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DELEGADO FEDERAL – Direito Penal Especial – Renato Brasileiro – 31/01/2011 – Aula n. 01 
 
DELEGADO FEDERAL 
Disciplina: Direito Penal Especial 
Prof. Renato Brasileiro 
Data: 31/01/2011 
Aulas n.º 01 
 
 
MATERIAL DE APOIO – MONITORIA 
 
 
Índice 
 
1. Artigo Correlato 
1.1 Transmissão voluntária do vírus da AIDS e suas conseqüências penais 
1.2 Homicídio: ausência de motivo é, sim, motivo fútil. 
1.3 Homicídio doloso: o jogo das premissas 
2. Assista!!! 
2.1 É possível um homicídio ser qualificado-privilegiado? 
2.2 Segundo o STF e STJ, o homicídio qualificado privilegiado permanece hediondo? 
2.3 Quem responde pelo homicídio mercenário, o mandante ou o executor? 
2.4 Novo procedimento do Júri: Considerando os novos quesitos, em que momento é realizada a desclas-
sificação para homicídio culposo? 
3. Leia!!! 
3.1. Existe homicídio sem o corpo da vítima? 
3.2 Ortotanásia: homicídio piedoso? 
3.3 Qual o tratamento conferido pelo direito penal ao homicídio praticado por irmãos xipófagos? 
3.4 Negligência paterna, homicídio não intencional e perdão judicial 
4. Simulados 
 
 
 
1. ARTIGO CORRELATO 
 
1.1. TRANSMISSÃO VOLUNTÁRIA DO VÍRUS DA AIDS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS PENAIS 
 
Autor: Gecivaldo Vasconcelos Ferreira. Delegado de Polícia Federal e Professor universitário de Direito 
Penal. 
 
Publicado em: Novembro de 2008. 
 
1. Comentário preambular 
 
A contaminação voluntária de terceiros por pessoas infectadas pelo vírus da AIDS apresenta algumas va-
riáveis suscitadoras de polêmica, conforme se delimita a seguir: 
 
a) O risco exteriorizado pela conduta de alguém que, contaminado pelo vírus da AIDS, mantém relação 
sexual sem proteção com outrem, vindo este a se infectar e posteriormente falecer em razão dessa con-
taminação é um risco proibido ou permitido? 
 
b) O consentimento do ofendido pode afastar a responsabilidade penal do agente no caso de contamina-
ção pelo vírus da AIDS mediante relação sexual consensual, com conhecimento de ambos dos riscos de 
transmissão da patologia? 
 
c) No caso supra, em não havendo intenção de contaminar, quiçá de provocar a morte do parceiro (dolo 
direto), ainda assim é possível a responsabilização penal? 
 
 
 
DELEGADO FEDERAL – Direito Penal Especial – Renato Brasileiro – 31/01/2011 – Aula n. 01 
A situação teorizada tem evidentes reflexos práticos, considerando ser a AIDS uma realidade, não somen-
te brasileira, mas mundial; sendo a transmissão via contato sexual uma das formas mais usuais de infec-
ção. 
 
Imprescindível, portanto, analisar os reflexos penais da conduta de quem, estando infectado, vem a 
transmitir o vírus a terceiros. 
 
2. A transmissão da AIDS e os artigos 130 e 131 do CPB 
 
É cediço que o texto do Código Penal traz em seu bojo regulação das hipóteses de transmissão criminosa 
de moléstia venérea por meio de ato libidinoso (art. 130), e ainda, de perigo de contágio de moléstia gra-
ve de qualquer natureza (art. 131). 
 
Ressalte-se, outrossim, que a hipótese de transmissão do vírus da AIDS não se adequa a nenhuma das 
hipóteses acima. 
 
Destarte, quanto ao art. 130 do CP, comenta Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 576) que: 
 
AIDS: a síndrome da imunodeficiência adquirida não é doença venérea, pois ela possui outras formas de 
transmissão que não são as vias sexuais. Assim, caso o portador do vírus – ainda considerando letal pela 
medicina – da AIDS mantenha relação sexual com alguém, disposto a transmitir-lhe o mal, poderá res-
ponder por tentativa de homicídio ou homicídio consumado, conforme o caso. 
 
No tocante ao art. 131 do CP, também descarta o mesmo autor (2006, p. 578) a incidência de referido 
tipo quando há a contaminação criminosa em tela: 
 
Aliás, sob outro aspecto, é preciso mais uma vez ressaltar que a AIDS não se encaixa, por ora, no perfil 
deste artigo porque ainda é considerada uma doença letal. Fosse apenas uma enfermidade grave e estaria 
condizente com o tipo penal do art. 131. Dessa forma, quando o agente buscar transmitir o vírus da 
AIDS, propositadamente, pela via da relação sexual ou outra admissível (ex: atirando sangue contamina-
do sobre a vítima), deve responder por tentativa de homicídio ou homicídio consumado (conforme o resul-
tado atingido). 
 
Segundo se vê, há uma tendência doutrinária em se considerar que aquele que transmite intencionalmen-
te o vírus da AIDS responde por homicídio ou tentativa de homicídio, conforme a superveniência ou não 
do resultado morte, considerando a letalidade da patologia. Ressalve-se, contudo, que mesmo havendo a 
intencionalidade, tal conclusão não é ponto pacífico. 
 
3. Situações reais de contaminação criminosa pelo vírus da AIDS e seus reflexos penais 
Em 2005 houve conflito de atribuições de promotores suscitado junto à Procuradoria Geral de Justiça do 
Estado de São Paulo, ocasião em que o então titular do posto maior do MP paulista, procurador Rodrigo 
César Rebello Pinho, entendeu que aquele que sabendo ser soropositivo continua mantendo relação sexu-
al sem proteção com sua esposa, provocando a contaminação desta, deve responder por lesão corporal 
gravíssima por transmissão de moléstia incurável (art. 129, parágrafo 2º, II, do CP) e não por tentativa 
de homicídio [01], ao argumento que seria "[...] temerário afirmar que o agente teria assumido o risco de 
provocar a morte, já que sequer é possível afirmar, no atual estágio, se a morte é uma conseqüência ine-
vitável da doença". 
 
Na Holanda, em 2007, quatro homens infectados pelo HIV foram presos acusados de promoverem festas 
onde se utilizavam de artifícios para, propositalmente, contaminarem seus convidados (todos também 
homens). Relata-se que drogavam as vítimas e mantinham relações sexuais com as mesmas sem prote-
ção e/ou injetavam nelas sangue contaminado. No caso, não foram acusados por tentativa de homicídio, 
visto que a Suprema Corte holandesa entendeu que a AIDS "não pode ser considerada como uma doença 
inevitavelmente fatal, mas crônica" [02]. 
 
4. Conclusões 
 
 
 
DELEGADO FEDERAL – Direito Penal Especial – Renato Brasileiro – 31/01/2011 – Aula n. 01 
Primeiramente, cabe consignar que aquele que intencionalmente se conduz no sentido de contaminar seu 
parceiro com o vírus letal da AIDS age, sem dúvida, com animus necandi. Nem se argumente que se po-
derá em um futuro próximo descobrir a cura para o mal, afastando a sua letalidade, ou que com o atual 
estágio da medicina o doente soropositivo tem sua sobrevida prolongada por anos a fio, pois é incontes-
tável que, objetivamente falando, é sabido por todos que a AIDS atualmente é inevitavelmente mortal, e 
certamente quem contamina propositadamente outrem não tem outra intenção senão tirar-lhe a vida, e 
de uma forma cruel. Se conseguirá ou não consumar seu intento, isso só o futuro dirá, sendo certo, con-
tudo, que se a vítima não morrer isto ocorrerá por razões alheias à vontade do agente infrator. 
 
E esta conclusão deve ser igual tanto para o homem que contamina seu parceiro ou parceira quanto para 
a mulher que age da mesma forma, mesmo que mediante relação sexual levada a efeito por insistência 
da vítima que conhece a condição de contaminado do agente. 
 
Analisando tal hipótese sob a luz da teoria da imputação objetiva, Luiz Flávio Gomes (2007, p. 279) chega 
à seguinte conclusão: 
 
E se é a mulher que está com AIDS, comunica o parceiro disso e mesmo assim ele insiste na relação se-
xual, contraindo a doença? Nesse caso a mulher deve, em princípio, ser tida como responsável pela morte 
do parceiro. Sua anuência (causadora da destruição da sua vida) não é válida. Restaria examinar, de 
qualquer modo, a questão da exigibilidade ou inexigibilidade de conduta diversa, em relação à mulher 
(que pode não ser responsabilizada por falta de culpabilidade). 
 
Inicialmente, pondere-se que a vida é um bem indisponível [03]. Ninguém pode consentir validamente 
sejasua vida, sem motivo plausível, posta em risco extremado por uma conduta de terceiro (ou mesmo 
compartilhada com terceiro); mormente no caso em exame, em que a única motivação para o indivíduo 
consentir o risco seria, em princípio, a irracional satisfação de sua libido. 
 
Não estamos, portanto, diante de um caso de uma conduta provocadora de um risco permitido, conforme 
conclui Luiz Flávio Gomes, mas sim de um risco proscrito. 
 
