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formando leitores ou bruxos

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311 
 
 
FORMANDO LEITORES OU BRUXO? A POLÊMICA EM TORNO DA 
SÉRIE HARRY POTTER 
 
Elaine Cristina AMORIN (PG – UEM) 
Vera Helena Gomes WIELEWICKI (UEM) 
 
 
ISBN: 978-85-99680-05-6 
 
 
REFERÊNCIA: 
 
AMORIN, Elaine Cristina; WIELEWICKI, Vera 
Helena Gomes. Formando leitores ou bruxo? A 
polêmica em torno da série Harry Potter. In: CELLI 
– COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E 
LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 
2009, p. 311-320. 
 
 
 
 Em 1997, a britânica Joanne Rowling, comumente conhecida como J.K. 
Rowling, lança seu primeiro livro Harry Potter e a Pedra Filosofal iniciando uma série 
de sucesso, que lhe garantiu a seqüência de mais seis livros: Harry Potter e a Câmara 
Secreta (1998); Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (1999); Harry Potter e o 
Cálice de Fogo (2000); Harry Potter e a Ordem da Fênix (2003); Harry Potter e o 
Enigma do Príncipe (2005) e Harry Potter And The Deathly Hallows (2007). 
 Cada livro narra a vida de Harry Potter na Escola de Magia e Bruxaria de 
Hogwarts onde ele aprende sobre mágica e como preparar poções, além de ultrapassar 
inúmeros obstáculos tanto mágicos como pessoais. 
 À primeira vista, o enredo é simples e a trama conhecida, com uma linguagem 
dinâmica. Mas o que faz dos livros de Rowling os mais vendidos em todo o mundo, 
garantindo-lhe a posição de mulher mais rica da Inglaterra, riqueza esta maior que a da 
própria rainha? De tal modo, 
 
Harry Potter convida à discussão não apenas da “guerra das culturas”, 
mas também do problema do leitor em formação, particularmente 
aquela que se dá num país de tradição iletrada como o nosso [...] 
(CECCANTINI, 2005, p.24). 
 
 Dessa forma, esta análise baseia-se, devido ao grande sucesso entre o público 
jovem, na possibilidade de despertá-los para o mundo literário, a partir do 
desenvolvimento de seu lado crítico por meio do ficcional. Nessa perspectiva, Lajolo 
(2001, p.7) afirma que: “Ninguém nasce sabendo ler: aprende-se a ler à medida que se 
vive”. 
 
 312 
 O mundo ao qual Lajolo (2001) refere-se está em constante transformação, onde 
o imediato ocupa o espaço do lúdico, ou seja, ler pode tornar-se uma tarefa árdua e sem 
vínculo com o mundo real do leitor. Assim, por meio de uma diferente “leitura do 
mundo”, sobretudo do mundo das bruxas, Harry Potter pode influenciar o ato de leitura 
ao invés de só estimular o hábito de leitura de diversos leitores.1 Logo, Colomer (2003, 
p.87) posiciona-se afirmando que, 
 
Na atualidade, [...], parece firmar-se a idéia de que a resposta efetiva 
do leitor, pode influir mais em sua compreensão do texto do que a 
própria organização da história (MOSENTHAL, 1997). Em torno desta 
idéia estão se desenvolvendo linhas de estudo tais como a percepção 
estética de linguagem, a resposta emotiva ao enredo, a identificação 
com os personagens ou a variabilidade das interpretações entre os 
leitores. 
 
