historiadores. É certo gue a maio-~~~m= . 
· d fi m a impord.ncia da família patriarcal na Coloma tend<:u a 
na os que a 1rmara . , . d 
incluir entre seus rral,fOS característicos, o copioso numero de cna os, escravos, 
b gados submecidos J. auwridade senhorial. Masé igualrnen-parenres po res e agre . , . . . , 
re cerro, por auno lado, que nenhum deles identificou finm~lfl patnarut! e ~mu!ia 
exunsa, já que a dimensáo doslares, em si, em nada !hes _'rnporrava considerar, 
salvo como indício do poder patriarcal. É a flQ(;áo de famíha enquanro parenrela, 
rede de poder e dependencia que se refere Antonio Candido quando discrimina o 
núcleo e a periferia da família patriarcal, jamais a esrruturas domiciliárias. E até o 
próprio Freyre, a quern se arribui um particular apre~,fO pela família patriarcal, 
sequer negou a eventual ocorrencia de outras formas familiares: "devemo-nos 
recordar", afirma o autor, "de que o familismo no Brasil compreendeu náo só o 
parriarcalismo dominante(. .. ) como aunas formas de família (. .. ) parapatriarcais, 
semiparriarcais e mesmo antipatriarcais". 9 Nenhum exclusivismo, portanto, se 
conferiu a família patriarcal na ColOnia; nenhuma énfase, repitamo-lo, foi dada 
ao número de moradores em cada domicílio, mas táo-somente acentuaram-se as 
estrururas de poder que noneavam a vida social da ColOnia, hisroricamenre liga-
das a escravidáo, a prepotencia senhorial e as rradic;óes culrurais ibéricas. 
Se as famílias coloniais eram mais ou menos extensas, se numa dada habi-
ra~áo moravam poucos indivíduos ou dezenas deles, eis um dilema de pouca rele-
vancia nos trabalhos de Freyre e Cindido. E quer-nos parecer, ainda, que a maior 
ou menor concentra\áo de indivíduos, fosse em solares, fosse em casebres, em 
nada ofuscava o patriarcalismo dominante, a menos que se pretenda que, pelo 
simples fato de náo habitarem a casa-grande, as assim chamadas "famílias alrerna-
tivas"to viviam alheias ao poder e aos valores parriarcais- o que ninguém seria 
capaz de afirmar seguramente. E mes m o no tocante a Europa, náo estamos cerros 
de que. o predomínio da "família nuclear" constatado pelos historiadores de 
Cambndge em seus estudos sobre o Antigo Regime significa, por exemplo, que já 
antes do século XVIII predominava urna sociabilidade conjugal e individualista 
nas familias ~n.glesas ou francesas. Pelo contrário, náo obstante os esfon;os das 
Reformas rehgJOsas em valorizar o núcleo conjugal, encarcerando os indivíduos 
na célula doméstica, durante muito tempo as sociabilidades familiares mal se dis-
unguoam dos la~os de vizinhan~a comunitários .. 'bl' .. e · d' 
. . • e pu 1cos , conrorme nos 10 J-
ea a obra pooneora de Phillipe Aries." 
Eixo fundamental das rela~óes f. l C t· . . 
. am1 1ares na o oma, o patriarcalismo seria 
antes urna grande bandeora dos moralistas da ép d l'á 
oca mo erna, os mesmos, a 1 s, 
119 
que defenderam a excelencia da família con¡· ugal p d . 
. . . , . ara 05 pavos a cnsrandade 
Parriarcahsmo conJuga! e m1sogmo: nova leido mund d · 
· · 1 . 0 rno erno, que as rrans-
gressóes femmmas onge es{Jveram de negar. 
fATR!ARCALISMO: GENLAUJGIA E MODERNl/JAIJL 
Em países católicos ou prorestanres, a defesa do casamenro e da vida fami-
liar esreve associada, desde o século XVI, a apologia do parriarcalismo e da socia-
bilidade conjuga!. "Quando os moralistas franceses ou ingleses falavam da fami-
lia, náo conheciam senáo u m tipo" -lembra-nos Jean-Louis Flandrin: a família 
conjugal, incluindo os criados domésricos. 12 Trarava-se, com efeiw, do "modelo 
monárquico de familia", propagandeado pelos religiosos modernos e, ainda, pelos 
poderes reais, ambos empenhados em purificar a massa de fiéis, subordinando-a 
ao Estado e aos poderes eclesiásticos nos mínimos deralhes do cotidiano. Objetivava-
se, diz-nos Pierre Bérard, romper as solidariedades comunitárias, extirpar os cos-
tumes "profanos" que as legitimavam a margem dos valores oficiais e isolar os 
indivíduos em face do poder: "aos lar;os horizonrais que alimentavam as solidarie-
dades comunitárias deviam suceder relar;óes venicais unindo cada um dos fiéis a 
u m Oeus transcendente", L\ associado, e m maior o u menor grau, a figura mdo-
poderosa do rei. O refon;o da familia conjuga!, microcélula da na,áo e do ecúmeno 
cristáo, a conversáo de cada pai em monarca e "sacerdote" doméstico, a 
instrumentaliza\3.0 das comunidades em favor das modernas estrU[uras esrarais e 
eclesiásticas- incurindo-lhes o zelo pela "nova" pastoral- eis a esrrarégia polí-
tico-religiosa adorada pelos poderes ocidentais. 
Parriarcalismo e família conjugal jamais se excluiriam, ponanm, na esrra-
tégia veiculada pelas Reformas e pelos Estados europeus. E, longe de ser novo, o 
modelo familiar monárquico deitava raízes nas amigas rradi\óes e no di~Ho ro-
manos - profundamente valorizados pelos modernos juristas e hum,a~lstas. da 
época-, bem como nas concepr;óes judaico-crisrás da família, com _a umca ~~fc-
d .. · b'l'd d " ¡'ugal sempre lora o nucleo renr;a e que, para os apóstolos, a socia 1 1 a e con 
familiar por excelencia, exduindo-se as concubinas, mas nem se~prc os escr-J.vos 
· d " lh · · · maridos"· "vós hlhos, sede obe-e cna os. Vós, m u eres, sUJeltai-VOS a vossos • ' ., .. 
d. h " " ó obedecei a vossos senhores • ¡a lentes a vossos pais no Sen or ¡ v s, serves, . 
e · (5 22· 6 1 5) 'Tksde a ongem pregava Sáo Paulo na famosa Eplsrola aos Er~s1os • • ' ' · . . . . .. 
do cristianismo a família era considerada urna monarquia de dm~no dlvmo -
lembra-nos, urna vez mais. Flandrin. 14 
TRÚI'ICO Dm PECADo~ 
120 
ProteS[antes ou católicos náo fizeram mais que difundir antigos pr~c~itus 
1 , ·1· coram em rudo auxiliados pelos poderes CIVJs de sobre a mora ram1 1ar, no que 1 ~ , • • , 
N ¡ r •· ¡,¡ re¡· a a propaganda da famrba, lllerente a pasto-roda a Europa. os pa ses r1e1s g . . A • _ 
ral tridentina, desenvolveu-se por meio do refon;o ao dJreJro canonJ~o-romano, 
• · d d listas e sobretudo, de sumas e manuaJs de confls-do sermonariO e pa res e mora • . . , . 
O d 1 rganizado nesscs texros 1mphcava, se m duv1da, cena sáo. rastrear as e u pas o ". " , . . 
h. · d familiar que de u m lado, 1solava os nucleos COllJUgaJs 1erarqu1a e urna or em ' 
da coletividade _privatizando-os, individualizando-os-, e de out ro esrabele-
cia direiros e deveres recíprocos para rodas os familiares, inclusive criados sob o 
governo absoluto do pai, simulacro do rei. Todos lhe deveriam _obedecer, respeitar 
e honrar, cabendo-lhe, em contrapartida, zelar pela educa10ao dos fllhos, pela 
subsisténcia da casa, pelo bem-viver da esposa e pela austeridade moral de quanros 
vivessem sob seu bastáo. Poder e obediencia, respeito e sujeis;io, os manuais de 
conflssao dos séculos XVI e XVII estabeleceram para os sentimentos domés-
ticos urna ética e m que o verbo amaroscilava entre o governo paciente, racio-
nal, e a submissáo conformada, humilde. Amizade entre marido e mulher-
nunca paixáo -, zelo paterno pelos fllhos e respeito dos últimos pelos pais, 
eis os significados do amor familiar para os moralistas católicos, "homens de 
corac;:áo seco". 15 
Monarquia patriarcal de direito divino, a moderna família conjuga! da 
Contra-Reforma seria obviamente misógina. "Em fins do século XVI", escreve 
Bérard, "o que aparece com mais pertinencia no discurso erudito sobre a mulher 
é o considerável reforc;:o das imputac;:óes misóginas." 16 Misoginia antiga, típica da 
cultura ocidental, que pouco a pouco transbordaría os limites do saber erudito e 
invadiria a cultura popular, frutificando melhor onde já os costumes nao demons-
travam grande apre10o pela figura feminina. 
Na Península Ibérica, náo obstante a forre tradi,áo misógina- legado de 
romanos e mauros -, póde florescer urna importante poesía trovadoresca nos 
sécuios XII e XIII: canto de amor a mulher inacessível, esplendida dama, "senhor 
fremoso" a quem os menestréis palacianos rendiam a homenagem dos vassalos. 17 
Em Portugal dos quinhentos, o amor cortes nao teria mais lugar ... A partir do 
século XVI. e durante mais de cem anos, os poetas cederiam espa\'O aos moralis-
tas •. aos que, tnspuados no "patrimOnio clássico" e no receituário escolástico, al-
me¡avam submeter as mulheres ao jugo dos senhores. "A mulher é a tu a courela; 
unlrza o arado nela"" - eis · e ·. . · 
novos tempos. 
a norma trmnrante, máxzma an[lga a msptrar os 
l'Arit1AitCAI.J~~111 1 ,\11\lH.INI,\ 
121 
CASAMENTO E MISot;INIA: SABERES EI\UDITOS 
CASAMENTO, OI'(:ÁO MASCIJUNA lo IIAC!UNAI. 
De meados do século XVI em diante, a quase totalidade dos moralistas 
espanhóis e portugueses dedicar-se-ia a defender o casamemo, refon;ar a autorida-
de patriarcal~ arquitetar.a sujeic;áo das esposas- sempre suspeitas de trair, de-
sonrar e arrumar os mandos. O porruguCs joáo de Barros, autor de um livrete 
elogioso ao casamenw, náo se funaria a expor, logo de início, os graves riscos do 
estado conjuga!, a maioria dos quais associada 3.s mulheres: manhosas, inconstan-
tes, tolas, gastadeiras, maliciosas, hipócritas ... "Náo há víbora que renha tanta 
pec;onha como a língua de urna mulher", 1'' avisavajoáo de Barros aos casadouros, 
como que a repetir o juízo dos antigos padres- Crisóstomo, Basílio de Ancira e 
tantos outros, que no remoto passado desaconselhavam o casamemo para os ho-
mens.20 Mas tanw o auwr do Espelho dos casados como os demais moralistas 
dos séculas XVI e XVII apenas advertiam sobre os riscos do matrimonio -
especialmente se o homem escolhesse mal sua futura esposa-, e nunca reco-
mendavam o celibato, excem em caso de vocac;áo religiosa. 
