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Disciplina: Políticas Públicas na Educação Curso: Pedagogia Prof: Ângela Cristina Altoé Unidade 2 – Perspectiva Histórica dos Direitos Educacionais no Brasil: do século XIX ao século XX 1 - UM COMEÇO DE CONVERSA: TÓPICO GERADOR Na unidade anterior retomamos o conceito de educação escolar e analisamos o conceito de educação escolar como cidadania. Nesta unidade iniciaremos a análise sobre como (e a partir de quando), a educação brasileira passou a ser entendida enquanto direito. Direito de alguns a princípio, e de todos afinal. O atraso educacional brasileiro tem suas raízes na formação histórica do país e remonta ao período colonial. Por conta do modelo de exploração colonial que aqui se instalou, não importava ao colonizador português as questões relativas à educação.Foi pela ação de grupos religiosos, particularmente pela ação da Companhia de Jesus, que algo se fez em matéria de educação durante o período colonial. Com a expulsão dos jesuítas em ______, a instrução pública, em Portugal e nas colônias, foi duramente atingida e não surgiu um modelo capaz de suprir as carências geradas naquele momento e naquela circunstância.Conforme você já viu no curso de História da Educação, a questão do reconhecimento dos direitos, na Europa seguiu uma certa “ordem cronológica”, definida principalmente pelas grandes revoluções fundadoras da modernidade, a saber, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Assim é que os direitos civis tiveram seus grandes momentos de discussão no século XVIII; os direitos políticos no século XIX; e os direitos sociais no século XX. De alguma forma essa “ordem” influencia a legislação brasileira, guardadas as especificidades da situação do Brasil, e acaba sendo definidora da compreensão histórica da educação como direito, a partir da Constituição Imperial de 1824 até a Constituição de 1988. Jamil Cury diz que: " É óbvio que não se pode afirmar uma linearidade cronológica entre situações histórico - sociais que reservam para si peculiaridades próprias. Mas, dada a similitude dos direitos em questão e dada uma certa afinidade na setenciação dos mesmos, é viável registrar um certo paralelismo entre elas. E é no interior deste caminho que se situa a educação como um direito que vai sendo pontuado até ser absorvido pelas constituições federais e, a partir da Emenda Constitucional de 1969, receber a formulação de direito de todos e dever do Estado. (CURY, C.R.J. in FÀVERO, O. p.5) Nessa unidade vamos construir um panorama da educação brasileira, na segunda metade do século XIX, para podermos entender as propostas e ações realizadas nas décadas iniciais do século XX. Lembre-se, para entendermos a história de um período temos, sempre, que recorrer ao período anterior. Os objetivos de aprendizagem serão: Analisar e entender os principais eventos educacionais da segunda metade do século XIX. Situar o desenvolvimento da educação escolar no contexto da industrialização e modernização do Brasil e os correspondentes movimentos políticos e sociais. Ponto de Partida No curso de História da Educação você construiu várias linhas do tempo da história do ocidente. Vamos agora repetir o procedimento, mas construiremos a linha do tempo da História do Brasil, a partir da Independência em 1822. Você já sabia o que ia encontrar. As discussões levadas a cabo, sobre o tema, pela Constituinte de 1823 deixam claro que seus membros não tinham um projeto para a instrução pública. E para que haveriam de ter? Qual o significado de um programa de instrução pública para todos numa sociedade escravocrata e de base agro-exportadora? Na Constituinte de 1891, a questão da educação foi bastante discutida, mas não se pode dizer que tenha havido um debate orgânico em torno dela. Apenas nas discussões da Constituinte de 1934 é que a educação será, finalmente, tratada como direito universal.Vamos tentar entender melhor esse processo. Em busca de informações A educação após a independência A educação escolar é um projeto relativamente recente no Brasil. No momento da independência, é apenas uma preocupação formal que não se concretiza. A presença jesuíta, durante séculos de ocupação colonial, deixou sua marca na educação brasileira mas não foi capaz de instalar um sistema que perdurasse ou que influenciasse a sociedade no sentido de valorizar a educação e entendê-la como um direito de todos. Marcadamente elitista, a educação permanece como privilégio de poucos mesmo após a proclamação da república. Na fala do trono, no momento da inauguração da Assembléia Constituinte de 1823, D. Pedro I declarou sua preocupação com relação aos estudos públicos e solicitou dos constituintes uma consideração especial com as coisas do ensino que deveriam merecer uma legislação particular. Concluída, a Constituição Imperial determinava que seriam criadas escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e vilarejos; seriam criadas escolas para meninas, nas cidades e vilas mais populosas e a garantia de instrução primária pública a todos os cidadãos. Nenhum desses dispositivos constitucionais foi cumprido. Na verdade muito pouco se fez pela educação no Brasil, na primeira metade do século XIX, seja antes ou depois da Independência. As poucas escolas que existiam no país estavam reservadas aos meninos. Para as meninas não havia nenhuma instrução. Em 1853, Nísia Floresta começava assim seu Opúsculo Humanitário: Enquanto pelo velho e novo mundo vai ressoando o brado emancipação da mulher_, nossa débil voz se levanta na capital do império de Santa Cruz, clamando: educai as mulheres! Povos do Brasil, que vos dizeis civilizados! Governo,que vos dizeis liberal! Onde está a doação mais importante dessa civilização, desse liberalismo? Professora autodidata, Nísia Floresta denunciava a condição em que viviam as mulheres no Brasil durante o segundo império e reivindicava educação para as 25 mulheres como uma maneira de garantir a sua emancipação. Pobre Nísia! Mais de um século foi necessário para que sua voz fosse ouvida. O ensino secundário permaneceu durante o Império quase que exclusivamente nas mãos de escolas particulares. Em 1837 foi criado o famoso Colégio Pedro II que permaneceu, durante muito tempo como o único estabelecimento de ensino secundário oficial do país! A idéia de criação de universidades foi cogitada, tanto por parlamentares, quanto pelo imperador Pedro II, mas nenhum projeto chegou a concretizar-se. A primeira universidade brasileira seria criada apenas quase um século depois. O Ato Adicional de 1834 completou o desastre de nosso sistema educacional ao transferir para as assembléias provinciais (estaduais) a competência para legislar sobre o ensino elementar e médio. Com esta descentralização precipitada (que foi mantida pela constituição republicana) qualquer possibilidade de progresso do ensino elementar, se é que existia alguma, deixou de existir. As discussões sobre a educação e seus problemas eram sempre descabidas ou inócuas. Cabe uma única exceção: os pareceres de Rui Barbosa, sobre a educação brasileira, apresentados em 1882 e 1883 sobre o ensino secundário e superior e sobre o ensino primário e normal, respectivamente. Rui Barbosa apresentou seus pareceres após estudar exaustivamente as deficiências do ensino no país, e, após estudar também os projetos educacionais dos países mais avançados da época. Foi, nessa fase, fortemente influenciado por Comte e o positivismo. Rui Barbosa propôs um sistema público de educação, para a época, o mais amplo e o mais perfeito, preconizando a implantação no país de uma escola primária obrigatória, gratuita e leiga. A escola de Rui Barbosa não se concretizou durante o império. Tampouco se concretizou durante o século XX. Será que seremos capazes de concretizá-la nas primeiras décadas do século XXI? A república, ao ser implantada pelo golpe de 1889,encontrou no país uma rede escolar primária extremamente precária, com um corpo docente predominantemente leigo e incapaz. A escola secundária atendia exclusivamente os filhos da elite econômica e continuavam, em sua maioria, particulares. O ensino era completamente desvinculado das necessidades do educando e da nação. Em todos os níveis da organização escolar e em todas as províncias do império, ministrava-se um ensino pobre, totalmente desvinculado da vida e sem qualquer preocupação filosófica ou científica. O advento da república As décadas finais do império e o crescimento da lavoura cafeeira ocasionaram profundas transformações na sociedade brasileira. A expansão da lavoura pelo interior do estado de São Paulo, possibilitou o aparecimento de inúmeras vilas e cidades modificando substancialmente as formas de ocupação do espaço. Aconteceu, simultaneamente a esse processo, a modificação da base material do país. A expansão cafeeira associada ao modelo agro-exportador exigiu a remodelação e modernização dos portos e a instalação de ferrovias que ligavam todo o interior, produtor de café, ao litoral, exportador. Investimentos foram feitos no setor de transportes e infra- estrutura urbana. Redes telegráficas, iluminação e transportes públicos começaram a criar uma nova feição ao espaço urbano. O fim do tráfico de escravos e a conseqüente introdução do trabalhador imigrante começaram a modificar as relações de trabalho, o que culminou com o fim da escravidão e a adoção do trabalho assalariado colocando o país no rumo da modernização. A gradativa substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre representado pelos imigrantes europeus provocou alterações substantivas na