Adicionalmente, sob o aspecto da dimensão subjetiva da tipicidade penal, pode-se asseverar que a pessoa 
que, sabendo-se portadora do HIV, mantém relação sexual com outrem, mesmo que não tenha a intenção 
direta de contaminar e provocar as drásticas conseqüências decorrentes desse evento, assume o risco 
pela produção dos danos inerentes à contaminação; isso por força do dolo eventual. De fato, esta espécie 
de dolo exige os seguintes requisitos (GOMES, 2007, p. 378): a) representação do resultado; b) aceitação 
desse resultado; c) indiferença frente ao bem jurídico. Desse modo, o indivíduo soropositivo que mantém 
relação sexual com outrem sem proteção, certamente sabe que pode contaminá-lo e, por conseguinte, 
provocar sua morte; aceita isso e demonstra-se indiferente quanto ao bem jurídico protegido pela norma 
(in casu, a vida da vítima), pois se assim não fosse abster-se-ia da conduta. Não é o caso de culpa cons-
ciente, pois nesses casos há uma elevadíssima probabilidade (alardeada pela mídia) de contaminação e 
futuro óbito do parceiro, decerto conhecida pelo agente. 
 
Quanto ao possível reconhecimento de causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa, aventada 
por Luiz Flávio Gomes no trecho transcrito linhas atrás, levando à configuração de uma causa de exculpa-
ção no caso sob foco, não vemos como plausível a sua ocorrência, considerando a presença de reprovação 
social em todos os casos que podemos antever (exceto aqueles já abarcados por outra causa de exculpa-
ção – coação moral irresistível, por exemplo) de contaminação de parceiro pelo HIV mediante relação se-
xual sem proteção, conhecendo o agente previamente sua condição de contaminado. 
 
 
Referências bibliográficas 
 
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5ª ed. rev., atual. e ampl. – São Pau-
lo: RT, 2006. 
 
GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte geral, vol. I. 8ª ed. rev.,ampl. e atual. – Niterói : Impetus, 
2007. 
 
 
DELEGADO FEDERAL – Direito Penal Especial – Renato Brasileiro – 31/01/2011 – Aula n. 01 
 
GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de; coordenação Luiz Flávio Gomes. Direito penal – 
parte geral. – São Paulo : RT, 2007. 
 
Revista Consultor Jurídico, de 20-09-2005. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/38031,1, 
acesso em 23-09-2008, às 16:15 h. 
 
Folha Online, de 31-05-2007. Disponível em 
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u301208.shtml , acesso em 23-09-2008, às 16:30 h. 
 
 
Notas 
Fonte: Revista Consultor Jurídico, de 20-09-2005. Disponível em 
http://www.conjur.com.br/static/text/38031,1, acesso em 23-09-2008, às 16:15 h. 
Fonte: Folha Online, de 31-05-2007. Disponível em 
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u301208.shtml , acesso em 23-09-2008, às 16:30 h. 
Pondera Greco (2007, pp. 378-379) sobre a impossibilidade de reconhecimento do consentimento do o-
fendido como causa de justificação quando o bem afetado é indisponível, como é o caso da vida. 
 
Fonte: http://jus.uol.com.br/revista/texto/12051/transmissao-voluntaria-do-virus-da-aids-e-suas-
consequencias-penais 
 
 
1.2 HOMICÍDIO: AUSÊNCIA DE MOTIVO É, SIM, MOTIVO FÚTIL 
 
Autor: César Danilo Ribeiro de Novais. Promotor de Justiça do Mato Grosso 
 
Publicado em: Fevereiro de 2010. 
 
O fato de a vida humana ser inviolável faz com que o respeito de uma pessoa à existência de outra seja 
norma obrigatória, figurando como fonte do supermandamento imposto a todos: não matarás. 
 
Apesar disso, os índices de violência deixam claro o quanto a vida está banalizada. Só para se ter uma 
idéia, no Brasil, ocorrem cerca de 50 mil assassinatos por ano. Isso representa a queda (proposital) anual 
de 325 aviões Boeing 737-800, iguais ao que caiu na floresta amazônica em 29/09/2006 (voo 1907 da 
Gol) e que vitimou 154 pessoas. É uma verdadeira guerra urbana. 
 
Esse quadro estatístico demonstra que, não obstante ser condição fundamental e imprescindível para o 
gozo de todos os direitos possíveis (princípio do primado do direito à vida) e mantença da sociedade e do 
próprio Estado, a vida é cotidianamente violada. 
 
Partindo-se da premissa que o inconformismo com a morte é a regra da natureza humana, a perda de 
uma vida em razão de acerto de contas da natureza ou sinistro traz grande sofrimento aos que ficam. 
Esse sentimento torna-se mais doloso diante da perda de ente querido ou amigo pelo fato de ter a vida 
ceifada deliberadamente por outra pessoa (assassinato). O sofrimento e a revolta são inevitáveis e dolori-
dos. 
 
Não bastasse isso, no mundo jurídico, vê-se, ainda que de forma velada ou indireta, lições doutrinárias 
advogando o enfraquecimento da proteção da vida. São flexibilizações interpretativas de institutos e nor-
mas penais em favor de pessoas que, usurpando a condição divina, tiraram a vida de semelhante. 
Um exemplo desse jeitinho interpretativo é verificado quando da análise da doutrina e da jurisprudência 
ao homicídio gratuito (ou sem motivo). A maioria defende que a ausência de motivo não é motivo fútil, 
fator de qualificação do crime de homicídio. 
 
Em outras palavras, defendem que matar por um motivo irrisório, pequeno ou insignificante autoriza o 
aumento da pena, qualificando-se o homicídio, ao passo que matar sem motivo importa apenas em homi-
cídio simples. 
 
 
DELEGADO FEDERAL – Direito Penal Especial – Renato Brasileiro – 31/01/2011 – Aula n. 01 
 
Pouco esforço é preciso para notar o equívoco dessa posição. Como é sabido, fútil é o motivo que redunda 
em desproporção entre o crime e sua causa moral. É o móvel escasso ou de ínfimo valor, insignificante, 
leviano, de somenos ou de nenhuma importância. Assim, obviamente e logicamente, o sujeito que pratica 
o homicídio sem razão alguma, o faz futilmente. O homicídio gratuito, motivado pelo nada, é fútil. O nada 
também é fútil. Vale dizer, considerando que o motivo fútil é o pequeno demais, a falta de motivo a ele 
deve equiparar-se, pois, ausente, é como se fora ainda menor. 
Em outras palavras, quem mata despido de motivo, no mínimo, age com o intuito de satisfazer a sanha 
criminosa, desejo momentâneo, certamente, dos mais fúteis. 
 
Não se trata de analogia in malam partem, senão apenas e tão-somente de aplicação ao inciso II do § 2º 
do artigo 121 do Código Penal de interpretação extensiva por força de compreensão, que busca tudo o 
que do texto se compreende. É o que manda esta regra comezinha em hermenêutica jurídica: lex minus 
dixit quam voluit. Isto é, deve-se ampliar o sentido do texto, já que disse menos do que pretendia. 
Vale registrar que essa espécie de interpretação é aplicável a qualquer espécie de norma, inclusive de 
natureza penal. Cuida-se de uma lapidação do pensamento legislativo, já que eventuais omissões dos 
textos legais não importa em exclusão deliberada, mas pode consistir numa omissão involuntária, por 
falha de linguagem. 
 
Dito de outro modo, a ausência de motivo constitui um minus, que está aquém da própria futilidade. É 
corolário, pois, da lógica humana que o dispositivo citado (qualificadora) é continente da conduta de quem 
não tinha motivo algum para matar. 
 
Assim, se o motivo banal é o bastante para majorar a pena, a fortiori, a ausência de motivo requer igual 
ou maior reprovação da conduta. Não há futilidade maior do que matar sem motivo. Enfim, a falta de mo-
tivo é uma das espécies de motivo fútil, a maior delas. Interpretação contrária fere a lógica e o bom sen-
so, bemcomo fragiliza a proteção jurídica da vida. 
 
Nessa linha, e partindo-se da premissa que a função precípua do Direito Penal é proteger bens da vida, 
prevenir crime e reduzir a violência social, tornando segura a vida das pessoas, é chegada a hora do exe-
geta lançar mão da interpretação das normas jurídicas com o condão de cumpri-la. Que lance mão de 
uma hermenêutica jurídica voltada à concreção do direito fundamental à vida. 
 
Logo, o interprete do Direito, na condição de ser humano, profissional, cidadão e ser responsável, deve 
estar plantado num princípio muito sólido: não aceitar a flexibilização da proteção da vida, qualquer que 
seja o pretexto, defendendo-a de forma intransigente. 
 
Por tudo isso, ao se negar que a ausência de motivo constitui motivo fútil está-se, na realidade, fragili-
zando e menoscabando a proteção da vida. 
 
Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14439 
 
 
1.3 HOMICÍDIO DOLOSO: O JOGO DAS PREMISSAS 
 
Autor: João José Caldeira Bastosprofessor de Direito Penal da Escola Superior da Magistratura do Estado 
de Santa Catarina, professor de Direito Penal (aposentado) da Universidade Federal de Santa Catarina. 
 
Publicado em: Abril de 2008. 
 
Destaco, dentre as divergências: compatibilidade entre homicídio tentado e dolo eventual, o homicídio por 
omissão e o homicídio aparentemente privilegiado e qualificado. 
 
Sumário: 1. Introdução 2. Tentativa e dolo eventual 2.1. Divergências doutrinárias 2.2. Observações críti-
cas 3. Homicídio praticado por omissão 3.1. Direitos de quem? 3.2. Observações críticas 4. Homicídio pri-
vilegiado ou qualificado? 5. Para concluir: o jogo das premissas 
 
 
 
DELEGADO FEDERAL – Direito Penal Especial – Renato Brasileiro – 31/01/2011 – Aula n. 01 
 
 
 
1. Introdução 
 
O título deste artigo delimita, em parte, o objeto e a motivação: o processo de busca das premissas na 
interpretação jurídica de algumas questões ligadas aos crimes dolosos de homicídio. Trata-se de uma pre-
ocupação de caráter didático-pedagógico no que concerne à natureza e dinâmica do direito e, pois, do 
direito penal. Os delitos dolosos de homicídio constituem a ocasião, o pretexto, o pano de fundo de uma 
lógica que suponho inerente a todo e qualquer ramo do direito. 
 
