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uusuwo Icpíitlino (Coordenador) PROBLEMAS DE DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL flio da Janeiro • SSo Paulo 2000 Todos os direi ws reservadoí & UVRARIA S EDÍTORA RENOVAR LTDA. MATRIZ: Rua & Awembldi». JM-421 - Ceniro - RJ CEP 20011-000-Tc;».: RI) 331-2205/S3!-tií]a/53I-32f9-Fax: (21) 5.H-2I.15 LIVRARIA; Rua da AsstmbUia, 10 • loja E - Ceairo - RJ CEP: 2QOI1-000 - Telt.; (21) 531-I316/ 33M33I • Fax: (2)) 53 M «73 FILIAL RJ: KM Antunes Maciel. 177 • São Cti«í«io - RJ CEP: 209*0-010 - Tcis.: (21) 589-I863/ S80-Í59W 860-6199 - Fix; (2!) 589-1962 FILIAL SÃO PAULO: Rua Santo Amaro. 2S7-A - Bela Viu» - SP CEP;QÍ3l5.0QÍ-Tc!(.:<M)3l04.Q9jl/3104-5M9 w ww.edllo rãs. eom/reno v ar rcno vai e 3 Itgloba t. n e t SAC: 0800-221863 Ciuucllla Ktlihuial Arnikki Lopes Stlisekúxl — Prcsiticoit Cailos Alhcnn Menc/Cí Dircilo C'aiii Táfilti LOÍÍ Emyttlio l!. tia Rou Jr. Celso de Albuquerque Md Io RiOfdu Pt rui f ;i l .i f a JííurJo Lubo Tiirr«i Vicenls de Paulo Barreio 01211 M' dii C!4rá S. CarMl Re-iato R. Carvalao Siiíoisc Vilías-Soai l-itilriniftio MrtriHKcn TupToxlux Ediçí^s Gritas UiJu, CíP-Braiil. Caialogaçío-ni-fomc jig Nacional aos Ediiorci de Livros. RJ. P9Ú2 Problemas de di«i!o coniiiiucion^ / Guiavg Tcpcdino (coorJcrw do;). — Rio de Janeira. Renovar, 2000, .. p; c.ti. ISBN: 8S-7t47-200.9 Intlui tnhljDrafia CDD-34Í.XI A vinculíiçno contratual chi publicidade no Código cíc Dofo;i do Consumidor Patrícia Theophilo Introdução Desde o surgimen:o da atividace mercantil os comerciantes pro- curam seduzir seus possíveis fregueses enaltecendo as propriedades deste ou daquele produto que estão oferecendo Se é verdade que esta atividade é tão antiga quanto o próprio ccmércio, não se pode negar que somente 3 partir chi segunda niríude deste século1, d.idos as scii.s crescentes poder cie influirei.) r pusMÍjilidadc de vir ?. at;:i^ir uni número indefinido de pessoas, merecerá atenção e cuidado dosjuristas. Cumpre esclarecer, entretanto, que a publicidade é apenas urna das várias ações do msríceting . É, contudo, 3 ação que maior influèr- cia exerce sobre o consumidor, por sua finalidade cíaramerte per- suasiva3 e pelo número de pessoas que uma campanha logra atingir. Vrr itnii III, infra De fato, as bem-suced idas técnicas de convencimento do público — o que se denomina, comumente, de publicidade — e os efeitos, por vezes nefastos, que tal ativídade suscitou, alertaram para a ne- cessidade de regulamentação c controle. Procedimentos aníiéticos serão banidos e às técnicas de convencimento aceitáveis serão esta- belecidos limites, para além dos quais estarão configuradas diversas Vale lembrar a íicão de Adalberto Pasqualotto a este respeito'1: "A repercussão das técnicas publicitárias no direito são impor- tatues. Em vista do seu iiidisfarçável intento persuasivo, a publi- cidade busca entorpecer ou mesmo suprimir a vontade real, que é o elemento nuclear da autonomia privada. Contudo, em que pesem as distorções provocadas, a publicidade, como bem observa Guido Alpa, ê um verdadeiro emblema da sociedade de consumo, formando com ela um binómio indissolúvel. Portanto, não é o caso de exclui-la, mas de controlá-la. " Dentre as formas de controle utilizadas, o Direito procurará, em matéria de publicidade, responsabilizar o anunciante >pelos abusos cometidos, pelos enganos suscitados, reconhecendo à publicidade, até, o status de fonte de obrigação. Com isso, a publicidade passa a ter a mesma força da oferta, estando submetida, portanto, ao prin- cípio da boa-fé objetiva e tendo plena força vinculante. A vinculação contratual da publicidade será, portanto, de suma importância para a proteção do pólo hipossufíciente da relação de consumo, qual seja, o próprio consumidor. A vantagem dessa equi- paração é reconhecer a este novo instituto de direito a forma negociai que proporciona toda a mobilidade de que necessita para se tornar viável no mundo capitalista, pois como ensina o já atado Prof. Pas- qualotto "a economia é veloz e o direito é moroso. A publicidade acompanha a economia, não o direito"*. dias de hoje, A intenção do anunciante é, claramente, seduzir o consumidor c convencê-lo a comprar o produto, por meio de apelos à sua imaginação. 