forma das relações de trabalho, na pequena indústria que nascia, na vida urbana, na organização sindical e nas expectativas com relação à educação de seus filhos. Graças aos 26 trabalhadores italianos e espanhóis as idéias anarquistas desembarcam no país, gerando uma situação clara de confronto com a mentalidade conservadora, dominante. O Império não resistiu ao impacto de todas essas transformações. Instalou-se a República. Uma leitura cuidadosa das forças e razões que possibilitaram a proclamação da república, indicam o caráter conservador e elitista do sistema político que se instalou. No entanto, o regime republicano possibilitou uma relativa abertura nos canais de participação popular nos processos políticos que se inauguravam. O poder moderador deixou de existir, o voto deixou de ser censitário, mas, ainda excluía as mulheres e os adultos analfabetos. Considerando que a maioria absoluta da população era constituída por analfabetos, essa era uma restrição séria às possibilidades de participação popular no processo político. De qualquer maneira, a reorganização do Estado, provocada pela proclamação da república e a urbanização do país associada a incipiente industrialização criaram novas necessidades para a população que passou a considerar a educação como meta e a escolarização como possibilidade de um caminho profissional promissor. Os intelectuais que participaram, direta ou indiretamente da instalação da república, influenciados pelo clima de euforia com a mudança do regime, propuseram a discussão dos chamados, “grandes temas nacionais”, considerados necessários para a modernização do país. Dentre eles despontava a preocupação com a educação popular, nesse momento caracterizada pela necessidade de resolver o problema do analfabetismo. Era o período que Jorge Nagle chama de “fervor ideológico”. “A República recebe uma herança caracterizada pelo fervor ideológico, pela sistemática tentativa de evangelização: democracia, federação e educação constituíam categorias inseparáveis apontando a redenção do país. A República proclamada recebe assim um acervo rico para pensar e repensar uma doutrina e um programa de educação. ...Passada a fase de luta em prol de um novo Estado arrefecem-se osânimos; há na verdade, uma diminuição de tentativas de análise e de programações educacionais. O fervor ideológico que se desenvolve no final do Império só em parte continua depois da instalação do regime republicano.” (NAGLE, J. A educação na Primeira República in FAUSTO, B.(org.) O Brasil Republicano, p.261) Das discussões surge a idéia de que o país só poderia caminhar se o acesso à escola elementar fosse estendido a toda a população. No entanto, a constituição de 1891 estabelecia, em seu artigo 35 que “...caberia ao Congresso, mas não privativamente ... criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados; prover a instituição secundária no Distrito Federal.” Na seção de declaração de direitos o artigo 72 estipulava no parágrafo 6º: “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.” Era pouco. 2 - 1894 – AS OLIGARQUIAS CAFEEIRAS NO PODER Em 1894, com a eleição do primeiro presidente civil, o paulista Rodrigues Alves, a oligarquia cafeeira que mantivera o controle sobre a política econômica do país passa a controlar todos os segmentos da vida social e política da nação. A discussão dos “grandes temas” perde a força e o país recupera o seu perfil “rural”, agro-exportador e as questões ligadas à democracia, à industrialização e urbanização e à educação perdem o caráter de prioridade. A república nesse período se caracterizará por práticas eleitorais bem pouco democráticas como voto aberto, voto de cabresto, fraude eleitoral, corrupção, etc. Do ponto de vista econômico prevalecerá o interesse do café entendido como interesse nacional, gerando políticas de endividamento do estado e de socialização dos prejuízos. O “entusiasmo pedagógico” perde a sua força. “Entre 1894 e início dos anos 10, o entusiasmo pela educação esteve amortecido. Os planos democráticos, suscitados nos primeiros anos da República pelos intelectuais ligados às elites dirigentes, foram sufocados pela política oligárquica. As oligarquias cafeeiras, colocando os seus interesses como interesses da Nação como um todo, recorreram sucessivamente aos banqueiros internacionais (principalmente os ingleses) no sentido de obter empréstimos para o financiamento da lavoura do café, endividando o Estado e socializando os prejuízos.”(GHIRALDELLI JR., Paulo – História da Educação p.17) A Primeira Guerra Mundial A primeira guerra mundial (1914/1918) provocou sérios desequilíbrios no mercado internacional. Países como o Brasil, tradicionalmente fornecedores de produtos agrícolas e matérias primas, viram- se repentinamente sem mercado. Por outro lado, o próprio conflito estimulou a instalação de indústrias de bens de consumo nesses países. O final da década registrou um relativo crescimento industrial e um novo patamar de urbanização da sociedade industrial. Já sabemos que industrialização e urbanização juntas significam demandas por educação. No Brasil não foi diferente. Além disso, um surto de nacionalismo e patriotismo arrebatou parte significativa dos intelectuais para as questões do desenvolvimento e da educação. Horrorizados com as taxas de analfabetismo generalizado ressuscitaram o entusiasmo pela educação. A sociedade civil, formada por representantes da nascente burguesia e das classes médias urbanas – intelectuais, industriais, médicos, pequenos funcionários – se organiza na forma de “ligas contra o analfabetismo” que têm como objetivo maior a sua erradicação. A partir de 1915 uma ampla campanha contra o analfabetismo e uma multiplicidade de realizações configuram um novo momento significativo: o do entusiasmo pela educação. Idéias, planos e soluções são oferecidos. Há aqui uma parcela que se liga ao fervor ideológico do final do Império; mas, agora, este é manifestado pelos próprios republicanos desiludidos com a república existente, república que procuram redimir. Trata-se de um processo de “republicanização” da república pela difusãodo processo educacional – movimento tipicamente estadual, de matiz nacionalista e principalmente voltado para a escola primária, a escola popular.” (NAGLE, Jorge). Na década de 20 um novo movimento acaba ocupando o lugar do entusiasmo pedagógico nas palavras de GHIRALDELLI (Pp. 19): “Se o entusiasmo pela educação nos anos 10 se materializou através da atuação de entidades da sociedade civil, principalmente as ligas de desanalfabetização, o otimismo pedagógico dos anos 20 foi veiculado pela sociedade política, principalmente através de um ciclo de reformas educacionais estaduais levado adiante por jovens intelectuais que, mais tarde, nos anos 30, ficaram conhecidos como profissionais da educação”. Como parte desse processo, em 1924 foi criada a ABE – Associação Brasileira de Educação – que rompeu com o monopólio do Congresso Nacional no que se refere às discussões sobre educação. A ABE passaria a centralizar todas as discussões sobre educação, mesmo após a Revolução de 30. Após a primeira guerra mundial, a geopolítica internacional se redesenhou e, os Estados Unidos, grandes vencedores do conflito, passam a ocupar um papel mais relevante no cenário político-econômico internacional, substituindo, definitivamente a Inglaterra, como grande potência mundial. A influência norte-americana ganha contornos culturais e acaba por estender-se também ao campo educacional e pedagógico: o ideário pedagógico da Escola Nova desembarca no Brasil em sua versão norte-americana: Dewey e Kilpatrick tornam-se as grandes referências dos jovens intelectuais preocupados com a educação. “Indiscutivelmente, o otimismo pedagógico encontra a sua mais acabada formulação nos movimentos reformistas estaduais das escolas primárias e normais da década dos anos vinte, quando se procurou realizar o ideário do escolanovismo.” (NAGLE, J.) Uma época de conflitos A Primeira República foi palco de acirradas disputas político – pedagógicas: a Pedagogia Tradicional, ligada aos interesses das oligarquias dominantes e atrelada à igreja; a Pedagogia Nova representando os interesses da burguesia e das classes médias urbanas voltadas para o novo e para a modernização do país e a Pedagogia Libertária ancorada nos movimentos sociais populares, principalmente no movimento anarquista que até 1922 (ano da criação do Partido Comunista) tinha o controle do movimento operário. A pedagogia tradicional teve certa influência dos jesuítas, porém sua grande fonte inspiradora encontra-se em Herbart e no herbartismo, que você já estudou no seu curso de História da Educação, bem como a Pedagogia Nova. Já a pedagogia libertária está associada às primeiras manifestações do movimento operário organizado no Brasil. A “Escola Moderna” A organização do movimento operário começou com a vinda de trabalhadores imigrantes para o Brasil, principalmente italianos e espanhóis. Foi justamente de Barcelona que veio a principal influência pedagógica pois, dentre as várias concepções de pedagogia libertária que influenciaram o movimento no Brasil, encontra-se a de Francisco Ferrer y Guardia. Ferrer nasceu em Alella, nas proximidades de Barcelona em 1859. Suas concepções ultrapassaram os limites do movimento operário e, no Brasil, ganharam adeptos dentre os educadores das classes médias militantes do ensino oficial. Filho de uma família humilde, aos catorze anos emigrou para Barcelona onde aderiu ao republicanismo e ao anticlericalismo. Suas posições levaram-no para o exílio na França onde