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Disciplina Análise do Discurso Coordenador da Disciplina Prof. Nelson Barros da Costa 5ª Edição Copyright © 2010. Todos os direitos reservados desta edição ao Instituto UFC Virtual. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autores. Créditos desta disciplina Coordenação Coordenador UAB Prof. Mauro Pequeno Coordenador Adjunto UAB Prof. Henrique Pequeno Coordenador do Curso Prof. Claudete Lima Coordenador de Tutoria Prof.ª Pollyanne Bicalho Ribeiro Coordenador da Disciplina Prof. Nelson Barros da Costa Conteúdo Autor da Disciplina Prof. Nelson Barros da Costa Setor TecnologiasDigitais - STD Coordenador do Setor Prof. Henrique Sergio Lima Pequeno Centro de Produção I - (Material Didático) Gerente: Nídia Maria Barone Subgerente: Paulo André Lima / José André Loureiro Transição Didática Dayse Martins Pereira Elen Cristina Bezerra Elicélia Lima Gomes Enoe Cristina Amorim Fátima Silva Souza Hellen Paula Pereira José Adriano Oliveira Karla Colares Kamille de Oliveira Viviane Sá de Lima Formatação Camilo Cavalcante Cícero Giovany Elília Rocha Emerson Mendes Oliveira Francisco Ribeiro Givanildo Pereira Sued de Deus Publicação João Ciro Saraiva Design, Impressão e 3D André Lima Vieira Eduardo Ferreira Gleilson dos Santos Iranilson Pereira Luiz Fernando Soares Marllon Lima Onofre Paiva Gerentes Audiovisual: Andrea Pinheiro Desenvolvimento: Wellington Wagner Sarmento Suporte: Paulo de Tarso Cavalcante Sumário Aula 01: Caracterização Inicial da Análise do Discurso ....................................................................... 01 Introdução ............................................................................................................................................... 01 Tópico 01: O que é a Análise do Discurso ............................................................................................. 03 Tópico 02: "Análise do Discurso": O que nos diz o Título da Disciplina.............................................. 08 Tópico 03: Discurso: Uma Palavra, Dois Conceitos .............................................................................. 15 Aula 02: Contexto e Discurso ................................................................................................................... 21 Tópico 01: Contexto: Uma Palavra, Múltiplos Sentidos........................................................................ 21 Tópico 02: Materialidade Linguística E Contexto ................................................................................. 25 Tópico 03: O ethos ................................................................................................................................. 31 Tópico 04: Da Cena de Enunciação ....................................................................................................... 37 Aula 03: Contexto Interdiscursivo........................................................................................................... 44 Tópico 01: Polifonia e dialogismo ......................................................................................................... 44 Tópico 02: Intertextualidade, Interdiscursividade e Metadiscursividade ............................................... 51 Aula 04: Reflexões Discursivas sobre o Ensino do Português ............................................................... 68 Tópico 01: O Ensino da Língua enquanto Prática Discursiva ............................................................... 68 Tópico 02: Uma Visão Discursiva do Ensino da Língua ....................................................................... 75 INTRODUÇÃO A Análise do Discurso foi fundada nos anos sessenta do século passado, década que ficou na história por concentrar acontecimentos de grande relevância para a Humanidade e que levaram a transformações políticas e comportamentais decisivas no mundo ocidental. É na década de 60 que se dá o auge da chamada “guerra fria”, tensão gerada pela disputa de hegemonia entre dois grandes blocos mundiais de poder. (os países organizados em torno da OTAN e aqueles pertencentes ao Pacto de Varsóvia) Também nesse período eclode uma série de movimentos de categorias que se sentiam marginalizadas ou oprimidas na sociedade da época. Na França, por exemplo, no mês de maio de 1968, ano de fundação da AD, os estudantes confrontaram a polícia criando barricadas e verdadeiras trincheiras de guerra nas ruas de Paris. Todo um status quo cultural e social foi questionado: o excessivo disciplinamento das crianças em escolas francesas; o lugar inferior da mulher diante do pai, do marido, dos filhos homens; o preconceito e a discriminação dos homossexuais, diagnosticados pelos médicos como doentes, etc. Alguns anos antes, as colônias francesas na África lutavam contra a dominação encontrando grande apoio e simpatia nesses movimentos. Esses movimentos se aliaram também aos sindicatos operários e intelectuais promovendo grandes manifestações e propagando ideias libertárias em todo o Ocidente que inauguraram novas maneiras de pensar as liberdades civis democráticas, os direitos das minorias, a igualdade entre homens e mulheres; brancos e negros; heterossexuais e homossexuais; velhos, jovens e crianças. PARADA OBRIGATÓRIA Sendo assim, nesse momento histórico, a Análise do Discurso nasce sob o signo da polêmica. A ideia original é que ela pudesse servir como um instrumento político capaz de desmascarar as estratégias de manipulação ocultas por trás dos textos. Acreditando que a linguagem encobria interesses e ideologias inconfessáveis, a AD é proposta como recurso metodológico capaz de por a nu tais interesses e ideologias. Com o tempo, ao se distanciar dessa época de grande acirramento ideológico, a AD supera esse finalismo para se tornar, sem perder seu caráter crítico, uma reflexão sobre a discursividade e a linguagem que pode, dependendo da perspectiva, se apoiar em uma ferramenta metodológica de leitura textual mais ou menos rigorosamente formulada. A história de como a disciplina evoluiu de uma posição que tinha essa meta de modo mais unificado, nos anos 60, para se multiplicar, nos dias de hoje, em uma série de propostas diferentes, dentre as quais a que ANÁLISE DODISCURSO AULA 01: CARACTERIZAÇÃO INICIAL DA ANÁLISE DO DISCURSO 1 apresentamos aqui, está contada em muitos textos, aos quais remetemos o leitor: LEITURA COMPLEMENTAR COSTA, Nelson Barros da. “O primado da prática: uma quarta época para a Análise do Discurso” In: COSTA, Nelson Barros da (org.). PRÁTICAS DISCURSIVAS: EXERCÍCIOS ANALÍTICOS. p. 17-48. Campinas: Pontes, 2005. MUSSALIN, Fernanda. “A Análise do discurso”. In MUSSALIN, F.; BENTES, Anna Christina. INTRODUÇÃO À LINGÜÍSTICA 2 – DOMÍNIOS E FRONTEIRAS. p. 101-142. São Paulo: Cortez, 2001. PÊCHEUX, Michel. “A Análise de Discurso: três épocas (1983)”. In: GADET, F.; HAK, T. (orgs.). POR UMA ANÁLISE AUTOMÁTICA DO DISCURSO - UMA INTRODUÇÃO À OBRA DEMICHEL PÊCHEUX. p. : 311- 319. Campinas: Ed. da Unicamp, 1990. POSSENTI, S. APRESENTAÇÃO DA ANÁLISE DO DISCURSO. São José do Rio Preto: Glota, 1990. OLHANDO DE PERTO Partiremos, portanto, de uma perspectiva mais contemporânea da Análise do Discurso, advertindo o aluno/leitor de que se trata de uma dentre muitas outras abordagens que podem ser encontradas no atual quadroacadêmico brasileiro e mundial. FÓRUM 01 Já encontra-se aberto o Fórum 01, onde você pode discutir com o tutor os conteúdos gerais da disciplina. Responsável: Professor Nelson Barros da Costa Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 2 TÓPICO 01: O QUE É A ANÁLISE DO DISCURSO MULTIMÍDIA Ligue o som do seu computador! OBS.: Alguns recursos de multimídia utilizados em nossas aulas, como vídeos legendados e animações, requerem a instalação da versão mais atualizada do programa Adobe Flash Player©. Para baixar a versão mais recente do programa Adobe Flash Player, clique aqui! [1] Utilizaremos, para nos aproximarmos de uma definição da Análise do Discurso, de princípios e procedimentos da própria disciplina: a. Como qualquer outra disciplina, ela será encarada como um discurso, ou seja, um dizer e uma ação sobre o real. Numa palavra: uma prática. Não se pretende uma verdade sobre a realidade discursiva, mas uma interpretação desta realidade sob óculos peculiares. Por outro lado, esta realidade, tal como a realidade não-discursiva, não é um mundo estável, estanque e imune à própria discursividade produzida pela Análise do Discurso. b. Partindo do princípio de que o advento de qualquer discurso só existe se posicionando em um campo já habitado, procuraremos indicar em que a disciplina se aproxima e se diferencia de outras conforme suas diversas dimensões. c. Supondo que os títulos das disciplinas não são nem inteiramente transparentes ao objeto das mesmas nem rótulos inocentes e alheios a seus modos de dizer e fazer, iremos submeter a expressão Análise do Discurso a uma análise discursiva. • As múltiplas dimensões da Análise do Discurso e sua relação com disciplinas concorrentes Podemos dizer que a Análise do Discurso tem múltiplas dimensões. De um lado trata-se de uma disciplina que se dedica a um modo de leitura de textos. Nesse sentido, ela se filia a uma linhagem de disciplinas que historicamente vêm se dedicando a essa prática, como a Hermenêutica, a Filologia e a Teoria Literária. Hermenêutica: (do grego “ermēneutikē”), trata-se de disciplina que tem por fim a interpretação correta e