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Capítulo 2 – Água na transmissão de doenças 9 2. ÁGUA NA TRANSMISSÃO DE DOENÇAS 2.1. Usos da água e saúde Dos muitos usos que a água pode ter, alguns estão mais intimamente relacionados com a saúde humana: • (a) a água é utilizada como bebida ou na preparação de alimentos; • (b) a água é utilizada no asseio corporal ou a que, por razões profissionais ou outras quaisquer, venham a ter contato direto com a pele ou mucosas do corpo humano: ex.: trabalhadores agrícolas em cultura por inundações, lavadeiras, atividades recreativas (lagos, piscinas, etc.); • (c) a água é empregada na manutenção da higiene do ambiente e, em especial, dos locais, instalações e utensílios usados no manuseio, preparo e ingestão de alimentos (domicílio, restaurantes, bares, etc.,); • (d) a água é utilizada na rega de hortaliças ou nos criadouros de moluscos – ostras, mariscos e mexilhões. Em (a) e (b) há contato direto entre a água e o organismo humano; em (c) e (d) há principalmente contato direto. Pessoas com doenças causadas, direta ou indiretamente, pela água de má qualidade e por falta de saneamento ocupam 80% dos leitos hospitalares, nos países em desenvolvimento (AZEVEDO NETO & BOTELHO, 1991:14). A nocividade da água pode resultar de sua má qualidade. A quantidade insuficiente de água também pode causar problemas. Em (a) e (d) influi a qualidade, e em (b) e (c), além da qualidade, é muito importante a quantidade disponível, que, em alguns casos é fator preponderante. A relação entre qualidade da água e doenças, intuitivamente suspeitada ou admitida desde a mais remota antiguidade, só ficou provada cientificamente, a partir de meados do século passado (epidemia de cólera em Londres, 1854 – John Snow). Reconhece-se que o fator quantidade tem tanta ou mais importância que a qualidade, na prevenção de algumas doenças. A escassez da água, dificultando a limpeza corporal e a do ambiente, permite a disseminação de enfermidades associadas à falta de higiene. Assim, a incidência de certas doenças diarréicas, do tipo shigelose, varia inversamente à quantidade de água disponível “per capita”, mesmo que essa água seja de qualidade muito boa. A tracoma, que ocorre em vastas áreas de zona rural brasileira, tem como uma das bases de sua profilaxia, o abastecimento d´água no domicílio, em quantidade para permitir o asseio corporal satisfatório. Também algumas doenças cutâneas e infestações por ectoparasitos, como os piolhos, podem ser evitadas ou atenuadas onde existe conjugação de bons hábitos higiênicos e quantidades de água suficiente. 2.2. Água como veículo O sistema de abastecimento de água de uma comunidade desde a captação, adução, tratamento, recalque e distribuição, inclusive reservação, bem como dos domicílios e edifícios em geral, deve ser bem projetado, construído, operado, Capítulo 2 – Água na transmissão de doenças 10 mantido e conservado, para que a água não se torne veículo de transmissão de diversas doenças; essas doenças podem ser classificadas em dois grupos: • Doenças de transmissão hídrica; • Doenças de origem hídrica. As primeiras são aquelas em que a água atua como veículo propriamente dito, do agente infeccioso, como por exemplo, no caso da febre tifóide, da disenteria bacilar, etc.; as segundas são aquelas decorrentes de certas substâncias (denominados contaminantes tóxicos pelo Prof. Lucas Nogueira Garcez) contidas na água em teor inadequado, e que dão origem a doenças como fluorose, metemoglobinemia, bócio e saturnismo; a água, neste por apresentar certas substâncias dissolvidas, em determinados teores, é responsável pelo aparecimento de doenças. Doenças de transmissão hídrica A água é um importante veículo de transmissão de doenças notadamente do aparelho intestinal. Os microrganismos patogênicos responsáveis por essas doenças atingem a água com os excretos de pessoas ou animais infectados, dando como conseqüências as denominadas “doenças de transmissão hídrica”. Em geral, os microrganismos normalmente presentes na água podem: • Ter seu “habitat” normal nas águas de superfície; • Ter sido carreados pelas enxurradas; • Provir de esgotos domésticos e outros resíduos orgânicos, que atingiram a água por diversos meios; • Ter sido trazidos pelas chuvas na lavagem da atmosfera. Os micro-organismos patogênicos não são de fácil identificação em laboratório. Utilizam-se assim os microorganismos do grupo coliforme. Neste grupo encontram-se os coliformes fecais, habitantes normais dos intestinos dos animais superiores e outros de vida livre, que são de identificação mais fácil; sua presença indica provável existência de excreta e, portanto, possibilidade de ocorrência de germes patogênicos de