trabalhou como professor e descobriu a importância da educação. Quando retornou à Espanha, em 1901, criou em Barcelona a Escola Moderna à qual se associaram diversos livre pensadores e anarquistas. O sucesso da escola ultrapassou todas as expectativas: em 1908 havia dez "escolas modernas" em Barcelona, quase cento e cinqüenta na Catalunha, estabelecimentos em Madri, Sevilha, Granada, Cádis. Sua influência ultrapassava as fronteiras da Espanha e escolas Ferrer foram fundadas em Portugal, no Brasil, Suíça e Holanda. Em 1906, novamente no exílio, acusado de cumplicidade no atentado a Afonso XIII, criou a Liga Internacional para a Educação Racional. De volta à Espanha em 1909 foi novamente acusado de traição. Foi preso, condenado e fuzilado em Montjuic.No Brasil, as primeiras “escolas modernas” foram criadas logo após a sua morte. A primeira delas é da primeira metade dos anos 10 e além de mista (atendia igualmente meninos e meninas) sua proposta curricular baseava-se totalmente no racionalismo criado por Francisco Ferrer. Realizavam-se excursões para que os alunos mantivessem contato com a realidade cotidiana. A escola não era gratuita, mas cada um pagava de acordo com as suas possibilidades. As escolas modernas de São Paulo funcionaram de acordo com o ideário de Ferrer Y Guardia até 1919, quando foram fechadas. O principio fundamental da “Escola Moderna” é a liberdade da criança; ela esforça-se para respeitar seu movimento natural, sua espontaneidade, as características de sua personalidade; quer desenvolver sua independência, seu juízo, seu espírito critico; "prefiro", diz Ferrer, "a espontaneidade livre de uma criança que não sabe nada, à instrução de palavras e à deformação intelectual de uma criança que sofreu a educação atual". Na escola moderna não há recompensa nem castigo (...) também não há exames para inflar algumas crianças com o título lisonjeiro de „excelentes‟, distribuir a outros o título vulgar de „bons‟ e rejeitar o resto na consciência desafortunada da incapacidade e do fracasso”. A Pedagogia Libertária tinha como objetivo principal estabelecer uma base racional e científica ao ensino para promover uma educação completa e harmoniosa que estimulasse a formação da inteligência e do caráter e promovesse a formação da pessoa com base num desenvolvimento equilibrado, tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista moral. O grande objetivo era, na verdade, a transformação da sociedade. Acreditava-se que o conhecimento libertava o homem, por isso uma sociedade livre dependia da intervenção de ações racionais. A educação racional libertária era anticlerical, opunha-se a todo tipo de dogmatismo e a exploração do homem pelo homem. Na defesa de valores como a solidariedade, cooperação, igualdade e liberdade, era claro o confronto com os valores veiculados pela Igreja Católica e o ideário capitalista. No início dos anos 1920 o movimento anarquista começou a perder sua importância no controle do movimento sindical brasileiro. A fundação do Partido Comunista do Brasil (em 1922) e a repressão do movimento operário pelo governo de Artur Bernardes atingiu em cheio a base de sustentação das “Escolas Modernas”, que dependiam primariamente de organizações e militantes anarquistas. Na mesma época (1919), em meio a uma campanha de difamação, as autorizações de funcionamento das Escolas Modernas de São Paulo foram cassadas. Assim a imprensa católica da época (A Gazeta do Povo) descreveu as Escolas Modernas: (...) todo mundo já sabe que em São Paulo trata-se de fundar uns institutos para a corrupção do operário, nos moldes da Escola Moderna de Barcelona, o ninho de anarquismo de onde saíram os piores bandidos prontos a impôr suas idéias, custasse embora o que custou. Ora, uma tal casa de perversão do povo vai constituir um perigo máximo para São Paulo. E é preciso acrescentar que não somos só nós os católicos que ficaremos expostos à sanha dos irresponsáveis que saíssem da Escola Moderna. (...) Mas se a Pedagogia Tradicional não foi sequer arranhada pelas teorias educacionais dos setores sociais não-dominantes – como a Pedagogia Libertária - o mesmo não se pode dizer quando do seu enfrentamento com a Pedagogia Nova. A Escola Nova O movimento da escola nova chegou ao Brasil a bordo dos novos padrões de consumo de bens materiais e culturais produzidos e divulgados pelos Estados Unidos,a grande potência mundial do pós –guerra. Acompanhando a modernização do país e diante da inexistência de uma política pedagógica de âmbito nacional muitos intelectuais promoveram reformas educacionais em seus estados, inspirados nos princípios da Escola Nova. É o caso de Anísio Teixeira, na Bahia, Fernando de Azevedo, no Distrito Federal, entre outros. Esse episódio que ficou conhecido como o „ciclo de reformas estaduais dos anos 20‟ contribuiu de maneira significativa para a penetração da escola nova no Brasil que, rapidamente ganhou adeptos na ABE. “Podemos perceber também que a Pedagogia Nova se apresentou na forma de um pensamento educacional completo, na medida em que compreendia uma política educacional, uma teoria da educação e de organização escolar e metodologias próprias. Esta característica permitiu ao escolanovismo compor um regrário que orientou as reformaseducacionais e que não só combateu a Pedagogia Tradicional como também colaborou para sufocar as possíveis transformações que estavam sendo defendidas pela Pedagogia Libertária asociada às classes populares.” (GHIRALDELLI, P. p.26) A escola nova, de acordo com o que você estudou no seu curso de História da Educação, provocou uma revolução copernicana ao colocar a criança no centro do processo educacional. Enfatizou os „métodos ativos‟ de ensino e aprendizagem e valorizou as práticas de trabalho em grupo, a liberdade e o interesse da criança. Os princípios escolanovistas vão permear todas as discussões e embates ideológicos sobre a educação brasileria a partir da segunda república. Como era a rede escolar na Primeira República? O professor Paschoal Lemme responde: “As poucas escolas públicas existentes nas cidades eram freqüentadas pelos filhos das famílias de classe média. Os ricos contratavam preceptores, geralmente estrangeiros, que ministravam aos filhos oensino em casa , ou os mandavam a alguns poucos Colégios particulares, leigos ou religiosos, funcionando nas principais capitais, em regime de internato ou semi-internato. Em todo o vasto interior do país havia algumas precárias escolinhas rurais, em cuja maiora trabalhavam professores sem qualquer formação profissional que atendiam as populações dispersas em imensas áreas: eram as substitutas das antigas aulas, instituídas pelas reformas pombalinas, após a expulsão dos jesuítas, em1763.” (LEMME, P. Estudos de Educação, R.J., Tupã, 1953 citado por GHIRALDELLI, P. P.26 e 27) A escola nova, de acordo com o que você estudou no seu curso de História da Educação, provocou uma revolução copernicana ao colocar a criança no centro do processo educacional. Enfatizou os „métodos ativos‟ de ensino e aprendizagem e valorizou as práticas de trabalho em grupo, a liberdade e o interesse da criança. Os princípios escolanovistas vão permear todas as discussões e embates ideológicos sobre a educação brasileria a partir da segunda república. Como era a rede escolar na Primeira República? O professor Paschoal Lemme responde: “As poucas escolas públicas existentes nas cidades eram freqüentadas pelos filhos das famílias de classe média. Os ricos contratavam preceptores, geralmente estrangeiros, que ministravam aos filhos o ensino em casa , ou os mandavam a alguns poucos Colégios particulares, leigos ou religiosos, funcionando nas principais capitais, em regime de internato ou semi-internato. Em todo o vasto interior do país havia algumas precárias escolinhas rurais, em cuja maiora trabalhavam professores sem qualquer formação profissional que atendiam as populações dispersas em imensas áreas: eram as substitutas das antigas aulas, instituídas pelas reformas pombalinas, após a expulsão dos jesuítas, em1763.” (LEMME, P. Estudos de Educação, R.J., Tupã, 1953 citado por GHIRALDELLI, P. P.26 e 27) A Constituição de 1891 foi interpretada de tal maneira que transferia aos estados-membros a responsabilidade constitucional na área da escola primária e normal. As estastíticas da época revelam um quadro constrangedor: A matrícula nas escolas primárias de todo o país era (em 1922) de 1 030 752 alunos- enquanto a freqüência era de 678 684 – representando apenas 29% da população escolar; embora o Distrito Federal possuisse 41% da população infantil sem escolas, e Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, respectivamente, 43%, 44% e 56%, Goiás apresentava 95%, juntamente com o Piauí, seguido de Alagoas com 94%. Mesmo tomando cuidado com o emprego de dados estatísticos da época, a situação real não deveria ser muito diferente. O descaso pela educação primária (educação do povo) foi um dos mais combatidos nesse tempo; lembre-se que essa foi uma das fontes do entusiasmo pela educação, especialmente pela mediação das Campanhas nacionalistas. (Nagle, J. P.269) De modo geral a escola primária tinha quatro anos de duração na zona urbana e três na zona rural. Ensinava-se leitura, escrita,língua pátria, aritmética, geografia e história do Brasil, noções de ciências físicas e naturais, instrução moral, ginástica e trabalhos manuais. Aquele que concluísse a escola primária poderia cursar a escola complementar que incluia, além das matérias anteriores, uma ou duas línguas estrangeiras (em geral, francês e latim). A escola