objetiva de textos religiosos ou filosóficos, especialmente das Sagradas Escrituras. Hermes, deus grego da comunicação e do entendimento humano, é o patrono da hermenêutica. A FILOLOGIA (do grego antigo Φιλολογία, “amor ao estudo, à instrução”) – disciplina que estuda a língua, a literatura e a cultura de ANÁLISE DODISCURSO AULA 01: CARACTERIZAÇÃO INICIAL DA ANÁLISE DO DISCURSO 3 um povo numa perspectiva histórica a partir de documentos escritos. Por vezes, o termo pode também denominar o estudo científico da história de uma língua ou família linguística, porém esse estudo é mais apropriadamente chamado hoje de Linguística Histórica. Assim, os filólogos propriamente ditos se dedicam ao estudo material e crítico dos textos. São ramos da filologia a Ecdótica (arte de descobrir e corrigir os erros de um documento escrito, preparando-lhe uma edição em que se procura estabelecer o texto perfeito), a Crítica Textual (estudo dos textos antigos e da sua preservação ou corrupção ao longo do tempo), a Crítica Genética (investiga a gênese da obra literária através do estudo dos mecanismos de produção e caminhos seguidos pelo escritor na preparação dos originais de sua(s) edição(ões)), Paleografia (estuda textos manuscritos antigos e medievais; estuda também a origem, a forma e a evolução da escrita) e a Epigrafia (estuda as inscrições antigas, ou epígrafos, gravados em material sólido visando decifrar, interpretar e classificar as inscrições. Teoria Literária: Disciplina que tem como objeto o texto literário, que vai ser estudado ao nível das suas propriedades, da sua ligação com outros textos similares, do papel do autor e do gênero. A Teoria Literária ou Teoria da Literatura trabalha em conjunto com a História da Literatura tentando integrar os diversos textos numa corrente literária. Enquanto ciência, deve produzir conceitos, hipóteses explicativas, métodos e instrumentos de análise que vão lhe permitir obter um conhecimento profundo sobre uma obra, tendo em conta o gênero, a corrente e a linguagem literária em que se insere. Quanto à Hermenêutica, entendida como disciplina preocupada com a leitura “correta” dos textos ou com o estabelecimento da melhor interpretação de um texto, a distância se dá pelo fato de AD não pretender a busca do Sentido, isto é, a revelação do verdadeiro sentido de um texto. Ao contrário, a Análise do Discurso pretende liberar os múltiplos sentidos de um texto porque segundo seus princípios, conforme veremos adiante, todo texto é sempre legível de múltiplas formas. Embora a AD pretenda, sim, efetuar uma interpretação de textos, interpretação que se pretende rigorosa, na medida em que amparada em sua materialidade, esta não se pretende o desvelamento do Sentido do texto. Um ponto crucial, portanto, marca o distanciamento entre as duas disciplinas: uma vez que não considera o texto como uma unidade fechada, mas sempre aberta a múltiplas interpretações, a AD está sempre atenta à possibilidade de que o sentido pode ser sempre outro. VERSÃO TEXTUAL Como qualquer disciplina do campo da cientificidade, a AD deve rejeitar uma leitura normativa, se recusando a tentar responder questões como "qual a melhor maneira de se descobrir o que realmente este texto quis dizer?", "como atingir o real sentido de um 4 texto?", etc. Interessa para a AD o que de fato foi dito, os múltiplos sentidos liberados, o como foi dito... Quanto à Filologia, podemos dizer que não se trata para a AD de ler o texto com o pretexto de estabelecer ou compreender seu contexto cultural. Isso pressuporia uma visão do contexto de um texto como uma moldura, numa relação de exterioridade, como se o contexto de um texto fosse uma realidade constante, muda, indiferente e pré-existente ao texto. Veremos que, para a AD, todo texto supõe seu contexto. Ele tem sempre marcas desse contexto e nele interfere diretamente. VERSÃO TEXTUAL Embora muitos analistas estabeleçam objetivos diversos para a análise e, de algum modo, um certo finalismo tenha marcado a própria origem da disciplina, a AD deve rejeitar a ideia de pretexto, pois esta supõe uma secundarização da análise em função de fins ou objetos supostamente mais nobres. À Teoria Literária a AD deve bastante... Esta disciplina tem grande influência nas práticas de leitura e interpretação de textos em ambiente escolar, sendo praticamente, hoje em dia, no Brasil, a responsável quase isolada pelas práticas analíticas voltadas para o texto e para o discurso com as quais os usuários leigos da língua têm contato durante a infância e a adolescência. O estudo dos textos literários historicamente desenvolveu importantes conceitos hoje apropriados pela Análise do Discurso, como gênero, intertextualidade e posicionamento. É clara, no entanto, a diferença entre as duas disciplinas em diversos aspectos. Em primeiro lugar, a apreensão da AD pretende-se muito mais abrangente, podendo inclusive tomar o próprio discurso da Teoria Literária e seu objeto como objetos de análise. No entanto, e este é o segundo lugar, a abordagem discursiva, mesmo a de textos literários, não será estética. Ou seja, sem pretender substituir e sem que o aspecto estético seja negligenciado, o texto literário não será examinado com o objetivo de apreender sua literariedade, não será julgado em suas qualidades artísticas através de conceitos como “belo” ou “bom gosto”, mas como uma enunciação (como tantas outras) que funciona ligada a uma instituição discursiva específica. Poroutro lado, a Análise do Discurso é uma disciplina preocupada com a formulação de uma teoria geral da linguagem, uma vez que a prática de leitura que realiza pressupõe um modo de conceber o processo que tornou possíveis os textos de que se ocupa. E aí, por esse aspecto, a Análise do Discurso é também uma teoria do discurso, o que a aproxima das disciplinas científicas voltadas para a compreensão teórica da linguagem, como a Linguística (Linguística: Setor das Ciências Humanas cujo objetivo é descrever e explicar cientificamente as línguas naturais humanas, tanto do ponto de vista dos sistemas subjacentes (mentais ou sociais) quanto do ponto de vista dos processos históricos que 5 conduzem à mudança desses sistemas. Pode também investigar os processos de aprendizagem, produção, processamento e transposição material e variação social da linguagem verbal humana. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Semi%C3%B3tica)) e a Semiótica (Semiótica: (do grego semeiotiké ou “a arte dos sinais”) - ciência geral dos signos, estuda os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é, sistemas de significação. Ocupa-se do estudo do processo de significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito ou da ideia. Mais abrangente que a Linguística, a qual se restringe ao estudo dos signos linguísticos, ou seja, do sistema sígnico da linguagem verbal, esta ciência tem por objeto qualquer sistema sígnico.(http://pt.wikipedia.org/wiki/Semi% C3%B3tica)) . Sem entrar na questão do modo como compreendem a linguagem e o discurso, podemos afirmar que a AD comunga com esses campos de saber no sentido não abrir mão de princípios universais de cientificidade tais como a busca da universalidade, a validação prática de suas descobertas, crenças e criações, a investigação metódica, etc. Diferentemente dessas disciplinas, porém, na medida em que a AD pretende, mais do que propor modelos de análise, verificar os condicionamentos sócio- históricos da produção linguística concreta, ou ainda, investigar os nexos que condicionam as formas linguísticas, ela esclarece e contribui para a emancipação crítica do falante-ouvinte. Além do mais, a AD não separa o produto do processo de produção. Para ela, a exterioridade é constitutiva do texto, isto é, o falante (escritor), o ouvinte (leitor) e o contexto social e histórico no qual estão inseridos, bem como as próprias formulações linguísticas fixadas na memória discursiva, são levados em conta na sua prática. Dessa forma, ela procura evitar tanto o distanciamento presente nas ciências, quanto o pragmatismo inerente ao senso comum, procurando descrever, explicitar e problematizar a discursividade. Diante desta, o procedimento da AD é, portanto, de reflexão crítica, pois procura problematizar continuamente as evidências e explicitar seu caráter político- ideológico (ORLANDI, 1987). Note-se que a AD não se pretende colocar como uma alternativa para a Linguística e a Semiótica - ciências positivas que pretendem descrever e explicar a linguagem verbal humana, mas como proposta crítica que pretende problematizar as formas de reflexão estabelecidas (ORLANDI, op. cit.). Um aspecto importante dessa diferença entre a Análise do Discurso e as outras perspectivas elencadas diz respeito à forma de encarar o objeto linguagem. A AD olha seu objeto como parte da totalidade social e histórica, procurando articular aquilo que a olho nu aparece como desarticulado: a linguagem, a história, a sociedade, os sujeitos. Daí o caráter interdisciplinar da Análise do Discurso que não hesita em buscar de outras áreas do saber elementos para tentar compreender a linguagem. De outra parte, consideramos que a Análise do Discurso se aproxima do saber filosófico acerca da linguagem. Naturalmente que essa aproximação tem grande relação com o fato de serem filósofos alguns de seus precursores como Mikhail Bakhtin, Louis Althusser e Michel Foucault, além de ser filósofo seu próprio fundador oficial, Michel Pêcheux. Mas seria redutor