Seja como for, era sempre a mulher, por sua perfídia natural, o grande 
perigo que rondava os homens antes de se casarem, e sobrerudo depois, a menos que 
a pudessem subjugar. "Diferentes tenta~óes apoquentam o homem nas várias fases da 
vida, algumas quando jovem, outras na velhice mas a mulher amea~-o sempre (. . .). 
Este inimigo universal está sempre a inquietar-nos (. .. )", adverria temeroso o espanhol 
Baltazar Gracián. 21 E, assim como ele, outros escreveram textos misóginos, ora defen-
dendo o casamenro, desde que se conrrolassem as esposas, ora denegrindo as mu-
lheres em variados aspecms. O dominicano Francisco Virória, célebre defensor 
dos índios na América hisp5.nica, insisriria em que era impossível a mulher discu-
tir problemas espirituais: "seria bem perigoso, dizia, confiar a saú~e mental ~~~ 
almas a urna pessoa incapaz de distinguir o que é bom e o que e mau (. .. ) .--
E Vieira, por sua vez, diría que o mal feminino come'java pela incli~a'j.iO da.s 
m lh . d " . d d · u Eva 0 esposo e por san e andar u eres a sa1r e casa: por sa1r e an ar e1xo ' , '\ 
d · D " d d · ·d us filhos "e a todo mundo( . ..} .-elxou a eus , per en o-se a s1, a seu roan o, a se • , _ .. 
Pouquíssimos foram os que escreveram rexws elogi~sos ~ hgura tem.mma, 
·¡·d - ' isogima remant<. O ¡,.,uu/o 
e mesmo esses náo passaram de pa 1 as exce'joes a m 1' 
tm loor dt las mujeres, do cabo~verdiano Cristóváo da Cosrot, 0~ n~csmo 0 •vro 
d R · · 0 (huro frmmmo tt"' por 
e Ul Gon'):alves, Dos priviltgios r prrrrogtltU'IIS qut , · 
122 
. . 1 s qualidades da submissáo feminina (rcca-ái"ito ... , hm•raram-se a ressa rar a ... "d d 1, . 
. • . ., · ) 1 uvar cerras mulheres da Anngu1 a e e asSJca, 
ro connnenCia, paCIC"DCia e a o . h 
' l 1 as eram capazes de se •guaJar aos omc1u. 11 
exemplos de que pe o menos a gum 
. · d s Jivros dedicados a mostrar que as mulhcrcs náo O 51mples aparec•mento c:sse ' . . . 
. • . á · · d'ca~nos someme a armosfera m1s6gma que un. 
eram 3551m rao 1mprcsr ve1s, m ' 
pregnava a cultura erudita da ~poca. . . 
O · · 1 b¡·e11·vo dos moralisras da Contra-Reforma conSISila, porém, pt~nClpa O ... 
· - d "d de sexual e na propaganda do casamenro. Dmg1dos aos 
na prescn~ao a ausrcn a 
h 1 [radas da época mulriplicaram-se os opúsculos contendo omcns, aos poucos e ' 
ou sistematizando regras para a escolha do conjuge, o governo da casa e a 
neurraliza~áo das imperfei~óes femininas, essencial para o bem viver dos esposos. 
Em rela~áo a sele~áo da esposa, problema sempre mencionado, quase todos res-
salt:lvam a necessidade de escolher-se mulher igual ou semelhante no maior número 
possfvel de aspectos. "Casem-se primeiro as idades, as condi~óes, as saúdes, e as qua-
lidades, e enráo casaráo bem as pessoas", recomendava entre outros o padre Manoel 
Bernardes." Uns enfarizavam a proximidade erária, curros a identidade social, mas 
todos insistiam na referida igualdade, prova de que náo devia ser incomum o 
"easamento desigual", especialmente no tocante a idade, e mesmo em rela~áo ao 
status- circunstancia ti pica dos matrimonios clandestinos sem auroriza~áo pa-
terna. Tomáz Sanchez, autor de importante obra sobre o casamenro no século 
XVI, ehegou a considerar nulas as "promessas de casamento" entre pessoas de 
diferentes classes, preocupado comas "desordens" provocadas por essas unióes.26 
O grande receio dos rratadisras residia, porém, na desigualdade etária, ao 
que atribufam muiros adultérios e perturba~es se fosse grande a distancia entre 
os cónjuges. Casamento do diabo era o da "velha com mancebo", e casamenro da 
morte, o "da mo~a como velho", alirmava Francisco Manuel de Melo em sua 
Carta d. guia dos clliiiiios, preocupado com a humilha~áo das esposas e desonra 
dos maridos." A uniáo entre jovens, esta sim era matrimonio de Deus, dizia o 
moralista, que no en tanto julgava bom o casamenro com mo~oilas, mais fáceis de 
adestrar- supunha- do que mulheres já feitas. Mas que náo fossem demasiado 
betas, advertia: esposa formosa, por muitos desejada, "quanto mais cobi~ada é, 
menos ~ para cobi~ar". 21 
Al~m de recomendarem a igualdade, os eruditos eram quase un animes cm 
condenar o casamento por amor, isto ~. por paixáo e desejo. 0 próprio Pedro 
~mbardo, teólogo medieval que melhor deliniu o sacramento do matrimonio, 
•nclufa ~ beleza ffsica, fosse do homem ou da mulher, entre os motivos minuJ 
/m,rwtts do casamento E desd •- . • 
· ' e c:nrillU, com rarfss1mas cxcc~ócs, os teólogos nao 
ccssaríam de divorciar do casamc:mo o amor e a se ( . 1.d d .. b . . n Jmema 1 a e, admmndo rio-somence um cm-querer amJsto!lo - a caritas_ . . . _ , 
- ' JamaJs a palxao. 'Ame-se a 
mulher, mas de tal surte guc se nao perca por el a seu m .d .. d"·. F . 
1 ar¡ o • IZ!a ranc1sco Manuel de Me o, que aconsclhava os homens a exrrav . _ 
, _ azarem su as pa1xoes com as 
"damas , mas nao corn as esposa.~>. Mdhor seria casar-se por conveniéncia e alian-
.;:a, recomendava, f~c:l a~Js cosrumcs sociais, do que por ffiO[Ívos amorosos, semi-
memos menores, tao v10lcntos quanto fugazes. O amor sensual, pregava, termí-
nava na "posse do que se descjou"; o amor conjuga!, pelo contrário, s6 aJí rinha 
infcio e resultava do len m conhecimento recíproco, da convivéncia, da amízade. 
Os defensores do casamemo católico odiavam a paixáo e, seguidores da 
moral escolástica, recomendavam moderac;:áo nos senrimenros e nas paixóes eróti-
cas, somenre legítimos se vinculados a procriac;:áo, honrosa para Deus, gloriosa 
para o Estado. Odiavam o amor no casamemo e odiavam-no em geral: "bem digo 
eu ( ... ) que isto no mundo que se chama amor é urna coisa que náo há ncm é. 
¡;quimera, mentira, é engano, é uma doen~a da imagina~áo, e por isso basta para 
set totmcnto ( ... ). É urna morte pela qual se vai ao inferno", pregava, cm 1651, 
mestre António Vieira." Rematada loucura que faz perder, "náo digo a alma, de 
que agora náo falo, mas a liberdade, a quierac;:áo, o sossego, o descanso e: a vida", 
a condenar o infeliz 14a andar sempre penando, fora de si, por urna ímagín~ 
fantástica ( ... ). Nem o nome de loucura e cegueira basta para declarar o dcsvario 
de táo curioso engano"- pregara o mesmo jesuíra, em 1644.30 
Menos fiéis a escolástica, mas empenhados em fazer da família a base da 
sociedade e o núcleo da religiáo, os prot<stantes - sobretudo os puritanos-, 
consideravam o amor essencial para o exito do casamento: um amor especial, que: 
nao excluísse a concórdia nem tampouco a sensualidade. "O marido e a mulher 
dc:vc:m ter prazer no amor, na companhia e na conversa entre: si'", diría Richard 
Baxter no séculoXVII. "Oiha pelo teu marido e tuas coisas, deixa que de seja o 
véu de teus olhos ( ... ). Deixa que tua mulher seja teu último objetivo; náo penses 
em que haja virtudes para além dda; aqudes que sáo pequenos .. tu os ror~as 
grandes pela freqüente contempla~iío; aqueJes que sáo maiores, estoma e valonza 
no grau devido" - afirmaria Daniel Rogers no mesmo século." lntroduzmdo no 
· d · d fi m os costumes e condenaram 
seto a conjugalidade o amor, os punranos esa 1ara . _ 
.d encial a auronzac;ao paterna 
o casamento por mera alianc;a. E, se cons1 eraram ess ~• 
<. _ ó ·u.,.s inclusive o amor cam.,, a 
para as unióes, julgatiam a areo~ao entre os e n) o- • . _,.:l.s 
. . d sos Náo sena ourro, :ul ' o 
maoor gra~a que Deus poderoa canee er aos espo · r_ d 
. . h .. luteranos" os derrnsores e um 
mouvo que animaría os caróhcos a e amarem . fa .u 
amor conjuga! mais intenso, distante da c11rifiiH~. por 1550 ' pro no. 
TIH_)PJCO IH>'I l'l·CAl>o~ 
124 
Q LE/70 CON]UGAL 
. . , Jh do cónjuge, o discurso tridentino se-lo-ia Misógmo no tocante a esco a ~ . . , 
. l - d 'da mariral. As rela~Joes sexua1s enrre mando e 
amda, na regu amenra¡;ao a VI . ~ . , 
mulher, canalizadas exclusivamente para a procna!f~~ e ~Istas com~ sunbolo da 
·- ' e . Igre¡'a continuaram pnsiOnelfJS da nO~JJO de debitum 
umao corporea entre nsro e a • 
. - · h cón¡'uges de se entregarem sexual mente sempre que 
_ obnga~JaO que un am os ~ 
. · d 1 outro Recomenda¡;áo expressa de Sao Paulo e m su a prega-
requasata os um pe o . 