 Neste contexto, de constante mutação social, a afirmação de Camões (apud 
Lajolo, 2001, p.12) “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, é pertinente na 
sociedade contemporânea, visto que os indivíduos passam por inúmeras mudanças 
sociais, históricas e ideológicas. Pressupõe-se assim, que um dos pontos que auxiliam 
no sucesso da série, é o fato de que seus leitores se identificam com as personagens, ou 
melhor, com o protagonista que se desfaz do estereótipo de herói virtuoso, apregoado 
pela literatura infanto-juvenil em geral: 
 
- ÓTIMO! – berrou Harry, e era tanta a raiva que centelhas vermelhas e 
douradas dispararam da ponta da varinha que ainda segurava na 
mão....(A Ordem, p.32) 
 
- ENTÃO VOCÊS NÃO TÊM PARTICIPADO DAS REUNIÕES, 
GRANDE COISA! ESTIVERAM AQUI O TEMPO TODO, NÃO 
FOI? ESTIVERAM JUNTOS O TEMPO TODO! AGORA, EU, 
FIQUEI ENCALHADO NA RUA DOS ALFENEIROS O MÊS 
INTEIRO! E JÁ RESOLVI MUITO MAIS DO QUE VOCÊS JAMAIS 
CONSGUIRAM E DUMBLEDORE SABE DISSO – QUEM 
SALVOU A PEDRA FILOSOFAL? QUEM SE LIVROU DO 
RIDDLE? QUEM SALVOU A PELE DE VOCÊS DOS 
DEMENTADORES? (Caixa alta no original - A Ordem, p.58) 
 
 A partir do trecho acima, pode-se refletir: as pessoas que convivem no dia-a-dia 
umas com as outras são 100% boas, apenas possuem sentimentos nobres, sem inveja, 
ciúmes, impaciência, raiva, ou será que elas possuem uma variedade de sentimentos que 
as fazem não serem necessariamente boas ou más? Dessa forma, se considerarmos esse 
preceito emocional dos indivíduos, o leitor é levado a perceber a natureza humana, em 
maior ou menor grau, de uma ou de várias personagens. Souza (2004, p.42) corrobora 
com essa assertiva expondo que é 
 
 
1 Paulo Freire mostra que há diferenças entre o hábito de leitura e o ato de ler, ou seja, o primeiro baseia-
se apenas na mecanicidade da leitura, com simples identificação dos sinais gráficos sem nenhum tipo de 
interpretação, já o segundo está fundamentado na importância do desenvolvimento do ato de pensar, do 
agir e do modo de escolha (Costa, 2006). 
 
 
 313 
[...] justamente por abordar o contraditório, a Literatura, em vez de 
trabalhar com personagens idealizadas, previsíveis e abstratas – além 
de “politicamente corretas” – típico dos livros pedagógicos, pode 
apresentar ao leitor seres humanos fictícios, mas complexos e 
paradoxais, mergulhados num constante processo de modificação e 
empenhados na construção de um significado para suas vidas. É da 
maior importância, acredito que leitores, sejam eles crianças, ou não, 
tenham acesso a personagens assim. São elas que permitem a 
verdadeira identificação entre a pessoa que lê e o texto. 
 
 Além de mostrar Harry Potter como um herói emocionalmente humano, a 
personagem Hermione Granger, caracterizada como intelectual e contestadora, possui 
um aguçado poder crítico no que diz respeito ao mundo que a cerca: 
 
Dentro havia uns 50 distintivos de cores diferentes, mas todos com os 
mesmos dizeres: F.A.L.E. 
(...) 
- Não é fale – protestou Hermione impaciente – É F.A.L.E. Quer 
dizer, Fundo de Apoio à Liberação dos Elfos! (O Cálice, p.180). 
 
- Elfos domésticos! – disse Hermione em voz alta, comprovando que 
Harry acertara – Nem uma vez, em mais de mil páginas, ‘Hogwarts 
uma história’, menciona que somos todos convenientes na opinião de 
centenas de escravos. (O Cálice, p.195) 
 
 Por meio do questionamento de Hermione das convenções vigentes, 
Souza (2004, p.44) justifica que deve-se considerar que o leitor 
 
[...] para além do plano educacional, vive no plano da existência 
concreta e particular (não teórico) e, assim, está sujeito a inúmeras 
situações contraditórias e inspiradas, ou seja, situações que não 
constam do cardápio das regras e modelos ideais. 
 