creditar unicamente a esse fato, certamente relevante, a “aura” filosófica da 6 Análise do Discurso. Pensamos que isso tem a ver com uma postura reflexiva, crítica e de não-neutralidade, a nosso ver irredutível, diante de seu objeto e do mundo. Diante, por exemplo, da descoberta de estratégias de manipulação do leitor/ouvinte ou de mascaramento de determinados mecanismos de poder, o analista não pode deixar de se posicionar e de denunciar. Mas não apenas isso. Além dessa dimensão ética, pensamos que outra herança do discurso filosófico incorporado pela AD compõe um aspecto de seu instrumental metodológico baseado na reflexão sobre seu objeto em oposição a uma linguagem meramente descritiva, que se pretenderia transparente, reflexo do real. Mais do que desvendar a realidade discursiva, o discurso da Análise do Discurso pretende problematizá-la. Essa problematização passa por um uso da linguagem que problematiza ela própria a linguagem comum das ciências positivas da linguagem. Daí o uso de metáforas, alegorias, aparentes paradoxos, construções inusitadas, de um código de linguagem aberto à visita da subjetividade, mas sempre preso ao rigor e avesso à especulação. QUADRO COM SÍNTESE FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.adobe.com/products/flashplayer/ 2. http://www.adobe.com/go/getflashplayer 3. http://www.adobe.com/go/getflashplayer Responsável: Professor Nelson Barros da Costa Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 7 TÓPICO 02: "ANÁLISE DO DISCURSO": O QUE NOS DIZ O TÍTULO DA DISCIPLINA Fonte [1] Michel Pêcheux - (1938-1983): uma das figuras mais importantes da Análise do Discurso. A denominação “Análise do Discurso” dá poucas pistas para uma compreensão mais precisa dos objetivos da disciplina, diferentemente de outras e de outros segmentos do campo de saber da Linguística: OBSERVAÇÃO Como se pode perceber, mesmo que não se tenha uma visão completa do que tratam as disciplinas acima, seus títulos dão alguma ideia de seus assuntos. Sabe-se, a partir do título Psicolinguística, por exemplo, que ela relaciona de alguma maneira “mente” e “linguagem”. E o que se sabe da Análise do Discurso a partir de seu título? Pouca coisa! Diante da palavra “análise”, pode-se perguntar: que tipo de análise? Linguística? Estética? Crítica? Ideológica? Independente do sentido que se possa atribuir à palavra “análise”, antecedendo a palavra “discurso”, o leitor pode supor que exista um objeto passível de análise: o “discurso”, do mesmo modo que outros objetos, como a sintaxe, a morfologia e a fonologia. Porém, em nenhuma dessas “análises” o objeto toma a forma substantiva definitivada (A <strong>definitivação</strong> é a utilização de uma expressão seguida de artigo definido. Este recurso dá à expressão um caráter de informação já conhecida.) como em “análise do discurso”. Não são conhecidas as expressões “análise do sintagma”, “análise do fonema” ou “análise do morfema” enquanto títulos de disciplinas ou setor de disciplinas. Noutras palavras, a expressão “análise do discurso” não se enquadra com sucesso no paradigma abaixo: “Análise fonológica” = análise da fonologia de uma língua “Análise morfológica” = análise da morfologia de uma língua “Análise sintática” = análise da sintaxe de uma língua “Análise do discurso” = análise do discurso de uma língua” ? Assim, a expressão “análise do discurso” é obscura no tocante a dizer o que realmente a disciplina consiste nos limites do que um título pode dizer do que consiste uma disciplina. ANÁLISE DODISCURSO AULA 01: CARACTERIZAÇÃO INICIAL DA ANÁLISE DO DISCURSO 8 Isso se agrava pelo fato deque, diferentemente dos termos “fonologia”, “morfologia” e “sintaxe”, que são mais técnicos, o termo “discurso” é saturado nos seguintes sentidos: A) PELO SENSO COMUM: RETÓRICA, PALAVRAS VAZIAS, FALA EM SITUAÇÃO SOLENE Estes sentidos NÃO são, naturalmente, os do termo “discurso” que está no título de nossa disciplina, embora eles devam ser considerados pela Análise do Discurso, uma vez que fazem parte, como qualquer palavra da língua, de um campo de produção de sentido, nesse caso, o que se tem chamado discurso do cotidiano. B) PELO SENTIDO DICIONARIZADO:HOUAISS: VERBETE DISCURSO N substantivo masculino 1 mensagem oral, ger. solene e prolongada, que um orador profere perante uma assistência Ex.: d. De posse, de despedida, de formatura etc. 2 rubrica: literatura. Peça de oratória ger. para ser proferida em público, ou escrita como se fosse para esse fim; sermão, oração Ex.: Rui Barbosa ficou famoso por seus discursos. 3 série de enunciados significativos que expressam formalmente a maneira de pensar e de agir e/ou as circunstâncias identificadas com um certo assunto, meio ou grupo Ex.: 4 rubrica: literatura. Diacronismo: obsoleto. Texto em que se trata com profundidade algum assunto; estudo, tratado, dissertação Ex.: o professor aconselhou a leitura do discurso do método, de Descartes 5 rubrica: filosofia. Raciocínio que se realiza por meio de movimento seqüencial que vai de uma formulação conceitual a outra, segundo um encadeamento lógico e ordenado obs.: p. opos. A intuição 6 derivação: por metonímia. A exposição do raciocínio assim conduzido; pensamento discursivo 7 rubrica: lingüística. 9 A língua em ação, tal como é realizada pelo falante [para muitos lingüistas, a palavra discurso é sinônimo de fala e figura em igualdade de sentido na dicotomia língua/discurso. obs.: cf. fala 8 rubrica: lingüística. Segmento contínuo de fala maior do que uma sentença obs.: cf. Análise de discurso 9 rubrica: lingüística. Enunciado oral ou escrito que supõe, numa situação de comunicação, um locutor e um interlocutor 10 rubrica: lingüística. Reprodução que alguém faz das palavras atribuídas a outra pessoa Obs.: cf. discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre Como se pode ver, o verbete do dicionário (tomamos HOUAISS (2001), mas o mesmo vale para qualquer outro dicionário) já reflete a multiplicidade de sentidos do termo, ao mesmo tempo em que opera uma seleção e uma fixação, cujos critérios não são explicitados, desses sentidos. Em que medida poderemos indicar o dicionário como um auxiliar na compreensão da expressão “análise do discurso” tal como queremos explicitar aqui? Em nenhuma medida, como esperamos que se torne claro aqui. Deixando de lado os sentidos do senso comum, da literatura, da filosofia e da psicanálise, colocados em primeiro plano pelo dicionário em questão, mas que podemos descartar, consideremos aqueles que foram reservados pelos 4 últimos verbetes para a Linguística, sendo que em um deles a expressão “análise do discurso” entra como exemplo de emprego do termo. Fonte [2]Ilustração do livro “Curso de Linguística Geral”, de Ferdinand de Saussure O primeiro deles, de número 7, assimila o conceito a fala, opondo-o a língua, evocando a célebre dicotomia saussureana. Evidentemente, discurso não se confunde com fala. Se Análise do Discurso equivalesse a análise da fala, no sentido que Saussure dá a esse termo, aquela não passaria de um dispositivo técnico de análise da materialidade dos sons. Isso porque, para Saussure, a fala é o mecanismo psicofísico de execução da língua. Em suma, conforme a 7ª definição de Houaiss para discurso, a Análise do Discurso seria o mesmo que análise fonética, o que absolutamente não bate com a realidade (os próprios foneticistas não se diriam praticando análise do discurso). 10 Ferdinand de Saussure (1857-1913) Na oitava definição, temos a consideração do discurso, mais uma vez, como objeto relacionado à fala. Ele é identificado como “maior do que a sentença”. Vale ainda dizer que esse sentido do dicionário, que inclusive dá como exemplo o nome de nossa disciplina, advém certamente do que é considerada a primeira utilização da expressão “análise do discurso”: “Discourse analysis” (em português “Análise do discurso” ou “Análise de discurso”) foi o título de um artigo do linguista norte-americano Zellig Sabbetai Harris, publicado no número 28 da revista Language, em 1952, traduzido para o francês e publicado no número 13 da revista francesa Langage, em 1969, apenas um ano após a fundação oficial da Análise do Discurso francesa. Visando aplicar a descrição sintática da frase ao texto, Harris considera discurso o conjunto articulado de sentenças. Assim, para Harris, do mesmo modo que, na frase, a análise sintática procede verificando as regras de articulação entre os elementos constituintes (nomes, verbos, preposições, artigos, etc.), a análise do discurso deveria proceder verificando as regras de articulação entre as frases em um texto. Desse modo, o discurso é definido como um conglomerado de frases articuladas e, portanto, como diz o dicionário, maior do que a sentença. De fato, o discurso como realidade empírica tem natureza diferente da sentença. Porém não em relação ao tamanho, mas à sua própria condição de existência. Enquanto que o discurso é uma realização concreta de uma interação entre sujeitos, a sentença é a realização de uma estrutura linguística. Nesse sentido, o discurso pode ser menor (ex.: “bom, eu... ”) ou maior (ex.: um romance), não sendo, portanto, o tamanho que os diferencia. Voltaremos mais adiante a essa questão. Para aprofundar essa discussão sugerimos o artigo “Zellig Harris: 50 anos depois”, de Carlos Alberto Faraco Zellig Harris: 50 anos depois [3], de Carlos Alberto Faraco. Passemos à definição de número 10, para depois nos voltarmos para a 9. O sentido 10 aponta para