origem intestinal. Emprega-se assim o chamado índice de coli para determinar o grau de contaminação de uma água. Oportuno assinalar que, em princípio, existe uma certa correlação entre o número de coliformes e doenças de transmissão hídrica; estudos epidemiológicos, com base na estatística, podem, inclusive, correlacionar o número de coliformes com o número de determinados microrganismos patogênicos. Oportuno também assinalar que a presença de coliformes nem sempre indica a obrigatoriedade de existência de agentes patogênicos e, portanto, de ocorrência de doenças. Assim, a presença de coliformes, em determinadas concentrações, deve ser encarada como um sinal de alerta indicando a possibilidade de haver uma poluição e/ou contaminação fecal, principalmente quando ocorrem variações bruscas do número de coliformes numa determinada água. Relativamente aos microrganismos patogênicos, as doenças de transmissão hídrica podem ser ocasionadas por: • Bactérias: febre tifóide, febres paratifóides, disenteria bacilar, cólera; Capítulo 2 – Água na transmissão de doenças 11 • Protozoários: amebíase ou disenteria amebiana; • Vermes (helmintos) e larvas: esquistossomíase; • Vírus: hepatite infecciosa e poliomielite. Doenças de origem hídrica Os quatro tipos de contaminantes tóxicos podem ser nos sistemas públicos de abastecimento de água são: • Contaminantes naturais de uma água que esteve em contato com formação mineral venenosa; • Contaminantes naturais de uma água na qual se desenvolveram determinadas colônias de microrganismos venenosos; • Contaminantes introduzidos na água em virtude de certas obras hidráulicas defeituosas (principalmente tubos metálicos) ou de práticas inadequadas no tratamento da água; • Contaminantes introduzidos nos cursos d´água por certos dejetos industriais. Os contaminantes de origem mineral incluem o flúor, o selênio, o arsênico e o boro, e, com exceção do flúor, raramente são encontrados em teores capazes de ocasionar danos. Quanto ao flúor, teores maiores que 1 ppm são responsáveis pela fluorose dos dentes, e, por outro lado, ausência de fluoretos beneficia o aparecimento de cáries dentárias; o teor ótimo é em torno de 1 ppm. Os contaminantes naturais ocasionados por colônias de microrganismos venenosos, como certos tipos de algas, dão à água aspecto repulsivo ao homem, que tem assim uma defesa natural através dos seus sentidos; não obstante, a mortalidade de gado que ingere esses contaminantes tem sido verificada. Os contaminantes introduzidos pela corrosão de tubulações metálicas podem ocasionar distúrbios, principalmente em águas moles ou que contenham certo teor de bióxido de carbono (o que pode ocorrer por prática inadequada no tratamento da água). Dos metais empregados nas tubulações, o único de toxidez comprovada (e cumulativa) é o chumbo, que pode ocasionar o envenenamento conhecido como saturnismo. Cobre, zinco e ferro, mesmo em pequenas quantidades, dão à água gosto metálicocaracterístico e são responsáveis por certos distúrbios em determinadas operações industriais. Todas as variedades de contaminantes tóxicos podem provir dos despejos líquidos industriais. Daí a importância sanitária do controle de despejos industriais. 2.3. Água e doenças Doenças causadas por agentes microbianos São doenças que apresentam caráter infeccioso ou parasitário. Quanto á via de penetração no organismo pode-se adquirir doenças por: � via predominantemente oral; � via predominantemente cutânea-pele ou mucosa. Doenças adquiridas por via oral Capítulo 2 – Água na transmissão de doenças 12 Agrupando as doenças de via predominantemente oral, segundo a importância de água como veículo, tem-se: • cólera (bactéria: Vibrio Cholerae); • febre tifóide (bactéria: SalmonelaTyphi) ; • febre paratifóide (bactéria: Salmonela Paratyphi); • hepatite infecciosa (vírus); • gastroenterites (diarréias) infantis (p.ex.: bactéria: Escherichia Coli). A veiculação dos agentes etiológicos destas moléstias através da água, é a mais freqüente e mais eficiente; para comprova-lo basta lembrar o declínio da incidência da febre tifóide e o desaparecimento da cólera em todos os países que adotaram práticas eficientes de purificação da água potável. Num segundo grupo: • Disenteria bacilar; • Disenteria amebiana ou amebíase; • Poliomielite. Podem ser incluídas como doenças de veiculação hídrica, mas não serem classificadas de parelha com o primeiro, ou seja, existem outros meios de difusão mais atuantes na maioria dos casos. Num terceiro grupo: A importância da água como veículo seria menor. É o caso das: • Helmintoses • Tuberculoses Assinale-se que embora a tuberculose comumente não seja considerada infecção transmissível, direta e indiretamente pela água, a