Refiro-me a uma lógica material, de conteúdo, impregnada de comprometimento e intercâmbio de subje-
tividades (do legislador, do grupo social, do intérprete) que se completam e se confundem no próprio ato 
de explicitação da norma sob pesquisa. E o que se vê? Nas aparências, distanciamento e imparcialidade. 
Na essência, que é circunstancial e aleatória, a revelação de uma intimidade reciprocamente compartilha-
da. 
 
Não procuro o "último" discurso interpretativo, a voz soberana e altaneira a desmerecer tantas outras 
vozes, vencidas e caladas momentaneamente, por força do próprio direito. Procuro, sim, alguns tópicos 
de divergências registradas nos compêndios – algumas, inclusive, consideradas clássicas – que possam 
ilustrar ou esclarecer a importância de uma conscientização crítica, seja dos limites da lei penal, como 
fonte do direito, seja da dogmática jurídica em seus postulados no campo da hermenêutica (teoria geral 
da interpretação). 
 
Destaco, dentre as inúmeras divergências, aquelas que se prendem à compatibilidade entre homicídio 
tentado e dolo eventual; à prática de homicídio por omissão; e ao tema, cada vez mais atual, do homicí-
dio aparentemente privilegiado e qualificado. 
 
Não me furto de opinar sobre a matéria. Mas é claro que, ao fazê-lo, em momento algum pretendo des-
lustrar o ponto de vista de quem se posiciona de modo diverso. 
 
2. Tentativa e dolo eventual 
 
2.1. Divergências doutrinárias 
 
Há quem admita e há quem rejeite a compatibilidade entre homicídio tentado e dolo eventual. A equipa-
ração legislativa entre dolo direto e dolo eventual permite, por exemplo, a Nélson Hungria garantir que 
"se o agente aquiesce no advento do resultado ''morte'', previsto como possível, é claro que este entra na 
órbita de sua volição (veja-se n° 9): logo, se, por circunstâncias fortuitas, tal resultado não ocorre, é ine-
gável que o agente deve responder por homicídio tentado"(Comentários ao código penal, v.5, 1958, p. 
75). 
 
Para Júlio Fabbrini Mirabete, no entanto, "há hipóteses evidentes de impossibilidade da tentativa com dolo 
eventual nos crimes de homicídio e de lesões corporais, pois quem põe em perigo a integridade corporal 
de alguém voluntariamente, sem desejar causar a lesão, pratica fato típico especial (art. 132); quem põe 
em risco a vida de alguém, causando-lhe lesão e não querendo a sua morte, pratica o crime de lesão cor-
poral de natureza grave (art. 129, § 1º, II)" (Manual de direito penal, I, 1991, p. 150). 
 
Retorna ao tema quando analisa o art. 132: "Assumindo o agente o risco de causar perigo para a vida ou 
a saúde de outrem, responde pelo crime previsto no art. 132 com dolo eventual (RT 524/440, 540/11; 
JTACrSP 61/341, 34/330 e JTA 1/4). Por isso, sustentamos que não há possibilidade de reconhecer-se 
tentativa branca de homicídio ou de lesões corporais com dolo eventual". E arremata: "Querer o perigo ou 
aceitar o risco de sua ocorrência equivale a consentir no risco do resultado (morte ou lesão corporal), 
constituindo-se apenas no dolo eventual do crime de perigo e não no elemento subjetivo que informa a 
tentativa de homicídio ou de lesões corporais" ( Manual de direito penal, II, 1995, p. 127). 
 
 
 
DELEGADO FEDERAL – Direito Penal Especial – Renato Brasileiro – 31/01/2011 – Aula n. 01 
Data venia, é manifesto o equívoco do ilustre penalista. Ele admite que o resultado de lesão corporal com 
características de perigo de vida vinculado ao dolo eventual de homicídio justifica o enquadramento dog-
mático na figura do crime de lesões corporais (art. 129, § 1º, II) e, não, de tentativa de homicídio. E não 
acredita na diferença entre dolo de perigo (direto ou eventual) e dolo eventual de dano se, efetivamente, 
inocorre qualquer lesão corporal. 
 
Ora, o agente que, procedendo com dolo eventual de homicídio, e sem causar lesão corporal, coloca em 
risco a vida de outrem, não pode responder pelo singelo delito do art. 132. Por quê? Porque o dolo do art. 
132 se circunscreve aos eventos de perigo, tão somente de perigo. No dolo de perigo, ensina Edmundo 
José de Bastos Júnior, "há tão somente – grifei – a vontade de criar uma situação de perigo". E continua: 
"Nesta espécie de dolo, há necessariamente a previsão do dano, que, entretanto, não é querido nem acei-
to pelo agente" (Código penal em exemplos práticos, 2006, p. 70). 
 
De um dolo de perigo só pode resultar, se for o caso, culpa de dano (culpa consciente). Em um crime de 
perigo, tipicamente de perigo, não cabe o "enxerto" – que seria espúrio, no campo da lógica – de qual-
quer espécie de dolo de dano, direto ou eventual. Se existe dolo eventual de dano com relação ao homicí-
dio consumado parece evidente que esse mesmo dolo eventual não se transforma retroativamente em 
dolo de perigo só porque, em outra hipótese, a vítima não sofre sequer uma escoriação. O contraste entre 
o Capítulo I (Dos crimes contra a vida) e o Capítulo III (Da periclitação da vida e da saúde) – a par de 
outros pormenores – revela com nitidez os limites genéricos do conteúdo da vontade imanente à figura 
delituosa do art. 132. Desconheço, aliás, melhor exemplo de estrutura jurídica total de um crime exclusi-
vamente de perigo. Tudo, ali, é de perigo: o dolo, a conduta, o resultado. Não há formas qualificadas. E 
dele só se pode cogitar "se o fato não constitui crime mais grave", conforme advertência do próprio dispo-
sitivo legal. Assim, ou se reconhece a tentativa de homicídio ou a inocorrência de qualquer delito, por im-
previsão do sistema. 
 
Também não há como se vislumbrar dolo de homicídio (direto ou eventual) no tipo de lesão corporal qua-
lificadapelo perigo de vida (art. 129, § 1º, II). Trata-se de resultado visivelmente preterdoloso: o sujeito 
ativo quer, em sentido amplo, a lesão corporal leve (art. 129, caput), mas acaba ocasionando, por culpa, 
o resultado de perigo. Essa ilação é retirada do próprio Código, por imperativo de rigorosa interpretação 
lógico-sistemática. Se, mais do que perigo de vida, ocorre a previsível morte da vítima, é inarredável a 
subsunção ao tipo de homicídio preterdoloso (lesão corporal seguida de morte). E, finalmente, se de uma 
facada no tórax desferida com dolo eventual resulta a morte da vítima, o Código Penal indica a resposta: 
homicídio doloso consumado. 
 
Inexiste, aliás, no sistema, a possibilidade de conciliação entre dolo eventual de homicídio e qualquer es-
pécie de lesão corporal. No § 3º do art. 129, referente à lesão corporal seguida de morte, o legislador 
alude às circunstâncias que "evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de pro-
duzi-lo". Eis aí, novamente explicitada, a fórmula do dolo eventual ("assumiu o risco de produzi-lo" – v. 
CP, art. 18, I, segunda parte). O que significa isso? Significa a insistência do legislador na equiparação 
entre dolo direto e dolo eventual em matéria de homicídio. A presença de qualquer desses dolos (direto 
ou eventual) descarta a figura do art. 129, § 3º, cuja pena mínima é de 4 anos de reclusão. Teria, portan-
to, que descartar igualmente a figura do art. 129, § 1º, II (perigo de vida), de pena mínima bem menor: 
1 ano de reclusão. E por que bem menor? Porque o resultado (perigo de vida) se vincula exclusivamente à 
culpa em sentido estrito. 
 
É certo que a jurisprudência, apesar de seus desencontros, vem exigindo um diagnóstico e, não, prognós-
tico de perigo de vida, quer dizer, a ocorrência concreta de sinais indicativos de risco de morte. Mas a 
materialidade de um crime não se confunde com sua faceta ético-subjetiva (dolo ou culpa). Nos domínios 
da lógica o resultado de um comportamento humano qualquer é compatível até mesmo com o caso fortui-
to ou a força maior. 
 
Segue-se que a distinção ou separação entre uma e outra espécie de dolo, para tratamento diferenciado 
no campo da consumação e tentativa do homicídio, não a faz o Código, mas o intérprete. Não é o que se 
passa, por exemplo, com Damásio de Jesus: "A tentativa de homicídio não possui dolo próprio, especial, 
i.é, diferente daquele que informa o elemento subjetivo do crime consumado. O dolo da tentativa é o 
 
 
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mesmo do crime consumado. Aquele que mata age com o mesmo dolo daquele que tenta matar" (Direito 
penal, II, 1991, p. 53). 
 
2.2. Observações críticas 
 
Esqueçamos estrategicamente o acerto ou desacerto das teses em conflito. Ao reverso, no aprofundamen-
to de uma visão crítica do direito penal convém sublinhar, isto sim, esses desencontros e, se possível, 
entendê-los. 
 