um uso muito específico da palavra discurso: “discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre”. A rigor, trata-se de esquemas de reportação (Ação de trazer em um enunciado fragmento de um enunciado supostamente de outro. Deriva: “reportar” e “reportado”.) , de enunciados ou de recortes de enunciados. Ou seja, fórmulas usadas para o encaixamento de trechos da enunciação alheia. São fartamente conhecidos não apenas por ser procedimento comum na enunciação, mas também por serem muito trabalhados na escola. Embora seja um fenômeno importantíssimo para a AD, como veremos na aula 03, não é esse o sentido de discurso tomado pela AD, uma vez que será preferível tomar como discurso o enunciado reportador, não o reportado nem o esquema da reportação. Ainda mais se considerarmos que o “discurso” no discurso é sempre modificado de alguma maneira, nunca se conservando tal qual ele 11 aconteceu, diferentemente do que a expressão “discurso direto” sugere. Em poucas palavras, podemos dizer que o discurso reportado não é de fato um discurso no sentido privilegiado pela AD. Por fim, analisemos a definição 9: “enunciado oral ou escrito que supõe, numa situação de comunicação, um locutor e um interlocutor”. É a que mais se aproxima de um dos sentidos preferenciais de discurso que a AD se utiliza, ainda que incompleto. Ela é criticável nos seguintes aspectos: ASPECTO 1 a) define discurso utilizando a palavra “enunciado”, sem definir a própria palavra “enunciado”; ASPECTO 2 b) adota o conceito de “comunicação” de modo acrítico. Veremos que a AD manifesta reservas a esse conceito; ASPECTO 3 c) na prática, é redutor falar-se apenas em “um locutor e um interlocutor”. A interlocução é sempremúltipla e sempre co-enunciativa. Ou seja, há sempre muitas “vozes”, muitos sujeitos “falando” em qualquer enunciado, ao mesmo tempo em que, na maioria das vezes, a enunciação sempre envolve mais de um enunciador, que co-enunciam junto com o enunciador. C) PELA LINGUÍSTICA: DISCURSO = TEXTO Nas últimas décadas, a Linguística tem se dedicado cada vez mais aos estudos da interação linguística. Trata-se de um grande avanço, porque, no início da disciplina, a proposta era o estudo das formas, funções e regras do sistema linguístico. A partir da proposta de Ferdinand de Saussure, os linguistas europeus e americanos de grande parte do século 20 tomaram como encargo sobretudo a descrição dos sistemas linguísticos analisando sua estrutura fonológica, morfológica e sintática, considerando apenas esses níveis passíveis de sistematização. Os sistemas linguísticos que possibilitam a comunicação eram estudados independente dos usuários e do contexto de uso, seguindo a máxima de Saussure que recomendava que a Linguística deveria ter “como único e verdadeiro objeto a língua em si mesma e por si mesma”. No entanto, aproximadamente a partir da metade do século vinte, influenciada por estudos de outras áreas das ciências humanas e da filosofia, essa proposta estruturalista vai gradativamente se abrir não apenas para a consideração do uso linguístico, mas também para a análise de unidades que não se restringem ao campo da sintaxe. Começa um interesse maior pela semântica (A <strong>semântica</strong> (do grego σημαντικός, derivado de sema, sinal) refere-se ao estudo do significado, em todos os sentidos do termo. A semântica opõe-se com frequência à sintaxe, caso em que a primeira se ocupa do que algo significa, enquanto a segunda se debruça sobre as estruturas ou padrões formais do modo como esse algo é expresso.) , pela pragmática (<strong>Pragmática:</strong> Ramo da Linguística que se interessa pelas relações entre os signos e os usuários considerando a influência sobre 12 aqueles do contexto situacional, da cultura dos falantes e das regras sociais.) , pela conversação, pela enunciação e pelo texto. Fonte [4] A Análise do Discurso, campo desde o início já interdisciplinar, que se desenvolve independentemente da Linguística, vai tanto receber influências como influenciar tais estudos. Não discutiremos no curto espaço desse curso essa influência mútua. Queremos apenas chamar atenção para o uso que muitos dos ramos pós-estruturalistas da Linguística têm feito da expressão “discurso” e de como esse uso se distancia do principal sentido de discurso trabalhado pela AD. Tanto a chamada Teoria da Enunciação (Teoria da Enunciação: Perspectiva, atribuída a Émile Benveniste, voltada para a análise dos mecanismos formais que possibilitam o uso da língua pelos sujeitos.) , quanto a Pragmática (Pragmática: Ramo da Linguística que se interessa pelas relações entre os signos e os usuários considerando a influência sobre aqueles do contexto situacional, da cultura dos falantes e das regras sociais.) , bem como a Análise da Conversação (Análise da Conversação: Ramo da Linguística que pretende descrever e analisar como as regras da fala são estrutural e socialmente (co)construídas no decorrer da interação face-à-face.) , foram muito influenciadas por uma concepção de discurso explicitada por Émile Benveniste , quando ele opõe enunciados ancorados na situação de enunciação (“discurso”) e enunciados recortados de sua situação de enunciação (“história” ou “narrativa”). Nos primeiros, próprios das situações de conversação, há a clara manifestação dos elementos de subjetividade seja dos agentes da enunciação (como “eu”, “mim”, “comigo” - e derivados: “tu”, “te”, “contigo” -, formas verbais correlativas, etc.), seja dos elementos temporais e espaciais que tomam por referência esses agentes partir da enunciação do “eu” (“agora”, “hoje”, “ontem”, “aqui”, “lá”, “acolá”, etc.). O não-discurso seria, para Benveniste, formado por aqueles enunciados em que tais marcas estão ausentes, como no caso dos textos científicos, narrativos, historiográficos, etc. Embora esses estudos sejam preciosos para a AD, eles não contemplam o seu objeto em sua integridade, pois não dão conta nem da discursividade como um todo, que não se resume às trocas verbais situacionais, nem dão conta do sentido mais amplo do discurso, isto é, das ordens ou campos discursivos que são o contexto em que se dá qualquer tipo de troca verbal. No caso da Linguística Textual, que, por conta de reformulações recentes, tem sido chamada também de “Linguística de Texto”, a problemática do uso do conceito de discurso se dá de modo diferente. É interessante notar o caminho inverso que essa disciplina seguiu em relação ao daquelas elencadas acima. Isso porque ela parte da noção de texto (termo fortemente habitado pela ideia da escrita) para tentar extrapolá-la para os 13 enunciados não-escritos. No entanto, há uma forte tendência entre os adeptos dessa disciplina em assimilarem a noção de texto a discurso, o que se dá em detrimento do sentido de discurso como instância mais ampla de produção simbólica, dentro da qual os textos adquirem sentido. A denominação “gênero textual” substituindo a de “gênero do discurso”, tal como propusera Bakhtin, é um exemplo dessa elisão da dimensão do discurso, inaceitável para a AD. Logo: O fato de estarem combinadas as palavras “análise” e “discurso”, pela locução gramatical “do”, não implica que o sentido de “análise do discurso” seja igual à soma sintático-semântica de tais termos (“análise do discurso é uma disciplina que tem por objetivo analisar o objeto discurso”); O sentido dos termos da expressão “análise do discurso” não pode ser compreendido sem a verificação do que na prática é a análise do discurso; Assim, “análise”, “do” e “discurso”, têm seus sentidos “reciclados” pelo novo contexto pragmático que o simples uso combinado desses termos adquire em determinado momento histórico; Em síntese, os conceitos expressos pelos termos em questão não são dados previamente, mas construídos por uma prática científica situada histórico e socialmente. É preciso que se diga, aliás, antes de começar qualquer discussão, que a análise do discurso é dilacerada por uma grande variedade de perspectivas. Algumas vão até divergir quanto ao título da própria disciplina. Umas vão preferir análise DO discurso, outras análise DE discurso, outras análise DE discursoS e outras ainda análise CRÍTICA DO discurso ou análise DO discurso CRÍTICA. O fato de termos analisado apenas a primeira denominação já indica nossa opção por uma dessas perspectivas. Mas mesmo aqueles que concordam com essa denominação se dividem em variadas linhas conforme alguns critérios. Devido à exiguidade de tempo, não exploraremos essa questão, limitando-nos a explicitar nossa concepção. FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.ple.uem.br/geduem/img/pecheux.jpg 2. http://www.infoamerica.org/teoria_imagenes/saussure_a.gif 3. http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/letras/article/viewFile/2889/2371 4. http://www.arbredor.com/vmchk/cours-de-linguistique-generale Responsável: Professor Nelson Barros da Costa Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 14 TÓPICO 03: DISCURSO: UMA PALAVRA, DOIS CONCEITOS Agora vejamos o que é o discurso a partir da ótica da Análise do Discurso ou, pelo menos, do que seria a ótica da Análise do Discurso sob a nossa ótica. No discurso científico tradicional, é normal a preocupação com a univocidade dos termos técnicos. No entanto, em AD, podemos identificar pelo menos dois importantes conceitos de discurso. O primeiro está relacionado à noção deacontecimento e enunciado. Vejamos: ACONTECIMENTO Trata-se de um evento de interação simbólica. ENUNCIADO