- • t' s regulamentada por Alberto Magno no século XIII, a dívida ifao aos conn 10 , 
conjuga! implicava, em prindpio, a igualdade absoluta e~tre os espososquanto 
aos "direiros de cobran~Ja''. Mas, desde os tempos da escolasnca, fora msntuído 0 
chamado "privilégio feminino" que, considerando o pudor e a vergonha naturais 
a mulher, facultava·lhe 0 direito de apenas insinuar, e m silencio, seus eventuais 
desejos, ficando o marido obrigado a decifrá-los e a eles atender. Já os homens, 
por serem naturalmente menos inibidos, poderiam requisitar explicitamente suas 
esposas para o aro sexual. A normatiza~Jáo da economía sexual dos casais implica-
va, pois, o abandono tático da "imagem pecadora" da mulher em favor das antigas 
concep~Jóes sobre a passividade, a vergonha e a falta de iniciativa "narurais do 
genero feminino", conferindo aos maridos o governo absoluto do leito conjuga!: 
poder de requisitar a esposa conforme os seus próprios dese jos, poder de reconhece-
los- ou náo- quando manifestados pela mulher-" Por outro lado, retomando 
antigas cren~Jas sobre a menor resistencia feminina aos apelas da carne, freqüentes 
no cristianismo primitivo, os sábios do século XVI dedicar-se-iam a refor~Jar as 
convic~Jóes morais da escolástica. Assim, os médicos renascentisras chegariam a 
dizer que as mulheres sofriam de "sufocatróes uterinas" - constatáveis e m viúvas, 
freiras e solteironas -, prova de que a falta de rela¡;óes sexuais prejudicava-lhes 
~ ~aúde mais do" que aos homens. A natuteza pudica da mulher explicar-se-ia, 
Clem~fi~a~~me • por sua maior submissáo ao desejo carnal, geradora de verga· 
nhas, ambi~Joes e sentimentos culposos em relatráo ao sexo.34 Sornen re o marido, 
portante, menos inibido que a esposa, e menos escravo do sexo reunía a serenida-
de necessária para verbalizar seus d · . d d' ' . 
eseJos e, am a, para tscernir os alhetos. 
Aprofundando as razóes dad bld d e · · y¡ 
e 1 1 a e remmma a partir do século X ' a 
Contra-Reforma pouco modifi . , . , 
. l . cou no recenuano escolástico das rela¡yóes domes· 
ucas e, pe o conuáno, com as su · · ·d d b mas e manuaiS de confissáo agu¡you a cunosl a· 
e so re o que se passava no leito con. al 35 M . ' 
¡ d l ¡ug · anuveram-se as proibi¡;óes ao sexo 
no per ~ o m~~srrua • nos lugares públicos, nos dias santificados e obviamente, 
quamo as posi~Joes contra natura . l • . 
'especta meme a cópula sodomítica- ofensiva 
125 
a ordem divina e alheia a procriac;áo que d . . 
, . b, evena anJmar os casais A d 
conrroversJas, ram em permaneceram inr d' d d . · pesar as 
er Ita as as emaJs posi - . . 
ora contrárias J. natureza humana e J. divina . d' .. , c;oes genJtaJS, 
· • ora preJu ICJJJS a reten - d A 
pela mulher: a retro etznino (mulher de costas h c;ao 0 semen 
. . . . . para o omem), assimilada a có 1 
dos amma1s, e a rmdur super Vlrttm, JUlgada op , . pu a 
. . , " osra a natureza supenor e ativa dos 
machos. Para a ma10na dos teologos, a posiráo 1" d d , 
• 'T natura ' a equa a a propagac;áo 
da espéc1e, aos cosrumes humanos e aos desígni 1 . 
. os ce esres, contmuou senda a 
mulher dettada de costas e o homem sobre ela _ 0 d . e . que se evena eietlvar com 
animo de gerac;áo, sine ardo re. Foram raros os que com · • h l 
. . . . , . . • o o Jesuita espan 0 Tomáz 
Sanchez, admJttram be!JOS, canelas e JOgos eródcos no Jeito conjuga!, embora muiros 
rolerassem, sobremdo. após os séculas XVI e XVII, as posi\óes genitais ilícitas _ 
empenhados em esrrettar as rela<;óes con¡'ugais dese¡'osos de aum 1 -
, entar a popu a~o 
nos q~adros da legitimid~de familiar." E houve mesmo os que, como 0 espanhol 
Franctsco Larraga, ~utonzaram o cono tnterrompido no casamemo, desde que a 
esposa nele consentlsse, e o homem náo derramasse o semen extra vas- maneira 
engenhosa de conciliar a "inten\:ÍO procriadora" e as conveniéncias do casaJ.37 
A MONARQUIA DOMF.STICA 
Matéria de confissóes e debates teológicos, as intimidades conjugais nao 
constituíam, porém, o terreno privilegiado dessa moderna misoginia erudita; 
náo mais que os conselhos sobre o governo doméstico e o cotidiano dos casados. 
O pressuposto de todos os que escreveram regras para o bem-viver doméstico 
residia na forre convic~iío sobre a inferioridade da mulher em matéria intelectual, 
sua propensáo a gastar irracionalmente os recursos da casa, sua debilidade nas 
tarefas de comando e, principalmente, sua tendencia para a infiddidade. 
"Considerai todos os estragos que te m feito no mundo o pecado da desonesridade, 
e achareis que as mulheres foram a origem, e as mulheres a causa", pregaria Vieira, 
resumindo o sencimenro geral.'8 . . 
E, levando-se em conta 0 caráter diabólico da mulher, muuo cu1dado. pa-
ciéncia e razáo devia ter o marido no governo de sua esposa, sugeriam de 'r2rias 
maneiras os textos da época, ora em sermóes pregados a massa. ora em livrer~s 
dirigidos as elites. Notável exemplo desses opúsculos em lin~U.l portuguesa fOl. 
sem dúvida, a Carta dt guia dos casados, inspirada, como quis 0 amo~ .. tanro na 
b d . . h . dernos E, com eh:tto, abar-sa e ona dos anugos como nos con ec1menros mo · 
cando as variadas esferas da vida conjuga!, Francisco Manod de Mdo elaborou 
126 
TRÚPICO DOS PECADOS 
um roreiro completo de como 0 marido poderia suportar a carga que lhe, represen-
rava a esposa, submerendo-a denl!o da casa e resguardando-a, ao max1mo, do 
mundo exterior. 
A adminisrra~iio doméstica, a escolha dos criados, a eventual presen~a dos 
agregados, rudo deveria ser competencia do marido, embora fosse plausível ~ opi-
niiio da esposa. E, sendo mulher indócil e reimosa, que o esposo evltasse diScus-
sóes, pois isso "seria conceder-lhe urna igualdade no juíw e império", riio descabi-
da quanro indesejável. "Fa~a-se-lhe cerro que a sua conta nao está o entender, 
senáo 0 obedecer e fazer executar", recomendava o inflexível moralista. No mais, 
evirando~se as influencias externas que desviassem a esposa do conuole domésti-
co, estariam preenchidas as condif1óes para um bom e duradouro matrimOnio. 
Bastaría ao marido impedí~ la de ler- advertía -, sobre[Udo romances e comé-
dias, pois o melhor livro da esposa era "a almofada e o bastidor"; proibi-la com 
suavidade de receber adivinhas, gentes exrravagantes, músicos, poetas e "professo-
res de navidades"; evitar a constantepresen~a de frades dentro da casa, homens 
sempre duvidosos¡ determinar o confessor certo, escolhendo pessoa grave, conhe-
cida e de boa religiáo; limitar as saídas e as visitas da esposa; evitar mosrrá-la aos 
amigos; corrigir-lhe os hábitos indiscretos, o falar demasiado, os suspiros, a gesti-
cula~áo e até os risos em público, especialmente se fosse graciosa, rivesse bons 
dentes, covinha na face, ecc.3'> 
J:. ceno que muicos, n:io c:io ciranicos, amenizavam as imperfeil):óes femini-
nas, ressalrando as virtudes da boa esposa, como o companheirismo, as habilida-
des domésticas, o zelo pelos filhos e mesmo a fidelidade conjuga!- se bem trata-
da no lar, e respeitada foro dele. Mas, via de regra, quando pregavam as mulheres, 
quase todos aconselhavam-nas a obedecer, fugindo de conversa~óes suspeitas, evi-
tando parenres e mulheres desonestas, vestindo-se com discri~áo, recusando dádi-
vas de homens e rudo o mais que viesse de encontro ao poder marital. As mulhe-
res casadas, dizia um moralista colonial, deviam ser forres, discretas e prudentes: 
em su;u c;uas, zelosas; fora delas, recatadas; e em codas as ocasióes, exemplares, 
"mais prezadas de sofridas, que de agastadas ( .. .)".4" 
Obedié'ncia, conformismo, medo, eis o que recomendavam os arautos da 
família, nao só as esposas, mas também aos filhos e aos demais habitantes da casa. 
Marrim Afonso de Miranda nao deixaria dúvidas a respeiro do poder monárquico 
meren re ao pata familias. "Todo o pai de família que rem súditos a que m governe, 
filhos a ~uem dourrine ( ... ),e mulhtr a qutm como tal tmtt ( ... ), deve-lhes minis-
trar Jusu~a de tal maneira que assim cumpram e guardem o que pelos rais lhcs for 
mandado como s fo · · · 
' e sse um JUIZ rigoroso, sob pena de que, quando o nao fizercm 
referida conformidade, fiquem obrigados a roda a ira t d e 
na J . . • emor e esravor que 0 tal Ministro, Senhor, lm ou mando com efe usar."~l 
Os "novas monarcas" devcriam, porém _todos ¡11 · · 
. SJSUam - atemar para 
Seus deveres de soberano: guardar as obnga~óes de esposos epa· d "lh 
. . 1, e ucar os 11 os, 
·,nstruí-los na doutnna e tudo o maiS que cabia ao legír,·mo d . 1 
. po er pamarca . 
Convencidos de que a fidel1dade dos homens era, além de urna obriga~ao dos 
casados, a principal garanna contra o adulrério feminino, 05 defensores da família 
condenaram com veemencia as liberdades sexuais masculinas. Que 0 marido evi~ 
rasse as "mulheres da vida" ou, pelo menos, que as procurasse sem escándalo ... Em 
último caso, dizia o autor da Carta, se viesse a público a rrai~á.o do esposo, 0 
melhor remédio seria desmentir os rumores, "curando-se o marido da levianda-
de", e a mulher, dos ciúmes-" Mas, caso o marido !he fosse fiel, e a pérfida esposa 
ainda assim o rraísse, náo lhe restaria opc;á.o senáo matá-la, diria Diogo Paiva de 
Andrade em seu famoso opúsculo ... Casamento perfeito.~3 
Portugal wrnar-se-ia, pois, urna nas:áo misógina, ao menos no plano da 
cultura erudita, a partilhar um movimento de idéias enrio universal, inspirado no 
Direiw anrigo, nos escritos de Plaráo ou Aristóteles e na forre rradi~áo misógina 
da escolástica: tradi~áo renovada na modernidade, que desde os primórdios conta-
racom a colabora~áo lusitana. Afina!, era portugués o autor do famoso De Planetu 
Ecc/esiae, livro que, escrito em 1332, dedicava-se em boa parte a relatar nada 
menos que os "102 vícios e delitos da mulher" ... " 
CASAMENTO E MISOGINIA: COSTUMES POPULARES 
IMAGINARIO MISOG!NO 
fi · essa aurenrica campanha As mentalidades populares náo ICaram 1munes a 
·e · ¡ ¡· · s modernos. Pelo con-
anuremlnina veiculada pelos letrados e pe os re 'gwso 
á . d d 1 s misóginos, expressos tr no, vi ram-se cada vez mais impregna as e va ore . . d 
d . d de franca hosuhda e em em a ágios, cantigas, versos e mesmo em auru es . 