 Ao discutir-se a questão dos modelos ideais levantados por Souza (2004), talvez 
o maior incentivo na adoção de Harry Potter para a formação do leitor, seja o de 
possibilitar a anulação da posição mecânica e passiva do ato de ler. Ou seja, a leitura 
torna-se uma construção crítica não apenas do texto ficcional, mas também do mundo 
que cerca o leitor. Por exemplo, o leitor poderá perceber os diferentes modos de 
construir uma narrativa, principalmente no que concerne à personagem bruxa ao 
apresentar como protagonista um homem bruxo, Harry Potter. Nos livros da série a 
figura da bruxa(o) diverge da figura estereotipada até então fortemente caracterizada, 
principalmente, pelos contos de fadas, que foram influenciadas pela perseguição às 
mulheres bruxas na Idade Média, o que leva Oliveira (2005 – on line) a refletir: 
 
Em minhas reminiscências de infância, a imagem da bruxa era sempre 
apavorante. Sua caracterização física auxiliava sobremaneira na 
construção do medo diante dessa figura feminina, que muitas vezes 
era usada até por pais como elementos ameaçador a fim de disciplinar 
as crianças [...] Isso sem falar da Madrasta da Branca de Neveque 
personifica essa maldade a fim de castigar a enteada por sua beleza. 
 
 314 
Associado a essas imagens, surge o adjetivo bruxa, como 
caracterização de mulher feia e megera. 
 
 Portanto, ao apresentar as bruxas e bruxos como pessoas normais e comuns, o 
leitor pode ser levado a repensar a ideologia presente na estereotipação de tal 
personagem, além de possibilitar a comparação dela em diversas obras literárias. Esta 
situação de “confronto” entre leituras é fundamental para o trabalho de formação do 
leitor, pois, 
 
[...] o ato de ler implica um mergulho na própria existência – esta 
considerada como produto das determinações não apenas internas, mas 
externas aos sujeitos – no resgate dos significados já produzidos ao 
longo da vida e no confronto destes com a proposta feita pelo autor. 
No processo que se concretiza, o sujeito-leitor recupera seus 
conhecimentos e crenças, implementa seu raciocínio e se reorganiza, 
marcado por uma nova interação (GUIMARÃES, 1995, p.88 apud 
SANTOS e SOUZA, 2004, p.80). 
 
 Dessa maneira, Harry Potter proporciona uma multiplicidade de leituras, de 
caráter dialógico, entre texto e leitor. Isto é, o leitor dá vida ao texto por meio das 
múltiplas significações que este pode fazer surgir. Como exemplo, pode-se citar a 
valorização e respeito à diversidade cultural, que está visível na obra na convivência 
entre bruxos, trouxas, duendes, gigantes, elfos, e principalmente, ao repúdio a qualquer 
atitude de cunho “racial”: 
 
- É praticamente a coisa mais ofensiva que ele podia dizer – ofegou 
Rony voltando – Sangue-ruim é o pior nome para alguém que nasceu 
trouxa, sabe, que não tem pais bruxos. Existem uns bruxos, como os 
da família de Malfoy, que se chamam de sangue puro [...] Quero dizer, 
nós sabemos que isso não faz a menor diferença [...] 
- É ridículo. A maioria dos bruxos hoje em dia é mestiça. Se não 
tivéssemos casado com trouxas, teríamos desaparecido da terra (A 
Câmara, p.102-3). 
 
 Atitude esta que pode ser considerada benéfica, inclusive Colomer (2003, p.128) 
assim se posiciona sobre esta questão: “[...] recente atenção à composição multicultural 
das sociedades pós-industriais também produziu uma grande quantidade de iniciativas 
sobre o conteúdo ideológico dos livros que, por um lado, foram analisadas sob o prisma 
do respeito universal entre culturas”. A convivência multicultural em Harry Potter se 
verifica em dois planos: o mundo real (Londres) e o paralelo, um mundo mágico, onde 
bruxos e trouxas (não-bruxos) convivem lado a lado. 
Todavia, essa aproximação atraiu para Rowling e, conseqüentemente, para sua 
obra, a ira de diversas instituições religiosas conservadoras, pois na relação autor – texto 
– leitor, o último estaria sendo influenciado de forma negativa: 
 