complementar poderia ser utilizada como via de acesso à escola normal. A escola normal destinava-se à formação de professores e tornou-se, ao longo das primeiras décadas da república um reduto quase que exclusivamente feminino. Jorge Nagle relata que “a matrícula no “ensino pedagógico” em 1907 era de 5020 alunos, sendo 786 do sexo masculino; essa tendência predominará posteriormente, pois em 1929, para 23 808 alunos matriculados, 3 401 eram do sexo masculino(Anuário do Ministério da Educação e Saúde Pública, 1º ano).” O que se percebe é que a primeira república assistiu à construção e manutenção de um sistema de ensino pouco democrático que privilegiava o ensino secundário e superior (a escola dos ricos) em detrimento da escola primária (a escola dos pobres). Todas as reformas realizadas nesse período privilegiaram o ensino secundário e superior com exceção da Reforma Luiz Alves/Rocha Vaz, que pela primeira vez procurou estabelecer uma legislação que permitisse ao governo federal uma ação conjunta com os estados da federação no sentido do atendimento ao ensino primário. Como você pode perceber, a descentralização levou a que a legislação educacional brasileira evoluisse diferentemente em cada região, assim como a estrutura e o funcionamento das escolas adquiriu feições próprias em cada estado. De qualquer maneira, um ponto permaneceu comum a todos eles: o descaso com a educação básica e com o atendimento das camadas majoritárias da população. A situação do estado de São Paulo ilustra muito bem o qual era a situação no país: em 1920, para cada quatro crianças em idade escolar, uma era anlfabeta. Se era esse o quadro paulista, estado que se beneficiava de uma certa modernização, o que seria possível esperar dos demais estados da federação? 3- PERSPECTIVA HISTÓRICA DOS DIREITOS EDUCACIONAIS NO BRASIL: A DÉCADA DE 30 E O MANIFESTO DOS PIONEIROS Ponto de Partida Vamos viajar no tempo. Feche os olhos e desembarque no final dos anos 1920.O mundo está em crise: a quebra da bolsa de Nova Iorque produziu desemprego e falência em grande escala nos Estados Unidos e se estendeu por todo o ocidente. Nos países com a economia condicionada pelo mercado externo, como é o caso do Brasil, o "desastre" foi muito grande: caiu assustadoramente o preço da saca do café. Os outros setores se ressentem: mais de quinhentas fábricas fecham as portas. Há quase dois milhões de desempregados nas ruas. A miséria e a fome atingem a maioria da população. Na política as coisas também não vão bem: rompeu-se o acordo dos dois principais estados brasileiros, São Paulo e Minas Gerais. O presidente WashingtonLuis insiste na candidatura de outro paulista: Júlio Prestes. Em meio à insatisfação que tomou conta da população, Getúlio Vargas protagonizou o golpe que tirou o presidente Washington Luís do governo. Apesar da crise, há esperanças de que a cidadania seja ampliada e de que ocorram eleições livres, universais, secretas e diretas. A esperança estende-se à educação. Espera-se que os direitos de cidadania sejam ampliados e que o acesso à educação estenda-se a todos. Você e seus colegas de classe, fazem parte do grupo de intelectuais encarregados de analisar as condições da educação no país, analisar e criticar a legislação educacional anterior, apresentar propostas que venham ao encontro das necessidades do país e das novas demandas que surjam em função do crescimento industrial que se avizinha e do crescimento das cidades que aumenta como conseqüência da deterioração das condições de vida no campo provocada pela crise do café. E agora, "profissionais da educação" integrantes da ABE, vamos agregar conhecimento ao conhecimento que cada um de vocês já demonstrou ter. Abra os olhos. Volte para o século XXI. Vamos conhecer, desde aqui, um pouco mais sobre a década de 1930 e os embates ideológicos em torno da Constituição de 1934, particularmente as grandes discussões que pontuaram a Constituinte e procuraram definir uma nova política educacional. Em busca de informações A revolução de 30 Em outubro de 1930, caía o governo de Washington Luís, sepultando sob seus escombros a República Velha. Sem conseguir renovar-se, o sistema já vinha dando sinais de esgotamento. Os acontecimentos se precipitaram quando o então presidente Washington Luís impôs a candidatura do paulista Júlio Prestes a sua sucessão. Rompia-se a política do café com leite. Inconformado, o Partido Republicano Mineiro uniu-se ao Rio Grande do Sul na Aliança Liberal, lançando a candidatura de Getúlio Vargas. A eleição, realizada em março de 1930, foi vencida por Júlio Prestes. A Aliança Liberal, que havia sido derrotada nas urnas, representava mais do que uma aliança entre mineiros e gaúchos. Era a expressão de um processo social maior, que minava as bases da república velha. Por trás dela estavam os tenentes, canalizando a insatisfação das camadas médias urbanas e alguns setores das oligarquias que reivindicavam maior participação no poder central. Até mesmo os trabalhadores olhavam com simpatia para Getúlio Vargas que prometia soluções para a "questão social" que fora tratada por Washington Luís Como uma "questão de polícia".O assassinato do governador da Paraíba, João Pessoa, em julho de 1930 precipitou os acontecimentos. João Pessoa fora candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas. Setores mais radicais da Aliança Liberal passaram a se preparar para um levante armado, acusando Washington Luís de haver orquestrado o atentado a João Pessoa. Em outubro de 1930 eclodiu a revolução simultaneamente no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e na Paraíba. Algumas semanas depois, Getúlio Vargas, representando a revolução vitoriosa chegava ao Rio de Janeiro, assumindo o poder em 3 de Novembro de 1930. Getúlio, que havia perdido nas urnas, torna-se o novo presidente do país.A revolução de 30 apresenta-se num primeiro momento, como uma renovação em todos os sentidos: político, econômico, jurídico-eleitoral e, inclusive educacional. No entanto, é necessário ficarmos atentos à permanência de padrões tradicionais e patrimonialistas na sociedade brasileira que, naquele momento, fazia um esforço de renovação. Segundo Anísio Teixeira "As reformas de ensino introduzidas pela revolução de 1930 restringiram-se ao nível do ensino para as elites: secundário e superior. O Estado Novo, em educação, não é outra coisa senão a reação da velha tradição patrimonialista contra as inovações modernizantes que vinham se introduzindo na sociedade brasileira desde os anos 1920 até a primeira metade dos anos 1930". Anísio está se referindo às reformas educacionais realizadas por Francisco Campos. Após a revolução, ainda em 1930, Getúlio Vargas cria o Ministério da Educação e Saúde Pública e nomeia Francisco Campos seu ministro. Em 1931, o governo provisório sanciona decretos organizando o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram conhecidos como as "Reformas Francisco Campos". Foram eles: 1 - O Decreto 19.850, de 11 de abril, que criou o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação (que só vão começar a funcionar em 1934). 2 - O Decreto 19.851, de 11 de abril, institui o Estatuto das Universidades Brasileiras que dispõe sobre a organização do ensino superior no Brasil e adota o regime universitário. 3 - O Decreto 19.852, de 11 de abril, dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro. 4 - O Decreto 19.890, de 18 de abril, dispõe sobre a organização do ensino secundário. 5 - O Decreto 20.158, de 30 de julho, organiza o ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras providências. 6 - O Decreto 21.241, de 4 de abril (de 1932), consolida as disposições sobre o ensino secundário. Quais os problemas que podem ser observados nas reformas de Francisco Campos? A reforma tratou, como deixou claro Anísio Teixeira, de organizar o sistema educacional das elites, deixando de lado o ensino primário, o normal e vários ramos do ensino profissional, inclusive o ensino industrial. Se considerarmos o contexto, o país que despertava para o problema da industrialização e do desenvolvimento, essa foi uma escolha pouco acertada. A reforma contribuiu também para que a estrutura do ensino se tornasse ultrapassada, pois não conseguiu eliminar a concepção liberal aristocrática relativa à educação voltada para as carreiras liberais; não se preocupou com a implantação efetiva de um ensino técnico e científico e por último, implantou uma estrutura de ensino altamente seletiva, dada a rigidez dos critérios de equiparação de escolas (estaduais e particulares) que acabaram inibindo as matrículas e mantendo-as em limites bastante estreitos. As reformas, na verdade refletiam a sociedade do momento e as forças que se conjugavam em torno da Revolução de 30 e do governo provisório de Getúlio Vargas. Havia sim a presença de um espírito renovador aspirado pelos jovens oficiais e por uma burguesia industrial que surgia, mas havia também a presença de parte da velha aristocracia presa às velhas concepções e apegada aos ideais católicos de educação. Durante toda a década de 1930 as discussões sobre os projetos de educação para o país estiveram sujeitas a esse embate ideológico e ao jogo de forças que cada um desses segmentos manipulava na estrutura de poder. Quais eram as forças atuantes nos primeiros anos da nova república? Quais os segmentos da sociedade que apostavam na modernidade e na renovação? Quais eram os seguimentos que lutavam pela manutenção dos padrões tradicionais na educação? O período imediatamente posterior à Revolução de 1930 foi um dos momentos demaior radicalização política da história do Brasil. Uma grande efervescência ideológica marcou as discussões na assembléia constituinte e fora dela, o que resultou numa enorme diversidade de projetos para o Brasil, de um modo geral, e para a educação brasileira, em particular. Liberais,católicos, integralistas, comunistas, governistas, todos tinham uma contribuição a dar para a construção de um país diferente daquele que havia sido construído pela república oligárquica.