1 1 no século XVI. e ;\s ,ezes re a~áo as mulheres. Encontramo-los, porém, ogo . 
a óes europtlas. o que nos 
antes, tanto nos países ibéricos como em ourras 0 <; · d 
. b " sobrt' os preconce1tos a 
permite relativizar a dererminancia dos "novos sa eres , ¡ XIV 
1 . .11 correnre no sccu o • cu tura popular. U m antigo provtrbw de Monta! ou, 
128 
. . " . b fi me avec un coussin/croit fui jflire mal et ne fui 
. 1 smente doZia Qut at sa rm 1 . b ¡· 
somp e d L Roy Ladurie, da re a11va ruta odade dos foit rün" _ resremunho segun ° e " , , . l 
maridos no Languedoc. E Guillaume Bélibasre, o santo cataro, JU gava que 
as almas femininas jamais iriam ao paraíso, excero se ant~s reenca.rnasse~ nurn 
. . d · 6 · vinham de longe, e nao obstante vanassern corpo vinf. .. 4S ArHu es ffiiS gmas e d ·~ , · gnavam residual ou prorun amente, a cultura 
segundo a reg¡ao ou pals, tmpre ' 
popular européia. . 
No limiar do século XVI. estaríamos, portanro, do ante de u m complexo 
d · ~ r e 05 anrigos costumes misóginos, pulvenzados em roda processo e mrerac;:ao en r . . .. . , . 
E d. 0 de cunho antifeminino, herdeoro da An11guodade classoca e a uropa. e o 1scurs 
d 1 · 1 ·srá vulgarizado em escala crescente desde o final da Idade a reo ogta mora en , 
Média. Quer nos vol remos para a culmra escrita dos tempos modernos, quer 
nos voleemos para 0 universo popular, o que percebe mas acorrer a partir do 
século XVI é um movimenro de convergencias e descompassos entre os preceitos 
oficiais e as crent;as do cotidiano, tanto em relas:áo a figura feminina como no 
tocante a família, ao casamenro, a religiosidade, aos sen timen tos e as demais esfe~ 
ras do imaginário e da vida sociais. 
Diversas manifesra¡;óes da cultura popular ibérica indicam~nos a existencia 
de rra¡;os misóginos náo táo distantes do receiruário oficial. Maria Regina T da 
Silva verilicou-os, por exemplo, nas imagens femininas veiculadas nos "folhetos 
volantes" - diálogos, estórias e moralidades que circulavam nas cidades portu-
guesas desde o século XVI'' Nesses folheros, "expressóes vivas de urna cultura 
popular e tradicional", era freqüente tratar-se da mulher, seus papéis e qualidades, 
fun¡;óes e defeiros, mas ora "enalrecendo" a figura feminina, ora aviltando~a, o 
rom predominante era sempre misógino. Objeto de tros:a. escárnio e crítica era o 
que a aurora denomina .. mulher real"- a mulher sem virtudes, desonesta, peri-
gosa, distante do modelo que deveria guiar a conduta feminina, mulher com 
quem os homens jamais deveriam se casar. A mulher "real", mulher do cotidiano, 
os folhetos opunham a imagem da "mulher ideal", esposa fiel, máe zelosa e, por 
1sso mesmo, valorizada e respeirada socialmente. 
Já os títulos desses folhetos dáo-nos bem a medida dos contrastes: encon-
tramos, de um lado, A mulher atrevida e descarada, Malícia das mulheres, Verda-
drira malícia e maldadr dm m l''- D · d l'' ¿· 
. ll neres, espzque a m u ner casada, que teve as zsptt· 
tas com sru mando pelo niio que 1 ¡ · ' · ¿· ·,¡, J,•¡ rer tevar a ver as ttmmartas, Disputa zvertl a " 
grandrs bu/has qur trve um hom l''- d · 1! 
. , em com sua mu ner, por /he niio querer eJtar "' fund,fhos n um calrórs velhos et . d 
. . ' c., e curro, vemos Casamentoperftito, quase uma r~ploca do lovrete de Dio o p · S d d g aJVa, egun a carta apologétiaz em fovor e defesa as 
129 
mu!hem. Malícia dos homem contra a bondade d lh . 
' 1 as mu eres, e munos out 
escritos desde o secu o XVI até o final do XVIII. ros, 
Na crítica ostensiva J.s mulheres visava-se de f , lh . 
, . . ' ato, a mu er do dla-a-dia a 
esposa que nao obedec1a o mando, recusava a clausur d , . . . '. 
• • • A a omemca, tec1a mil aru-
manhas para enganar e dnblar a VlgJ!ancia patriarcal y· , 
. ' . " . " ... lsava-se a mulher en-
quanto ser d~abobco, beata fing1da , ruína de todos 0 h 
. . . s omens que por ela se 
Perdessem. Ao mfellz mando de urna tal mulher só restav lh . a meter- e muna pan-
cada, "parti-la de meio-a-meio", "quebrar-lhe u m brac;:o", "acabar-lhe avida num 
momento". No folheto Malícia das mulheres, reeditado dez vezes entre 0 sécu-
lo XVI e~~· as pérfi~'as femeas eram compara~~s a sorrateira raposa, a gata que 
arranha, a v1bora que morde, envenena e mara , a cruel aranha "que arma fios 
( ... ) onde os incautos apanha". Balrazar Di as, se u autor, justificava com isso a 
opc;:áo que fizera pelo celibato: _"Quem se confia em mulheres/Tem o engano na 
máo/Quando o Tejo náo tiver/ Agua toda se secar/Nem no mar peixes houver/Emáo 
faltará a mulher/Malícia para en ganar." 
Nos folhetos menos hostis, por ourro lado, prevaleciam os mesmos tipos de 
conselhos, advertencias e admoestac;óes que vimos marcar a dourrinac;áo das espo-
sas pelos letrados. Dirigidos as mulheres casadas, exorravam-nas a humilhac;:áo, a 
servidáo, a obediencia, a fidelidade, a paciencia, ao recato e a rudo o mais que 
delas fizessem esposas ideais, máes exemplares, e perfeitas cristás. Num deles, Con-
versafáO entre duas vizinhas ... , cena mulher que reclamava dos murros e das bofe-
tadas do marido ouvira o seguinte conselho: "sofra, cale( ... ), e pec;:a ao céu que se 
compadec;:a da sua infelicidade". Quem sabe assim transformar-se-iam os murros 
em "doces lac;os", "as injúrias em carinhos", "e os ponrapés em afagos". 
0 AVESSO DAS BIGAMIAS: F/IAGILIDADE DA MULHER E DO AMOR 
Estimulada pela misoginia erudita, e alimenrando-a com a~tigos ~recon­
ceitos sociais, a hostilidade popular contra a figura feminina enraizar-se-la pro-
fundamente e m Portugal dos anos quinhemos. Náo é de admirar, porranto, que_ 0 
B .1 d d · completo interno. Rete-ras¡ fosse, também para as mulheres, um ver a elfo e 
rindo-se baslcamenre a elire senhorial, Gilberto Freyre conta-no~ sob~~ c~mo as 
lh d nenws "arranlados . n.w raro mu eres eram, ainda jovens, empurra as para casal . " . . _ 
d . . . - ·0 fun en cv1J.ememente 1111 e uo com sobrinha, primo com pnma, umoes cu1 · .. ~ . d 
d. . 1' . de sangue ( ... ) . Cn> as e m pe lf a daspersáo dos bens e conservar a ampez.t . . . .. l 
" . . . " . . e - as menmas \'1\'l..tm sol a 
ambiente ngorosamente patnarcal - prossegu ' 
TRÓPICO Dm PECADos 
130 
mais dura tirania dos pais _ depois substituída pela tirania dos maridos". Mo~oil., 
ou sinhás~donas passavam os dias enfastiadas, enclausur~das c~m- suas mucarnas 
num autentico "isolamenm árabe'\ abrigadas a urna subm1ssao mw;ulmana 
diante de maridos a quem remiam e chamavam 'senhor' :..¡ 7 . , 
Decerto que há exagero na descri~áo de Freyre, pots nem as smhas da casa-
grande, como bem sabe 0 autor, nem muiro menos as mulheres de ourras. ca~a­
das viviam na absoluta clausura aqui sugerida. Por curro lado, era fato cornqueuo 
0 casamento de moc;as com menos de vinte anos, informa-nos Russel-Wood, e 
raríssimo 0 de mulheres com mais de rrinta¡ após os 14 anos as meninas n5.o 
mais eram vistas como "raparigas", e chegando aos quarenta, fossem o u náo casa-
das, eram tidas por "velhas"." Tudo nos parece indicar, aliás, que a precocidade 
do matrimOnio feminino, "regra" vigente na Península, mas estranha a Europa do 
Norte, foi simplesmente transferida para o Brasil e, na medida do possível, adap-
tada a realidade colonial." 
Seja como for, a documenta~áo inquisitorial sobre as bigamias, valiosa em 
numerosos aspectos, revela-nos que as mulheres raramente decidiam sobre o pró-
prio ma[rimOnio, sobrerudo ao se casarem pela primeira vez ainda jovens, fossem 
mo~as de família abastada, fossem filhas de artesáos, pequenos agricultores ou 
trabalhadores livres. Na Metrópole ou na Colonia eram os pais ou familiares da 
noiva e, em menor escala, o futuro cOnjuge os grandes protagonistas do acerro 
matrimonial. Isabel Soares, por exemplo, era tenra menina de 12 anos quando seu 
pai, fazendeiro instalado na Bahia em meados do século XVI, a entregou como 
esposa a um cerro AntOnio Pais, escriváo que servia ao conde de Castanheira, em 
Portugal, obtendo !icen~ do bispo para casá-la em casa e a noite- o que o Concílio 
de Trento nao tardaria a proibir. Pouco depois de casados, o marido partiu em viagem 
para o Reino, de onde jamais voltaria. Passados 12 anos, descobrindo que o tal escri-
váo era já casado cm Portugal quando desposara Isabel, sua familia trato u nova-
mente de casá-la, acolhendo sugestáo do bispo Pero Leitáo no sentido de uni-la 
ao irmáo deste, Gaspar Leitáo. O próprio bispo encarregou-se de investigar a 
situa~áo de Antonio Pais e, descobrindo-o casado, anulou 0 primeiro matrimo-
nio de Isabel, autorizando-a a casar ourra vez. Isabel se casou, viveu tres anos com 
o marido e enviuvou. Novamente a familia interveio, e pela rerceira vez fe-la 
casar-se, entáo como juiz Vicente Rangel. Era com ele, de fato, que vivia Isabel 
Soares em 1591, ao ser acusada de bigamia a mesa do Santo Oficio. Quando 
convocada pelo visitador, em 1593, Isabel tinha menos de trinta anos mas conta-
v~ já com apreciável bagagem de tr~s casamentos arranjados, u m aba~dono, urna 
vtuvez e pelo menos duas desilusóes, aoque se somaria um processo inquisitorial." 