Pois bem, a tendência maior de todo e qualquer penalista, na doutrina e na prática forense, é a de apon-
tar na lei, como apoio retórico de caráter objetivo, a premissa ou premissas da solução que diz encontrar. 
Só em caráter excepcional é que se invocam outras fontes normativas. E ainda se afirma, quando possí-
vel, que a lei permanece de pé, conserva sua validade, tendo apenas sido relativizada num contexto de 
prevalência do "espírito" do sistema ou de certos princípios gerais, imutáveis, ou emergentes de uma no-
va ordem constitucional. Daí a enorme lista de argumentos, não raro entre si contraditórios: analogia, 
bom senso, eqüidade, razão, justiça, política criminal. Tudo isso, é claro, se as conclusões não prejudicam 
o réu. Neste caso, em regra, num regime de separação de poderes, não é comum reconhecer que se opi-
na ou decide contra a lei. 
 
O crime se diz tentado – é o que consta do CP em vigor, art. 14, II – "quando, iniciada a execução, não se 
consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente". Por si só, isoladamente, o texto ajuda a gregos 
e troianos. A vontade, mencionada no texto, nos conduz exclusivamente ao dolo direto, afirmam os troia-
nos. Não é bem assim, responderiam os gregos: também no art. 24 se fala em vontade e não faz sentido 
que alegue estado de necessidade quem, ao provocar o perigo, assume o risco de matar outrem. O dolo 
eventual implica uma vontade firme e resoluta em termos de consentimento ou aceitação do risco de pro-
duzir o resultado. O agente, embora não querendo o resultado diretamente, não reluta em incorporá-lo 
desde logo à sua vontade, caso ele venha a ocorrer. O sujeito age apesar ou a despeito de um resultado 
que assume de modo eventual, pelo desdobramento lógico de uma conduta livre e comprometida desde o 
seu nascedouro. 
 
Com relação ao homicídio, a conduta, na sua ambivalência, revela um querer (vontade) suficientemente 
amplo para abranger ao mesmo tempo o sim e o não do evento morte. Se o agente sabe que pode matar 
e, assim mesmo, contamina seu agir com a prévia ratificação do resultado, deixa claro o engajamento de 
sua vontade. O dolo, no caso, se diz eventual exatamente por sua conexão ética e normativa com o even-
to; um evento não apenas previsto, mas consentido como alternativa. 
 
Que fique bem claro: examino a lei, o Código Penal, independentemente de qualquer juízo acerca de sua 
conveniência ou oportunidade. Conclusão: ao menos no plano teórico, é válida a tese da tentativa de ho-
micídio mediante dolo eventual. E as divergências, como explicá-las? 
 
Como sempre, as palavras e frases dos diplomas legislativos guardam consigo alguma zona de vagueza e 
ambigüidade. Conservam, por outro lado, um mínimo de clareza intrínseca. Qual das duas correntes se 
posiciona então contra a lei? Ou – para complicar – qual delas se posiciona contra o direito? É evidente 
que cada uma avocaria para si o acerto de sua resposta. 
 
Verifica-se, destarte, a importância do intérprete no processo de identificação das normas jurídicas. Um 
pouco mais: se ele dispõe, ao mesmo tempo, de poder decisório, assemelha-se ao Rei Midas, pois trans-
forma em direito a tudo em que toca, a pretexto de premissa. 
 
Mas a personalidade do operador jurídico não se dilui na instituição que representa. Magalhães Noronha 
(Direito penal, I, 1978, p. 135 ) e Damásio de Jesus, este há pouco citado, concordam por exemplo com 
Nélson Hungria. De seu turno, Fernando de Almeida Pedroso faz eco às ponderações de Júlio Fabbrini Mi-
rabete (Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto, 1995, p. 69-70). 
 
Mais recentemente: para Rogério Sanches Cunha, "admite-se a forma tentada, inclusive, no crime come-
tido com dolo eventual, já que equiparado, por lei, ao dolo direto (art. 18, I, CP)" (Direito penal: dos cri-
 
 
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mes contra a pessoa, 2006, p. 19). Entretanto, Rogério Greco, depois de uma série de considerações, 
conclui tratar-se de "hipótese inadmissível" (Curso de direito penal, I, 2007, p. 266). 
 
De um lado: Noronha, Damásio e Cunha; de outro, Mirabete, Pedroso e Greco. Todos eles, sem embargo 
das divergências, ligam seus nomes ao Ministério Público. Facilitam por isso a percepção do caráter alea-
tório de um direito penal a depender da lei, sem sombra de dúvida; mas de uma lei tal como estiver sen-
do vista e aplicada, nas circunstâncias, por este ou aquele operador jurídico. 
 
Daí a pergunta: para que servem os avanços da dogmática jurídica? Resposta: para muita coisa, menos 
para padronizar a conduta hermenêutica de nossos especialistas. 
 
Em poucas palavras, permanece de pé a essência contraditória do direito penal. 
 
3. Homicídio praticado por omissão 
 
3.1. Direitos de quem? 
 
Dou logo um exemplo, bastante conhecido. Uma criança de tenra idade ingressa numa plácida lagoa, de 
águas rasas, e sofre o riscode afogar-se, fato que efetivamente ocorre sob os olhares e omissão de um 
estranho, pessoa forte e saudável, que aceita e quer, com tranqüilidade, o evento morte. Variante: a cri-
ança é encontrada num buraco, ou em local com princípio de incêndio, de onde conseguiria facilmente sair 
se recebesse ajuda desse respeitável "cidadão". 
 
Entram em cena, aí, os famosos "direitos humanos". Direitos do omitente, diriam os formalistas, pois ele 
não tem qualquer obrigação prévia, específica, de interceder em favor da criança. De acordo com a legis-
lação em vigor – é o que aduziriam – "o dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cui-
dado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) 
com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado" (CP, art. 13, § 2º ). Não sendo 
ele pai ou, de nenhuma forma, responsável pelo infante, está impedido de cometer homicídio. Poder-se-ia 
então cogitar do crime de omissão de socorro, em sua forma qualificada (CP, art. 135, parágrafo único). 
 
Trata-se de um posicionamento rígido, inflexível, definitivo. Nada mudaria quanto às conclusões se o res-
peitável cidadão, em atitude sádica, permanecesse horas e horas nas proximidades e até mesmo se regis-
trasse o trágico desfecho em sua filmadora de última geração. 
 
Negam firmemente a figura do homicídio: Heleno Cláudio Fragoso, Lições de direito penal: a nova parte 
geral, 1985, p. 242/244; também parte especial, I, 1983, p. 164/165; João José Leal, Direito penal geral, 
1991, p.179; também Direito penal geral, 2004, p. 226; Francisco de Assis Toledo, Princípios básicos de 
direito penal, 1991, p. 118; Miguel Reale Júnior, Parte geral do código penal: nova interpretação, 1988, p. 
48; Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, II, 1995, p. 138; Juarez Tavares, As controvérsias 
em torno dos crimes omissivos, 1966, p. 78 e 86/87; Flávio Augusto Monteiro de Barros, Crimes contra a 
pessoa, 1997, p. 16 e 147; Rogério Greco, Curso de direito penal, I, p. 261 e v. 2, p. 425; Fernando Gal-
vão, Direito penal – Parte geral, 2007, p. 231-241. 
 
O curioso é que outros penalistas não teriam a menor dificuldade em apontar o mesmíssimo dispositivo 
legal (art. 13, § 2º, em sua combinação e confronto com os arts.s 121 e 135, parágrafo único) como base 
retórica de uma resposta bem diferente. O sujeito praticaria, por omissão, o crime doloso de homicídio 
(simples, em princípio) já que o mencionado art. 135 constitui indubitável dispositivo de lei, uma lei que 
preconiza nas circunstâncias uma evidente "obrigação de cuidado, proteção e vigilância", nos termos do 
art. 13, § 2º, a. Não seria cabível o subterfúgio da forma qualificada do art. 135, pois a morte, neste ca-
so, é sempre e necessariamente preterdolosa. 
 
Aceitam a figura do homicídio, através da análise do art. 135, parágrafo único, ou porque incluem a lei 
penal entre as fontes específicas de eventual "obrigação de cuidado, proteção ou vigilância" (art. 13, § 2º, 
letra a): José Frederico Marques, Tratado de direito penal, IV, 1961, p. 333/334; Bento de Faria, Código 
penal brasileiro, IV, 1961, p. 133; Anibal Bruno, Direito penal, IV, 1966, p. 254; Everardo da Cunha Luna, 
Capítulos de direito penal, 1985, p. 167; Ariosvaldo de Campos Pires, Compêndio de direito 
 
 
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penal, II, 1990, p. 16 e 87; Álvaro Mayrink da Costa, Direito penal, II, 1986, p. 208; Luiz Luisi, Os delitos 
omissivos impróprios e o princípio da reserva legal, 1992, p. 434; Romeu de Almeida Salles Jr., Código 
penal interpretado, 1996, p. 23 e 373; Cezar Roberto Bitencourt, Manual de direito penal, II, 2001, p. 
290; Adalberto de Camargo Aranha Filho, Direito penal: crimes contra a pessoa, 2005, p. 140; Edílson 
Mougenot Bonfim, Direito penal 2, 2005, p. 56/58; Rogério Sanches Cunha, Direito penal: dos crimes 
contra a pessoa, 2006, p. 118. 
 
3.2. Observações críticas 
 
Dispenso-me de outras observações, que arrolei em várias passagens do Curso crítico de direito penal (2ª 
edição, Florianópolis: Conceito Editorial, 2008) e do texto publicado na Revista Brasileira de Ciências Cri-
minais, n. 34: "Crime de omissão de socorro: divergências interpretativas e observações críticas". São 
Paulo: RT, abr./jun. 2001. 
 
O que interessa deixar consignado, em função dos objetivos deste artigo, é que mais uma vez o direito 
penal, com toda a sua relevância, denota um indisfarçável caráter lotérico. Novamente o direito penal, em 
sua historicidade, se submete às injunções do intérprete, da ideologia política do momento, das técnicas 
persuasivas, do grau de liberdade opinativa ou decisória de quem, por algum motivo, se vê envolvido no 
deslinde da questão. 
 