possibilidade de existência de casos adquiridos por essa via não ser negada, o que se atribui à grande resistência do bacilo responsável pela doença, em certas condições ambientais. Doenças adquiridas principalmente por via cutânea – pele e mucosa: • Esquistossomose • Leptospirose • Outras doenças que se referem aos banhos em piscinas, praias, rios etc.: doenças nos olhos, ouvidos e vias áreas superiores (conjuntivites, otites, corizas, sinusites, etc.) têm sido atribuídas a banhos em piscinas, praias, etc., pela possibilidade das águas poderem estar contaminadas por bactérias ou vírus. Assinale-se ainda que existem doenças, como a ancilostomíase e a ascaridíase, em cuja transmissão a água, eventualmente, pode também atuar como veículo de certos casos. A água é imprescindível, também, ao ciclo biológico de muitos vetores animados, responsáveis por graves doenças. Por exemplo, os mosquitos que transmitem a malária e a febre amarela, têm a fase larvária, obrigatoriamente, em meio aquático. Assim, doenças como malária, indiretamente, estão relacionadas com a água; neste caso, a água não atua como veículo, mas o mosquito transmissor se procria nas coleções de água, e portanto, ao se estudar a construção de um Capítulo 2 – Água na transmissão de doenças 13 reservatório de acumulação e destinado ao abastecimento de água, deve-se investigar as espécies de mosquitos existentes na área de inundação e vizinhança, bem como aspectos epidemiológicos relacionados à malária. Doenças causadas por agentes químicos A água, através de seu ciclo hidrológico, está em permanente contato com os constituintes da atmosfera e da crosta terrestre, dissolvendo muitos elementos e carreando outros em suspensão. Além disso, o homem por suas múltiplas atividades, nela introduz substâncias das mais diversas naturezas. Assim, podemos distinguir poluentes naturais e artificiais. Os poluentes naturais compreendem substâncias minerais e orgânicas, dissolvidas ou em suspensão e gases provenientes da atmosfera ou das transformações microbianas da matéria orgânica. Os poluentes artificiais podem resultar: � Das substâncias empregadas no tratamento da água: sulfato de alumínio, cal, etc.; � Do uso crescente de pesticidas (herbicidas, carrapaticidas, inseticidas, raticidas, etc), largamente empregados no combate às pragas da agricultura e aos vetores de doenças humanas e de animais. Em sua grande maioria são compostos orgânicos sintéticos, que de um modo ou de outro, podem poluir as águas subterrâneas ou superficiais; � Dos esgotos sanitários que, além de substâncias como detergentes, encerram matéria orgânica, cujas transformações por ação microbiana têm muita importância para o balanço de oxigênio dos cursos d´água, além de outras alterações de natureza química que aí podem promover; � Da emissão das chaminés das fábricas, incineradores, etc. Algumas dessas substâncias acabam por se precipitar diretamente na água ou para ela são carregadas pelas chuvas, ou em decorrência do processo de incineração, por exemplo. Os efeitos que os poluentes naturais ou artificiais podem ter sobre o organismo humano dependem da concentração da substância na água, da toxidez específica para o ser humano e da suscetibilidade individual, que é variável de pessoa a pessoa. Praticamente, para todos os poluentes, existem concentrações inofensivas, que, aumentadas, podem começar a agir sobre o organismo e, se atingirem certo nível, os fenômenos tóxicos se acentuarão, sendo capazes de levar até à morte. 2.4. Medidas gerais de proteção O perigo da transmissão de doenças infecciosas pela água, refere-se, na prática, às doenças infecciosas intestinais e a profilaxia gira em torno das seguintes medidas: � Proteção dos mananciais, inclusive medidas de controle de poluição das águas; � Tratamento adequado da água, com operação continuamente satisfatória; � Sistema de distribuição da água bem projetado, construído, mantido e operado. Deve-se manter a água na rede com pressão adequada; Capítulo 2 – Água na transmissão de doenças 14 � Controle permanente da qualidade bacteriológica e química da água da rede de distribuição, ou, preferivelmente, na torneira do consumidor; � Solução sanitária para o problema da coleta e da disposição dos esgotos e, em particular dos dejetos humanos, tendo sempre como uma das finalidades a proteção do abastecimento de água potável; � Observar, na zona rural, as medidas indicadas para a proteção dos poços, nascentes e mananciais de superfície, inclusive a construção de sistema mais aconselháveis para o destino satisfatório dos dejetos, evitando a poluição direta da superfície, do solo ou das coleções líquidas; � Melhoria da qualidade da água suprida às pequenas comunidades, auxiliando-as técnicas e financeiramente a utilizarem métodos simples e pouco dispendiosos de tratamento, inclusive desinfecção, quando necessário. Ainda que dados os diferentes modos de transmissão das doenças relacionadas à água e sua profilaxia, torna-se necessário que, a par dos serviços de abastecimento de água, outros também devam ser executados, tais como: acondicionamento, coleta, transporte, tratamento e/ou disposição final de lixo; controle de artrópodes, notadamente moscas domésticas e das baratas , e controle dos seus manipuladores. 