4, Adalberto Pasíjualotto, QJ Efeitos Qhrigacionais da Publiàdade no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 35. 5. Qp. ri:., p. l 6. 358 II __ Definições Básicas A publicidade é urna matéria que, como já vimos, permaneceu estranha ao Direito durante muito tempo. A nomenclatura que a envolve, portanto, não é familiar aos juristas. No entanto, como se sabe, é preciso conhecer o tipo de ação que o Direito veio tutelar com as previsões, constantes do Código de Defesa do Consumidor (CDC), acerca da publicidade. A publicidade é apenas uma das muitas ações do marketing. O marketing, por sua vez, é um "processo de gestão, responsável pela identificação, previsão e satisfação das necessidades do consumidor"11. Suas ações têm em vista: a) o estudo do mercado (análise quantitativa e qualitativa da oferta e da procura); b) o estudo do produto (composição, características, apresenta- ção e preço); c) a distribuição (sistema de escoamento da produção — pontos de venda); d) a comunicação7. O marketing não foi, em seus diversos aspectos, objeto de cui- dados pelo legislador nacional que somente tratou, à abundância, da publicidade. Vale ressaltar, todavia, que deu à publicidade uma co- notação ampliada (que abraça, por exemplo, as promoções de ven- das), que excede os limites da própria conceituação técnica, alcan- çando, no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, uma ampli- tude suficiente à proteção eficaz do consumidor3. A propósito, cumpre ressaltar que as promoções de vendas acima mencionadas são o conhecido merchandising. Com efeito, o mer- chandisíng é, originalmente o conjunto de "métodos de markering aplicados nos pontos de venda"9. Hoje, dado o desvirtuamento destes 6. Aptui Maria Elizabete Vilaça Lopes, O consumidor e a Publicidade. Revista de Direito ao Consumidor, São Paulo, v.l, jan./mar, i992. p. !50, 7. Maria Elizabete Vilaça Lopes, op. et loc. cit. S. Ada Pellegrim Crínover « ai, Código Brasileiro de Defesa da Consumidor Co- mentado pelos Amores do Anieprojeio, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 206. i). Maria Elizabete Vilaça Lopes, op. cit., p. 15-1. 359 métodos, passou ;i M-r identificado com a inscrçjio aimufiada de mensagens comerciais em programas de televisão, como veremos abaixo. E importante deixar claro, desde logo, que publicidade e propa- ftimh também n fui se nmíumlem. A propaganda nada mais é do que o "conjunto de técnicas de ação individual utilizadas no sentido de promover a adesão a um dado sistema ideológico (político, social ou económico)"™. Dessa forma, a propaganda tem um conteúdo ideoló- gico, religioso e/ou filosófico, ao passo que a publicidade é, sempre, comerciai. De fato, publicidade nada mais é, segundo definição de Dorothy Cohen, do que o "conjunto de comunicações controladas, identificá- veis e persuasivas, transmitidas através dos meios de difusão, com o objetivo de criar demanda de um produto ou produtos e contribuir para a boa imagem da empresa"11. Vale relembrar que o Código de Defesa do Consumidor não traz um conceito explícito de publicida- de, o que, em última instância, contribui para que este conceito seja ampliado. Como aponta Adalberto Pasqualotto, este aspecto, longe de ser nocivo, "mostra-se positivo"12, pois permite ao apíicador da Jei uma maior flexibilidade na coibíção de práticas comerciais enga- nosas e abusivas. É mister citar os tipos de publicidade praticados comumente, definindo seus objetivos13: a] publicidade institucional ~ preocupação primordial com a imagem da empresa e/ou com a institucionalizaçãoda marca. Não está preocupada com a venda do produto, sendo um investimento a longo prazo; b) publicidade promocional — objetivo imediato de retorno a curto prazo: criar demanda para um tipo de produto [quando este é novo, não sendo conhecido do público) e/ou para a marca específica do produtor; H). Wíiii, p. f 53. 