Não há crime sem lei, reza o Código Penal. Não há crime sem lei, repete a Constituição. Não há crime 
sem lei, concordam os penalistas. Sendo assim, como explicar esses desencontros interpretativos? Pela 
incompetência visceral – que ironia! – exatamente daqueles que se apresentam como especialistas? 
 
Ora, lei não é sinônimo de direito. Lei é projeto de direito, é uma de suas fontes: a mais importante, diga-
se de passagem. Nada mais. Quando uma norma legal incomoda, quando ela não fecha com as expectati-
vas ideológicas do operador jurídico (perito, delegado de polícia, advogado, juiz de direito, promotor de 
justiça, membro do tribunal do júri e tantos outros) e existe, no contexto, suficiente clima de liberdade, 
essa norma é abandonada, esquecida, relativizada ou – o que é muito comum – submetida e adaptada, 
em seu alcance e conteúdo, ainda que por motivos nobres, a uma inteligente manipulação argumentativa. 
Além disso, não raro o problema reside no próprio objeto, no texto legal, em si mesmo confuso e contra-
ditório. E, outras vezes, a bem da verdade, a falha é mesmo do intérprete, em sua dificuldade pessoal de 
ver e enxergar o que outros vêem e enxergam sem muito esforço – por intuição, quem sabe. 
 
A polêmica sobre a matéria (omissão de socorro? homicídio?) já existia logo após a vigência do Código 
Penal de 1940. A grande maioria da doutrina aceitava o homicídio, fato que, aos poucos, se reverteu por 
um bom tempo. 
 
Mesmo depois de 1984, com a nova Parte Geral do Código, de regras mais explícitas (art. 13 e seus pará-
grafos), e da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XLIII: "... por eles respondendo os mandantes, os 
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem"), não se entendem os jurisconsultos. 
 
Explico melhor o "motivo": qual a natureza da lei a que se refere a letra a do art. 13, § 2º? Trata-se de 
qualquer lei, de natureza penal ou extra-penal, alegam os que assumem (ou deveriam assumir) o enqua-
dramento na figura jurídica do homicídio. Interpretação declarativa: se a lei não distingue, não cabe ao 
intérprete distinguir. 
 
Não, reage a outra corrente, o que conta é o "espírito" da lei, o "espírito" do sistema, e este demanda 
uma visão restritiva: qualquer lei, menos obviamente a lei penal. E se a Constituição afirma o contrário 
com relação a certos delitos mais graves ("os que, podendo evitá-los, se omitirem") há de ceder espaço 
ao corte epistemológico do hermeneuta, que apelaria para direitos universais, imutáveis, superiores à 
própria Carta Magna; ou para uma inteligente releitura demonstrativa de um racional e obrigatório ali-
nhamento intra-sistemático. 
 
É claro – pelo menos para mim – que essa "inteligente releitura" teria que passar por cima do preâmbulo 
da Constituição, de seus princípios fundamentais, do artigo 5º (direito à vida) e, com relação ao art. 227, 
 
 
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queimá-lo numa fogueira, pois se posiciona "com absoluta prioridade" em favor da vida e saúde da crian-
ça e do adolescente em face "da família,da sociedade e do Estado". 
 
De qualquer modo, vê-se que as duas correntes invocam a lei, o Código Penal, como apoio retórico de 
suas "descobertas". E ainda existe uma terceira corrente, bastante diversificada, nos livros de doutrina: 
daqueles que por descuido ou propositadamente ora dizem sim, ora dizem não; daqueles que, mesmo 
dizendo sim, parece que dizem não, e vice-versa; e daqueles que opinam cautelosamente, mais indagan-
do do que dogmatizando, como se passa com Alberto Silva Franco, que prefere no entanto a explicitação 
da matéria na Parte Especial, delito por delito, à semelhança das formas culposas (Temas de direito pe-
nal: breves anotações sobre a lei n. 7.209/84, 1986, p. 31/46); 
 
Tudo é permitido, até mesmo afirmar que houve arbitrariedade na doutrina (toda a doutrina!) quando, 
confundindo costume com lei escrita, pregava a responsabilidade, a título de homicídio por omissão, da 
mãe que deixasse de alimentar o filho recém-nascido. "Tão só com a atual Constituição (art. 229) é que 
se determinou que os pais têm não apenas o dever de criação e educação dos filhos menores, mas ainda 
o de assistência, o que inclui, evidentemente, o dever de alimentá-los e protegê-los fisicamente" (Juarez 
Tavares, Alguns aspectos da estrutura dos crimes omissivos, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 
jul./set. 1996, n. 15, p. 146). Em se tratando de irmão mais velho, maior, imputável, nos exemplos refe-
ridos no início, mesmo nos dias de hoje praticaria ele somente omissão de socorro. É que "no âmbito das 
exigências formais contidas no art. 13, § 2º, não está contida simplesmente a relação de parentesco, mas 
apenas a prévia existência de dispositivo legal que a torne fonte da posição de garantidor" (ob. cit., p. 
152). É o que se lê igualmente em Fernando Galvão, Direito penal – parte geral, 2007, p. 237: "Não há 
disposição legal que determine a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância de um irmão em relação a 
outro". 
 
Existe uma saída para o impasse? Nenhuma. A essência do direito penal reside em suas inevitáveis con-
tradições intrínsecas, determinadas precisamente pela imprescindível participação artesanal do intérprete, 
para efeitos decisórios, e da cumplicidade ou apoio do grupo comunitário, notadamente no que concerne 
ao conteúdo (ideologia social). Veja-se que mesmo Heleno Cláudio Fragoso, um dos líderes da tese proibi-
tiva do homicídio doloso, e que acenava, em contrapartida, para o delito de omissão de socorro qualifica-
da pela morte, chegou a entrar em conflito com suas próprias observações dogmáticas acerca do art. 135, 
parágrafo único. Segundo seu entendimento trata-se de figura delituosa que traduz, quanto à morte, um 
resultado exclusivamente culposo (Lições de direito Penal: a nova parte geral, p. 181/182). A contradição 
se mostra evidente... 
 
Se todo e qualquer texto legal comporta, quanto ao resultado, uma exegese restritiva, declarativa ou ex-
tensiva, não é difícil compreender a fragilidade de uma lei que se pretenda, nada obstante, firme e forte 
seja em favor dos acusados seja em prol das vítimas ou dos interesses maiores da comunidade. 
 
Mesmo em pleno regime democrático ou, "pior ainda, na ausência de democracia", no entender de Eros 
Roberto Grau, é natural então que se tenha medo dos juízes. E isso notadamente se eles "não têm cons-
ciência de sua função, que é função de produzir normas" (Quem tem medo dos juízes – na democracia?, 
Justiça e Democracia, nº 1, 1996, p. 109). 
 
O "espírito" da lei, em última instância, quem o descobre ou determina é o intérprete com poder decisó-
rio, detalhe que nos conduz, no plano ético, a uma indeclinável parcela de responsabilidade inerente à 
liberdade de opção. No caso em exame – omissão de socorro ou homicídio – dá para perceber, nas entre-
linhas, o posicionamento ideológico de respeitável parcela da doutrina em face do sistema penal. Os que 
têm medo, em termos de abuso interpretativo, de autoridade policial, de promotor de justiça, de juiz de 
direito, de tribunal superior – em suma, os que têm medo do Estado, mesmo na vigência da Constituição 
de 1988 – preferem a cautela de uma interpretação restritiva. Consciente ou inconscientemente, revelam 
sua opção preferencial pelo infrator, em detrimento das expectativas da vítima. Na espécie, uma vítima 
nivelada por baixo, por força da ridícula pena do art. 135, parágrafo único: detenção de 3 a 18 meses, ou 
multa! 
 
Eis, novamente, a razão do receio: "A interpretação do direito feita pelo juiz não consiste jamais na sim-
ples aplicação da lei com base num procedimento puramente lógico. Mesmo que disto não se 
 
 
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dê conta, para chegar à decisão ele deve sempre introduzir avaliações pessoais, fazer escolhas que estão 
vinculadas ao esquema legislativo que ele deve aplicar" ( Norberto Bobbio, O positivismo jurídico: lições 
de filosofia do direito, 1995, p. 237). 
 
São escolhas e avaliações, em verdade, francamente aleatórias, em função de um certo grau de liberdade 
conferido igualmente a outros operadores jurídicos, com inclusão, é claro, dos que ensinam e teorizam no 
campo dogmático. 
 
Como reagiriam os penalistas diante da hipótese de um pai que, percebendo o desenrolar da conduta sui-
cida do filho adolescente de 14 anos, respeita silenciosamente sua vontade e nada faz para socorrê-lo, 
afastando-se do local, convencido da conveniência e oportunidade de sua morte? 
 
Surpresa! Ao invés de se falar, pelo menos, em participação omissiva, por força da famosa exigência de 
uma estrita e prévia posição de "garante", (CP, art. 13, § 2º, letra a), descobre-se que nada pode ser 
feito. Não há tipicidade. O legislador é taxativo ao exigir uma conduta positiva, de caráter militante (indu-
zir, instigar, prestar auxílio). 
 
Quer dizer, se o que incomoda, agora, é o próprio dispositivo legal (art. 13, § 2º, letra a), que seja suma-
riamente relativizado pela "regra especial" do art. 122. Penalista que se preza, em face da lei, jamais per-
de batalha! 
 
Ora, além da incoerência argumentativa (a lembrar, mais uma vez, a liberdade de escolha, em função da 
matéria), subsiste o risco de um pior enquadramento: homicídio doloso praticado por omissão! 
 