Hisrória semelhante foi a vivida por ourra Isabel d b 
. d B 1 L . - ' e so renome Gomes 
filha do ouvl or a tazar e:rao com urna india da Bahia. Era menina muito nov~ 
ando seu pa1 acenou casa-la na altura dos anos 1550 . qu . . com o mercader Henar 
Mendes, c~m quem se umu e ~~~eu po: 15 anos, gerando dais filhos. Mas, como 
faziam mu1tos homens da Colonia, Hwor Mendes partiu . 
f . d e m VJagem para Ango-la Portugal, nd.as e Castela e ourros lugares ausentand . d 
• ' o-se por ma1s e urna 
década. Isabel Gomes er.a mulher d~ mais de trinta anos quando, novamenre, seu 
velho pai resolveu arran¡ar-lhe mando: o mercador Bemo Rod · 
. " , , ngues, com quem 
passou a v1ver de portas adenr:o , a u rulo de esponsais. Esrava presres a se casar, 
em 1591, e certamen re se casana, náo fosse o súbito rerorno do primeiro marido, 
que, ráo lago soube do casamemo, denunciou mulher e sogro ao Sanco Ofício.'' 
Excew pelas bigamias, rara entre os principais da tena, as hisrórias de Isa-
bel Gomes e Isabel Soares retratam perfeitamente a fragilidade dessas mulheres 
de "boa família" e pais influemes na sociedade colonial: casavam-se novas e, via de 
regra, atendendo ao desejo dos pais - decisivo até em segundos ou terceiros 
marrimónios, ficasse a filha viúva ou a abandonasse o marido. 
Os casamentos arranjados náo eram, comudo, urna prática exclusiva das 
elites. Talvez em propon;:óes mais reduzidas, mas nem por isso com menor fre-
qüencia, homens humildes procuravam casar suas filhas no mesmo estilo, acer-
tando o matrimOnio das meninas sem ao menos consultá-las. O mulato Domin-
gos, por exemplo, pobre trabalhador de Lagos em meados do século XVI, foi 
quem decidiu casar sua filha Guimar, menina de 12 anos, como jovem Marias 
Dias, a quem acolheu em sua casa logo após a cerimónia. Escolhera mal, no 
entamo: meses depois, o mos;o fugiria para Pernambuco, tornando a se casar nas 
"partes do Brasil", onde passou a viver como "carreiro de bois". 52 Foi também o 
pai de Maria de Oliveira, viuvinha de vinte e poucos anos, quem escolhera Joáo 
Gon<;alves, mestre-de-ac;úcar na Bahia, para segundo esposo de sua filha, ele que, 
para azar da mos;a, era já casado na ilha da Madeira. 53 E, assim como esses, muitos 
ourros país- patriarcas de menor condis;áo- geriam a seu modo 0 casamenro 
das filhas. Em Lagos ou na Madeira, em Olinda ou Salvador, no Algarve ou na 
própria Lisboa, em todo o mundo lusitano enconreamos pequenos lavradores, 
. " · d ¡· n<as" arrumando dores e 
sapateltos, carpinteiros e rrabalhadores negoCian o ICe .., ' . _ 
P d h 15 de igual cond1o;ao. romoven o para suas filhas casamentos com omel . 
S · · - d Jheres livres com respe1t0 ao 
e muuas vezes era penosa a snuas;ao as mu . . . . d' 
casamento, trágica seria a das escravas. Raramente se casavam na ¡greFt, ~~o IS-
. ho dos senhores. Fol esse o 
sernas, salvo paraatender aos interesses ou ao capnc ·¿ d d R. d 
e d adora na Cl a e o lO e 
aso e Lourens;a Correia, crioula de 23 anos e mor 
132 
. -mor Antonio de Figueira e Almeida. AJ¿ 111 u Janeiro, onde servJa ao sargento . . e 
d . bém concubma de seu amo, poJS D. Isabel, espo escrava, Lourenc;a evla ser ram . . sa 
. . tigá-la por qualquer motiVO e •nsrava para que do sargenw-mor, v1v1a a cas o 
. lh . 1 0 um casamenro com qualquer negro da casa. Em 17l9 mando e arranJasse og _ · 
uniu-se ao escravo Pedro Benguela, carivo do mes~o sargento, tao-so mente para 
"fazer a vontade" de D. Isabel e para "conremponzar com a vontade de seus se-
nhores", conforme confessou depois ao inquisidor. Por náo gastar do marido, 00 
- ásia do sargento o faro é que Louren<;a náo se livrou dos castigos por conunuar am • . . . 
da senhora e acabo u fugindo para Silo Joáo de Mentl, ande rornana a se casar com 
0 escravo Amaro. Louren<;a terminaria mal: acusada de bigamia, presa cm 1745, 
e condenada ao degredo pelo Santo Ofício lisboeta'' 
Mais dramático seria o destino de Marra Fernandes, parda, escrava dopa-
dre Francisco Fernandes na ilha de Silo Miguel durante o século XVI. Tinha cerca 
de 15 anos quando engravidou do amante e senhor que, temeroso do que lhe faria 
obispo, cuidou de lhe arranjar marido, escolhendo u m cerro Fernáo Gon.;alves, 
"uabalhador da erva pastel" (anil). Homem pobre, Fernáo era chegado a roubar, 
e durante os dez anos de casamento esteve várias vezes preso por furros na cadeia 
da ilha. Marta, por sua vez, jamais esquecera o amante e, náo obstante morasse 
com Fernáo, cominuou escrava e amásia do padre Francisco Fernandes, de quem, 
segundo disse, engravidara e parita "algumas duas vezes" depois de casada. Certa 
ocasiáo, enciumada por ver-se trocada por outta mulher no cora.;áo do padre, 
agrediu-o com um vidro de tinta no rosto, fetindo-o bastante ao que parece, pois 
teve de fugir para a Madeira. Ali ficou dois anos, até resolver-se a migrar para o 
BraSil, 0 que faria após inúmeras peripécias, incluindo um assalto de piratas ao 
navlo em que viajou. Em 1590, enconrtava-se em Pernambuco casada com 0 
marinheiro André Duarre q d r · · - · ' h 
• uan o ro1 vista e acusada de bigamia por um omem 
presen_re a_o casamenro em Sao Miguel havia já vinre anos. Presa pela visira,áo 
mquiSnonal, Marta terminar' 1 • lh d d 13 ma • a seme anc;:a da escrava Lourenc;:a: separa a 
o segundo esposo e degredada para Angola." 
Obrigadas a casar em t d d 1 b d d'fi .1 ° as as cama as sociais, especialmente nas e asses a asta as, 1 ICJ mente as mulh . d d eres conravam com o afeto dos cónjuges arran¡a-
os, a que m, e resto tamb~m ~ , . 
d . ' nao amavam. Entre as motivac;:óes dos vanos casamcntos escruos na doc ~ . I 
raramente surp d umenra.;ao Inquisitorial dos séculas XVI ao XVII ' 
reen emos o amo . 
-como nos casamem . 1 r, tanto no matrimOnio legítimo - o primeJro 
os lftegu ares Do 1 d ¡- 1 d corn 
maior freqüencia p r · 3 o mascu mo, as razóes a ega as 
. a a 0 casamento incluí .. , _ ~ n· da 
hOIVa- dispositivo "cont l" arn as promessas fettaS 3. am 13 . 
ratua que regulava as unióes -, a vontade de esrab•· 
!izar-se e, ainda, prcssóes e: arranjos de vários rip 
os, como o que levara Fernáo Gon~alves a desposar Marta Fernandes, amante do d s- M' . 
. ~ , cura e ao 1guel. A maJs 
rfp¡ca dessas pressoes era porem a ~os parenres ou dos vizinhos de mulheres 
desonesradas. Enconrramo~las na ra1z de diversos casamenros, no Brasil ou no 
Reino, embora em cenas SltUJ'fÓes as "sedu<;óes" náo passassem de ardis usados 
por familiares o u amigos da falsa vítima, desejosos de lhe arranjar marido ou de 
safar da Jusnc;:a algum amante. Num caso extremo, 0 carpinteiro Pedrálvares, 
morador na Bahia no final do século XVI, confessou que anos antes fora preso em 
Portugal e, na própria cadeia, abrigado a se casar com moc;:a a quem supostamente 
desonesrara. Situa<;áo e m rudo corriqueira naquele ternpo, náo fosse a mulher ser 
amante de um padre, de quem tinha filhos, e o rapaz ter, na época, apenas dez 
anos de idade ... 56 E náo faltariam, enfim, os que se casariam someme de olho nos 
dotes, ainda que ínfimos, objetivo nunca confessado, porém implícito em vários 
casos. Já do lado feminino, vimos quáo poucas vomades se poderiam realizar em 
matéria de casamento. Quando instadas a f:1lar sobre isso, as mulheres simples-
mente aludiam as decisóes do pai, da família, do senhor e, nos casos em que 
tomaram iniciativa, a necessidade de remediar urna vida difícil. 
Hisrória exemplar, em todos os sentidos, foi a de Pedro Transe, filho de um 
capitiio italiano e cirurgiiio na Bahia no início do século XVIII. Aos 19 anos, 
quando ainda era esrudante e m Lisboa, passou a cortejar Vitória de Jesus Gouveia, 
filha de um pintor, e "temeroso que seu pai o mandasse para a India", resolveu 
casar-se coma mo~a. Casou-se e engravidou-a; mas, sofrendo oposic;áo da própria 
família contra o tal matrimOnio, resolveu partir, seis meses depois de casado ... 
Mudou-se para a Bahia e ali fixou residencia. Cerca de 1704, já com 28 anos, 
conheceu Antonia Borges Correa, filha de um lavrador, com quem manreve um 
romance e "algum trato ilícito", até ser apanhado em flagrante pelos irm_áos ~ 
parenres da jovem. Agredido, baleado, foi obrigado a casar-se, o que lhe nao foo 
difícil fazer. Mudando 0 nome para Antonio Pereira Ribeiro Transe, e dozendo ser 
homem solreiro que viera de Lisboa com 16 anos, logo pode se casar coma mo~a 
desonestada. . 