11. Apttd Adi Pelícgrini Grinovcr et ai, op.cit., p. 252. 12. Op. cit., p. 23. 13. Maria Eiizabcth Vilaça Lopes, op. cii,, p. 154. 360 c) publicidade subliminar — por meio de mensagens visuais ou sonoras de pouca intensidade, não chega a estimular a consciência; mas, com a repetição, logra registrar no subconsciente das pessoas a marca de certo produto. No momento da compra, a marca aflora ao consciente, como .só fosse uma opciío espontânea do consumidor (proibida pelo artigo 36 do CDC); d) publicidade clandestina, oculta ou dissimulada — a mensagem omite deliberadamente seu intuito publicitário. É comumente cha- mada, nos dias de hoje, de merchandisíng (proibida peio artigo 36 do CDC]. Ill — Breve Histórico da Publicidade Uma vez consolidados os conceitos básicos acerca de publicidade, é mister verificar em que ambiente surgiu. Este breve histórico tem por finalidade demonstrar por que se tornou necessário legislar sobre a publicidade. Pode-se dizer que a publicidade e seu desenvolvimento acompa- nham a concentração económica proporcionada pela Revolução In- dustrial. Nos primórdios desta Revolução, os agentes económicos intera- giam segundo os princípios da oferta e da procura, o que possibilitava formas díretas de comunicação entre os produtores e os consumido- res. De fato, no século XIX, a decisão de adquirir um determinado produto derivava da confiança que o adquirente depositava na pessoa do comerciante. A intensificação do processo de concentração económica será determinante para a mudança da função da publicidade. Esta, prin- cipalmente após a 2a Guerra Mundial, deixa de ser um mecanismo exclusivo de informação ao consumidor para tornar-se um instru- mento de sedução. O produtor não mais dedica-se unicamente a tecer considerações sobre as qualidades do produto. É mais eficaz vincular o produto a um ideal de perfeição. Dessa forma, 3 mensagem passa a ser a seguinte: quem quer fazer sucesso, deve consumir o produto X; já quem deseja ter uma pele de seda deve utilizar o sabonete Y. 361 Além disso, se, no início, o consumidor era identificado como a origem da demanda, paulatinamente a origem passa a ser a produção, que estabelecerá o que será consumido. O objetivo da publicidade passa a ser, acima de tudo, orientar o consumo, criar necessidades e ampl ia r a demanda1*1. Os publicitários se defendem, alegando quo ninguém poile .ser obrigado u fa /ero quo não deseja, e que a qualidade do produto anunciado será sempre determinante para que se firme no mercado. Ora, embora prefiramos acreditar que, em última instância, a escolha sem pi v cabe aos consumidores, a verdade é que este processo de deslocamento do eixo oferta-demanda chegou ao paroxismo com o descobrimento (e implementação) de técnicas que agem sobre o subconsciente do consumidor15. Hoje, já se sabe que é possível incutir em consumidores o desejo de consumir através, por exemplo, de mensagens camufladas nas músicas que tocam nos supermecados. IV — A Publicidade Como Fonte de Obrigação Atendendo a essa evolução econômico-social, a esfera jurídica irá também modificar-se. Na década de 80, Kõndgen, em sua tese de habilitação na Universidade de Túbigen, surpreende a doutrina con- centrando-se nas novas espécies de vínculo que surgiam e constituíam novas fontes de obrigação, com especial atenção para a publicidade. Vale voltar urn pouco no tempo, pois, nas décadas de 50 e 60, foi lançada a teoria dualista do vínculo obrigacional. Os estudos que a originaram identificam a natureza dupla da obrigação: a) débito — dever de prestar do devedor a