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Direito - Direito Constitucional III - Gassen Gebara - UNIGRAN 11 Aula 01 Inspirado na afirmação de que os direitos humanos opõem-se contra a onipotência do poder, conforme a função política expressada na Declaração de Direitos de Virgínia (1776), Pérez Luño explica que tais direitos podem ser definidos como "um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos, nacional e internacionalmente". Deduzido esse brevíssimo conceito, tem-se que considerar que os direitos do homem emergiram em um cenário onde o pano de fundo era o surgimento da classe burguesa, tendo sido influenciados pelo respectivo contexto ideológico. Nada obstante a crítica marxista a eles, afirmando serem a manifestação dos interesses e do ideário burguês, tem-se, de fato, que a chamada primeira dimensão dos direitos humanos, erigida pelo pensamento liberal, constitui-se em direitos individuais, como os direitos de participação política, as garantias processuais e o direito de propriedade. Direito - Direito Constitucional III - Gassen Gebara - UNIGRAN 12 Objetiva e efetivamente, essa primeira dimensão fundamenta-se em um sistema de valoração com matriz individualista. Esses direitos individuais são, em suma, os civis e os políticos1, enquanto que os sociais são os de coletividade ou sociais básicos, culturais e econômicos e, mais modernamente2, dos direitos ao bem estar social ou do estado-providência (walfare state), conforme adiante deduzido. Doutrinariamente esses direitos são catalogados em gerações ou em dimensões. A existência de várias dimensões é perfeitamente compreensível, já que decorrem da própria natureza humana: as necessidades do homem são infinitas, inesgotáveis, o que explica estarem em constante redefinição e recriação, o que, por sua vez, determina o surgimento de novas espécies de necessidades do ser humano. Daí falarem-se em diversas dimensões de projeção de tutela do Homem, o que só vem confirmar a tese de que não há um rol eterno e imutável de direitos inerentes à qualidade de ser humano, mas sim, ao contrário, apenas um permanente e incessante repensar dos Direitos. De qualquer forma, em sua totalidade, esses direitos encarnam a dignidade do homem. Costuma-se dividir os direitos humanos fundamentais, comumente, em três gerações ou dimensões, como características próprias dos momentos históricos que inspiraram a sua criação3. Os direitos da primeira dimensão são os direitos da liberdade e da legalidade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. Os direitos da primeira dimensão ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado4. Alguns desses direitos são: devido processo legal – DUE PROCESS OF LAW; Inviolabilidades; Proibição de Confisco (inviolabilidade das propriedades, ou a justa e prévia indenização daquelas propriedades cuja necessidade pública, legalmente comprovada, exija o sacrifício); Taxação com representação; Presunção de inocência; Acesso igualitário a cargos públicos; Propriedade privada; Igualdade formal (todos são – abstratamente - iguais perante a lei); Liberdades públicas (reunião, associação, manifestação de pensamento, de expressão cultural, artística, confissão religiosa, *não se falava até então em sindicalização ou direito a greve 1 Destacados mais adiante. 2 O marco histórico desse estado é a segunda guerra mundial ou, claro, as constituições que vieram após esse conflito, baseadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, ONU, 1948. 3 A despeito de algumas controvérsias sobre o precursor dessa visão dos direitos humanos em gerações ou dimensões, defende Antônio Augusto Cançado Trindade que essa foi utilizada inauguralmente em 1979, pelo tcheco Karel Vasak, em aula inaugural no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estraburgo, que busca tão somente estabelecer uma ordem cronológica em que surgiram essas gerações, com base no lema da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade). 