É possível identificarmos pelo menos quatro grupos que defendiam projetos diferentes (e mediam forças) com relação à educação brasileira. - intelectuais que apostavam na modernização do país. Queriam construir um Brasil urbano, industrializado, democrático e escolarizado. Partilhavam os pressupostos da Escola Nova e na década anterior foram responsáveis pela maior parte das reformasestaduais da educação como a de Anísio Teixeira da Bahia e de Francisco Campos em Minas Gerais. (Francisco Campo mudaria "o rumo da sua prosa" ao longo dos anos 30). Ficaram conhecidos como os "profissionais da educação". Esse grupo publica em 1932 o "Manifesto dos Pioneiros de Educação Nova" Os católicos - fazem oposição direta aos liberais. Defensores da pedagogia tradicional vão aos poucos se aproximando das propostas ultraconservadoras da Ação Integralista Brasileira. Reagiram à publicação do Manifesto dos Pioneiros de forma cáustica e contundente criticando não apenas as teses escolanovistas, mas chegando à difamação dos signatários e defensores do documento. Nas vésperas da instalação da constituinte de 1934, criaram a Liga Eleitoral Católica (LEC), que serviu como instrumento de pressão do grupo católico sobre os constituintes. O governo - tentando manter uma certa neutralidade estava o recém criado Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP). Francisco Campos que dirigia o MESP possuía trânsito entre os liberais e os católicos. Dizia querer aproveitar a contribuição de todos os grupos. No entanto, acabou por implementar uma política educacional própria com características bem pouco democráticas: as reformas educacionais de Francisco Campos de 1931. As camadas populares - representadas pela Aliança Libertadora Nacional (ALN) tentava a formação de uma frente antiimperialista e antifascista. Controlada pelo Partido Comunista do Brasil defendia as teses sobre democratização do ensino que desde a criação do partido, em 1922, faziam parte de suas campanhas políticas. A constituinte de 1933 - 1934 foi o palco onde esses diferentes atores se defrontaram. Não há dúvida de que os liberais representaram a modernidade naquele contexto. "De um ponto de vista mais estritamente educacional, a inserção dos renovadores dá-se na crítica à escola existente, que se caracterizava, segundo eles, pela seletividade social do grupo a que se dirigia, pela formação educacional de tipo apenas propedêutico, por conteúdos pedagógicos de caráter formalista, pela separação entre o ensino e as atividades humanas. Contra essa escola, os renovadores propõem: a) superação de toda a seletividade social através da escola única, que a todos se dirige; b) compreensão do papel da escola na constituição da sociabilidade; c) pedagogia sustentada na individualização do educando e na consciência do ser social do homem; d) caráter público da educação, entendido como exigência de sustentação financeira do Estado, que respalda a diversidade educacional." (Rocha, Marlos B.M. in FÁVERO, O. p.122) O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova O Manifesto dos Pioneiros foi um documento redigido por Fernando de Azevedo e assinado por um grupo de 26 intelectuais, na sua maioria conhecidos como os "profissionais da educação", e que pretendia oferecer diretrizes para uma política nacional de educação. Direta ou indiretamente a publicação do manifesto, em 1932, acabou condicionando toda a discussão em torno das políticas públicas de educação na Constituinte de 1934 e ao longo da década seguinte. O Manifesto pautava- se, em linhas gerais, pela defesa da escola pública, obrigatória, laica e gratuita e pelos princípios pedagógicos renovados inspirados nas categorias de Dewey e Kilpatrick e outros representantes da escola nova. Constituía-se numa proposta dos intelectuais brasileiros diante da necessidade de modernizar o país e retirá-lo da situação de atraso monumental em que se encontrava. " Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. ... A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar a "hierarquia democrática" pela "hierarquia das capacidades', recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação". Embora classificados como 'liberais' o grupo responsável pelo Manifesto não era um grupo homogêneo, como pode parecer. Ele abrigava liberais elitistas como Fernando de Azevedo e Lourenço Filho e liberais igualitaristas como Anísio Teixeira. Abrigava também simpatizantes do socialismo ou mesmo comunistas, como era o caso de Paschoal Leme e Roldão de Barros. De acorco com Paulo Ghiraldelli Jr., os liberais igualitaristas e mesmo os socialistas tinham como paradigma o pensamento de Anísio Teixeira. Para Anísio a escola deveria ser democrática, única, capaz de servir como contrapeso aos males e desigualdades provocados pelo sistema capitalista. Era a tese escolanovista de uma escola renovada, com intuito profissionalizante, regionalizada e controlada pela comunidade, aberta a todas as camadas e classes sociais no sentido de possibilitar a construção de uma nova sociedade. Ao se posicionar a favor de uma escola pública, laica que reconhece a igualdade de gênero no tocante aos direitos à educação o Manifesto ganhou a oposição do grupo católico. "A Igreja Católica, que até então praticamente monopolizava, no Brasil, o ensino médio, estava, desde a proclamação da república, agastada com a laicidade do ensino, instituída pela 1ª Constituição Republicana. Agora, em face do alcance do movimento renovador e em face, principalmente, das reivindicações que este fazia em torno da necessidade de se implantar efetivamente o ensino público, de âmbito nacional obrigatório e gratuito, ela se via ameaçada de perder aquele quase monopólio". (ROMANELLI,O. O. - p.143) Simon Schwartzman concorda: "No Brasil dos anos de Capanema, o conflito não era entre a educação pública e a privada, mas sim entre a educação leiga, proposta pelo Manifesto dos Pioneiros, e uma educação com conteúdo e orientação religiosos. Para a Igreja Católica da época, a terminologia sociológica do Manifesto, que dizia que a educação era uma ciência, que propunha uma "escola socializada", pragmática e vinculada à vida do trabalho, que substituísse a estrutura tradicional de classes por uma sociedade meritocrática, e que fosse pública, leiga, universal e co- educacional, soava como puro bolchevismo. Anísio Teixeira, formado em um país protestante, os Estados Unidos, sob a influência do pragmatismo pedagógico de John Dewey, era o mais perigoso entre todos. A coeducação, juntando meninos e meninas e ameaçando o papel tradicional da mulher na família, era inaceitável." (www.schwartzman.org.br/simon/cent_minas.htm).Naturalmente a posição defendida pelos católicos brasileiros não era uma postura local, isolada do contexto católico global. Ela fazia parte de um ataque geral da Igreja Católica ao movimento da Escola Nova. O papa Pio XI, em sua encíclica "Divini Illius Magistri - Acerca da Educação da Juventude Cristã" - publicada em 31 de dezembro de 1929, deixava clara sua posição contra os princípios da escola nova, contra a laicidade (óbvio) e contra a coeducação. "Tais são na sua generalidade aqueles sistemas modernos, de vários nomes, que apelam para uma pretendida autonomia e ilimitada liberdade da criança, e que diminuem ou suprimem até, a autoridade e a ação do educador, atribuindo ao educando um primado exclusivo de iniciativa e uma atividade independente de toda a lei superior natural e divina, na obra da sua educação." "De modo semelhante, erróneo e pernicioso à educação cristã é o chamado método da « co- educação », baseado também para muitos no naturalismo negador do pecado original, e ainda para todos os defensores deste método, sobre uma deplorável confusão de idéias que confunde a legítima convivência humanacom a promiscuidade e igualdade niveladora. O Criador ordenou e dispôs a convivência perfeita dos dois sexos somente na unidade do matrimônio e gradualmente distinta na família e na sociedade. Além disso não há na própria natureza, que os faz diversos no organismo, nas inclinações e nas aptidões, nenhum argumento donde se deduza que possa ou deva haver promiscuidade, e muito menos igualdade na formação dos dois sexos." "Daqui resulta precisamente que a escola chamada neutra ou laica, donde é excluída a religião, é contrária aos princípios fundamentais da educação. De resto uma tal escola é praticamente impossível, porque de fato torna-se irreligiosa." "E não pode admitir-se para os católicos a escola mista (pior se única e obrigatória para todos), na qual, dando-se-lhes em separado a instrução religiosa, eles recebem o resto do ensino em comum com os alunos não católicos de professores acatólicos. Pois que uma escola não se torna conforme aos direitos da Igreja e da família cristã e digna da freqüência dos alunos católicos, pelo simples fato de que nela se ministra a instrução religiosa, e muitas vezes com bastante parcimônia." (www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/index_po.htm).Exagerando as críticas e confundindo a opinião pública, os conservadores acusaram os escolanovistas de materialistas, comunistas etc. Pensadores liberais como Anísio Teixeira, foram tratados pelos católicos de educadores pró- soviéticos. 