que corresponde o direito de receber do credor; b) responsabilidade — poder conferido ao credor de obrigar o devedor a cumprir a obrigação, sob pena de apropriação de seu pa- trimónio para a satisfação da dívida. Dessa forma, é possível identificar deveres principais, ligados à prestação principal, e deveres secundários, protetores da prestação principal, verdadeiros deveres de conduta. Kõndgen pondera que em matéria de publicidade estão ambos presentes: a publicidade cria um dever, seraimcnte de fazer, que se consubstancia no cumprimento das condições do anúncio realizado. Este débito tem como corolário a responsabilidade do devedor/anunciante que não pode se furtar a cumprir o prometido por meio da publicidade. No entanto, não se pode caracterizar a publicidade como unia vinculíicão voluntária, que tem no contrato a sua melhor expressão, tampouco como ato ilícito, posto que permitida por lei. Kòndgen, então, socorre-se da figura do quase-contrato (que sur- ge no Direito Romano e é acolhido por várias legislações modernas) para compor a sua tese da autovinculação, que protege a expectativa que terceiros criam diante um comportamento determinado. À pro- porção que vai se tornando mais nítido o comprometimento, pelo conjunto de atos praticados, maior o caráter vinculativo. Diante do teor de determinadas "promessas publicitárias", o pro- fessor alemão irá concluir que há vinculaçáo própria por uso da pu- blicidade na sociedade de massa. Outra das bases para essa vinculação é a responsabilidade pela confiança, corolário de todo o supradito, que tem como ponto de partida o princípio da boa-fé. E*í&j£sj3pnsabiíidade seria despertada pela atividade dirigida e profissional do fornecedor. Isto significa que, para Kõndgen, a atividade de comunicar-se por meio da publicidade seria uma opção do fornecedor e que, por suas características de atividade profissional e por seus importantes e irreversíveis efeitos na sociedade, faz nascer vínculos obrigacionais'6. Kpndgen salienta que "a responsabilidade pela confiança não é responsabilidade/obrigação 'por força' do negócio jurídico, mas res- ponsabilidade 'por participação' no meio jurídico negociai"17. Portanto, o grande mérito da teoria citada foi o de demonstrar que, se há vínculo jurídico, há ou haverá obrigação, e não que a relação obrigacional é o próprio vínculo. 14. Alberto do Amara! Júnior, O Princípio da Vinculação da Mensagem Publicitária, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v.14, abr./jun.,1995, p. 41-5]. 15. Vide item II, supra, publicidade subliminar e oculta. 362 16. Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 3-ed. São Pauio: Revista dos Tribunais, 3999, p. 296. !7. Apvd Cláudia Lima Marques, op. cit., nota 29. 353 V —A Publicidade Como Oferta A partir dessa noção criada por Kõndgen, segundo a qual se há vínculo haverá obrigação, Cláudia Lima Marques'5 faz a seguinte indagação: "Teria o Código do Consumidor introduzido no ordena- mento jurídico brasileiro nina nova fonte de obrigações: a publicida- de?". E responde: "O CDC menciona a publicidade como atividade juridicamente relevante em três momentos: 1) quando suficientemente precisa, integra a oferta contratual (art. 30), o futuro contraio (arts. 18 e 20), vincula-o como proposta (arts. 30 e 35); 2) quando abusiva ou enganosa é sancionada (art. 37); 3) nos demais casos, como prática comercial, deve ser correia nas informações que presta (arts. 36, parágrafo único e 38), identificável como tal (art. 36, caput) e leal (art. 6", inciso IV)." Para efeitos deste trabalho nos interessa refietir sobre o primeiro item. Ora, no Brasil, com as mudanças introduzidas no CDC, a publicidade passa a integrar o contrato, assim como a oferta. De fato, a oferta, pelo regime do Código Civil19, seria obrigatória, vinculando o proponente desde logo e dando origem ao contrato, acaso um terceiro aceitasse suaproposta nas bases