Algo dito (não necessariamente através da oralidade) por um sujeito concreto em um momento histórico concreto, em oposição ao conceito abstrato de frase. Conforme Maingueneau (2001), mais do que um objeto diferenciado, trata-se do resultado de um modo novo de conceber a linguagem. Por essa perspectiva, o discurso nunca se repete, porque são sempre diferentes as condições de sua produção. Assim, tomemos os enunciados “eu só quero é ser feliz” abaixo: Fonte [1] Eu só quero é ser feliz, Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é. E poder me orgulhar, E ter a consciência que o pobre tem seu lugar. (...) ANÁLISE DO DISCURSO AULA 01: CARACTERIZAÇÃO INICIAL DA ANÁLISE DO DISCURSO 15 (“Rap da Felicidade”, Julinho Rasta/Kátia - veja o clip: http://www.youtube.com/watch?v=MXU4Ph9zZWQ [2] Veja o leitor que, do ponto de vista gramatical, trata-se da mesma frase, pois em ambos os casos a estrutura é exatamente a mesma. No entanto, do ponto de vista discursivo, trata-se de dois enunciados ou discursos diferentes. O primeiro se encontra em um blog, encabeçando um texto que enquadra uma foto. A sua veiculação se deu através da Internet, de modo escrito. O ambiente em que ele está é colorido e as letras da expressão têm cor diferente do restante do texto. Ao passo que o outro, embora esteja apresentado por escrito aqui, tem veiculação oral, na forma melódica de uma canção, e encabeça uma estrofe que se repete várias vezes no que se costuma chamar de “refrão”. DÚVIDA O aluno poderia questionar: os exemplos em questão não são adequados, pois não são enunciados autônomos, sendo na verdade parte de enunciados maiores. Porém, pode-se retrucar: existem realmente enunciados autônomos? É possível encontrar expressões que não sejam partes de um contexto, partes de enunciados maiores? Se alguém pronunciasse essa expressão (“Eu só quero é ser feliz”) para um interlocutor certamente seria no contexto de uma conversa (um enunciado maior); dificilmente ele a diria isolada e, mesmo se dissesse, esse dizer seria em resposta a algo que ele ouviu, a alguém, por exemplo, que, anteriormente tivesse censurado suas atitudes egocêntricas. Mas mesmo se pensarmos em enunciados supostamente autônomos, aos quais reconhecêssemos uma autoria, como uma poesia, por exemplo, devemos nos perguntar se esse tipo de texto não está sempre inserido em um contexto enunciativo mais amplo (livro de poemas, livro didático, recital, etc.). OBSERVAÇÃO Desse modo, já temos uma boa característica do discurso: sua indissociabilidade do contexto. Qualquer enunciado é inseparável do contexto graças ao qual ele existe. Daí que, como todo contexto é único e irrepetível, os discursos nunca se repetem. O discurso é, portanto, um acontecimento e, enquanto tal, é sempre único e sempre histórico, no sentido de que é sempre marcado pelo contexto histórico. Nesse sentido, que temos chamado de específico, “discurso” é o mesmo que “enunciado” . O termo “texto” também pode ser usado com o mesmo sentido. Porém a palavra “texto” tende a ser empregada mais quando se trata de enunciados acabados, fixados e mais suscetíveis de circulação e armazenamento. Assim, dificilmente se fala em texto quando se trata de enunciados proferidos em uma conversação. Ao contrário, pode -se chamar indiferentemente de discurso, enunciado ou texto exemplares de um poema, de um romance, de uma receita de bolo, de uma notícia de jornal, etc. Seja como for, tenhamos claro que tais conceitos têm em comum o fato de serem objetos empíricos da Análise do Discurso. Isto 16 significa que é sobre estes objetos, que têm realidade material, concreta, que o analista se debruçará. O fato de nunca se repetirem não impede que os discursos componham tipos. O caso do enunciado “Eu só quero é ser feliz”, que ocorre no segundo exemplo, podemos tanto relacioná-lo a outros que têm o mesmo modo de veiculação (como outras canções populares ou outros raps). Ou seja, os discursos se enquadram em gêneros, importante categoria tipológica da qual voltaremos a falar mais adiante. Por outro lado, podemos associar o enunciado em questão a outros tantos enunciados que tematizam a felicidade do indivíduo, como o que segue abaixo, também retirado de um blog: Fonte [3] Ou como esse que segue abaixo, na capa de um livro de auto-ajuda: Fonte [4] Ou ainda, como o que se vê nos dois panfletos abaixo: 17 Fonte [5] Apesar da diferença em termos gramaticais, um analista do discurso não pode ignorar que os enunciados “Eu só quero ser feliz” (do blog e da canção), “Eu quero ser feliz” (do blog e do livro de auto-ajuda), “Você feliz da vida” e “A felicidade sempre chega quando menos se espera” (estes últimos, dos panfletos publicitários) fazem parte do que poderíamos chamar de discurso sobre (ou da) felicidade individual. Não pode ignorar também que o acontecimento desses enunciados pressupõe um momento histórico que propicia não só que eles ocorram da forma como ocorrem, mas também que eles possam falar na idéia de felicidade individual e mesmo na própria idéia de indivíduo, algo certamente indizível na Idade Média, uma vez que nesse estágio da Humanidade conceitos como os de indivíduo, de felicidade individual, pelo menos tal como concebemos hoje, mereciam quase nenhuma importância. OLHANDO DE PERTO Em suma, o analista deve tanto investigar como determinado enunciado muda de sentido conforme o contexto apesar de conservar a estrutura (polissemia), quanto compreender como o sentido pode permanecer apesar da variação da estrutura em diferentes contextos (paráfrase). Porém o que queremos que você perceba é que já estamos trabalhando com outro sentido de discurso. Quando remetemos diversos discursos (no sentido específico) a uma instância anônima que, digamos assim, os “dispersa” em diferentes gêneros e na “boca” de diferentes enunciadores, estamos propondo que cada um desses discursos é manifestação material de um DISCURSO, ou do que Michel Foucault chamou de formação discursiva. Este sentido “ampliado” de discurso não é estranho ao senso comum. Ele aparece quando falamos em “discurso político” ou “discurso religioso”. Porém é mais comum pensarmos nesse sentido ligado a um sistema institucional que produziria um tipo determinado de discurso. É o que se dá quando falamos de “discurso religioso”, por exemplo. Pressupõe-se, quando se utiliza essa expressão, que uma dada instituição (a Igreja Católica, a Igreja 18 Evangélica, etc.) gera a partir de um centro uma série indefinida de discursos que iremos qualificar genérica (discurso religioso) ou especificamente (discurso católico). No entanto, embora reconheça a existência e o papel dessas instâncias, a AD pensa o discurso como uma dispersão. Isso significa que o DISCURSO não se concentra em um lugar ou lugares específicos na sociedade, produzindo a partir daí seus efeitos sob seu controle. Também esse sentido de dispersão está em certo uso comum da palavra: quando, na linguagem cotidiana, falamos em “discurso machista” ou “racista”, por exemplo, não pensamos em uma instância tal como pensamos quando falamos em “discurso religioso”. Assim, o “discurso racista” pode estar presente na novela, na conversação familiar, no parlamento, na escola, em qualquer lugar. Mas a AD não deve se contentar com essas imagens de discurso do senso comum (sejam ligadas a uma instância central (político, pedagógico, etc,), sejam ligadas a um tipo de ideologia abstrata (conservador, nacionalista, etc.)), mas vai examinarcomo os discursos se constroem (se materializam) se atualizando historicamente, interagindo e influenciando-se reciprocamente, e, sobretudo, mediando as relações inter-humanas e condicionando a visão que temos do mundo. Fonte [6]MICHEL FOUCAULT - (1926 — 1984) - FILÓSOFO E PROFESSOR DO COLLÈGE DE FRANCE. EXERCEU GRANDE INFLUÊNCIA SOBRE A ANÁLISE DO DISCURSO. RESUMO: DOIS SENTIDOS DA PALAVRA DISCURSO FÓRUM 02 Em que sentido utilizamos a palavra discurso no cotidiano? Em que esses sentidos se aproximam e se distanciam do uso em Análise do Discurso? FONTES DAS IMAGENS 1. http://srtawill.blogspot.com/2008_08_05_archive.html 2. http://www.youtube.com/watch?v=MXU4Ph9zZWQ 3. http://www.angelamoura.hpg.ig.com.br/mensagem/eu_quero_ser_feliz. htm 19 4. http://www.marisacajado.com/capa%20eu%20quero%20ser%20feliz% 20livro.jpg 5. http://3.bp.blogspot.com/_2PbB4SG2L- 4/Rpj0CTD3njI/AAAAAAAAAIw/BUXM-lHj_qs/s1600- h/ODONTOCARD_FELICIDADE_PANFLETO+verso.jpg 6. http://www.skjstudio.com/franck/images/Foucault.jpg Responsável: Professor Nelson Barros da Costa Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 20 TÓPICO 01: CONTEXTO: UMA PALAVRA, MÚLTIPLOS SENTIDOS Se consultarmos o livro Termos-chave da Análise do Discurso (MAINGUENEAU, 2000), veremos que seu primeiro verbete, que trata justamente da Análise do Discurso, assim a define: Disciplina que, em vez de proceder a uma análise linguística do texto em si ou a análise sociológica ou psicológica de seu 'contexto', visa a articular sua enunciação sobre um certo lugar social. Ela está, portanto, em relação com os gêneros de discurso trabalhados nos setores do espaço social (um café, uma escola, uma loja...) ou nos campos discursivos (político, científico...) (p. 13, grifos do autor) Observemos que, conforme a definição, tem-se a preocupação em definir a AD como uma disciplina que objetiva estudar a relação entre texto e contexto, este referido pelas expressões “lugar social”, “espaço social” e “campos discursivos”. Ela não abre mão