Ele não tem voz cavernosa, mãos em forma de garras nem pés virados 
para trás. Não recebe sacrifícios com sangue de virgens nem surge de 
repente em meio a um pentagrama de fogo. É um menino alvo, de 
cabelos pretos, olhos azuis vivos e óculos de aros redondos, que lhe 
conferem certo ar intelectual. A cicatriz em forma de raio estampada 
 
 315 
na testa, no entanto, dá a pista. Harry Potter, o menino bruxo criado 
em ficção pela escritora inglesa J.K. Rowling, teria parentesco com o 
tranca-porta, o coisa-ruim, o asmodeu. Ou seja, com o Diabo. Há 
quem acredite nisso - e o grupo se torna maior a cada dia. Nos últimos 
meses, vários pastores protestantes e padres católicos têm-se dedicado 
a alertar os fiéis para o que julgam uma iniciação à bruxaria e ao 
satanismo (DANTAS, 2001 on line). 
 
Contudo, a polêmica da influência dos livros nos leitores não deve ser vista de 
forma alarmante, pois de acordo com Wystrand (apud COLOMER, 2003, p. 998-9), 
 
[...] o significado do texto é uma construção negociada pelo autor e 
leitor, através da mediação do texto. A mensagem não se transmite do 
autor para o leitor, mas se constrói, como uma espécie de ponto 
ideológico, que se edifica no processo de sua interação. Os limites do 
significado acham-se nas relações entre as intenções do autor, o 
conhecimento do leitor e as propriedades do texto, durante o processo 
de interpretação. 
 
 Mas, ao desconsiderar a construção interpretativa e crítica do leitor, a indignação 
religiosa se baseia no uso de palavras como: feitiços, bruxas, bruxaria, adivinhação, na 
obra, e são encaradas de forma negativa por algumas instituições religiosas, já que a 
opinião corrente é de que a bruxa é sempre uma aliada do mal, da magia negra, da 
ilusão e dos demônios. Porém, na obra de Rowling é forte a idéia de contrariar esse 
pensamento usual; que para Santos e Souza (2004, p.83): 
 
O texto de ficção – pensado como obra aberta, proposta por Eco deve 
proporcionar ao pequeno leitor não só prazer, mas também uma 
autonomia, que o faça buscar por si só uma diversidade nas suas 
opções de leitura e habilidade para produzir leituras diversas, que 
contribuirão para a produção de conhecimento e para a formação de 
um leitor crítico. 
 
 Essa possibilidade de formação crítica do leitor é desconsiderada por Stefano 
(2001) na matéria Harry Potter: Fantasia ou Satanismo publicado pela Revista Eclésia, 
que defende a não-ingenuidade do texto e que por trás dele existe uma séria ameaça à fé 
cristã, com livre associação ao ocultismo. 
 Compartilhando da opinião de Stefano (2001), Stoltz (2005) em artigo intitulado 
Harry Potter: Muito mais problemas do que apenas bruxaria, expõe que: “Valores 
tradicionais cristãos é coisa bem rara nessa obra. Aquilo que é considerado virtude 
praticamente não existe no mundo de Harry ou é descrito de modo fictício”. O escritor 
evangélico Samuel Fernandes Costa (apud Stefano, 2001, p.38) corrobora com essa 
opinião, para ele: “[...] o personagem ensina aos leitores diversos preceitos contrários às 
normas de Deus”. 
 Aliás, uma leitura mais atenta contradiz essas premissas, como, quando Lily 
Potter sacrifica sua própria vida para salvar seu filho: 
 
O Harry não, o Harry não, por favor, o Harry não!!! 
Afaste-se de mim sua tola... Afaste-se agora... 
 