Assim, divergindo de Heleno Fragoso (ob. cit., 1983, p. 102), que admite a subsunção exclusiva no art. 
135, parágrafo único (omissão de socorro qualificada pela morte), Fabbrini Mirabete mantém a coerência: 
crime do art. 122, sobretudo em razão do "descumprimento do dever jurídico de impedir o resultado, o 
que já torna o omitente responsável diante do conceito normativo da omissão" (ob. cit., 1985, p. 85). 
 
Fernando Capez vai mais longe. À semelhança de Mirabete, entende ser perfeitamente possível o auxílio 
por omissão. Mas acrescenta: "Se, todavia, o omitente tiver o dever jurídico de agir (CP, art. 13, § 2º), 
responderá por homicídio (crime omissivo impróprio)" (Curso de direito penal, v. 2, 2003, p. 88). 
 
A mesma Constituição, o mesmo Código Penal, os mesmos veneráveis princípios de garantia, os mesmos 
fatos e, no entanto, sérias e graves divergências: omissão de socorro qualificada; participação em suicí-
dio; homicídio doloso consumado! 
 
Novamente a pergunta: para que servem os "avanços" e "modernidades" na descoberta da estrutura jurí-
dica dos crimes? 
 
Ora, não bastasse tanta liberdade interpretativa, o direito penal comporta e vem comportando, em sua 
realidade histórica, posicionamentos e decisões contra legem, se bem que na grande maioria das vezes 
em benefício dos acusados. Não é à toa que se fala hoje, com mais naturalidade, em legitimação social, 
minimalismo penal, descriminalização, despenalização. Os fatos precedem e, na seqüência, determinam o 
direito. Ex facto oritur jus: também nos crimes contra a vida não se pode prescindir, no campo normativo, 
dos fatos e premissasentre si interligados, ao sabor das circunstâncias. 
 
Resta examinar, por fim – mas sem muita fé quanto a eventual harmonia hermenêutico-dogmática – o 
homicídio aparentemente privilegiado e qualificado ao mesmo tempo. 
 
4. Homicídio privilegiado ou qualificado? 
É ponto pacífico: as circunstâncias do homicídio privilegiado (motivo nobre; violenta emoção) convivem 
faticamente com certas circunstâncias de caráter objetivo que, em tese, qualificariam o homicídio (trai-
ção, emboscada, asfixia, veneno etc.). As desavenças, porém, parecem perpetuar-se no momento em que 
se busca o tipo criminal correspondente. 
 
 
 
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Para Heleno Fragoso (Lições de direito penal: parte especial, v. 1, 1983, p. 51) o próprio Código Penal 
contém a chave-mestra de resolução do conflito. Refere-se ao antigo art. 49 (atual art. 67), que torna 
obrigatória a preponderância – e exclusividade – dos motivos determinantes, ou seja, os do art. 121, § 
1º. Magalhães Noronha, contudo, vislumbra na "disposição técnica" do Código o claro sinal de outro cami-
nho. Prevalece o homicídio qualificado: "Elementar conhecimento de técnica legislativa levaria o legisla-
dor, se quisesse estender o privilégio ao homicídio qualificado, a definir este em primeiro lugar, isto é, 
antes da causa de diminuição que, então, vindo depois dele e do homicídio simples, indicaria que a pena 
era tanto a de um como a de outro"(Direito penal, v. 2, 1986, p. 26). 
 
Há jurisprudência para todos os gostos. Com uma boa retórica se consegue justificar, inclusive, o homicí-
dio simples ("os opostos se anulam") e até uma nova categoria de homicídio, ainda sem rubrica no Códi-
go: homicídio qualificado-privilegiado! 
 
Sendo assim, como fica o princípio da reserva legal? Que lei é essa que permite na prática, e mesmo no 
seio de eminentes doutrinadores, enquadramentos díspares, inconciliáveis? Modernamente, inclusive, o 
tema retoma sua gravidade por força da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90), energicamente criti-
cada pelos penalistas, como é o caso de Alberto Silva Franco (Crimes hediondos: notas sobre a lei 
8.072/90, 1994), Alberto Zacharias Toron (Crimes hediondos: o mito da repressão penal, 1996) e João 
José Leal (Crimes hediondos: aspectos político-jurídicos da lei nº 8.072/90, 1996). Este último, embora 
sublinhando a primazia do art. 121, § 1º, lembra que "parte da doutrina e da jurisprudência ainda admite 
a figura híbrida do homicídio qualificado-privilegiado". Indaga, então, se o agente "sofreria as conseqüên-
cias gravosas da LCH". E responde, com firmeza: "É evidente que não" (p. 61). 
 
Explicação cabível: se o homicídio qualificado constitui crime hediondo e se as conseqüências desse fato 
representam, como pensa João José Leal, um verdadeiro desastre no âmbito da política criminal e peni-
tenciária, é claro que agora, mais do que nunca, se haveria de pleitear maior cuidado e menos pressa na 
reinterpretação da matéria. 
 
5. Para concluir: o jogo das premissas. 
 
Quais as lições que podem ser novamente colhidas, no campo teórico-penal? Desde logo, lições relaciona-
das com o próprio "jogo das premissas". A imagem é correta, pela ambigüidade e incerteza da própria 
expressão jogo, indicativa pelo menos da possível conjugação de duas importantes variáveis: habilidade e 
sorte de quem dele participa como intérprete ou sofre seus efeitos, na condição de acusado. 
 
O princípio da tipicidade exige efetivamente que se aponte a lei como premissa do raciocínio jurídico, mas 
a outra vertente – o intérprete com força normativa – não vem recebendo, nos compêndios, a atenção 
que deveria receber. E é nos crimes dolosos contra a vida, quando levados a julgamento, e bem antes, na 
fase das investigações, da acusação formal, da pronúncia; ou depois, por ocasião dos recursos, que fica 
bem mais clara, mais nítida, mais visível a reversão dos papéis. A premissa não está na lei, está no intér-
prete. 
 
Crime, em todas as suas modalidades, não é aquilo que o legislador diz ser crime (a redundância é propo-
sital). Crime não é o que os doutos afirmam através de confusas ontologias conceituais. Crime é fenôme-
no jurídico e, como tal, se consubstancia normativamente na seqüência de atos e omissões de toda uma 
comunidade, melhor dizendo, de atos e omissões daqueles que, nas circunstâncias, detêm o poder de 
mando e comando, o poder de investigar, de identificar, de requerer, de opinar, de convencer, de decidir. 
 
As divergências interpretativas (e de quem? dos entendidos!) constituem um livro aberto, a base inesgo-
tável da percepção de um impossível direito penal ao mesmo tempo dogmatizado pelo legislador e esmiu-
çado (sintonia fina) pela sabedoria hermenêutica dos jurisconsultos. 
 
Não significa isso que se devam abandonar as conquistas ideológicas do chamado Estado Democrático de 
Direito preconizado na Constituição da República. Significa, no entanto, que uma disciplina jurídica – a 
dogmática do direito penal – ainda não tomou consciência de sua inconsistência, da fraqueza e relativida-
de de seus cânones. 
 
 
 
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Não se trata de negar validade às inúmeras tentativas de sistematização doutrinária para efeito de ensino 
e retransmissão acadêmica, negativa por sinal inútil, irrealista, além de suicida em relação a quem exerça 
o magistério. Trata-se, tão somente, de um sinal de alerta para com os limites da dogmática em seus 
postulados contraditórios, em confronto com uma realidade fático-normativa em estado permanente de 
franca rebeldia, embora em si mesma igualmente assistemática e contraditória. 
 
"A ação e o posicionamento do homem diante da vida fazem a realidade do direito; mas a teoria jurídica 
em seus diversos matizes, se pretende a objetividade epistemológica, não consegue alcançar uma hierar-
quia de critérios que determinem as alternativas, ela não pode sugerir diretrizes de condutas para futuros 
conflitos e, muito menos, para todo o sempre". A observação é de João Maurício Adeodato, que já havia 
notado que "democracia, competência, despotismo esclarecido, eficiência, busca da felicidade são topoi 
argumentativos e a persuasão que deles eventualmente pode decorrer constitui, sem sombra de dúvida, 
uma das formas do discurso normativo e também um caminho para a teoria do direito. Mas a realidade 
jurídica admite também outras formas de comunicação: a autoridade, o engodo, a força e mesmo a au-
sência de discurso – a violência – têm seu papel na decisão dos conflitos" (Filosofia do direito: uma crítica 
à verdade na ética e na ciência, 1996, p. 215/216). 
O direito penal – a questão é pedagógica – precisa ser encarado de frente, em sua concretude histórica e, 
não, através de teorias que, a pretexto de renovação terminológica, o envelhecem; e, a pretexto de clare-
za ou aprofundamento ôntico-ontológico, o tornam ainda mais confuso, alienado de si mesmo, inacessível 
à compreensão da grande maioria dos mortais. O direito penal constitui o espelho e o retrato da interação 
dialética de suas fontes: a lei, o intérprete, o grupo social. Em outras palavras, funda suas raízes no exer-
cício compartilhado da força, poder, vontade, liberdade. 
 
Paradoxo: o intérprete, porque existem opções, "vê-se obrigado a criar direito" (Nilton de Freitas Montei-
ro). Mas a escolha se dá "por questões sociológicas, por preferências ideológicas, por piedade ou por inte-
resses escusos, na hipótese ruim. Porém não é possível manter a ilusão de que se está sendo um simples 
cientista, mera ''boca da lei ou escravo da lei''. De alto a baixo, permanece sempre a liberdade" (O poder 
invisível: legitimidade política do aplicador do direito, Justiça e Democracia, cit., p. 125). Quer dizer, 
quaisquer que sejam as pretensões de nossos melhores jurisconsultos,na área dogmática, ou de nossos 
melhores operadores jurídicos, no foro jurídico-penal, permanece uma ponderável zona de incerteza nor-
mativa a ser preenchida faticamente, no entrechoque das circunstâncias. 
 