Havia mais de quatro anos que vivia com Anrónia, ~.e~ quem .~tvera um 
filho, quando lhe veio as miios urna carta da primeira mulher. Senhor: ~ escre-
. . h com saúde como desep., p01s 
veu Vttória de Jesus - "estimaret que esta o ac e · • .. M _ 
. mor de voce ( ... ). as nao 
que a minha ( ... ) é pouca, só com multas penas por a . . h Ab 1 ira o pnmciTO rrec o. an-
se rratava de urna carta apaixonada, como ta vez su~ · .. Dcus !he há de 
d d V . . 1 . ' . e o'mprecaroes: ( ... )que ona a, ttóna ogo passana <~.S que1xas T • • b 
d . ) - enho nmgu<m que me se)a om 
aro pago de rudo a que me rem felto ( ... nao t 
1 1 . 1·.¡ servir na casa alheia (. .. ). Hornern sem alma, sem ( ) 11¡ 0 rcnoo ra cnw par.1 • . 
"' . . u descn"ano mais que andar fugmc.lo co1no negro 
conscllm;u, ncm scntc o me r'l . , 
1 1 , d fu.,ir das rn3os de !>eus para lhc dar o casugo de rudo L.)". 
muno•••" 1 " "1 
11 Ó .1 . 1 11csa111¡>arada "crga de ranro e mrar SIIOI < csgra~a" A rnu u~r era s ucsum~&o o, • . , 
• 1· 1<> <JUe voh.,se or·o limirava-sc a pcdor •1ue lloe mandassc e ora suMcr1a au mar c. • · ' • _, u 
1 ¡suncniU. "l:alcmus 110 prcscmc uu no arnanha -concluía- ou mande 
a gun . . . . · · · f' . 
11 1' 1 llllr .1- l>ctiS e d·t vor .. em Sanrfssuna, <JliC () esrunareo 111 1111· o c.¡uc 1c c. •¡;u pe o ;u " . • ,.. 
ro, e de novo vivcrci tendo algum alivio ( ... ). l>eus que vos guarde como eu 
dcscjo. De vossa mulhcr, V.J.G."" . .. . . 
Mulhcr simples, que cogirava o "servir cm casa alheoa , Votbrta de jcsus 
tratava 0 m;uido por "scnhnr". Continuava reverente, cmbom abandonada; hu-
milde e ccrta de <JUC ainda era sua lcghima esposa, náo obstante lhc rogasse as 
piures pragas; esperan~""' de sua voha, suplicanrc de scu auxilio. Amava-o? Esta· 
va "ccga 1fe ranro doo~;~r" por re-lo perdido havia 14 anos? DiAcil afirmá-lo ... 
Mas, scm dúvic.la, Vitório1 csrava s6, vivcndo ~ míngua, e via no marido a lmica 
possibilidade de sobrcvivcr. Pedro Transe, por sua VC'l, jamais se casara por amor. 
Ncm (om dil, triste Vitória, nem com a segunda esposa, a llUCnt se un ira literal-
mente ~ bala. 
Mas houvc homcns que se casaram por amor, a cxcmplo do cscravo Ma-
nuel de Souza. Natural de 8cngucla, carivo cm Pernambuco, largou a mulher, 
Maria Arc.la, escrava com quem se casara dcz anos ames, e uniu-se a ourra escra-
va, Maria Correa, cm 1738. C;lSou-sc com a amanrcporque "lhe rinha grande 
inclina~ao", confcssou dcpois, ou "pelo grande amor" que lhe dedicava. E ram-
b~m n!o lhc fui complicado o cas;u-se na igrcja: simplcsmcnrc aprcscnrou-se com 
a moc;a cm ouua frc~ucsia e prodarnou-se solrciro, apresen tanda como testcmu-
nhas uns ciKanos que encontrara no caminho ... " Assim rambém o fez Domingos 
Luis, prern forro doRio de j;mein>, largando a esposa, forra como ele, para casar 
com Lufza de l'rcir;IS, libcrra, por qucm "se apaixonara" cm Minas Gcrais na 
~poca do ouru."' E mais ousado ainda foi o sapareiro Anr6nio Figueira de Jcsus: 
casado pela segunda vez em Pernambuco, preso e condenado ao dcgredo pelo San ro 
ORcio de Lisboa, fugiu e ombarcou-sc de voha pam o Brasil cm busca da amada 
mulhor. Esrava a pomo <le cnconrr:l-la, quando fui nov:omcnrc preso pela lnquisi~iio." 
l'oram rarfssimos, no enramo, os que rivcram scmclhanrc ousadia de largar 
a cspo~a • rornarcm .a se casar, por a"'or, ex pondo-se ~ ira da jusri~a inquisitorial. 
RarfsSimos cram, ah:ls, os casamcnros apaixonados. Quanro ~. mulhcres, bem 
•bcmos <JUC poucas vczcs rinham a possibilidadc de cscolha ncsscs assunros, execro 
quan<lo abandonadas pelos mar1'd ó d d · · · r· os, s se rsampara as, no unenso mtpérlo po 
IV 
gués. E quanto aos lwmcn.<., únicos que podiam e lh .. tu . _ . seo er ou reJeltar o casamen-
parcclanl ttr o cora<¡:ao seco ao tratare m de matri • · E . 
ro, • . . . . . . . . monlos. sranam a cumprir :a 
dverrcnoa dos mor.d1st.1s, dos que v1am no amor 0 úlr· d a , . liTio os sennmenros~ Ou 
eramos !errados que, pelo contrariO, apenas davam eco aos cosrumes sociais~ 
DA RFCJJ/.\Á!J A V/U/.[NOA 
Vigilancia sobn.: as mulheres da família, controle da esposa, decisáo sobre 0 
casamenro das fllhas, eis alguns tra~tos inequívocos de nosso anrigo parriarcalismo, 
especialmente assurnido pelos grandes senhores da Colónia. E a reclusáo domésti-
ca, por todos al me jada e m defesa da própria honra ou virgindade das filhas, so-
mar-se-ia a prisáo nos conventos e recolhimenros. Mas bem nos lembra Susan 
Soeiro que o envio de filhas aos mosteiros nem sempre atendía a zelos religiosos 
ou morais. M u iros pais o faziam como firme propósiw de náo casá-las e, assim, 
manter intacto o património fundiário da família, embora !hes fosse caro e difícil 
transformar as filhas em religiosas." 
A Coroa portuguesa, já o dissemos, sempre desencorajou a funda,ao de 
conventos no Brasil e o envio de mo~tas para os mosreiros ponugueses, receosa 
de que isso emperrasse a inda mais a rnulriplica~táo dos matrimOnios enrre os "princi-
pais da terra". Desencorajou mas náo impediu, embora tenha dificultado muito, 
no inicio do século XVlll, o envio de jovens para os moste iros do Reino. Em 
meados do século XVII, fundar-se-ia o célebre Convento de Sama Clara do Des-
cerro, na Bahia, logo seguido do Convento da Ajuda, no Rio de Janeiro, e do 
Recolhimento de Santa Teresa, em Sao Paulo, todos autorizados pelo poder me-
tropolitano. E, no século XVIII, em possível conexáo comas restril'óes da Coroa 
a entrada das mo<;as coloniais nos mosteiros portugueses, mulriplicar-se-iam os 
conventos e, sobretudo, os recolhimentos na Bahia, e m Pernambuco, no Maranhio, 
<m Siio Paulo, no Rio de Janeiro, e m Minas, e até no Su l."' . 
A . e • . t a funda,áo de rteolhl-monarqma sempre deu prererencta, no entan o, . 
mentas, em vez de conventos, no mundo ultramarino: "os inconvenu:nres de se 
permitirem mosteiros nas colOnias sáo tantos quantas as utilidades de havcr ndas 
recolhimentos e seminários ande se recolham, criC"m e ensinem as filhas das casas 
principais, as dos homens ricos, e ainda da gente ordinária".!.'J Evirava-sC", com 
¡ . . . . _ povoamento da rerra -, 
sso, a muluphcal'áo de cehbaránas - tao avossa ao 
· · d feito ademamento das mu-
cnan o-se, por ourro lado, as condi~óes para um per . . d 
lhe~ts coloniais. E das mulhe~ts de elite, conv<m frisar, pois • ma•ona os c-on· 
lh . d d' a-se a receber mo~as de f.1mílias abastadas o u, no ~~===~e~ .. 
. b A 1 · do Desterro por exemplo, ficanam celebres f'ela 
mímmo, caneas. s e artssas • A • • • 
, . l" · na aferi¡;áo da ascendencia das candJlhtas a rdi-
sua pureza raCia ' ngorosas . , , . 
-~ 64 E lho'menros eram esrabelecunentos so acess1veJs, cm maio-g•ao. mesmo os reco . . , , . . . 
. , . . . , · d rigorismo pamarcal, ou seJa. as mo~as de fanHil.ls ncas 
na, as prmopa1s vmmas o . . 
Desrinavam-se a educa¡;á.o e ao resguardo das donz_elas, a: _recebunenro de 
mulheres casadas durance auséncias dos maridos, reoro espnnual de viúvas e 
"local de corre~áo para as mulheres cuja conduta deixava a desejar, e confor-
me decisáo de pais ou maridos". 65 
Em seu imporrante artigo sobre a educa~áo feminina no Brasil Colonia, 
Maria B. Nizza da Silva nos informa muim sobre como funcionavam esses reco-
lhimenms, seus objetivos e suas práticas, examinando os estaruws de dais esrabe-
lecimentos pernambucanos do final do século XVIII, ambos redigidos por 
D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho. ''' Mostra-nos a autora, e m 
primeiro lugar, que os recolhimentos eram preferencialmente voltados para as 
mo~ de famllias importantes, tantos eram os obstáculos ao ingresso de filhas 
ilegítimas ou mo~as de cor. E indica-nos, ainda, seu propósito de preparar as 
mulheres para o setvi~o de Deus, "casando-se com Cristo", o u assumindo o papel 
submisso que !hes cabia no regime patriarcal. 
As meninas eram educadas num ambiente de absoluta clausura o u, como 
rezavam os estatutos, fechadas "numa pequena sociedade de pessoas do seu sexo". 
