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16 II - A ORQUESTRA DISPERSA (1930 - 1960) Durante os anos que se seguiram à morte de Wegener, e apesar dos esforços meritórios de alguns - como Du Toit, na África do Sul, Holmes, na Inglaterra, ou B. Choubert, na França -, as idéias da deriva continental e da geodinâmica global desapareceram das preocupações dos investigadores das ciências da Terra. Cada um voltou aos seus estudos específicos. Wegener tinha reunido a orquestra, mas esta dispersou-se: os paleontólogos voltaram aos fósseis, os geofísicos aos cálculos, os geólogos às suas regiões favoritas. Após a vitória das trevas sobre a luz, do espírito parcelar sobre o de síntese, poder-se-ia julgar que a época que se seguiu foi particularmente obscura para as ciências da Terra. Mas tal não sucedeu! É certo que alguns tenham rejeitado as idéias de Wegener por uma reação de desconfiança, própria de espíritos estreitos e timoratos, embora tratando-se de homens de ciência, mas outros tinham-na desprezado em nome de um rigor científico sem falhas. Estes últimos, ou melhor, os seus herdeiros espirituais, empenhar-se-iam na construção de uma geologia "séria" baseada em observações, em medidas quantitativas, em cálculos. Tendo sido pacientes, menos espetaculares, muito especializados, estes novos métodos, no entanto, não foram uma aventura de grande fecundidade científica. Inserindo nas 17 ciências da Terra as conquistas mais recentes da física, da química ou da tecnologia, alguns cientistas conceberam uma série de instrumentos de grande importância. Destacaremos as grandes linhas destes desenvolvimentos, limitando-nos aos mais importantes. Uma vez que aconteceram sem hierarquia de métodos ou de tempo, independentemente uns dos outros, estes esforços serão apresentados como tais. Estão na base da evolução explosiva das ciências modernas da Terra a partir da década de 60, bem como da renovação das teorias mobilistas. O mapa geológico A procura de matérias, minerais úteis, sobretudo do petróleo, leva os geólogos a cartografarem as principais regiões do Globo. O elo existente entre certos terrenos geológicos e determinadas substâncias úteis (bacias e petróleos, granitos e minerais, etc.) transformam o que poderia não passar de simples curiosidade científica em necessidade econômica. Os geólogos, investigadores ou práticos de campo, fazem, pois, do levantamento cartográfico uma "obrigação ardente". A pouco e pouco elabora-se, assim, a cartografia geológica do mundo, tarefa que irá beneficiar de ajuda considerável quando as necessidades militares generalizam a produção e, posteriormente, a difusão das fotografias aéreas. Torna-se então possível a um geólogo experimentado não só completar uma cartografia sobre superfícies consideráveis com uma muito mais reduzida necessidade de observações diretas no solo, como também apresentar uma visão geral do Globo em que se distinguem os velhos escudos antigos, as grandes bacias sedimentares, as cadeias de montanhas e as antigas linhas de costa. Cada terreno pode ser datado, em termos de idade relativa, graças aos fósseis que comporta. Deste modo, é possível, através de uma série de mapas, representar a sucessão de paisagens que ocupavam a superfície da Terra. Este estudo das antigas geografias chama-se paleogeografia, de que, no entanto, não resultará qualquer conceito verdadeiramente novo. Este esforço absorveu cerca de nove décimos dos geólogos de todo o mundo. Labor indispensável, fundamental, seria apenas isso mesmo. Houve, no entanto, quem lhe votasse um culto que ainda pratica fervorosamente sem saber muito bem por quê. À medida que cada estudo regional se tornava mais completo, a região cartografada ficava cada vez mais limitada. O "espírito de cartografia", que começara por ser uma via rumo a uma síntese extensiva, tornava-se freqüentemente uma mania analítica sempre mais diversificada, alheada de qualquer visão global. Um meio tornou-se uma finalidade em si próprio e gerações de geólogos gastaram-se prematuramente tentando alcança-lo, perdendo-se para sempre para a obra sintética. É necessário que se acrescente que esta tarefa analítica ingrata permitia um desenvolvimento eficaz das "suseranias geológicas": cada aluno encontrava-se fixado na sua região; apenas o mestre tinha, teoricamente, acesso a uma visão de conjunto. Assim, na idade em que a imaginação floresce, os jovens geólogos não tinham acesso à síntese; na idade madura alguns acediam, finalmente, a tal possibilidade, mas com freqüência já lhes faltavam as forças. O pormenor acarreta a minuciosidade, a perfeição cartográfica, o perfeccionismo, e, pouco apouco, vão-se esfumando os sonhos e as miragens da juventude! Evidentemente que alguns resistiram a esta tendência e tentaram propor teorias de grande amplitude: Argand foi o primeiro, com o estudo tectônico sobre a Ásia, mas também Carey, na Austrália, L. Glangeaud, na França, ou A. Engel, nos Estados Unidos. Infelizmente, por serem pormenorizados, estes escritos passaram freqüentemente por pouco sérios. Voltaremos a analisar esta tendência, originada por uma tarefa que começou por constituir uma etapa indispensável, mas cujos desvios ou efeitos pervertidos conduziram a conseqüências lamentáveis. A cartografia das cadeias de montanhas dobradas deveria, no entanto, ter ressuscitado as noções de mobilidade, visto que este 18 trabalho minucioso confirma plenamente a interpretação dos pioneiros do estudo dos Alpes, isto é, a existência de deslocações laterais das massas rochosas. O caráter tridimensional dos mapas geológicos traduz-se de forma particularmente clara quando se efetuam cortes geológicos de uma ponta à outra, sob a forma de secções. Os cortes desenhados através dos Alpes revelam a existência de vastas obras deitadas, com grandes