Se os doutos não se entendem, o que esperar de um jovem bacharel em início de carreira, convocado a 
examinar ou oferecer uma denúncia, a identificar e distinguir os crimes em espécie, a conduzir-se concre-
tamente no emaranhado e no labirinto de novas e velhas teorias? Que dogmática é essa, no campo dos 
crimes dolosos contra a vida, que sabe de um conselho de sentença legalmente compelido (CPP, art. 464) 
a revogar a própria lei, desde que incompatível com a sua "consciência e os ditames da justiça"? 
 
Consciência e sentimento de justiça não os têm, a seu modo, os demais operadores jurídicos? Por que o 
tratamento diferenciado? 
 
Não é bem assim, para isso existem as constituições e seus preâmbulos, as leis de introdução, os princí-
pios gerais do direito, as técnicas hermenêuticas – responderiam, com justeza, os que percebem a com-
plexidade do tema. Só que precisamente por isso, por essa complexidade, salta aos olhos a liberdade de 
opção do operador jurídico, com seus "motivos conscientes e racionais", já que os outros motivos, "supe-
rado, embora, o mito ingênuo ou mistificador da interpretação neutra (e não apenas imparcial) – são, de 
regra, indevassáveis: não que os queira ocultar o intérprete, mas porque, na grande maioria das vezes, é 
ele próprio o primeiro a ignorá-los". A lição é de João Paulo Sepúlveda Pertence, então presidente do STF 
(Um prefácio afinal desnecessário, In: Interpretação e aplicação da constituição, de Luís Roberto Barroso, 
1996, p. XI). 
 
Sublinhando: motivos racionais e conscientes; motivos inconscientes; mito ingênuo ou mistificador da 
interpretação neutra. Oportuna a síntese de Luís Roberto Barroso: "A interpretação, em qualquer domínio 
científico, não é um fenômeno de caráter absoluto ou atemporal. Ao revés, ela espelha o nível de conhe-
cimento e a realidade de cada época e sofre a influência das crenças e dos valores da sociedade em geral 
e do intérprete em particular" (ob. cit., p. 263). 
 
 
 
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Tentativa de homicídio ou simples delito de exposição a perigo (art. 132)? Omissão de socorro qualificada 
pela morte (art. 135, parágrafo único) ou homicídio doloso praticado por omissão? Homicídio privilegiado 
ou homicídio qualificado? A indiscutível relevância das perguntas não constitui empecilho à constatação 
empírica dos desencontros exegéticos da doutrina e da jurisprudência. Esta, aliás, em suas contradições, 
é que traduz o direito vivo, real, palpável, mensurável. A dogmática jurídica, mais do que reveladora do 
direito, vale como hipótese, como sugestão, no momento em que se aventura nos detalhes, distinções e 
subdistinções. 
 
Todavia, quando ali se fala em progresso, em "descobertas" de novas estruturas, em direito penal de pri-
meiro mundo, em concurso aparente de normas, em razão universal, convém uma parada estratégica, em 
termos crítico-metodológicos. Afinal, todos os penalistas de renome, sem exceção alguma, modificam 
seus argumentos (seus dogmas) com a mesma desenvoltura de um camaleão, tristemente associado à 
imagem do estelionatário. 
 
Não há, propriamente, em seu caso – dos penalistas – malícia ou esperteza. Há, sim, um compromisso 
com a fatalidade, porque são obrigados a escolher, a optar. E se eles embelezam a mercadoria o fazem 
por fidelidade a si mesmos, a suas convicções político-filosóficas. 
 
Não importa se no dia seguinte, recuperados de seu entusiasmo, renascem para uma nova dogmática, 
ainda mais "humana", mais "científica", "neutra", "pura", "objetiva", "desinteressada". Tudo isso faz parte 
do jogo. Como as águias, sempre altaneiras, e não como balões de gás, eles sabem que precisam retor-
nar à planície, que os espera com o húmus sazonado de suas velhas e novas retóricas – marca registrada, 
mas esquecida, da legitimidade do próprio direito. 
 
 
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TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. 
 
TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos: o mito da repressão penal. São Paulo: RT, 1996. 
 
Fonte: http://jus.uol.com.br/revista/texto/11185/homicidio-doloso-o-jogo-das-premissas/2 
 
 
2. ASSISTA!!! 
 
2.1 É possível um homicídio ser qualificado-privilegiado? 
 
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080902104534466 
 
2.2 Segundo o STF e STJ, o homicídio qualificado privilegiado permanece hediondo? 
 
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100730171725378 
 
2.3 Quem responde pelo homicídio mercenário, o mandante ou o executor? 
 
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080902104226924 
 
2.4 Novo procedimento do Júri: Considerando os novos quesitos, em que momento é realizada 
a desclassificação para homicídio culposo? 
 
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080625122614448 
 
 
3. LEIA!!! 
 
3.1. ARTIGO DO DIA: EXISTE HOMICÍDIO SEM O CORPO DA VÍTIMA? 
 
Autor: Luiz Flávio Gomes. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em 
Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-
graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e 
Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesqui-
sadora: Christiane de O. Parisi Infante. 
 
Publicado em: Julho de 2010. 
 
Caso o corpo de Eliza Samudio não seja encontrado é possível, mesmo assim, haver indiciamento dos 
suspeitos? É possível dar início ao processo (contra eles)? É possível haver pronúncia? (ou seja: o caso 
ser remetido ao julgamento do tribunal do júri). É possível que haja condenação final, pelos jurados, 
mesmo não sendo encontrado o corpo da vítima? Há homicídio sem o corpo da vítima? 
 
Em regra nada disso é possível sem o encontro do corpo da vítima. Em regra. Excepcionalmente sim (tu-
do isso é possível). Quando? Quando as provas indiretas sobre a morte da vítima (sobre o corpo de deli-
to), mais eventualmente provas indiciárias, forem convincentes. 
 
 
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Histórica e emblematicamente um dos casos mais rumorosos, nesse campo (não encontro do corpo da 
vítima), é o da Dana de Teffé, no Rio de Janeiro, no início da década de 60 (século XX). Seu corpo nunca 
apareceu. Havia acabado de se separar do embaixador brasileiro Manuel de Teffé Von Hoonholtza. Numa 
viagem com o advogado Leopoldo Heitor ela desapareceu. O advogado diz que ela foi seqüestrada após 
um assalto. A suspeita pelo desaparecimento recaiu sobre ele. Ele foi julgado pelo tribunal do júri. Foi 
condenado num primeiro julgamento e absolvido no segundo. 
 
Um outro caso paradigmático é o do IRMÃOS NAVES (MG), que trataremos mais adiante. No caso DANA 
DE TEFFÉ houve absolvição do réu. No caso dos IRMÃOS NAVES houve condenação injusta e absurda, 
porque a vítima reapareceu. E ainda há casos no Brasil em que o réu foi condenado mesmo sem o corpo 
da vítima (POLICIAL EM BRASÍLIA E UM JUIZ EM SP). 
 
Comparando-se os dois casos (Eliza e Dana) notam-se algumas diferenças. Quais? A existência de provas 
indiretas e indiciárias no primeiro caso (Eliza), justamente o que faltou no segundo. 
 
Corpo de delito é o conjunto dos vestígios deixados pelo crime. Exame de corpo de delito é o exame que 
comprova os vestígios deixados pelo crime. O exame de corpo de delito pode ser direto (quando o objeto 
revelador do vestígio é examinado diretamente) ou indireto (CPP, art. 167: “Não sendo possível o exame 
de corpo de delito [direto], por haverem desaparecidos os vestígios [o corpo da vítima, por exemplo], a 
prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. 
 
Por que existe essa regra processual? Para evitar a impunidade. Se essa regra não existisse bastaria a 
matar a vítima e fazer desaparecer o seu corpo (para se garantir a impunidade) (cf. nesse sentido, em 
linhas gerais, Soraya Taveira Gaya). 
 
No caso do homicídio, “em que o vestígio – cadáver – é passível de desaparecimento, quer pela ação do 
tempo (por meio da decomposição), quer pela conduta do próprio criminoso (v.g. mediante a incineração 
do corpo da vítima), permite-se, por isso mesmo, a incidência do supracitado art. 167 do CPP” (AVENA, 
Norberto. Processo penal: esquematizado. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p. 
530). 
 
Aury Lopes Jr. (Direito processual penal e sua conformidade constitucional. vol. I. 5. ed. rev. e atual. Rio 
de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 613), a propósito sublinha: 
 
Situação bastante complexa, e que eventualmente ocupa os tribunais brasileiros, é a (im)possibilidade de 
condenação pelo crime de homicídio quando não se encontra o cadáver da vítima (corpo de delito). A o-
cultação do cadáver (muitas vezes levada a cabo pelo próprio autor do homicídio) impossibilita o exame 
direto. Contudo, é predominante a jurisprudência brasileira no sentido de admitir o exame de corpo de 
delito indireto, consubstanciado em prova testemunhal suficiente, aliada, em alguns casos, à prova perici-
al feita em armas ou vestígios de sangue, cabelos, tecidos etc. encontrados no local do crime ou até 
mesmo no carro utilizado pelo réu para transportar o corpo. 
 