em que foi feita. O mérito do artigo 30 do CDC está, principalmente, no fato de que afasta a visão tradicional, segundo a qual, nos contratos de massa (em que os aceitantes da oferta são indeterminados), a publicidade seria somente um convite para contratar. Uma vez aceita a proposta, caberia ao consumidor se dirigir à loja e, se o fornecedor possuísse o produto em seus estoques, o consumidor faria formalmente a "ofer- t;t" de contratar nos termos anunciados. Esta revolução que per!az o Código de Defesa do Consumidor é proposital e, mesmo causando incerteza quanto ao número de pes- 1S. O/i, cif., \>. !íl. "Art. 1.080 — A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso". 364 soas "aceitantes", vem exigir a veracidade e a transparência tão ne- cessárias nas relações de consumo. Além disso, o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor repele a ideia, também arraigada entre nós, de que a publicidade constituiria mera prática comercial, juridicamente relevante somente para efeitos de concorrência desleal, Vaíe ressaltar, contudo, que essa oferta feita por meio da publi- cidade deve atender a um requisito fundamental: ela deve ser sufi- cientemente precisa! Isto significa que ela não precisa prever todas as condições do produto, mas deve indicar as mais importantes, A oferta publicitária, como se vê, também aí se afasta da oferta clássica, definida pelo Código Civil, pois nesta todas as condições devem estar explicitadas. O exemplo mais conhecido de aplicação do artigo 30 é do caso Mesbia, de Goiânia. Resumidamente, vale discorrer sobre as carac- terísticas deste caso. A loja Mesbia de Goiânia veiculou, num jornal de grande circulação local, a notícia (publicitária) de que fornos de microondas estariam "em promoção". Sua especificação, preço e con- dições de pagamento foram, na mesma ocasião, divulgadas. Vaíe res- saltar que o forno de microondas ofertado era de uma marca conhe- cida pela boa qualidade, o preço era convidativo e as condições de pagamento foram facilitadas. Diante da oportunidade única, vários consumidores se dirigiram a esta loja esperando adquirir o forno de microondas nas condições prometidas. Todavia, a grande afluência de pessoas interessadas su- perou a quantidade dos fornos de microondas ofertados, que se en- contravam no estoque da loja. O gerente, diante da insatisfação dos clientes que não puderam levar o aparelho, decidiu expedir vales- compra contra pagamento antecipado, até que o estoque fosse re- posto. A Mesbia, contudo, ,10 invés de honrar o compromisso assumido, através da gerência da loja de Goiânia, entrou com uma Ação Anu- latória de Ato Jurídico, para tentar obter s desconstituição dos con- tratos de compra e venda concluídos com os consumidores. Em sua defesa alegou basicamente que: ;t} bouw erro n:i vriaiiíiçJJo d;i of r rUi , h;ij;i viM.l q i l i 1 os |iri\'us eram claramente inadequados para o produto, sendo muito mais baixos do que os de mercado; 365 b) houve "coaçâo" (vis compulsiva) psicológica do gerente da loja Mesbla de Goiânia, haja vista que este, temeroso da reação dos clien- tes insatisfeitos que se encontravam dentro da loja em grande nú- mero, não poderia ter agido de outra maneira30. Ora, o fornecedor, ao veicular ,1 publicidade, coloca-se em estado cie sujeíciio, tal como aquele que faz proposta contratual. Aceita a proposta, i'£'m modificações, o contrato está fechado. A partir daí, ao consumidor faculta exigir o cumprimento da obrigação, aceitar uma troca ou rescindir o contrato com direito a indenização (artigo 35 do CDC, faculdades do consumidor). Esse caso Mesbia suscitou, devido principalmente à alegação de coação psicológica tio gerente, a questão: é relevante o erro na oferta publicitária? O erro, conforme leciona Caio Mário da Sílva Pereira, é decor- rente de "ttm estado psíquico decorrente da falsa percepção dos fatos, conduzindo a uma declaração de