de ter como objeto a matéria verbal, uma vez que se debruça primordialmente sobre enunciados ou textos, o que a situa institucionalmente no campo da Linguística; mas também se recusa em situar-se apenas no nível puramente linguístico-textual, o que, de certo modo, a distancia de tal campo. Os 3 sentidos elencados por Maingueneau são apenas alguns dos sentidos da palavra “contexto”. Uma aula proferida por um professor, por exemplo, tem necessariamente múltiplos contextos: este pode ser a sala de aula enquanto espaço físico (as paredes, o quadro, os móveis, os aparelhos elétricos, a porta, etc.), a sala de aula enquanto lugar social (o professor, os alunos, um eventual estagiário ou ouvinte), a instituição (pode tratar-se de uma escola de 1º ou 2º grau, pública ou privada, de uma universidade pública ou privada, de um curso de graduação ou pós-graduação), o campo discursivo (o chamado “discurso pedagógico”), o contexto da nacionalidade (trata-se de uma instituição brasileira, a língua usada é o português, os assuntos são pertinentes à sociedade e à cultura brasileira), a conjuntura sócio-histórica (dá-se em um momento de economia liberal, onde o Brasil é governado por uma presidente de um partido de esquerda em uma economia mundial em estágio avançado de globalização); etc. Pode-se pensar, ainda, num contexto menos óbvio, que é o chamado contexto ideológico: se pensarmos que uma aula só se dá porque em nossa sociedade se acredita que existe algo chamado de “conhecimento” ou “saber” que tem um valor e que precisa ser disseminado por aqueles que o detêm entre aqueles que não o detêm; se admitirmos que, desde crianças, em nossa sociedade, somos convencidos a ir pra escola sob a promessa de que o saber que lá vamos adquirir nos servirá pelo resto da vida e que sem ele estaremos “perdidos”, incapazes de “sobreviver” na “civilização”, ou ANÁLISE DODISCURSO AULA 02: CONTEXTO E DISCURSO 21 que não conseguiremos obter a “cidadania” e seremos como cegos por falta da “luz” dos números, das letras e dos “conhecimentos gerais”, e que sem isso não haveria aulas, temos que levar em consideração que este evento discursivo é tornado possível em um contexto ideológico. Outra dimensão contextual pouco óbvia, mas nem por isso menos importante, é a dimensão interdiscursiva. Uma aula é um discurso que se relaciona com outros discursos. Não apenas porque uma aula dada por um professor pressupõe uma orientação para um público ouvinte concreto, que são os alunos; mas também porque é preciso sempre pensar que uma aula nunca é um evento isolado: a ela se seguiu uma aula e a ela se seguirão outras. Pode-se pensar na aula como um exemplar de uma linhagem histórica de eventos discursivos semelhantes que vieram se transformando no tempo até se aproximar do modelo atual. Por outro lado, o que se chama aula é uma enunciação derivada de outras, talvez de um antigo modelo de diálogo familiar, onde um único interlocutor de um grupo tinha o poder de fala e de distribuição da fala, seja para permiti-la, seja para exigi-la. Podemos pensar ainda que o que o professor fala em sala de aula se apoia e adquire legitimidade a partir de um outro discurso, o discurso científico. É ele que, na nossa sociedade, produz enunciados com poder de crença suficiente para dar suporte ao discurso pedagógico, que o comenta e o retextualiza para disseminá-lo na instituição escolar se nutrindo de seu prestígio e o reforçando. PARADA OBRIGATÓRIA Por fim, nessa questão do contexto interdiscursivo, vale à pena mencionar o fato de que é comum o professor em sua aula trazer a manifestação de outros discursos. Por exemplo, se se trata de uma aula de literatura, certamente irão ser convocados textos literários o mais diversos, bem como textos de críticos literários e de biógrafos. Merece destaque também, pelo pouco que tem sido levado em conta na história da própria Análise do Discurso, o que podemos chamar de contexto posicional ou posicionamento. Conforme Maingueneau, O posicionamento corresponde à posição que um locutor ocupa em um campo de discussão, os valores que ele defende (consciente ou inconscientemente) e que caracterizam reciprocamente sua identidade social e ideológica. Esses valores podem ser organizados em sistemas de pensamento (doutrinas) ou podem ser simplesmente organizados em normas de comportamento social que são mais ou menos conscientemente adotadas pelos sujeitos sociais e que os caracterizam identitariamente. Pode-se falar, portanto, em posicionamento também para o discurso político, midiático, escolar... p.392) Também a teoria literária já há muito tempo trabalha com a ideia de posicionamento. Mas trata-se de um conceito que pode, assim como os de gênero e ethos (cf. mais adiante), ser expandido para o conjunto da discursividade. Embora os posicionamentos sejam mais claramente 22 observáveis em discursos estritamente institucionais como a Literatura, a Ciência e a Religião, também nos discursos não institucionais como a Mídia e a Pedagogia eles existem. Para prosseguir no caso anteriormente tratado, o da sala de aula, perceba-se que há diferentes posicionamentos em relação a que tipo de aula um professor deve dar. Há aqueles que pensam que uma aula deve ser não diretiva, com grande liberdade na relação entre os alunos e entre professor e alunos. Mas há também aqueles que julgam que uma tradição pedagógica deve ser mantida: o professor deve impor sua “moral” diante dos alunos, que devem se comportar de acordo com regras rigorosas. Cada um desses posicionamentos deve implicar até mesmo um ordenamento dos móveis dasala de aula e a posição física dos alunos de modos diferenciados. Fonte [1] Fonte [2] OLHANDO DE PERTO Como dar conta dessa dimensão contextual assim tão ampla e múltipla? É impossível dar conta do discurso em todas essas dimensões de uma só vez. Por isso, o analista do discurso é forçado a fazer recortes e, ao mesmo tempo, admitir a existência e indissociabilidade entre o discurso e todas essas dimensões contextuais. Em princípio, não há razão para quaisquer uma delas ser privilegiada ou negligenciada. O que vem acontecendo é que uns focalizam os aspectos mais imediatos e outros os mais mediatos. Pode ser desconcertante uma perspectiva científica admitir que, por mais abrangente que será seu trabalho analítico, ela irá forçosamente deixar na sombra uma boa gama de aspectos. No entanto, é melhor assim do que se propor ilusoriamente uma totalidade inalcançável ou pretender que a dimensão explorada dispensa as outras, negligenciando sua importância e jogando-as para debaixo do tapete da ciência. Este curso consistirá em introduzir questões relativas à articulação da materialidade linguística em relação com algumas dessas dimensões contextuais, deixando ao leitor a questão de quais recortes fazer. Apesar de estarem imbricadas, propomos separá-las do seguinte modo: Contexto físico (ambiente, midium e suporte) Situação social (papéis sociais dos interlocutores) Contexto institucional 23 Comunidade discursiva Formação/ordem discursiva Posicionamento Formação ideológica Contexto histórico Contexto interdiscursivo FONTES DAS IMAGENS 1. http://jarbacunha.files.wordpress.com/2008/06/nossa-sala-de-aula.jpg 2. http://1.bp.blogspot.com/- nhsYvl5sqXs/Tck6piILSEI/AAAAAAAABd8/R9s3FHhNOKQ/s320/sala-de- aula_.jpg Responsável: Professor Nelson Barros da Costa Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 24 TÓPICO 02: MATERIALIDADE LINGUÍSTICA E CONTEXTO OS GÊNEROS DO DISCURSO Na interface linguística do discurso, temos que atentar que um enunciado, se considerado do ponto de vista do acontecimento de que ele consiste, se materializa de diferentes formas conforme o contexto discursivo. Um dos aspectos mais importantes dessa materialidade, que foi evidenciado pelo pensador russo Mikhail Bakhtin, é o dos gêneros do discurso. Dimensão desde sempre negligenciada em função da priorização histórica de uma ou outra família de gêneros (Teoria Literária, Retórica ou Gramática Descritiva) ou da sequer colocação dessa realidade na reflexão sobre a língua (Gerativismo), ela é ressaltada pelo autor russo, que a resgata do domínio estrito da arte e do lugar secundário a ele relegado pelas perspectivas formalistas, para expandi-la ao todo das relações sociais, vinculando-a às situações interativas das múltiplas esferas da comunicação social (da discursividade espontânea do cotidiano àquela dos sistemas complexos da ciência, da arte, da filosofia, etc.). A retórica é a técnica ou arte de convencer o interlocutor através da oratória, ou outros meios de comunicação. Classicamente, o discurso no qual se aplica a retórica é verbal, mas há também — e com muita relevância — o discurso escrito e o discurso visual. Em verdade, a oratória é um dos meios pelos quais se manifesta a retórica, mas não o único. Pois, certamente, pode-se afirmar que há retórica na música ("Para não dizer que não falei da Flores", de Geraldo Vandré: retórica musical contra a ditadura), na pintura (O quadro "Guernica", de Picasso: retórica contra o fascismo e a guerra) e, obviamente, na publicidade. Logo, a retórica, enquanto método de persuasão, pode se manifestar por todo e qualquer meio de comunicação. A retórica aristotélica, de certa forma herdeira daquela de Sócrates, procura fazer o interlocutor convencer-se de que o emissor está correcto, através de seu próprio raciocínio. Retórica não visa distinguir o que é verdadeiro ou certo mas sim fazer com que o próprio