2.5. Artigo: Brasil é o 112º em ranking de saneamento básico mundial Apesar de ser a sétima economia do mundo, o Brasil ocupava a 112ª posição em um conjunto de 200 países no quesito saneamento básico, em 2011, segundo aponta um estudo divulgado nesta quarta-feira, pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, durante o fórum Água: Gestão Estratégica no Setor Empresarial. O objetivo do estudo foi apontar benefícios que poderiam ser obtidos com mais investimentos em saneamento básico, melhorando a qualidade devida do brasileiro e elevando a economia do país. De acordo com esse trabalho, o Índice de Desenvolvimento do Saneamento atingiu 0,581, indicador que está abaixo não só do apurado em países ricos da América do Norte e da Europa como também de algumas nações do Norte da África, do Oriente Médio e da América Latina em que a renda média é inferior ao da população brasileira. Entre eles estão o Equador (0,707); o Chile (0,686) e a Argentina (0,667). O índice é mensurado com base no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Na última década, o acesso de moradias à coleta de esgoto aumentou 4,1%, nível abaixo da média histórica (4,6%). Em 2010, 31,5 milhões de residências tinham coleta de esgoto. A região Norte foi a que apresentou a melhor evolução, apesar de ter as piores condições no país com 4,4 milhões de casas sem coleta. Somente o estado do Tocantins conseguiu ampliar o atendimento em quase 21%. No Nordeste, um universo de 13,5 milhões não contavam com esses serviços e em mais de 6 milhões de Capítulo 2 – Água na transmissão de doenças 15 lares não havia água tratada. O maior número de residências sem coleta foi registrado no estado da Bahia (3,3 milhões), seguido pelo Ceará (1,9 milhão). No Sul, mais 6,4 milhões de residências também não contavam com os serviços de coleta e os estados com os maiores déficits foram: Rio Grande do Sul (2,8 milhões) e Santa Catarina (1,9 milhão). Já no Sudeste, com os melhores índices de cobertura, ainda existiam 8,2 milhões de moradias sem coleta. Segundo advertem os organizadores do estudo, "a situação do saneamento tem reflexos imediatos nos indicadores de saúde". Eles citam que, em 2011, a taxa de mortalidade infantil no Brasil chegou a 12,9 mortes por 1.000 nascidos vivos, superando às registradas em Cuba (4,3%), no Chile (7,8%) e na Costa Rica (8,6%).Outro efeito direto da precariedade do saneamento, conforme destaca o estudo, refere-se à expectativa de vida da população (73,3 anos) em 2011, que ficou abaixo da média apurada na América Latina (74,4 anos). Na Argentina, a esperança de vida atingiu 75,8 anos e no Chile 79,3 anos. O estudo destacou ainda que, se houvesse cobertura ampla do saneamento básico, as internações por infecções gastrintestinais que, segundo dados do Ministério da Saúde atingem 340 mil brasileiros, baixariam para 266 mil. Além da melhoria na qualidade da saúde isso representaria redução de custo, já que as internações levaram a um gasto de R$ 121 milhões, em 2013. Pelos cálculos desse trabalho, a universalização traria uma economia das despesas públicas em torno de R$ 27,3 milhões ao ano e mais da metade (52,3%) no Nordeste. Outros 27,2% no Norte e o restante diluído nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Conforme os dados, em 2013, 2.135 vítimas de infecções gastrintestinais perderam a vida - número que poderia cair 15,5%. A universalização do saneamento também diminuiria os afastamentos do trabalho ou da escola em 23% , o que poderia implicar em queda de R$ 258 milhões por ano. Em 2008, 15,8 milhões de pessoas ou 8,3% da população brasileira faltaram ao serviço ou às aulas por pelo menos um dia, sendo que 6,1% ou 969 mil por problemas causados por diarreias. Deste total, 304,8 mil eram trabalhadores e 707,4 mil frequentavam escolas ou creches. Outro benefício apontado pelo estudo seria a dinamização do turismo com a criação de quase 500 postos de trabalho e renda anual de R$ 7,2 bilhões em salários, além de incremento na formação do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma da riqueza gerada no país, da ordem de R$ 12 bilhões.
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