vontade desconforme com o que deveria ser, se o agente tivesse conhecimento de seus verdadeiros pressupostos /áticas"2*. Ora, vale lembrar que a Escola Italiana (e isso fica claro em Enzo Roppo22) relativizou a importância da vontade interna. Se há neces- sidade de tutelar a confiança, há necessidade de priorizar os elemen- tos exteriores. De fato, segundo essa nova espécie de teoria da de- claração, havendo divergência (comprovada) entre a vontade interna e aquela declarada, prevalece a última, se e na medida em que des- pertou a confiança. Portanto, o dolo é irrelevante, bem como a intenção de comerciar do fornecedor, pois basta a atividade publicitária. Assim acontece na publicidade enganosa: não é importante saber se o anunciante o fez com o intuito de enganar (artigo 37 do CDC — publicidade enga- nosa). 20. Alcides Tomasetti Jr, Oferta Contratual em Mensagem Publicitária — Regim» do Direito Comum c do Código de Proteçáo ao Consumidor, Retrisw de Direito do Cojisumidor, Sáo Paulo, M, out./dez., 1992, p. 24I-253. 21 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, v.l, J9. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 326. 22. V. Enxó itoppu, O Contraio, Coimbra: Almedina, 1988. 366 António Hermann de Vasconceiios e Benjamin" chama a atenção para o fato de que no momento da decisão de anunciar é que, im- plicitamente, aceita o anunciante realizar tal atividade assumindo seus benefícios e ónus. Neste caso, tem-se direito de regresso, sendo possível propor ação neste sentido contra o veículo ou a agência se o erro loi involuntário. Caso a agência/veículo tenha publicado anún- cio fora dos padrões estipulados pelo próprio anunciante, deve res- ponder pelo prejuízo causado ao último. Cumpre salientar outro motivo para que o erro não seja descul- pável na publicidade: aceitá-lo como desculpa significaria o rompi- mento d e um dever profissional. As únicas hipóteses cm que o erro pode vir a desatar o forte liame que a veiculação da publicidade cria entre o anunciante e o consumidor seriam: a) se o receptor da mensagem publicitária (consumidor) compro- vadamente sabia, no momento da declaração, que aquela não era a vontade interna do anunciante; b) se o receptor da mensagem publicitária (consumidor) poderia razoavelmente saber, no momento da declaração, que aquela não era a vontade interna do anunciante. É, portanto, possível afirmar, em suma, que a declaração exter- nada pelo anunciante tem de (objetivãmente) despertar a confiança do homem rnédio. Voltando ao caso Mesbla, vemos que a confiança foi despertada no homem médio diante da grande afluência de con- sumidores em potencial à loja. As condições de pagamento e o preço do forno de microondas, embora extremamente favoráveis, foram considerados por muitos como verídicos e, assim, torna-se indescul- pável um possível erro na veiculação da publicidade. Por outro lado, seria injusto exigir do anunciante o cumprimento de promessas claramente absurdas, presentes inevitavelmente quan- do da utilização de superlativos para valorizar o produto. É o caso, por exemplo, da palha de aço Bom Bril, que o anunciante diz ter "mil e uma utilidades". Seria contrário ao espírito da lei acolher a reclamação de um consumidor que só conseguisse identificar qui- nhentas. Este tipo de valorização do produto é comum e plenamente 23 Ada Pellegrini Crínover et ai, op.át., p. 238. 