receptor da mensagem chegue sozinho à conclusão de que a ideia implícita no discurso representa o verdadeiro ou o certo. A retórica era parte de uma das "três artes liberais" ou "trivium" ensinadas nas faculdades da Idade Média (as outras duas corresponderiam à dialética e gramática). (adaptado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Ret%C3%B3rica [1] A GRAMÁTICA DESCRITIVA é uma gramática que se propõe a descrever as regras de como uma língua é realmente falada, a despeito do que a gramática normativa prescreve como "correto". É a gramática que norteia o trabalho dos lingüistas que pretendem descrever a língua tal como é falada. As gramáticas descritivas estão ligadas a uma determinada comunidade linguística e reúnem as formas gramaticais ANÁLISE DODISCURSO AULA 02: CONTEXTO E DISCURSO 25 aceitas por estas comunidades. Como a língua sofre mudanças, muito do que é prescrito na gramática normativa já não é mais usado pelos falantes de uma língua. A gramática descritiva não tem o objetivo de apontar erros, mas sim identificar todas as formas de expressão existentes e verificar quando e por quem são produzidas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_descritiva [2] Conforme Bakhtin (1997), os gêneros são tipos de enunciados relativamente estáveis sempre relacionados a uma esfera de atividade humana. Quanto mais complexa for uma sociedade, mais diversificada será essa esfera e, consequentemente, maior a profusão de gêneros em uso, de modo que o estudo dos gêneros utilizados muito pode nos dizer sobre o funcionamento de uma sociedade em seus aspectos econômico, cultural e intelectual. Essa estreita imbricação com as relações sociais dá ao gênero uma natureza histórica, uma vez que qualquer mudança nessas relações conduzirá a uma modificação dos gêneros a elas articulados. Daí a relativa estabilidade dos gêneros que é também, por dedução lógica, uma relativa instabilidade. Instabilidade que faz também com que os gêneros reflitam de modo sensível as mínimas mudanças na formação social. VERSÃO TEXTUAL Para Bakhtin, os gêneros remetem a conjuntos de enunciados que, vinculados estreitamente a uma atividade social, têm em comum uma construção composicional, um estilo e um conteúdo temático. Noutras palavras, gênero são artefatos a um só tempo formais e conteudísticos, assumindo sempre uma feição própria capaz de ser projetada e identificada cognitivamente pelos usuários. Essas características praticamente tornam possível a comunicação, pois seria tremendamente oneroso termos de, a cada situação comunicativa, inventar dispositivos comunicacionais novos. Vejamos cada um desses componentes, só separáveis para efeito didático: Conteúdo Construção composicional Estilo DOS CONTEÚDOS: Os conteúdos são o objeto dizível através do gênero. CLIQUE AQUI PARA VER O CASO DA RECEITA 26 Fonte [4] Dizemos DIZÍVEL porque, em princípio, o gênero não se confunde com o enunciado concreto, já que se trata de uma classe de enunciados. Sendo assim, podemos afirmar que o conteúdo de um gênero é um campo de possibilidades ou de preferências. O gênero receita culinária, por exemplo, tem como conteúdo preferencial a elaboração de pratos e secundariamente a preparação de bebidas. Raramente esse conteúdo será diferente. No entanto, veja o exemplo abaixo, retirado do endereço Receitas de produtos de limpeza ecológicos [5]: CLIQUE AQUI O exemplo mostra que o conteúdo temático de um gênero como receita pode ter uma certa variabilidade, podendo chegar às raias da metáfora, como quando usamos ou ouvimos/lemos expressões do tipo: “receita para segurar marido” ou “receita da felicidade”. 27 Mas essa variabilidade depende do tipo de gênero.Há gêneros extremamente abertos a uma variedade enorme de conteúdos. Os gêneros literários, por exemplo, podem, em princípio, tratar de qualquer assunto. No caso desses gêneros, outras variáveis como o posicionamento do autor, conceito que comentamos na aula 01, vão determinar que assuntos serão preferenciais. Por outro lado, há outros que praticamente só admitem um tipo de conteúdo, como a lista telefônica, o mandato de busca e apreensão, o boletim meteorológico e a bula de remédio. Esses gêneros são tão ligados a seus conteúdos que têm sua denominação inseparável dos mesmos. VERSÃO TEXTUAL Aliás, essa relação do gênero com o conteúdo põe problemas importantes para sua caracterização. Por exemplo: as cartas de amor formam um gênero à parte? Ou a carta íntima é um gênero aberto, podendo eventualmente tratar de amor? Tomando um dos casos citados acima: a lista telefônica é um gênero à parte, ou a lista é um gênero e a lista telefônica é apenas um dos usos desse gênero? CONSTRUÇÃO COMPOSICIONAL As configurações de determinadas partes de um texto, bem como a presença de determinadas estruturas sintático-textuais (também chamadas “sequências discursivas” ou “tipos de discurso”), podem aparecer em muitos outros. Essa recorrência, conjuntamente com outros aspectos abordados aqui, contribuem para que consideremos que esses textos são espécies de um mesmo gênero. A receita de produtos de limpeza ecológicos que vimos acima será identificada como uma receita (mesmo se não contivesse o nome “receita”) apesar do conteúdo um tanto discrepante das expectativas que temos quanto ao conteúdo de uma receita, devido justamente a sua construção composicional, qual seja, a enumeração de elementos (ingredientes) dispostos em frases nominais encabeçadas sempre por um numeral (quantidade). Muitas vezes essas frases são constituídas por uma medida em forma de metonímia (X colher(es) de Y, X xícara(s) de Y, etc.). Após essa lista, segue-se um texto, muitas vezes “corrido”, com estruturas frasais compostas quase sempre por verbos no imperativo ou no infinitivo. Não há descrições extensas ou argumentações. O texto estabelece uma sequência de ações bem precisas que se desenrolam temporalmente no mais das vezes repletas de referências aos elementos listados antes e à suposta realidade resultante da ação do leitor. O aluno deve ter notado, nesta rápida descrição dos aspectos composicionais do gênero receita a presença de expressões como “muitas vezes”, “quase sempre” e “no mais das vezes”. O uso dessas expressões torna-se forçoso justamente devido à relativa estabilidade do gênero que, decorrente de seu caráter histórico, lhe proporciona uma plasticidade que torna inevitável uma descrição aproximativa. São estruturas responsáveis pela organização interna do enunciado seja ele oral ou escrito. A tipologia de sequências discursivas mais comum é a que as classifica como narrativas, descritivas, 28 argumentativas, injuntivas e conversacionais. Dificilmente aparecem sozinhas em um enunciado. Assim, um mesmo enunciado geralmente estrutura-se com base em uma ou mais de uma sequência discursiva. Entretanto, geralmente, uma delas é predominante. Metonímia é a substituição de um nome por outro devido haver entre eles alguma relação de sentido. As relações mais comuns são causa/efeito (“o álcool foi a sua desgraça”, parte/todo (“um rebanho de 12 cabeças de gado”), continente/conteúdo (“pediu o prato mais caro”), instrumento/finalidade (“ele é um bom garfo”), etc. No caso das receitas, por exemplo, quando se fala numa receita culinária em “colher de sopa” a relação se dá entre o objeto e seu tamanho ou sua capacidade. ATIVIDADE DE PORTFÓLIO Sugerimos que você imagine que tem um blog destinado a publicar receitas de comidas populares pouco conhecidas. Escreva um e-mail a alguém que não conhece o gênero receita culinária, mas que sabe cozinhar muito bem uma comida que você provou e gostou muito, explicando como elaborar uma receita a ser publicada no blog. DO ESTILO Do exposto, conclui-se que os gêneros não são moldes previamente acabados conforme os quais os falantes viriam modelar seus enunciados. Ao contrário, os gêneros são estreitamente ligados à enunciação concreta e, enquanto tal, sujeitos a se adaptar ao uso dos falantes. Podemos mesmo dizer que este é justamente o fator que dá a relativa es(ins)tabilidade ao gênero. As marcas singulares que os falantes dão ao gênero é o que se chama ESTILO. Há gêneros extremamente dóceis às singularidades de seus usuários. É o caso dos gêneros literários. Não seria exagero afirmar que se trata de gêneros concebidos especialmente para pôr em relevo a singularidade de seu usuário, o que não significa dizer que estejam totalmente infensos aos constrangimentos institucionais, sociais, históricos, etc. Outros gêneros são assaz resistentes à manifestação da individualidade dos usuários. Os gêneros usados na burocracia (ofícios, requerimentos, declarações, etc.) e em muitas outras situações de trabalho como nos hospitais (prontuário, laudo médico, etc.) e no comércio (balancete, nota fiscal, etc.) são bons exemplos. CLIQUE AQUI, LEIA A RECEITA E IDENTIFIQUE ELEMENTOS ESTILÍSTICOS BOLO LUIZ FELIPE DA BELA 3 xícaras de açúcar 1 vidro pequeno de leite de coco e a mesma medida de leite de vaca 4 ovos inteiros 29 5 colheres de sopa de queijo parmesão (aquele que vc compra de saquinho mesmo) 5 colheres de sopa de farinha 1 colher de sopa de manteiga Bata tudo no liquidificador. Unte uma forma de furo no meio generosamente com manteiga e farinha de trigo. Bote pra assar em fogo forte e deixe esfriar com a porta do forno entreaberta. ps: Eu deletei a calda (por motivos preguiçoides & calóricos) e não senti falta. A não ser que vc seja mais doceira do que eu muuuuito. Faça um café. Coma um pedaço. Agora responda: Não dá uma felicidade imediata? Fonte do texto: Bela Caleidoscópica [7] A descrição dos diversos gêneros textuais tem-se constituído em um ramo à parte dos estudos do discurso e da Linguística Textual. Para a Análise do Discurso, no entanto, a realidade genérica é apenas uma das dimensões da materialidade discursiva: uma descrição em si e por si mesma dessa realidade é insatisfatória. Para a AD, é necessário pensar nas implicações do que Maingueneau chama de “investimento genérico” e “cena genérica” pensados no âmbito de uma prática discursiva, conceitos que abordaremos mais adiante. FÓRUM 03 O que são os gêneros do discurso? Qual a importância dos gêneros do discurso na nossa vida cotidiana? FONTES DAS IMAGENS 1. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ret%C3%B3rica 2. http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_descritiva 3. http://www.adobe.com/go/getflashplayer 4. http://tudogostoso.uol.com.br/receita/1075-coquetel-de-frutas-sem- alcool.html 5. http://www.ipemabrasil.org.br/receita.htm 6. http://www.adobe.com/go/getflashplayer 7. http://belacaleidoscopica.blogspot.com/2006/10/luiz-felipe-o-bolo.html Responsável: Professor Nelson Barros da Costa Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 30 TÓPICO 03: O ETHOS Observe a figura abaixo: Trata-se evidentemente da figura de um macaco. No entanto, não é apenas isso. Trata-se da imagem de um macaco professor. Dizemos isso não apenas porque há um giz em sua mão e por trás dele um quadro verde escrito. Se esse macaco estivesse sem roupa, curvado, pulando e brincando com o giz, não o identificaríamos com um professor. O que acontece é que identificamos nesse macaco uma postura professoral, caracterizada não apenas por sua roupa, mas pela forma de segurar o giz, de olhar para frente,de empostar o tronco, de colocar a mão no bolso. Reconhecemos essa postura pelo fato de termos tido em nossa experiência discursiva contato direto ou indireto com indivíduos que assumiram essa postura nas instâncias pedagógicas da nossa sociedade. Toda sociedade constrói um repertório de posturas como essa que aprendemos formal ou informalmente e que fica armazenado na memória coletiva. Um habitante de uma sociedade em que não existe a figura do professor certamente não reconhecerá no macaco a postura professoral, identificando, no máximo, o aspecto humano de sua postura devido a suas roupas e o fato de estar de pé. Trata-se do fenômeno do ETHOS, que desde a antiguidade já começa a ser estudado. Já então se percebe a estreita ligação com a postura corporal e a linguagem verbal. O ethos era, para Aristóteles, a imagem que um orador deveria mostrar juntamente com o conteúdo de suas palavras. Ao dizer palavras que se pretendam sinceras, não basta ao orador dizer expressões como “nunca fui tão sincero em toda minha vida” ou “falando sinceramente”, etc. Ele deve sobretudo se mostrar sincero. Maingueneau (1989), que atualiza o conceito aristotélico, considera o ethos um importante aspecto da materialidade linguística. O autor ressalta que, sendo todo texto uma “enunciação estendida a um co-enunciador”, ele implica uma VOCALIDADE de base, um TOM de uma voz que atesta o que é dito, o ethos. Assim como na oratória é necessário não apenas dizer-se, mas também e principalmente MOSTRAR-SE não só com o tom da voz, mas também com gestos, jeitos de corpo, modo de vestir, todo enunciado se apresenta necessariamente como vinculado a uma corporalidade que lhe confere legitimidade. Qualquer texto, para ser consistente, precisa constituir-se como corpo: um jeito (do texto, do ANÁLISE DODISCURSO AULA 02: CONTEXTO E DISCURSO 31 autor, das vozes citadas, dos elementos referidos ou personagens) de habitar os espaços sociais. Tal representação, por sua vez, baseia-se no imaginário social de um lugar e de uma época acerca do corpo. Assim, por exemplo, um texto religioso está, no mais das vezes, associado um tom profético e de autoridade, com suas maneiras características de dizer e de gesticular. Igualmente, as receitas culinárias estão muitas vezes associadas a um ethos de sabedoria e domínio de uma técnica artesanal, de um saber ancestral acerca do sabor, do cozimento e da mistura dos alimentos, etc., onde a certeza da eficácia prevalece e origina um tom de segurança com que as instruções são transmitidas; e assim por diante. OLHANDO DE PERTO É preciso lembrar que o ethos é uma categoria social. Ele não se confunde com o estilo, pois não diz respeito a uma individualidade, mas ao que Dominique Maingueneau (2008) denomina de MUNDO ÉTICO. Nesse sentido ele não se confunde com o estilo, dado que não se refere a uma imagem singular de um indivíduo, mas se relaciona a uma maneira social de ser: ... o ethos implica uma maneira de se mover no espaço social, uma disciplina tácita do corpo apreendida através de um comportamento. O destinatário a identifica apoiando-se num conjunto difuso de representações sociais avaliadas positiva ou negativamente, em estereótipos que a enunciação contribui para confrontar ou transformar: o velho sábio, o jovem executivo dinâmico, a mocinha romântica…(p. 18) OBSERVAÇÃO Cabe observar ainda que o fenômeno do ethos suscita, conforme Maingueneau (1995), a dimensão ANALÓGICA da comunicação, como aquela dimensão da enunciação em que, ao se dizer algo, imita-se esse algo no movimento mesmo da enunciação. Ao dizermos algo gentil, o dizemos gentilmente e os discursos mais elaborados não fazem senão efetuar um processo semelhante em nível muito mais complexo. Para entender melhor o ethos é mister comparar dois textos sobre um mesmo tema e identificar como os autores, através da escrita, tentam simular de diferentes modos o corpo falante baseando-se em um esquema ético (gestualidade, tom de voz, postura corporal, etc.): TEXTO 01: O QUE É A FÉ FÉ SIGNIFICA ... Agora observe: a fé é o firme fundamento – a certeza – das coisas que se esperam (Hb 11:1). Portanto, a fé vem primeiro, antes de possuirmos o que desejamos. 32 Uma vez que tenha recebido e tomado posse do que deseja, você não mais tem esperança de recebê-lo. Entretanto, mesmo antes de receber, você já o tem em essência; e esta essência, que é substância – a certeza de que você chegará a possuí-lo – chama-se FÉ! Então, repetindo, fé é a evidência ou a prova – "a prova das coisas que se não vêem". A fé antecede o recebimento tangível daquilo que se pede. E fé é a prova – a evidência – de que você o possuirá, antes mesmo que o veja! É a prova de coisas ainda não vistas. Você não possui, não vê, não sente – contudo a fé é para você a evidência dele e a prova de que você receberá o que pediu. E qual é esta prova – esta evidência? Será o recebimento específico da resposta, quando você vê, ouve ou sente que recebeu? Não! O que vemos, o que sentimos, não é uma evidência verdadeira. Possuir a coisa pedida, vê-la, não é fé. A fé precede a posse, porque FÉ significa confiança – certeza de que possuiremos o que pedimos. A mente humana, naturalmente, pode receber conhecimento somente por meio dos cinco sentidos. Estes são os únicos canais capazes de transmitir conhecimento à mente humana por processos naturais, a saber: a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato. Mas isso não é fé. Fé é um assunto espiritual, e nada tem a ver com os cinco sentidos, que são físicos. A oração é assunto espiritual. Deus é espírito! E quando Lhe pedimos, por exemplo, a cura, temos efetivamente a evidência de que as nossas orações foram ouvidas e de que Deus as responderá da maneira que haverá de ser a melhor para nós – mas essa evidência não é algo que se pode ver, sentir ou ouvir – não é uma evidência física – mas antes um testemunho espiritual de FÉ. Fé é a nossa evidência. Certo homem se expressou muito bem neste sentido: "Fé é a certeza de que as coisas que Deus disse em sua Palavra são verdadeiras: e que Deus agirá conforme ao que disse em sua Palavra. Esta certeza, esta dependência da Palavra de Deus, esta confiança, é fé!" E esta é uma definição bíblica verdadeira. Esta obra de Deus tem sido edificada pela prática da fé! http://www.ofundobiblico.org/?page_id=74 [1] NDOP.: TRECHOS DESTACADOS PELO AUTOR. TEXTO 02: A FÉ Fé (do Latim fides, fidelidade e do Grego pistia) é a firme opinião de que algo é verdade, sem qualquer tipo de prova ou critério objetivo de verificação, pela absoluta confiança que depositamos nesta idéia ou fonte de transmissão. A fé acompanha absoluta abstinência à dúvida pelo antagonismo inerente à natureza destes fenômenos psicológicos e lógica conceitual. Ou seja, é impossível duvidar e ter fé ao mesmo tempo. A expressão se relaciona semanticamente com os verbos crer, acreditar, confiar e apostar, embora estes três últimos não necessariamente 33 exprimam o sentimento de fé, posto que podem embutir dúvida parcial como reconhecimento de um possível engano. A relação da fé com os outros verbos, consiste em nutrir um sentimento de afeição, ou até mesmo amor, por uma hipótese a qual se acredita, ou confia, ou aposta ser verdade.[2] Portanto se uma pessoa acredita, confia ou aposta em algo, não significa necessariamente que ela tenha fé. Diante dessas considerações, embora não se observe oposição entre crença e racionalidade, como muitos parecem pensar, deve-se atentar para o fato de que tal oposição é real no caso da fé, principalmente no que diz respeito às suas implicações no processo
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