Deviam vestir-se com total simplicidade, sem enfeites ou "afeta~óes" que desmen-
rissem o estilo de vida do lugar; o mundo exterior era "cuidadosamente evitado", 
e aré mesmo as cartas só eram entregues depois de abertas pelas regentes. No 
tocante a educa~áo pressupunham-se, antes de tuda, as debilidades da vida e os 
exemplos que tinham em casa, a come~ar pela "falta de ocupa~óes" e, por conse-
guinte, pela ociosidade, máe de todos os vícios, do relaxamento e da "perniciosa 
sensibilidade para os divertimentos e espetáculos". Azeredo Coutinho parecia 
mesmo repetir as exotta~óes de Jotge Benci, sempre indignado com 0 ócio que os 
senhores permiriam aos escravos ... Cabia, portanro, instruir as recolhidas e 
educandas para que exrirpassem os "defeitos ordinários" do sexo feminino: as 
arrimanhas, as vaidades, a ragarelice, ere. Somente as candidatas a freiras deve~ 
riam aprender o larim e a música, limitando-se as demais :ls aulas de ler, escrever, 
contar, coser e bordar, atividades suficientes para urna boa esposa e máe. Escala 
misógina, formadora de mulheres dóceis e obedientes assim eramos recolhimen-
tos da Colonia e, certamente, os da Metrópole. ' 
Clausura doméstica celibato " lh' · , · h m 
. ' perpetuo ou reco 1menro prov1sono, nen u 
desses mecanosmos era suficiente para salvaguatdar os valores da família, a !ideli-
dade da esposa e a honra dos maridos. Com f llllllta requCncJa, as mulheres rom-
iam esse cerco familiar ou 1nsuruc10nal, expond _ 1• p . o se a VIO ene las, agrcss6es e 
homicídws consagrados pelos costumcs e aré por ¡ N , 
... . . . els. o tocante as classes abas-
radas, nossa e romea acha-se 1eplera de assassmatos cr ,. d d . . 
. b . ue¡s e o nas e s1nhas perpe-
trados por mandos so erbos, Jrm5.os enciumados e · l 
. _ . . . . pa1s ze osos, que 30 menor 
sinal de rraJC;ao ou mdJscJplma, punham-se a lavar 3 ¡ . 
. , . ' lonra com sangue. AssJm 
nos canta, sohdano com as mulheres, o benedirino Domi L e 
. . . ngos orero auto, que 
se deu ao rrabalho de mventanar diversos episódios sangrent d . 
. . . " · os causa os por sim-
ples mexencos, nos qua1s perderam a v1da algumas ilustres donz.elas e marranas 
pernambucanas" .('7 
Mas a violencia misógina náo era um privilégio das elites. Praticavam-na 
todos os homens, e a tal ponto que as eonstituis:óesde 1707, dispondo sobre a 
punic;:áo dos amancebados, recomendavam muira discric;:áo aos vigários na ad-
moesra~áo as adúlreras, especialmente se fossem os maridos capazes de matá-las 
ou impingir-lhes "mau tratamenro considerávei". 6M E Maria B. Nizz.a da Silva 
lembra-nos que embora a lgreja admirisse várias causas para a separac;:áo dos 
consortes, a alegac;áo de sevícias era táo recorrenre por parte das mulheres que os 
primeiros modelos de "petis:áo de divórcio", imptessos no início do século XIX, 
utilizaram aquela justificativa a guisa de exemplo. Náo faltou senso prático aos 
impressores de tal modelo, pois tudo nos indica que boa parte dos casais vivia as 
turras, e muitos maridos faziam da pancada o principal meio de resolver as quere-
las domésticas. Se bebiam demais, se perdiam no jogo, se amavam a concubina, 
por qualquer razáo batiam nas mulheres, e as vezes por questiúnculas de somenos 
importancia. Num litígio acorrido em Sáo Paulo, no final do século XVlll, u m 
marido depravado chegou a atacar sua mulher a faca, ameas:ando-a de "sangrar 
como u m parco", simplesmente porque ela se recusara a acompanhá-lo a uns 
"batuques e bailes desonestos": caso peculiar, sem dúvida, ondea pobre mulher 
esreve a beira da morte justamente por seu recato e sua fidelidade excessivos. No 
, · • e a "sobetba de machos" 
extremo oposw, porem, encontramos mesmo o cJUme 
d d ·d mo nas classes populares: como causa de agressóes e cruelda es os man os, mes _ 
e . 1 d h · . S de trinta anos e mae de 15 
atanna Rodrigues, por exemp o, casa a av1a mal · . . 
filh e · , h "pelo mando Clumento, o 1 os, rot brutalmente ferida nas partes vergon osas ,. ,, 
1 lh " · madre para fora · qua tanto a "rasgou" que parecia querer- e urar a . . l 
. . _ d ¡ · empre ¡01 , reconhe.;amo· o, 
Dtante de tantas violencias a poSt<;ao a grep s . 11 
d . mos advertonCias secretas s 
a e proteger as mulheres: recomendava, como vt ' . _ d d. ó · con-
lh d 1 é . lhia as pen.;oes e tv reto rnu eres casadas que praticassem a u t nos< aco 
rra maridos violemos, homens que abusavam do po~er ~~ casrigo_que l~es confe-
. . _ . . r ·a1 )á 0 Estado, ou a le. CIVIl, paree ~a maJS compla-
nam as uadu;oes e a enea ouc1 · . . 
· 1. · arirais facultando ao esposo o d1rello de matara ceme para com as v1o enc1as m • _ 
mulher e o adúlrero, desde que os pegasse em flagranre e o amanre nao lhe fosS<: 
. h. · social Caso conuário, sendo o amás10 fídalgo 
supenor na 1erarqu1a · . , . . " _ " , 
d b d Oa de "maior qual1dade , e o mando Simples peao 0 esem arga or ou pess , 
último deveria contentar-se em matar a esposa, nunca o adúhero, sob pena de ser 
degredado para a África." 
Embora limirasse 0 poder de "execu~áo" marital ao flagranre adulrério _ 
se assim podemos dizé-lo -, e apesar de punir corn a morte vários maridos que 
andaram matando as esposas por mera presun~Yáo de rrais:óes/ 1 o faro é que 0 
Estado se revelava solídário com a "honra masculina" valorizada nos cosrumes. 
Parricularmenre em Porrugal, pelo menos desde o século XV, as Ordena~óes 
Afonsinas aucoríz.avam o marido a "execurar" a esposa infiel, o que os Códigos 
Manuelino e Filipino só fariam confirmar nos séculos seguimes. Porém, convém 
repetir, a misoginia náo seria um fenómeno lusitano ou ibérico, em contraste com 
urna Europa mlerante. É ceno que diversas leis hispánicas já de muito restringiam 
a liberdade das mulheres casadas, proibindo-as de andarem sós na rua, abrigando-
as a jamais cobrirem o rosro (e a idemidade) ao saírem de casa, além de esrabele-
cerem ouuas restric;:óes72 que seriam inclusive adoradas nas colOnias, ao menos 
teorícamente. Mas também nas demais nac;:óes européias, sobretudo nos úlrimos 
séculas medievaís, os códigos cívis cenderam a recrudescer o casrígo das mulheres 
adúlteras, fixando, em muitos casos, variadas penas corporais.73 
Por ouuo lado, no ámbiro da culrura popular, embora a rrai~áo da esposa 
fosse reprovada e castigada em toda a Europa medieval, outros mecanismos eram 
uadicionalmenre usados para punir os adúlteros, a come~ar pelo repúdio da mu-
lher, o ~ire dos uaidores, a infama~iio pública, e ourros casrigos que nao impli-
cavam a pena de morte. Na Franc;:a, por exemplo, era comum praticar-se o charivari 
co~r~a as mulheres infléis, os amanres, e mesmo os maridos que náo reagissem 3. 
""'~0 • fau:ndo-os passear no lombo de besras sobo escárnio da comunidad<-
cosrume que sobreviveu no mundo rural até o século XVIII a pesar de condenado 
pela5 leis civis " E ramb~m p 1 ' 
· em orruga encontramos costumes do genero na 
remora uadi~áo mediev 1 d · · a • segun o consra no Lzvro velho das linhagenr. a rosqUia 
da mulher, pena infamanre e r d' · 1 · 1 d 
para o rabo do animaJ.n ' o ra tetona passeto de mula com o rosto vo ca o 
Talvoz mais forre na Penfn 1 Jb< · 'l'd d su a ~~:nca, sem lhe ser exclusiva, a hosu 1 a e 
contra aJ mulhcres tornou-se cr 
escence ern toda a Europa, entronizando-se nos 
139 
códigos civis e nas práricas sociais a partir do século XV a1· 
. . 1 d. . 1 , •mentada por urna 
misogm1a popu ar rra 1C1ona mente zelosa da fidelidade con. . 
. 'd " d . . E ¡ugal, porem menos 
•'homlCI a o que vma a ser na u ropa moderna S · e 
. . eJa como IDC, quer-nos pare-
cer que as le1s ponuguesas contra o aduhério feminin d . . 
. . , . - . . o eram as maJs ngorosas no 
J¡m1ar do seculo XVI. nao cog1tavam pumr os marido · e,. al . 
. . s muels, s vo se dorm¡ssem 
com mulheres casadas, e ilmnavam-se a determinar em d .1 
. que casos a a u tera deve-
ria ou náo marree por sua rr_au¡:áo._ A espelhar os cosrumes misóginos do Reino, 
exarcebando-os, o Estado sena comvente coma violenc·1a ant·c · · . 
. . 1remmma que vimos 
grassar no Brastl pamarcal. 
RfBELDIAS E CUMPLICIDADES: O MUNDO FEMININO 
Enclausuradas, desprezadas, vigiadas, espancadas, as mulheres nem por isso 
limiraram-se a sofrer, acuadas, a cresceme misoginia dos cosrumes e das leis. Pelo 
contrário, sempre reagiram 3.s pressóes masculinas, desafiando homens, rompen-
do unióes insuporráveis e tomando várias iniciativas no campo amoroso e sexual 
-o que, longe de "liberrá-las", estimulava ainda mais a misoginia, legitimando 
o moderno patriarcalismo no receituário dos moralistas. Sendo as mulheres abri-
gadas a se casar em todas as classes, náo é de estranhar que o adulrério feminino 
fosse corriqueiro e, como tal, preocupante para os homens casados. A "ausencia 
dos maridos" converteu-se, de fato, em verdadeira neurose masculina e, por moti-
vos óbvios, quase u m sinónimo de infldelidade e rrai~áo: fora já responsável pelos 
famosos "cintos de casridade" medievais e seria tema de várias comédias e "farsas" 
encenadas nas cidades européias dos séculas )01 e XVI. Náo foi ourro, aliás, o 
tema do Auto da India, escrito por Gil Vicente no início dos quinhentos, r<tratando 
0 que seria o maior pesadelo de muitos portugueses a época: sua partida para 0 alé,~­
mar e o envolvimento de suas mulheres com os avencure1ros do própno Remo. 