367 identificável pelo homem médio como uma "licença poética" do anunciante para afirmar que aquela palha de aço é muito útil. Silvio Luís Ferreira da Rocha2"1 bem resume esta orientação do Código de Defesa do Consumidor: "Â teoria da confiança confere supremacia a declaração sob o fundamento de que o direito deve visar antes à certeza do que à verdade. A teoria da confiança empresta valor à aparência da vontade, se não é destruídapor circunstâncias que indiquem má' fé em quem acreditou ser verdadeira. Pode-se esquematizar assim a teoria: a declaração de vontade é eficaz, ainda quando não corresponda à vontade internando declarante, se o destinatário não souber ou não puder saber que não corresponde à verdade," O erro é, quase que invariavelmente, a desculpa utilizada por aqueles que veiculam publicidade enganosa. Daí a importância de sua desconsideração em matéria de publicidade. Não fosse isto, a repressão à publicidade enganosa, com certeza, perderia muito em eficácia. Ví — Os Princípios No entanto, é preciso contextuai izar a decisão do legislador de acolher a publicidade como uma nova fonte de obrigações no orde- namento jurídico nacional. Como já salientado, a teoria supra de Kõndgen encontra bases no princípio da confiança. E preciso ressal- tar, entretanto, que para o Código de Defesa do Consumidor são ainda importantes os princípios da transparência e da boa-fé. Cláudia Lima Marques assim define transparência25: "Transparência significa informação clara e correia sobre o pro- duto a ser vendido, sobre o contraio a ser firmado, significa leal- 24. Silvio Luís Ferreira da Rocha, Erro na Oferta no Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito do Consumidor, vul. í), Editora Revista dos Tribunais, São Pnulti, janeiro/março — 199-1, p. 61. 25. Op. dl., p. 286. 368 dade e respeito nas relações entre o fornecedor e o consumidor, mesmo na fase pré-contratuat, isto é, na fase negociai dos contratos de consumo." Vale ressnltar que, tanto a transparência supradcfinida, quanto a confiança são derivações da boa-fé mencionada. Esta boa-fé — ob- jetíva — em matéria de publicidade significa a exigência de que esta seja uma aíividade leal, que se preocupe também no que recebe a mensagem. Com esse cuidado, o legislador elaborará as regras sobre publicidade no Código de Defesa do Consumidor. Estes, pode-se afirmar, são os principais princípios informadores do CDC, embora a doutrina aponte outros como a identificabílidade e a veracidade'6. Já o princípio constitucional a informar o Código de Defesa do Consumidor, em matéria de publicidade, é o princípio da ordem pública. Este não leva em consideração apenas os consumidores ou a concorrência leal, pois os valores 3 resguardar são de ordem supe- rior, dentre os quais é possível citar, exemplificativamente, a igual- dade e a privacidade37. A ordem pública da Constituição de 1988 reflete a consagração histórica do Estado Social de Direito. De fato, uma vez predominante a ordem liberal, há uma retração do papel do Estado, que se limita a mediar relações entre particulares. São estes que, em última ins- tância, determinarão os objetivos da sociedade (quase que invaria- velmente o acúmulo de capital). Vale lembrar que o instrumento jurídico consagrado por esse ambiente socioeconómíco é o contrato privado. Neste contexto, vicejam as codificações, pois da lei não se exige que realmente tutele as complexas relações sociais, mas sim que delimite as "regras do jogo". O Estado Social irá procurar responsabilizar-se pelo equilíbrio dessas relações. Daí surge a necessidade de se regulamentar várias situações que, anteriormente, eram deixadas à discricionariedade dos 26. Por identificabilidade (ou identificação) entende-se que é o princípio segundo o qual toda publicidade deve apresentar-se ostensivamente como tal c, por veraci- dade, cniende-se que o seu conteúdo deve corresponder à realidade quanto aos dados fálicos e técnicos. (Adalberto Pasqualotto, op. cir., p. 183.) 27. Maria Elizabete Vifoça Lopes, op. cit,, p. 157-8. 