 316 
O Harry não, por favor não, me leve, me mate no lugar dele... (O 
Prisioneiro, p.148) 
 
 E, tem-se no Novo Testamento (p.216) “Ninguém tem maior amor que este: de 
dar alguém a sua vida pelos amigos” (João, 15:13). 
 Vemos ainda que Harry enfrenta a morte em muitas ocasiões, o que não o 
desanima na sua luta contra o mal (Voldemort), porque seu poder é fruto de uma magia 
muito poderosa: 
 
[...] ter sido amado tão profundamente, mesmo que a pessoa que nos 
amou já tenha morrido, nos confere uma proteção eterna [...] Por isso 
Quirrel cheio de ódio, avareza e ambição, compartindo a alma com 
Voldemort, não podia tocá-lo. Era uma agonia tocar uma pessoa 
marcada por algo tão bom (A Pedra, p.255). 
 
 Em 1Cor. 13:13, lê-se: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, 
estes três, mas o maior destes é o amor” (O Novo Testamento, p.346). E ainda, 
encontra-se no livro referência à mais importante tradição cristã: o Natal. 
 
- Feliz Natal – disse Rony sonolento quando Harry pulou da cama e 
vestiu o roupão. 
- Pra você também – falou Harry. – Olhe só isso! Ganhei presentes? 
(O Prisioneiro, p.170). 
 
- E hoje você não vai se sentar com os monitores – disse Jorge – Natal 
é uma festa de família (O Prisioneiro, p.172). 
 
 Dessa forma, ao citar o Natal na série, a autora faz uma referência aos valores 
cristãos, pois sua demarcação pontua uma tentativa dela de resgatar a importância desta 
data como um momento de união com a família, amigos, etc. 
 Na contramão destas acusações de Harry Potter incentivar ao satanismo e 
ocultimos, Smadja (apud CECCANTINI, 2005, p.31) defende o “pequeno bruxo”: 
 
É preciso dizer de saída que as aventuras de Harry Potter constituem-
se na forma de um paradoxo. Em primeirolugar, paradoxo de um livro 
que, embora povoado de seres fantásticos, de magia e de vassoiras 
voadoras, e de uma racionalidade lógica que [...] não parecem falhar. 
Joanne K. Rowling chega a lançar um olhar bastante crítico sobre o 
mundo da magia e da clarividência por meio da personagem 
ridicularizada da professora Trelawney, uma vidente que ensina 
Adivinhação aos jovens bruxos do colégio de Hogwarts e cujas 
predições, de hábito, se revelam falsas impregnadas de charlatanismo e 
equívoco. 
 
 As críticas vão além do aspecto do ocultismo, outro fator associado a Rowling e 
sua obra é o fato de não existir uma linha nítida entre a realidade e a ficção, ou seja, 
 
[...] é apenas mais um dos motivos pelos quais Harry Potter é perigoso 
para as crianças. Se adultos já tem uma certa dificuldade em fazer 
distinção entre o real e o imaginário, imagine então o quão mais difícil 
é essa tarefa para as crianças! [...] Isso é o que está acontecendo com 
 
 317 
muitas crianças pensando que Harry Potter, seus amigos e sua escola 
são reais [...] Se a autora encoraja essa confusão entre o real e o 
fantástico é porque ela compreende e deseja os resultados negativos 
que se seguirão. (STOLTZ, 2005 on line) 
 
 Porém, na intenção de forma leitores críticos, é interessante que este encontre 
uma identificação do seu mundo com aquele encontrado no livro e acreditar que as 
crianças não conseguem delimitar o real do fantástico é subestimar sua sagacidade. De 
acordo com Colomer (2003, p.191-2)o mundo ficcional: 
 
[...] Estabelece um funcionamento baseado na descrição de um mundo 
secundário completo, onde se desenvolve uma luta entre o bem e o 
mal, onde a fantasia baseia-se na alusão a personagens e poderes 
antigos recolhidos das traduções míticas e onde o desenvolvimento 
narrativo adota a forma de uma missão de busca, através de grandes 
aventuras. 
 