4 - A CONSTITUIÇÃO DE 1934 Essa discussão se estendeu aos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte de 1933/1934 e teve como resultado concreto a alteração do dispositivo constitucional de 1891 que declarava - Artigo 72, parágrafo 6 - será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos. A constituição de 1934, em seu artigo 153 declarava - o ensino religioso será de freqüência alternativa, e ministrada de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais. Modificando um pouco o teor da prescrição, a Constituição de 1937 estabelecia em seu artigo 183 - O ensino religioso poderá ser contemplado com matéria de curso ordinário das escolas primárias normais e secundárias. Não poderá, porém constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de freqüência compulsória por parte dos alunos. Na discussão da educação como direito de todos a proposta dos renovadores era no sentido de afirmar a educação como um direito individual . No entanto não é suficiente a afirmação e o reconhecimento do direito. É necessário garantir os meios para que a lei se realize. A proposta dos escolanovistas era no sentido de se estabelecer fundos especiais e índices orçamentários fixos destinados à educação. Segundo Marlos B.N.da Rocha a aceitação pela Assembléia Nacional Constituinte desses dois pontos, o direito universal à educação e os meios para efetivá-lo, representa uma vitória considerável dos renovadores, pois reverte predisposições da Assembléia, configuradas nos dois anteprojetos anteriores, que sequer afirmavam o direito à educação para todos, e muito menos especificavam os meios. (Fávero, O.(org) p.125). Na verdade, na redação definitiva o texto será alterado, em parte, para atender a posição católica que entendia o direito dos pais à educação dos filhos como fundamental, mas , de qualquer maneira, esse dispositivo representou uma grande vitória não apenas dos liberais representados na constituinte, mas também , e principalmente uma vitória do trabalho técnico da ABE que, para contrabalançar o anteprojeto governamental, preparou o seu anteprojeto. Foi com base no anteprojeto da ABE( Associação Brasileira de Educadores) que ocorreram as discussões da Assembléia Nacional Constituinte de 1933/1934. O documento preparado pela ABE era, em alguns aspectos mais conservador que o Manifesto, porém, diante do anteprojeto governamental apresentado à Assembléia Nacional Constituinte, acabou se estabelecendo como única alternativa de bom senso, mesmo para os conservadores, pois previa o funcionamento de uma rede de ensino público (ainda que mínima), e representava uma conquista (mínima ) da modernização, da urbanização e da democracia burguesa. O Capítulo II - Da Educação e da Cultura, em seu artigo 149 estabelece que: "A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos, cumprindo a estes proporcional-a a brasileiros e estrangeiros domiciliados no pais, de modo que possibilite eficientes fatores de vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana". Declara-se, afinal, a educação como direito de todos. O artigo 150 estabelece que compete à União: a)fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do país. Vale lembrar que a criação do Plano Nacional de educação já constava das reformas de Francisco Campos de 1931 e foi garantido pela Constituição de 1934. O artigo 150 ainda estabelecia em seu parágrafo único: O Plano nacional de educação constante de lei federal, nos termos dos artigos 5, n.XIV e 39, n.8, letras a e e, só se poderá renovar em prazos determinados e obedecerá as seguintes normas: a) ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória, extensivo aos adultos; b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, afim de o tornar mais acessível; Declarava-se, afinal, o ensino primário obrigatório e gratuito e estabelecia-se como tendência, a gratuidade aos demais níveis do ensino. O regime constitucional estabelecido em 1934 e que aclamou Getúlio Vargas presidente constitucional do Brasil durou pouco. Em 1937, utilizando como pretexto a necessidade de manter a unidade nacional e a segurança da nação contra a ameaça comunista, Getúlio Vargas anulou a constituição de 34, outorgou uma nova carta redigida por Francisco Campos "A Polaca" e institucionalizou o Estado Novo. Essa nova constituição representou um retrocesso com relação a anterior inclusive no que se refere às questões relacionadas à educação. Com ela o debate sobre as questões educacionais saiu da sociedade civil e passou para o reduto da sociedade política. Gustavo Capanema, ministro da educação de Getúlio Vargas após a saída de Francisco Campos, incorporou à constituição de 1937 medidas que nada tinham a ver com as propostas renovadoras e correspondiam muito mais aos anseios conservadores do grupo católico, o que, de qualquer maneira, vinha ao encontro do novo processo político que se instalava. Expressando o autoritarismo do Estado Novo, a Constituição de 1937 recuava na maioria dos direitos civis e sociais estabelecidos em 1934. O Estado Novo durou de 1937 a 1945. Nesse período entre 1942 e 1946 foram outorgadas as leis orgânicas de ensino que foram chamadas de Reforma Capanema. Publicada em 9 de abril de 1942, a Lei Orgânica do Ensino Secundário, instituía para o ensino secundário um primeiro ciclo de quatro anos de duração, denominado ginasial, e um segundo ciclo de três anos. Esse último ciclo, que na reforma planejada por Francisco Campos apresentava três opções, passou a ter apenas duas, o curso clássico e o científico. Os novos currículos previstos na Lei Orgânica caracterizavam-se pela predominância do enciclopedismo, com valorização da cultura geral e humanística. Por influência da Segunda Guerra Mundial, a lei instituiu também a educação militar para os alunos do sexo masculino. Reafirmou o caráter facultativo da educação religiosa e obrigatório da educação moral e cívica, e recomendou ainda que a educação das mulheres fosse feita em estabelecimento distinto daquele onde se educavam os homens.A LeiOrgânica do Ensino Secundário permaneceu em vigor até a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961. A última das reformas foi a do ensino primário publicada já em 1946. Apesar de produzido durante o Estado Novo, o decreto -lei de 1946 contrariava o espírito da Constituição de 1937 pois instituiu o ensino primário gratuito e obrigatório. Uma década depois seria quase impossível deixar de atender às necessidades do país que, do ponto de vista econômico, continuara caminhando rumo à modernidade. O decreto-lei de 1946 recupera grande parte do deário escolanovista e o incorpora a sua declaração de princípios. Ao contrário da lei orgânica do ensino secundário que traz as marcas do estado autoritário que a produziu, o decreto-lei do ensino primário, de 1946, conseguiu diminuir o ranço autoritário e elitista que caracterizam as leis orgânicas anteriores. O que é importante ressaltar, com relação a Reforma Capanema é que independentemente do seu conservadorismo ela conseguiu, de uma certa maneira, sistematizar o ensino em nível nacional. O grupo dos "profissionais da educação" se desorganizou durante o Estado Novo e seus membros tomaram rumos diferentes: alguns se incorporaram ao regime, outros conviveram com ele e outros ainda afastaram-se da vida pública. Anísio Teixeira que a partir de 1932 continuara a obra de reformulação pedagógica do Distrito Federal e da criação da Universidade do Distrito Federal, viu-se atingido por uma onda de calúnia e difamação após a Intentona Comunista. Demitiu-se do cargo, retirou-se da vida pública e a partir daí dedicou-se aos seus negócios pessoas e familiares. Anísio só retornaria ao cenário político educacional brasileiro com a redemocratização do país. A Constituição de 1946 Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a volta à normalidade democrática no Brasil é eleita uma Assembléia Nacional Constituinte que, em 1946 promulga uma nova constituição. A quarta constituição brasileira e a terceira constituição republicana foi pensada e escrita por uma assembléia que tinha representantes de praticamente todos os segmentos políticos e ideológicos. Pense que o próprio partido comunista estava na legalidade nesse momento. A nova Constituição caracterizava- se pelo espírito liberal e democrático de seus enunciados, o que pode ser percebido, também, no que se refere à legislação educacional. Ela estabelecia, ao nível constitucional, o reconhecimento da educação como direito de todos. "Art. 166: A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana." "Art. 167: O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem." Art. 168: A legislação do ensino adotará os seguintes princípios; I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário se-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para seus servidores e filhos destes; IV - as empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem para seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores." A constituição de 1946 preocupava-se também com a provisão de recursos mínimos que assegurasse o direito instituído. O artigo 169 estabelecia: "anualmente a União aplicará nunca menos de 10%, e os Estados e o Distrito federal e os Municípios nunca menos de 20% da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino". O que nós podemos perceber é que a constituição de 1946 não só estabelece garantias, liberdades e direitos individuais, mas ela busca, através da ação do Estado, prevista na própria constituição, assegurar ao indivíduo esses mesmos direitos, liberdades e garantias. Nesse sentido, a carta de 1946 representa um enorme avanço, pois insere o país no espírito das doutrinas sociais do século XX. De acordo com a Constituição de 1946 a União deveria fixar as diretrizes e bases da educação nacional. Clemente Mariani, então Ministro da educação e da Saúde constituiu uma comissão de educadores para preparar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A comissão foi instalada em 1947 e remeteu o projeto para o Congresso Nacional em 1948. A LDBEN foi aprovada em ... 