369 particulares. Nesse contexto, o Código Civil não mais será suficiente, abrindo espaço para o surgimento de novas legislações. Ao contrário do que possa parecer, este fenómeno não gera um ordenamento jurídico erótico, pois estas novas leis terão como "ngcn- tc catalisador" a Constituição (a que se subordinam). Nas palavras do Prof. Gustavo José Mendes Tepedino28: "Ao contrário, <is leis especiais, se se distanciam do Código Civil, de igual grau hierárquico, devem se submeter à tábua axiológica unificante da Constituição da República, O sistema, assim con- cebido, se reunifica, sendo indispensável ao intérprete buscar no- vas regras hermenêuticas, capazes de fazer incidir diretamente as normas constitucionais em todas as relações de direito civil e revisitar, desse modo, a disciplina infraconstitucional." Ora, nossa Constituição tem entre seus preceitos a proteçáo ao consumidor (artigos 5°, XXXII e 170, V}29. No entanto, os consu- midores não são protegidos por serem uma categoria de indivíduos ou, simplesmente, por serem peças importantes no desenvolvimento económico do país. A nova ordem pública, instalada com a promul- gação da Constituição Federa! de 1988 prioriza a "dignidade da pes- soa humana" (art.l0, III). Logo, a ordem jurídica passa a ser menos patrimonialista, indicando que a riqueza de um país não pode ser conseguida por meio do sacrifício dos hipossuficientes. Nesse sentido, vale transcrever, mais uma vez, a lição do Prof. Gustavo Tepedino30: 28. Gustavo Tepedino, Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 248-249. 29. Art.5° — Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, a segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII — O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; f.,.] Art 170 — A ordem económica, fundada na valorização do trabalho humano c na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V — defesa do consumidor; 30. Op. cif., p. 249. 370 "O constituinte, assim procedendo, não somente inseriu a tutela dos consumidores entre os direitos c garantias individuais, mas afirma que sua proteçáo deve ser feita do ponto de vista instru- mental, ou seja, com a instrumentalização dos seus interesses patrimoniais à tutela de sua dignidade e aos valores existenciais. Trata-se, portanto, do ponto de vista normativo, de proteger a pessoa humana nas relações de consumo, não já o consumidor como uma categoria figr SJL considerada." O interesse social, consagrado pela Constituição Federal de 1988, será, portanto, o limite da ordem económica capitalista, de livre concorrência e patrimonialista, também acolhido pela Constituição. VII — Conclusão A relevância da força vinculante da publicidade está intimamente ligada ao momento histórico que vivemos no Brasil. Com efeito, respeito ao "outro", a proteção ao "vulnerável" humanizam as práticas capitalistas tradicionais, sendo inconcebível, num Brasil que pretende se inserir na nova ordem mundial, que se legisle e/ou julgue de maneira contrária a estes princípios, consolidados, há muito, no mun- do desenvolvido. Há de se ressaltar, contudo, que estes princípios já faziam parte do ordenamento jurídico brasileiro desde, pelo menos, a criação do Código Civil (não poderia, afinal, ser diferente num país cristão). Eram, entretanto, princípios meramente "informadores", que pouca influência conseguiam exercer no cotidiano das decisões judiciais e nas contratações entre desiguais em força. O grande mérito da Constituição Federal de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor — e, para efeito desse trabalho, do artigo 30 aqui estudado —, é o de "objetivar" princípios como a boa-fé e a dignidade da pessoa humana. A Constituição, como norma superior, informa o espírito do Estado de Direito e, atendendo a esta orien- tação, o legislador ordinário implementa normas que assegurem o real cumprimento deste espírito. 371 O VIII Li u r os GRÍNOVFR, Ad;i Pelit^riní et ai. Código Brasileiro de Defesafio Cnnsiintíiliir ('<!iii<'iiin/iii /W<».v Aniort'\ Anicjmijrio. S.ní. Rin tli1 .^infiro: Foivnsi- Univrr.sil;'in;),l!)íhS. MARQUES. Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Con- sumidor, 3, ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1 999. PASQUALOTTO, Adalberto. 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