 Logo, em Hary Potter é visível a apresentação de “coisas quem coincidem com 
o mundo real, por exemplo, o cenário das histórias se encaixa com algum lugar próximo 
a Londres. Assim, as personagens vivem no nosso mundo e no nosso tempo. Aspecto 
esse que pode tornar a leitura mais interessante e concreta para o leitor. 
Além da acusação de falta de delimitação entre o real e o fictício, Stoltz (2005) e 
Stefano (2001) corroboram da opinião de que as personagens não são necessariamente 
boas ou más, conforme já discutido no início desse artigo, pois saem da premissa 
clássica da polaridade bem x mal, visto que Harry Potter vai além dessa marca 
tradicionalmente demarcada da “[...] simplicidade das situações descritas, a clara 
distinção entre o bem e o mal, a facilidade de identificação do leitor com o herói 
positivo e o desenlace feliz da história” (BETTELHEIM apud COLOMER, 2003, p.63). 
Entretanto, para despertar o interesse do leitor é importante que ele se identifique com 
as personagens e com a obra quando “[...] percebe que essas são mais humanas, o que 
permite a identificação emocional entre a pessoa que lê e o texto” (SOUZA, 2004, 
p.45). 
 Há na voz dos críticos mais uma crítica aos valores não-cristãos supostamente 
difundidos na série, proveniente de uma leitura equivocada acerca dos livros, ao 
questionar os valores religiosos cristãos: “[...] um fantasma que assombra o dormitório 
das meninas, lamenta sua própria morte porque ele não pode cometer suicídio 
novamente” (STOLTZ, 2005 on line), demonstra o desconhecimento da obra de 
Rowling. Como se vê pelo exemplo a seguir, não é mencionado, nenhuma vez, que a 
personagem tenha cometido suicídio: 
 
A atitude de murta mudou na hora. Parecia que nunca alguém lhe 
fizera uma pergunta tão elogiosa. 
[...] Morri aqui mesmo neste boxe. Me lembro tão bem! [...] Em todo 
caso, o que me incomodou foi que era a voz de um garoto. 
Destranquei a porta do boxe para mandar ele sair e ir usar o banheiro 
dos garotos e então... – Murta inchou fazendo-se de importante, o 
rosto brilhante. – Morri. (A Câmara, p.253) 
 
 Como vemos, o tal fantasma não assombra o dormitório feminino como afirma 
Stoltz (2005), e sim o banheiro; e ela não comete suicídio, é vítima de um ser mágico, 
 
 318 
ou seja, ela não vai contra o preceito cristão de que só Deus pode retirar a vida de 
alguém. 
 Por fim, uma das críticas contra Harry Potter baseia-se no fato de que a autora 
menciona figuras ligadas ao “sobrenatural” em sua obra e “[...] todas essas novidades, 
como Harry Potter, induzem ao ocultismo” (STEFANO, 2001, p.38). Segundo Colbert 
(2001, p.52) 
 
Quando embarcam pela primeira vez no Expresso Hogwarts, Rony 
mostra a Harry as figurinhas dos bruxos e bruxas famosos que vêm 
dentro da embalagem dos sapos de chocolate. Ele cita alguns: 
Dumbledore, Merlin, Paracelso, a druida Cliodna, Hengisto de 
Woodcroft, Morgana, Ptolomeu e Circe. Alguns desses bruxos 
existiram mesmo. Outros existem em lendas que já têm centenas de 
anos. 
 
 No entanto, isso não significa que ela esteja querendo despertar a atenção das 
crianças para o ocultismo, já que, a literatura mundial está repleta de referências à 
pessoas ou situações reais. Tais informações apenas enriquecem o ficcional, 
representando uma pesquisa mitológica da autora, mas está longe de qualquer tipo de 
“dominação satânica”. E Dantas (2001 on line) justifica dizendo que “não há dúvidas de 
que as histórias de Harry Potter têm relação com cultos e rituais mágicos – até porque 
isso está no centro de todo o enredo que se passa numa escola de bruxos”. 
 Com efeito, como buscou-se demonstrar no desenvolvimento desse trabalho, o 
fenômeno cultural Harry Potter pode se tornar um grande aliado na formação do leitor, 
dado ao seu grande sucesso, principalmente entre o público infanto-juvenil, 
possibilitando despertar o interesse pela leitura mais crítica e, conseqüentemente, 
despertar o interesse pela literatura. Além disso, por meio da obra é possível fazer 
referências com o mundo real do leitor e com outras obras literárias, e ainda, 
 