Recatadas e vigiadas, as mulheres portuguesas granjeariam, porém, cerra 
fama de adúlteras e namoradeiras, a confiarmos no relato que deJas fizeram 05 
viajantes europeus do século XVIII: quase todos diziam que bastava urna co~ver-
f · d h ssibilidade do alme¡ado sa numa, um elogio corees, e lago se esen ava a P0 .. . 
r 1 adverria um frances, po15 a 
amanee. Mas que os interessados se acaute assem, _ d 
menor suspeita, u m marido ciumento, u m irmáo altivo enterravam no cora~ao 0 
galante o punhal de que andavam sempre munidos"." 
140 
Identico restemunho dariam, ainda, os francese~ que vi~,iraran~ o Brasil nos 
l XVII XVIII gundo nos conta Gilberro Freyre. Fran\'OIS de Corea!, 
sécu os e . ' se observaram o conrrasre que marca va a vida ferni-
Frézier Froger e munos ourros 
. ' ~~ . _. 1 re 3 das mulheres abastadas: de u m lado, o recato, 3 
nana naCoama, espeua men . ~ . . 
clausura, a indiferen~a e, de curro, o fogo sexual. a p.alxao, o arnscar da VIda por 
A. dadas pelas amigas, alcovJtadas pelas mucamas, enea-urna avenrura amorosa. JU . , . . . . 
b 1 - d · rias maneiras enconrravam as smhas u m JeHo de tlud~r 05 enas pe as maes, e va 
maridos ou pais; e, a procura dos deleites que !hes negava o casamento, expu-
nham-se a wdos 05 perigos, ao corretivo de pancada, J clausura do recolhimento, 
ou ao banho de sangue que lavava a honra dos patriarcas.78 
Nem mesmo as freiras guardavam o recaro deJas esperado pela religiáo, 
fosse no Brasil, fosse na Europa. Analisando a vida das clarissas do Desrerro, 
Susan Soeiro indica-nos que as freiras gozavam de mais liberdade no convento do 
que se esrivessem na casa paterna; ali adquiriam a cultura só reservada aos homens 
na sociedade, ascendiam a posi~óes de mando, encenavam pe<¡as, organizavam 
recitais, e as vezes rinham o privilégio de morar com tias, parentas e até servir-se 
de escravas que rraziam da casa-grande. Além disso, namoravam muito, sobretu-
do padres, e náo raro com esd.ndalo. No caso mais rumoroso, em meados do 
século XVIII, o capeláo do Desrerro seria apanhado em flagrante com urna jovem 
novil'a no dormitório das mol'as, onde lograra entrar pelo al<;apáo da igreja ... " 
Rigorosas quando aferiam a origem racial das postulantes, as "claras pobres" náo 
pareciam se-lo na disciplina conventual. E náo muiro distintos, ainda, deviam ser 
os recolhimentos, se dermos crédito a Francisco Manuel de Melo: "mosteiros, 
recolhimentos e omros resguardos em que os homens depositam suas mulheres, 
náo deixam de ser arriscados; e deceno, quando a ocasiáo náo seja muiro urgente, 
é usar comas mulheres ruim lei, e falrar-lhes com a fé ( .. .)", adverria, preocupado 
com as vinganc¡:as femininas. 80 
Por auno lado, náo foram poucas as mulheres que, abrigadas a se casar ou 
destratadas pelos maridos, náo someme os traíam como rompiam as unióes, fa-
zendo-se senhoras do próprio destino. Freqüenre entre as mulheres populares era 
o abandono puro e simples de maridos insuportáveis, movidas ou náo pela deseo· 
berta de novas amores, conforme nos indicam diversos processos de bigamia. Na 
Merrópole ou na Colonia, vemo-las fugindo de maridos cruéis, farrando-se de 
esperar por maridos sumidos, assumindo relac¡:óes com amantes ro m pendo casa· 
mentos indesejáveis acabando e fi · - · ' · E 
• • • n 1m, com s1tuac¡:oes opress1vas ou mcertas. m 
outros casos, segundo nos masera Maria B. Nizza da Silva, as mulheres agiam de 
acordo com a lei e, se casadas com h · d . . . 
omc:ns m CSC:JáVels, vtolentos ou repugnantes, 
avam com p<..:dido de divórcio na vara eclesiásri A . . 
enrr ' , . d , . ca. maiOna das que o pe-
d. 111 alegavam s<:vlclas uu a ulreno dos maridos ra - _ f .. ¡a , ' zoes tao requemes como 
ficazes para u m despacho favoravel, senda carrero 0 m . d _ 
e 1 • ottvo a separac;ao. Havia, 
rém. as que reclamavam de maus-traros ou adultér' . po . . . lOs apenas para segutr a 
Praxe desses ped1dos, pots eram curras as resrnc;Oes qu f . 
. . . . e az1am aos esposos 
conforme admmam em segu1da: Impotencia su¡'eira dil 'd - d b 
. . " , . ' • apt ac;ao os ens 
com meretrtzes, embrtagues, doenc;as, e vanas curras, nem sempre acolhidas 
pelo vigário-geral." 
Muitíssimo hábeis eram, ainda, as que se aproveiravam d ¡ · · -
a nquisic;ao para 
delararem homens que as haviam molestado, ou para defenderem am· 
. . , . 1gas cenera 
siwas:óes pengosas. LuiSa D Alme1da, por exemplo, que sofrera pressóes sexuais 
de seu compadre, Fernáo Cabral, acusá-lo-ia ao visitador do século XVI por ter 
negado o pecado do incesto - no que foi seguida pela irmá Paula D'Aimeida -, 
rrazendo graves aborrecimentos para aquele importante senhor da Bahia.u Méscia 
Barbosa, por sua vez, denunciou como bígamos os ex~maridos de duas amigas, 
objetivando livrá-las de identica acusas:áo, já que ambas, farras de esperar por 
esposos fujóes, estavam casadas pela segunda vez.83 Mas, em matéria de vingan-
~as, a jovem Maria Grega seria realmente exemplar: havia dais anos casada como 
ex-alfaiate Pero Dominguez, porém "afeis:oda" ao mameluco Francisco Correa, 
resolveu acusar o marido de só a pass u ir em cópulas sodomíticas, mancomunando-
se com irmá, pai e outros parentes, o que levava o infeliz marido 3. prisáo e ao 
processo inquisitorial. .. 84 Luísa, Méscia, Paula, Maria, diversas mulheres fariam o 
mesmo, aliando-se, por intermédio da Justi~a. contra homens indesejáveis, levia-
nos ou hostis. 
Manietadas por pais e maridos, reiflcadas pelos homens, excluidas de várias 
esferas do cotidiano social, as mulheres acabariam por consrruir urna sociabilida-
de e urna linguagem próprias, em que muitas vezes uansparecia o ranear e a 
insubmissáo contra a ordem patriarcal que as oprimía. Parcciam viver um coüdia-
no a parte, esrabelecendo cumplicidades, alians:as. hierarquias que náo raro sub-
veniam ou amenizavam as barreiras sociais do colonialismo. inclusive os prrcon-
ceitos raciais, conforme nos ffiOS{ra fartamentc a documcnta~o inquisitorial do 
século XVI. Brancas e mamelucas, mo<¡as de familia ou filhas de arresáos. S<nho-
. d' · -es n.ortilhando exp<n-
ras ou escravas, todas pareciam umr-se cm 1versas snuacro • r- . 
e . d d ase S<mpr<: arquncrando OCias, trocando consdhos, descobrin o segr<: os, e qu 
m · . h ns Estarlamos de acordo com ane1ras para mc:lhor se relac1onarem com os omc · . . 
11 N . .. d r no da Col&ma, pranca-
ana ovmsky na observa~áo de que o mun ° mascu 1 . ¡ 
mente imperme:lvd as mulher<:s em seu aspec10 fOrmal", deu-lhts • oponunl• a-
-~· ~- L · um mundo femíníno, expre11ado em la~,. de 10)¡. de .. cm urta mcglwa., oc cnar . dar··-~-~- ·:w~e entre vízính», amígaa e paren u:•, no• expedienteo altcrnarí-lcuaoc e ami ' n.n 
vOJ de eopcran4j2 e num poder informal e d1fu10 (. .. ) .. 
E ho um unívcrJO fcmíníno por excdanc1a, lugar ondc aJ mullu:rco 
, ae uve .. e . , 
•L· do · m 01 -dígoJ e .. uníam quaJC cm con.rana para enfrcn-cram 1mw, mmava coo . , . 
tar .. maulu do cotidiano, uu: foí o campo daJ práucu mág1caJ. (~ certo que 0 
vaiv~m de or~• e cartu amatóríu, a bwca de 10rtíl~gíoo e a arm:u;áo de li:írí~1 
náo cram pr:úicaJ exduoívamcnu: fcmínínu; mu, aínda que oJ homcno apdao-
J<m com frcqüéncía 30 10brenuural, e muí101 JC wrnao~em deo pr6príoo "fciríceí-
roo" ou "magoo", eram ao mulherco que de1ponravam como douwrao da magía no 
mundo ocidental, e ao1ím eram vilw pclo1 crudítol da ~poca. Oo copccíalíorao cm 
demonoJogia cre4ítavam o fenómeno á naturC'l3 díab6Jíca da muJhcr, a JUa pro• 
pendo a pactuar com o dem6nÍo, C OJ moraJÍJiaJ alríbufam-no a Ígnorincía OU a 
rudeza mental dar fimeao, mao, Jeja corno for, da Círce de Homero a Cclc11ína de 
Fernando Roju, a bruxa Kría, anu:1 de rudo, a mulher."' 
Foí por inu:r~ío daJ mulhercJ, com efdto, que a tradícíonal magía eró-
rica porwgue•a enraizou-te no Braoíl, miJrurando-~e ao longo doo téculoo com 
díver101 elementOJ indlgenao e africanoo. E náo J6 para con~eguír marído1 ou 
admnhá-IOJ, conforme já mencíonamoo alhure1, mao para numcro101 outro1 lino 
afaiyoo, u mulhera apdavam ao 10brcnalural, protagonizando cm váríoo ~enrí· 
dao a vida arnor01a na Colbnía. Algumu uuvam de taÍJ cxpcdic:nu:o para malrra· 
w e vínpr-te de home111 índaejáveiJ, e m meomo aníquílá-lo1, como no ca10 de 
Cawína Fr6a, moradora na Bahía e CaJada com um anrígo cocríváo cm lino do 
lkulo XVI. Cwrína havía procurado María "Arde-lhe-o-Rabo", de quem já faJa. 
mot, a1111 o firme propósito de mwr um genro e oubmcter ouuo a vonrade de 
oua (dha"- o que bem 1101 indica a atrnoJfcra de r.:noáo e deoafeto que marcava 
01 aoít daqucle rempo. 
E ram~m Guíomar de Olíveíra, Calada com um 1aparcíro em Salvador, 
ptoeurou a famou Nó!Kcp para "vívcr bem com tcu marido", verdadcíra obtu-
do clat apotat de oucrora. Nó!Kcp ~lhe enrio que furtaJJC rrlt

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