O mesmo autor (Aury Lopes Jr., Direito processual penal e sua conformidade constitucional. vol. I. 5. ed. 
rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 615), conclui: 
 
Em suma, concluindo esse tópico, frisamos que, nos crimes que deixam vestígios, o exame de corpo de 
delito direto é imprescindível, nos termos do art. 158. Somente em situações excepcionais, em que o e-
xame direto é impossível de ser realizado, por haverem desaparecidos os vestígios, é que se pode lançar 
mão do exame indireto (prova testemunhal, filmagens, gravações etc.) nos termos do art. 167 do CPP. 
 
Guilherme de Souza Nucci (Manual de processo penal e execução penal. 6. ed. rev., ampl. e atual. São 
Paulo: RT, 2010, p. 507-510) afirma: 
 
Entendemos não haver a possibilidade legal de se comprovar a materialidade de um crime, que deixa ves-
tígios, por meros indícios. A lei foi clara ao estipular a necessidade de se formar o corpo de delito – prova 
da existência do crime – através de exame (art. 158), direto (perito examinando o rastro) ou 
 
 
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indireto (peritos examinando outras provas, que compõem o rastro deixado; nesta hipótese, até mesmo o 
exame de DNA, comprovando ser o sangue da vítima o material encontrado nas vestes do réu ou em seu 
carro ou casa, pode auxiliar a formação da materialidade). Na falta do exame de corpo de delito – feito 
por perito oficial ou peritos nomeados pelo juiz – porque os vestígios desapareceram, a única saída viável 
é a produção de prova testemunhal a respeito, como consta no art. 167 do CPP. Ocorre que a interpreta-
ção a ser dada à colheita de testemunhos não pode ser larga osuficiente, de modo a esvaziar a garantia 
de que a existência de um delito fique realmente demonstrada no processo penal. Assim, quando a lei 
autoriza que o exame seja suprido por prova testemunhal está a sinalizar que o crime tenha sido assisti-
do, integralmente ou parte dele, por pessoas idôneas. Estas, substituindo a atividade pericial, poderão 
narrar o evento. Exemplificando, se pessoas presenciam um aparente homicídio, observando que o réu 
atirou várias vezes contra a vítima e depois lançou seu corpo de uma enorme ribanceira, caindo num cau-
daloso rio e desaparecendo, poderão narrar tal fato ao magistrado. A prova do corpo de delito se constitui 
indiretamente, isto é, através de testemunhas idôneas que tenham visto a ação de matar e, em seguida, 
a de sumir com o corpo do ofendido, embora não possam, certamente, atestar a morte , com a mesma 
precisão pericial. As probabilidades, nesse caso, estão em favor da constituição da materialidade, pois a 
vítima não somente levou tiros, como caiu de um despenhadeiro, com pouquíssimas chances de sobrevi-
vência. Não nos parece cabível, no entanto, que testemunhas possam suprir o exame de corpo de delito, 
declarando apenas que a vítima desapareceu, sem deixar notícia, bem como que determinada pessoa ti-
nha motivos para matá-la. 
 
(...) 
 
Segundo nos parece, jamais a materialidade do crime de homicídio poderia ter sido formada com a união 
de vários indícios, todos frágeis, sem qualquer formação indutiva da existência de tão grave delito. Para a 
substituição do exame de corpo de delito, imposto por lei, necessitar-se-ia da prova testemunhal, que é 
meio de prova indireto, como determina a lei. Não nos parece tenham sido obtidos, no caso narrado pelo 
autor, depoimentos consistentes comprovando a ocorrência da morte da vítima. Por isso, cremos (...) que 
a prova indiciária (meio de prova indireto) é, de todas, a mais frágil para a composição da materialidade 
do delito. A lei estipulou que a prova testemunhal pode suprir o exame de corpo de delito, querendo com 
isso dizer que o crime – ou fato relevante a ele relacionado, como alguém arrastando o corpo, no caso de 
homicídio – precisa ter sido visto por alguém, que, então, possa reproduzi-lo em juízo. Afora essa possibi-
lidade, outras provas carecem de consistência para a formação da materialidade, gerando dúvida intrans-
ponível, merecedora de gerar a absolvição de qualquer acusado, em homenagem ao mais forte dos prin-
cípios processuais penais: in dubio pro reo. 
 
Anote-se, por fim, a lição de ROGÉRIO LAURIA TUCCI: “Embora igualmente utilizáveis em processo penal, 
não se prestam, também, à comprovação do corpo de delito, os indícios, que lato sensu considerados, 
representam a probabilidade de convicção judicial, mesmo à falta de qualquer prova direta, inclusive a 
testemunhal” (Do corpo de delito no direito processual penal brasileiro, p. 190). 
 
Sintetizando: a comprovação da morte da vítima (que constitui a materialidade da infração) exige prova 
direta (perícia do próprio corpo). Essa é a regra. Excepcionalmente, para suprir-lhe a falta (em virtude do 
desaparecimento), a lei processual admite a prova indireta (testemunhal). Um terceiro meio sozinho, iso-
lado (outros indícios da morte: sangue, cabelo da vítima etc.), a lei não prevê. Mas junto com a prova 
indireta (testemunhal) pode ser que vários outros indícios sejam encontrados (e provados). Nesse caso, 
tais indícios reforçam a prova indireta. Esse conjunto probatório indireto + indiciário pode alcançar o pa-
tamar de uma convicção que afasta todo tipo de dúvida. 
 
Provas "beyond all reasonable daudt" 
 
A cultura jurídica anglosaxônica e norte-americana cunhou a expressão "beyond all reasonable daudt" 
(para além de toda dúvida razoável). Esse é o patamar que deve ser alcançado para que se afaste a pre-
sunção de inocência (do acusado). O jogo processual (futebolisticamente falando) começa 1 x 0 para o 
acusado (em virtude da presunção da inocência). Somente provas válidas e convincentes derrubam esse 
placar. Ademais, não bastam provas que deixam dúvida. No caso de dúvida o jogo probatório fica empa-
tado (1 x 1). E a dúvida favorece o réu (in dúbio pro reo). Para se afastar definitivamente a dúvida a pro-
va necessita transmitir convicção razoável (ou seja: a prova precisa expressar uma convicção 
 
 
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"beyond all reasonable daudt" - para além de toda dúvida razoável). 
 
Jurisprudência 
 
1- STJ, HC 110.642 (j. 19.03.2009). Da ementa transcrevo: 
 
(...) ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE HOMICÍDIO TENTADO. (...) 
 
2. Apesar de relevante para a comprovação dos crimes de resultado, a realização do exame de corpo de 
delito não é imprescindível para a comprovação da materialidade delitiva, não podendo sua não-realização 
impedir a persecução criminal em juízo. (...) 
 
2- STJ, HC 79.735 (j. 13.11.2007). Da ementa transcrevo: 
 
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO E OUTROS CRIMES. (...) 
 
O exame de corpo de delito, embora importante à comprovação nos delitos de resultado, não se mostra 
imprescindível, por si só, à comprovação da materialidade do crime. 
 
No caso vertente, em que os supostos homicídios têm por característica a ocultação dos corpos, a exis-
tência de prova testemunhal e outras podem servir ao intuito de fundamentar a abertura da ação penal, 
desde que se mostrem razoáveis no plano do convencimento do julgador, que é o que consagrou a ins-
tância a quo. 
 
3- STJ, HC 51.364 (j. 04.05.2006). Da ementa transcrevo: 
 
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE LATROCÍNIO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. (...) 
 
2. A simples ausência de laudo de exame de corpo de delito da vítima não tem o condão de conduzir à 
conclusão de inexistência de provas da materialidade do crime, se nos autos existem outros meios de 
prova capazes de convencer o julgador quanto à efetiva ocorrência do delito, como se verifica na hipótese 
vertente. 
 
4- STJ, HC 39.778 (j. 05.05.2005). Do voto do relator transcrevo: 
 
Ademais, não se pode considerar a não localização do corpo da vítima como falta de um dos elementos 
essenciais do tipo penal, pois, se assim fosse, em todos os casos em que o autor praticasse, em concurso 
com o homicídio, a ocultação de cadáver, estaria impedida a configuração do próprio delito de homicídio. 
 
Cabe consignar, ainda, que o entendimento desta Corte é no sentido de que a prova técnica não é exclu-
siva para atestar a materialidade do delito, de modo que a falta do exame de corpo de delito não importa 
em nulidade da sentença de pronúncia, se todo o conjunto probatório demonstra a existência do crime. 
 
5- STJ, HC 30.471 (j. 22.03.2005). Da ementa transcrevo: 
 
(...) ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE HOMICÍDIO. (...) 
 
1 - A condenação está assentada em elementos de convicção existentes nos autos, não se mostrando o 
exame pericial indispensável ao reconhecimento da ocorrência do delito. 
 
6- STJ, HC 23.898 (j. 21.11.2002). Da ementa transcrevo: 
 
(...) TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. (...) 
 
II - O exame de corpo de delito direto pode ser suprido, quando desaparecidos os vestígios sensíveis da 
infração penal, por outros elementos de caráter probatório existentes nos autos, notadamente os de natu-
reza testemunhal ou documental. (...) 
 
 
DELEGADO FEDERAL – Direito Penal Especial – Renato Brasileiro – 31/01/2011 – Aula n. 01 
 
O que está em jogo é a IMPUNIDADE, de um lado, e a possibilidade de ERRO JUDICIAL, de outro. 
 
Historicamente, o caso dos IRMÃOS NAVES, em Araguari-MG, é muito emblemático (no que diz respeito 
ao erro judicial). Foram condenados injustamente por uma morte que não existiu. Quinze anos depois da 
condenação a vítima reapareceu. Nessa altura um deles já havia morrido dentro da prisão. 
 
Naquele episódio, ocorrido no ano de 1937, tal como esclarece

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