1962. O projeto enviado em 1948 suscitou muitas discussões e polêmica. No início as discussões giraram em torno da interpretação dos princípios constitucionais: um grupo, defendia uma postura centralizadora, herdeira da carta de 1937. Outro grupo, apoiado na própria carta de 1946 defendia a descentralização do sistema. A discussão, aparentemente bastante equivocada, ganhou força pela presença no Congresso Nacional do ex- ministro Gustavo Capanema que através de um parecer desfavorável acabou conseguindo arquivar o projeto em 1949. Dois anos depois tentou-se desarquivar o projeto, mas o Senado informou que o trabalho havia se extraviado. Diante disso a Comissão de Educação e Cultura do Congresso voltou-se para os trabalhos de reconstituição do projeto.Em 1956, após inúmeras idas e vindas, reiniciaram-se os debates no Congresso. O eixo das discussões ainda era o mesmo; a questão da centralização, descentralização do sistema público de ensino. Em 1958 a Comissão de Educação e Cultura recebeu um substitutivo apresentado pelo deputado Carlos Lacerda. O substitutivo Lacerda mudou completamente o eixo das discussões que passaram a girar em torno da "liberdade de ensino" . Ora, em seu substitutivo, Lacerda partia da educação da criança como direito inalienável da família, definindo a escola, inclusive, como "prolongamento e delegação da família", para em seguido estabelecer como competência do Estado oferecer à família "os suprimentos de recursos técnicos e financeiros indispensáveis, seja estimulando a iniciativa particular, seja proporcionando ensino oficial gratuito ou de contribuição reduzida." E mais o artigo 6º do substitutivo Lacerda estabelecia; É assegurado o direito paterno de prover, com prioridade absoluta, a educação dos filhos; e dos particulares de comunicarem a outros seus conhecimentos, vedado ao Estado exercer, ou de qualquer modo favorecer o monopólio do Ensino. O artigo 7º prosseguia; O estado outorgará igualdade de condições às escolas oficiais e às particulares: a - pela representação adequada das instituições nacionais nos órgãos de direção de ensino; b - pela distribuição das verbas consignadas para a educação entre as escolas oficiais e as particulares proporcionalmente ao número de alunos atendidos (grifo meu); c - pelo conhecimento, para todos os fins, dos estudos realizados nos estabelecimento particulares." O substitutivo partia do direito da família e da liberdade de ensino - "direito dos particulares comunicarem aos outros seus conhecimentos" passava pela oposição a um suposto monopólio de ensino exercido pelo Estado e chegava ao financiamento público da escola particular " distribuição das verbas consignada para a educação entre as escolas oficiais e particulares". Além disso o substitutivo procurava garantir a presença de representantes do setor privado nos Conselhos de Educação. A discussão, de repente, era outra. Tratava-se de garantir e defender o direito de todos a uma escola pública, oficial e gratuita. Da Universidade de São Paulo veio a reação: A campanha em Defesa da Escola Pública que reunia signatários do Manifesto dos Pioneiros, como Anísio Teixeira e Fernando Azevedo e professores da universidade como Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso.O debate se reacendeu, agora em tornoda defesa da escola pública. Em 1959, esses intelectuais divulgam no Jornal "O Estado de São Paulo" e no "Diário do Congresso Nacional" um manifesto de educadores intitulado "Mais uma vez convocados". (veja anexo 2). Por que mais uma vez? Tratava-se de uma alusão ao "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova", lançado em 1932. Fernando de Azevedo redator do primeiro texto, redigiu, também, o de 1959, que foi assinado por 189 pessoas ilustres, entre as quais Anísio Teixeira igualmente signatário do primeiro, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, entre outros. Após um intervalo de 25 anos, reavivava-se a plataforma de um grupo que ficara conhecido como os Pioneiros da Escola Nova. Sua bandeira, desde os anos 30, consistia na defesa, como direito dos cidadãos e dever do Estado, de uma educação pública, obrigatória, laica e gratuita. Ou seja, de uma educação garantida pelo Estado para todos os que estivessem em idade de freqüentar a escola; da obrigatoriedade da matrícula sob pena de punição; da não submissão da educação a qualquer orientação confessional e, finalmente, da gratuidade da educação, para que todos, indiscriminadamente, tivessem acesso a ela. O Manifesto não só reafirmava os princípios da Escola Nova, mas também e principalmente, tratava do aspecto social da educação ao estabelecer o dever do Estado Democrático de garantir a sobrevivência da escola pública e o acesso de todos a essa escola. O velho debate estava de volta. O que estava em jogo, de fato, não era a "liberdade de ensino" visto que a própria constituição de 1946 reconhecia e assegurava à iniciativa privada o direito de promover a educação nos termos da lei. A questão do "monopólio do ensino pelo estado" era ridícula. O Estado não poderia, mesmo que assim o quisesse, exercer o monopólio na área da educação, até por falta de recursos. O que estava por trás de toda essa discussão era a tentativa, mais uma vez, do grupo católico de recuperar a influência antes exercida em todo o sistema educacional do país. Para isso ela se ancorava, de um lado na questão filosófica, que considerava a educação um "direito da família" e de outro na tradição católica da sociedade brasileira. O debate se reacendeu, de um lado estavam os educadores comprometidos com os ideais da Escola Nova, e de outro, os defensores da rede privada de ensino, que achavam que as famílias deviam ser livres para escolher que tipo de ensino queriam para seus filhos, e que tinham no então deputado Carlos Lacerda seu porta-voz. Durante esse período, de luta pela escola pública, o educador Anísio Teixeira acabou sendo perseguido pelos bispos católicos, que em 1958 lançaram um memorial acusando-o de extremista e solicitando ao governo federal sua demissão da Coordenação do Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Esse episódio gerou o protesto de 529 educadores, cientistas e professores de todo o país que, num abaixo-assinado, se solidarizaram com Anísio Teixeira, evitando que fosse demitido. O que as forças conservadoras temiam, na verdade, era a democratização da vida nacional: "O ensino público, com o ser obrigatório e gratuito, era democrático e possibilitava, de um lado, às camadas populares uma via de acesso à participação da vida econômica, de forma menos discriminante, mais justa; de outro lado, acenava com a possibilidade de participação política mais consciente e de bases mais amplas, o que vinha a minar pela base, o sustentáculo político das velhas elites. Era por isso que elas temiam a democratização do ensino." (ROMANELLI< O. p.178) A campanha em defesa da escola pública colocou lado a lado lideranças e pensadores com diferenças filosóficas e ideológicas bastante grandes, No entanto, eles foram capazes de superar essas diferenças diante da necessidade maior de defender a escola pública brasileira, como declarava, em 1960, o próprio Florestan Fernandes; "Participaram da Campanha de Defesa da Escola Pública pessoas de diferentes credos, políticos ... Limitamo-nos a defender idéias e princípios que deixaram de ser matéria de discussão política nos países adiantados. Tudo se passa como se o Brasil retrocedessa quase dois séculos, em relação à história contemporânea daqueles países, e como se fôssemos forçados a defender, com unhas e dentes, os valores da Revolução Francesa ... Apesar de socialista, somos forçados a fazer a apologia de medidas que nada têm a ver com o socialismo e que são, sob certos aspectos, retrógradas." (in GHIRALDELLI JR.,Paulo p.115) A lei foi finalmente aprovada em 20 de dezembro de 1961 Com Lei de Diretrizes e bases da educação Nacional nº 4024, frustando as expectativas dos renovadores e progressistas. O art. 95 da Lei 4.024 previa que a União dispensaria sua cooperação financeira ao ensino sob a forma de subvenção e financiamento a estabelecimentos mantidos pelos estados, municípios e "particulares", para a compra, construção ou reforma de prédios escolares, instalações e equipamentos. O país, na época, não tinha recursos para estender a rede oficial de ensino, que marginalizava quase 50% da população em idade escolar. Deliberou-se pela expansão da rede privada, mas a extensão dos benefícios da educação não alcançou o conjunto da população mais carente. A discussão da LDB iniciara-se em 1946, quando o Brasil era ainda muito pouco industrializado e urbanizado. Foi aprovada quinze anos depois. O país havia mudado nesse período. A industrialização aumentara consideravelmente e com ela a urbanização. As cidades cresciam de forma espantosa. Os movimento migratórios eram crescentes, principalmente o movimento rural-urbano. As necessidades sociais ampliaram-se. O Brasil não