Entre os atributos destacados, podem ser lembrados: o ritmo ágil, 
originado por farta ação e muitos diálogos; o humor e a paródia; o 
caráter fortemente simbólico; a promoção de valores humanistas; [...] a 
fusão eficiente entre o real e o fantástico; [...] o diálogo com uma vasta 
tradição literária; [...] 
Da perspectiva da formação de leitores, tais qualidades constituem um 
significativo diferencial, uma vez que propiciam um significativo 
diferencial, uma vez que propiciam aos mediadores, de fato, cumprir o 
seu papel, aprofundando os níveis de leitura com que os jovens podem 
se debruçar sobre a obra e sabendo que ela tem seguramente o que 
oferecer (CECCANTINI, 2005, p.50-1). 
 
 Quanto ao aspecto da polêmica em torno da influência satânica de Harry Potter 
sobre seus leitores, conclui-se que algumas atitudes críticas são provenientes de uma 
posição ideológica que foi demarcada há muitos anos atrás e que dificilmente serão 
modificadas. Contudo, vale ressaltar, que a série Harry Potter se faz importante para ser 
utilizada no despertar do jovem para o mundo literário, pois possibilitará o 
desenvolvimento de seu senso crítico através da leitura dos mais diversos textos 
ficcionais. 
 
 
 
 319 
REFERÊNCIAS 
 
CECCANTINI, João Luís C. T. Leitores de Harry Potter: do negócio à negociação da 
leitura. In: JACOBY, S.; RETTENMAIER, M; (orgs). Além da Plataforma nove e meia. 
Passo Fundo: UPF, 2005. p. 23-52. 
 
COLBERT, David. O mundo mágico de Harry Potter: mitos, lendas e histórias 
fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2001. 
 
COLOMER, Teresa. A formação do Leitor Literário. Narrativa Infantil e Juvenil atual. 
Trad. Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2003. 
 
COSTA, Patrícia. Hábito de leitura e compreensão de textos: uma análise da realidade 
de pós-graduados em administração. Dissertação de Mestrado. Santa Maria: 
Universidade Federalde Santa Maria, 2006. 
Disponível em URL: 
www.ufsm.br/adm/mestrado/Dissertacoes/Patr%EDcia/COSTA,%20Patr%EDcia.pdf 
Acessado em: Março 2007. 
 
DANTAS, Edna. Bruxo ou Demônio? Revista Época, 24 de dezembro de 2001, pp. 68-
9. 
Disponível em URL: www.epoca.com.br 
Acessado em: Janeiro 2007. 
 
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a Leitura do mundo. 6ª ed. São Paulo: 
Ática, 2001. 
 
OLIVEIRA, Cristiane Madanêlo de. A desconstrução do medo de bruxa na Literatura 
Infantil Contemporânea. 
Disponível em URL: http://www.graudez.com.br/litinf/trabalhos/terror.htm 
Acessado em: Fevereiro 2007. 
 
ROWLING, J.K. Harry Potter e a Pedra Filosofal. Tradução: Lia Wyler. São Paulo: 
Rocco, 2000. 
 
______. Harry Potter e a Câmara Secreta. Tradução: Lia Wyler. São Paulo: Rocco, 
2000. 
 
______. Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Tradução: Lia Wyler. São Paulo: 
Rocco, 2000. 
 
______. Harry Potter e a Ordem da Fênix. Tradução: Lia Wyler. São Paulo: Rocco, 
2004. 
 
SANTOS, Caroline C. Silva dos; SOUZA, Renata J. A Leitura da Literatura Infantil na 
escola. In: SOUZA, Renata Junqueira. Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: 
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STOLTZ, André. Harry Potter: Muitos mais problemas do que apenas bruxaria. 
Disponível em URL: http://www.nsrasalette.org.br/harrypotter.asp 
Acessado em: Março 2007

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