4 As constituições “liberais” previam tão somente os direitos individuais. Algumas exceções podem ser citadas, eis que as Constituições da França de 1791, do Império, de 1824 e da Bélgica, 1831 previam timidamente alguns direito sociais - Será criado e organizado um estabelecimento geral de socorros públicos para criar as crianças expostas, aliviar os pobres enfermos e prover trabalho aos pobres válidos que não o teriam achado. Será criada uma instrução pública comum a todos os cidadãos, gratuita em relação àquelas partes de ensino indispensáveis para todos os homens, e cujos estabelecimentos serão distribuídos gradativamente numa relação que combine com a divisão (administrativa) do reino. Direito - Direito Constitucional III - Gassen Gebara - UNIGRAN 13 (direitos correlatos aos sociais/trabalhistas, se só serão mencionados na constituição francesa de 1848, de brevíssima duração – até 1852, quando é restaurado o império, com napoleão III); Direito de ir e vir (habeas corpus); Segurança privada; Devido processo legal ou princípio da proporcionalidade (entre o delito e a pena). Documentos dos EUA: Declaração da Virgínia (Estados Unidos -1776); Declaração da independência americana – 1776; Constituição dos EUA 1787; Bill of Rights Americano (1791) – inserida na constituição como “emendas” neste mesmo ano. Documentos da França: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França - 1789) ; Constituições Francesas, 1791 e 1793. A Constituição hoje vigente é a promulgada em 1958. Destacam-se também: Constituição Espanhola (Cadiz), 1812; Constituição Portuguesa, 1820/22; Constituição Imperial do Brasil, 1824; Constituição Belga, 1831. Revolução francesa e sua evolução O espírito universal da declaração de 1789 O estilo abstrato e generalizante distingue, nitidamente, a Declaração de 1789 dos Bills of Rights dos Estados Unidos. Os americanos, em regra, com a notável exceção, ainda ai, de Thomas Jefferson, estavam mais interessados em firmar a sua independência e estabelecer o seu próprio regime político do que em levar a idéia de liberdade a outros povos. Aliás, o sentido que atribuíam a sua revolução era essencialmente o de uma restauração das antigas liberdades e costumes, na linha de sua própria tradição histórica. Os revolucionários de 1789, ao contrario, julgavam-se apóstolos de um mundo novo, a ser anunciado a todos os povos e em todos os tempos vindouros. Nos debates da Assembléia Nacional Francesa sobre a redação da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, multiplicaram-se as intervenções de deputados nesse sentido Demeunier afirmou, na sessão de 3 de agosto, que "esses direitos são de todos os tempos e de todas as nações". Mathieu de Montmorency repetiu, em 8 de agosto: "Os direitos do homem em sociedade são eternos, (...) Invariáveis como a justiça, eter- nos como a razão; eles são de todos os tempos e de todos os países". Petion, que foi maire de Paris, considerou normal que a Assembléia se dirigisse a toda a humanidade: "Não se trata aqui de fazer uma declaração de direitos unicamente para a França, mas para o homem em geral". Foi duquesnoy, porem, que explicou, com toda clareza, a razão do caráter universal da declaração que ia ser votada: "Uma declaração deve ser de todos os tempos e de todos os povos;Direito - Direito Constitucional III - Gassen Gebara - UNIGRAN 14 as circunstâncias mudam, mas ela deve ser invariável em meio as revoluções. E preciso distinguir as leis e os direitos: as leis são análogas aos costumes, sofrem o influxo do caráter nacional; os direitos são sempre os mesmos". Foi em razão desse espírito de universalismo militante que Tocqueville considerou a Revolução Francesa mais próxima dos grandes movimentos religiosos do que das revoluções políticas. "Vimo-la (a Revolução Francesa) aproximar ou separar os homens, a despeito das leis, das tradições, dos temperamentos, da língua, transformando por vezes os compatriotas em inimigos e os estrangeiros em irmãos; ou antes, ela formou, acima de todas as nacionalidades particulares, uma pátria intelectual comum, da qual os homens de todas as nações puderam tomar- se cidadãos". Um fenômeno semelhante só voltou a ocorrer com a Revolução Russa de 1917. E, efetivamente, o espírito da Revolução Francesa foi difundido, em pouco tempo, não só na Europa, como também em regiões tão distantes quanta a Índia, a Ásia Menor e a America Latina.
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