era mais o mesmo, suas necessidades, inclusive as educacionais eram outras, mas o Congresso não foi capaz de perceber. A LDB aprovada não atendia essas novas necessidades. Ampliando toda a trajetória pública de Getúlio Vargas. como cenário o Rio de Janeiro do final da era Vargas. Camuratti, baseia-se na biografia de Patrícia Galvão escrita por Geraldo Galvão Ferraz . -se lendo textos relativos aos assuntos tratados nessa unidade e as biografias das personalidades estudadas. Você vai encontrar a biografia de Anísio Teixeira e a de Gustavo Capanema, por exemplo. relativo ao centenário de nascimento de Gustavo Capanema. Nele Schwartzman retoma o embate ideológico que cercou a discussão da educação no Brasil nas décadas de 1930 e de 1940. acompanhar a trajetória política de Juscelino Kubtstchek faz um painel da vida brasileira durante o século XX. entário "Jango" do mesmo diretor Sivio Tendler, sobre o ex presidente João Goulart. Para saber mais Leia o livro de Carlos Roberto Jamil Cury - Ideologia e educação brasileira; católicos e liberais, São Paulo, Cortez e Autores associados, 1988. Consulte o livro de Otaiza Romanelli - História da Educação No Brasil, Petrópolis, Vozes, 2000. Referências Bibliográficas BARROS< Manoel de - Memórias Inventadas: A infância, São Paulo, Planeta, 2003. CURY,Carlos Roberto Jamil - Ideologia e educação brasileira; católicos e liberais, São Paulo, Cortez e Autores associados, 1988. DEL PRIORE, Mary (org) - História das Mulheres no Brasil, São Paulo, Contexto, 1997. FÁVERO, Osmar (org.) – A educação nas constituintes brasileiras: 1823 – 1988, Campinas, Autores associados,2005. GHIRALDELLI JR, História da Educação – São Paulo, Cortez, 2001 HOLANDA, Sérgio Buarque - História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil monárquico: declínio e queda do Império, São Paulo, Difel, 1974. NAGLE, Jorge – Educação e Sociedade na Primeira República, São Paulo, E.P.U.- EDUSP, 1974. NAGLE, Jorge – A Educação na Primeira República in FAUSTO, Boris (org.) O Brasil Republicano: Sociedade e Instituições (1889 1930), São Paulo, DIFEL, 1977.ROMANELLI, Otaíza de Oliveira, Petrópolis, Vozes, 2000. SILVA, Sérgio – Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil, São Paulo, Alfa Omega,1981. SOUZA, Paulo Renato - A Revolução Gerenciada: Educação no Brasil: 1995-2002, São Paulo, Prentice Hall, 2005. 5 - A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX Ponto de Partida: Tópico Gerador Você sabe que uma imagem, foto, pintura ou uma escultura, pode ser lida como um texto repleto de informações. Uma boa leitura da imagem nos permite identificar o período que ela retrata e muitas das características desse mesmo período. Observe com atenção as imagens a seguir. Identifique o período a que cada uma delas corresponde. Compare-as, estabelecendo o que elas têm em comum e as principais diferenças entre elas. Através delas podemos percorrer mais de duas décadas de história do Brasil. Após a leitura cuidadosa das imagens escreva um texto sobre as mudanças ocorridas no Brasil durante o período representado. Leia o seu texto para o conjunto da classe e, com a orientação do professor, analise as características do Brasil nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Imagem 1 9 de março de 1964 - Palanque da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. In GASPARI, Élio A Ditadura Envergonhada: São Paulo: Cia das Letras, 2002. Imagem 2 Grupo a caminho da Marcha da Vitória, organizada pela Camde, a Campanha da Mulher pela Democracia - 2 de abril de 1964 in. GASPARI, Élio A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Cia das Letras, 2002. Imagem 3 “Passeata dos Cem Mil” In: GASPARI, Élio A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Cia das Letras, 2002. Imagem 4 InGASPARI, Élio A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Cia das Letras, 2002. Imagem 5 In: GASPARI, Élio A Ditadura Escancarada. São Paulo: Cia das Letras, 2002. Imagem 6 In: GASPARI, Élio A Ditadura Escancarada. São Paulo: Cia das Letras, 2002. Imagem 7 In: GASPARI, Élio A Ditadura Escancarada. São Paulo: Cia das Letras, 2002. Imagem 8 In: PAZZINATO, A. L. e SENISE, M. H. História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Ática, 2003. p.365. Imagem 9 In: PAZZINATO, A. L. e SENISE, M. H. História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Ática, 2003. p.364. Em busca de informações Os anos da ditadura militar A ditadura militar durou vinte e um anos. Ela começou em 1964 com o golpe que depôs o presidente João Goulart e estendeu-se até 1985 com a eleição, pelo Colégio Eleitoral, de Tancredo Neves e José Sarney para a Presidência da República em janeiro de 1985. Nesse período foram firmados doze acordos MEC-USAID e, sob a influência dos acordos, foram realizadas as reformas do ensino universitário e da então modalidade que correspondia ao Ensino médio de hoje através das leis 5 540/68 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 5 692/71. Os acordos firmados entre o MEC - Ministério da Educação e Cultura e USAID - United States Agency for International Development previam assistência técnica e cooperação financeira da Agência para organizar e estruturar o sistema educacional brasileiro diante do agravamento da crise, que não era nova, e da necessidade de adequar a educação ao modelo de desenvolvimento econômico que se estabelecia. A crise do sistema educacional brasileiro era resultado da aceleração do ritmo do crescimento econômico associado ao crescimento da demanda efetiva por educação. Remontava, portanto, à década anterior que, com a instalação de um parque industrial de base, criou novos empregos que exigiam novas qualificações. Por outro lado, a educação passou a ser o melhor, senão o único caminho disponível para a ascensão social da classe média. O descompasso entre a lei de diretrizes e bases de 1961 e as novas demandas era enorme. No quadro nº1 você pode observar a relação entre a oferta e a demanda de pessoas com qualificação de nível médio no Brasil no período de 1940 a 1970. o quadro nº 2 você pode observar o crescimento da demanda por vagas na universidade na segunda metade da década de 1960. Note que, embora ocorra um crescimento na oferta de pessoas com qualificação de nível médio, a demanda permanece sempre além dessa oferta, gerando um déficit crescente. Os dados relativos ao ensino superior são mais dramáticos: enquanto o percentual de aumento de vagas é superior ao de aumento de candidatos na primeira metade da década de sessenta, esse quadro se altera substancialmente entre 1964 e 1968, com o percentual de candidatos duplicando em relação ao período anterior e o de vagas oferecidas, diminuindo. Como você observou o sistema educacional brasileiro na década de 60 não era capaz de atender às demandas por recursos humanos geradas pela expansão econômica. Por outro lado, também não foi capaz de ampliar a oferta de vagas no ensino superior. Não foi capaz ou não quis? Afinal, embora o mercado de trabalho acenasse com a abertura de postos que exigiam a qualificação superior, a oferta de empregos nesse nível não seria mesmo capaz de absorver toda a massa de formandos, caso eles tivessem conseguido vagas no sistema universitário da época. O problema dos excedentes tornou-se assim a parte mais visível (e barulhenta) da crise. (Excedentes era o nome dado aos concluintes do ensino médio que, tendo sido aprovados pelo exame vestibular, não conseguiam cursar a universidade devido à insuficiência de vagas). São Paulo e Rio de Janeiro tornaram-se palco de grandes manifestações estudantis que contestavam o sistema educacional, a existência dos excedentes e a qualidade das escolas de ensino superior, superlotadas e com poucos recursos. A política educacional adotada foi a de adequação da expansão do sistema às necessidades do modelo econômico. Para captar recursos para o ensino primário foi criado em 1964, pela lei 4 440, o salário-educação. Com esse dispositivo o governo instituía uma fonte de recursos para o ensino primário que vinha da contribuição das empresas. Em 1965, pelo decreto-lei 55 551 o governo estendeu a obrigação do salário educação a todos os empregadores públicos e privados ampliando dessa maneira a arrecadação dos recursos necessários à educação primária. Em 1966, o decreto-lei nº53 determinava a reorganização do ensino superior, tendo em vista, principalmente, a redução e/ou desperdício dos recursos públicos. Esse decreto, de uma certa maneira, antecipava medidas posteriores que viriam no bojo dos acordos MEC-USAID. Em 1967, o decreto-lei nº252, publicado em 28 de fevereiro, prosseguia com a reorganização do ensino superior com a criação em cada unidade universitária de unidades menores denominadas departamentos, que reuniam as disciplinas afins, concentrando o ensino e a pesquisa de uma mesma área em departamentos, o que promovia uma grande economia na utilização dos recursos. Iniciava-se a “modernização” do ensino superior brasileiro nos moldes idealizados pelo então ministro do planejamento Roberto Campos e pelas propostas norte-americanas. De fato, a partir de 1964 percebe-se uma mudança muito grande no perfil das pessoas que atuam no planejamento e na execução das políticas educacionais: sai de cena o educador e entra no palco o tecnocrata. Isso é ainda mais visível quando se observa a “subordinação” da pasta da Educação à do Planejamento. No final de 1967, o governo criou a Comissão Meira Matos para fazer um levantamento geral da crise e intervir nas universidades. Seus objetivos
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