inversões, que implicam deslocamentos laterais, logo forças laterais de compressão, ou seja, um certo mobilismo. Paradoxalmente, os tectônicos do mundo antigo admitiram durante trinta anos um mobilismo lateral, sem, todavia, o transformarem em doutrina geral ou o associarem às idéias de Wegener. A sismologia e a estrutura interna do globo A sismologia estuda a propagação das ondas acústicas emitidas pelos tremores de terra. As ondas atravessam o interior do globo terrestre e as características desta propagação permitem conhecer as propriedades físicas dos meios atravessados. Tal como a propagação dos raios X permite auscultar o interior do corpo humano ou dos cristais, as ondas sísmicas permitem auscultar o interior da Terra. Em sismologia, o emissor é o tremor de terra, ou, mais raramente, uma explosão artificial, e o receptor, um aparelho denominado sismógrafo, que comporta um relógio e registra as vibrações do solo, conferindo-lhes a forma de um sismograma, registro em que os sismólogos distinguem diversos tipos de ondas, consoante a sua forma. A partir de uma série de registros efetuados nos observatórios, que se encontram um pouco por toda a parte à superfície do Globo, é possível não só referenciar em cada um deles a hora de chegada deste ou daquele tipo de ondas emitidas por um dado tremor de terra, como também, partindo desta base, determinar simultaneamente o trajeto seguido pelas ondas no interior da Terra e a velocidade com que percorreram o espaço compreendido entre dois pontos. Ora, esta velocidade de 19 propagação das ondas sísmicas caracteriza o meio atravessado. Pode, assim, fazer um gráfico de velocidades sísmicas através das diversas unidades do Globo. Os princípios do século, sobretudo nos anos compreendidos entre 1930 e 1950, assistiram aos progressos da sismologia que designamos de esférica, à qual preside a idéia de que a estrutura interna da Terra se caracteriza por uma simetria esférica. É um fato que a superfície mostra uma geografia complexa, mas o interior é constituído por camadas esféricas que se encaixam umas nas outras. São idênticas as propriedades do manto, digamos, a 600 km abaixo de Paris, Adelaide, Havaí ou das ilhas Kergulen. É suficiente descrever uma Terra média para descrever a Terra real. Numa primeira aproximação, é possível distinguir três camadas: a crosta superficial, o manto interno e o núcleo superficial. A densidade dos materiais que constituem estas camadas aumenta com a profundidade. Os limites destas diversas unidades estruturais estão demarcados por fortes descontinuidades na velocidade de 20 propagação das ondas sísmicas. A época da "sismologia esférica" foi dominada por duas figuras tão excepcionais quanto diferentes: Harold Jeffreys, que tinha "demonstrado" a impossibilidade da deriva dos continentes, brilhante teórico inglês, especialista do cálculo da propagação das ondas sísmicas, e Beno Guttenberg, alemão, diretor e fundador do laboratório de sismologia do Califórnia Institute of Technology (Caltech), que, pelo contrário, era um físico de observatório que apenas se servia de um mínimo de instrumentos da matemática (o que não significa que a sua obra não tenha sido teórica em muitos aspectos) e possuía, em nível elevadíssimo, a arte de enumerar e interpretar os sismogramas. Estes dois chefes de escola, tão diferentes quanto complementares, construíram um modelo de "Terra média", o qual, pode afirmar-se, na generalidade, continua praticamente inalterado hoje em dia. Em 1914, Beno Guttenberg, na Alemanha, descobre a existência do núcleo. A sua posição no centro do Globo, a 2900 km da superfície, é determinada com precisão desde essa época. Em 1936, Inge Lehman, na Dinamarca, demonstra que o núcleo comporta duas partes, uma central e outra externa. Guttenberg e Jeffreys precisam a natureza destas duas partes, mostrando que o exterior é líquido e o interior sólido. Mas a descoberta mais importante, no que respeita à matéria de que nos ocupamos, é a efetuada em 1926 por Guttenberg, na seqüência da análise de um tremor de terra no Chile: a existência de uma camada "mole" no manto. Esta camada, denominada astenosfera, encontra-se situada a uma centena de quilômetros de profundidade e será minuciosamente estudada pelos sucessores de Guttenberg no Caltech, particularmente por Don Anderson, os quis demonstram que se estende sob toda a superfície do Globo, incluindo continentes e oceanos, sendo menos densa e mais plástica do que as partes mais superficiais. Estas últimas, bastante rígidas, encontram-se separadas da superfície por uma minúscula camada, designada por crosta, cujo limite inferior é bem marcado sismicamente pela descontinuidade de Mohorovicic (que os cientistas designam familiarmente por Moho), em honra do iugoslavo que a descobriu em 1909. Foi assim que se criou a imagem, que ainda hoje possuímos, da estrutura ovular da Terra, ou seja, uma crosta (a casca), um manto (a clara) e um núcleo (a gema), com a particularidade de sob a casca existir uma zona um pouco mole, a astenosfera, e de, curiosamente, o núcleo ser 21 líquido no exterior e sólido no interior. As espessuras das diferentes camadas - algumas dezenas de quilômetros, no que respeita à crosta, 2900 km, no que se refere ao manto, e 3400 km, quanto ao núcleo - são bem conhecidas desde essa época. A sismologia do pós-guerra será dominada por uma idéia que, no fundo, é evidente, mas que só a pouco e pouco emerge dos fatos, isto é, que a estrutura interna possui igualmente uma geografia. Inicia-se, assim, o capítulo da geofísica estrutural profunda, que se encontra na base de toda a compreensão da dinâmica do Globo e ainda não foi encerrado. Este capítulo foi, de fato, criado pelo japonês Wadati, ao observar que os tremores de terra profundos apenas se verificavam em determinadas regiões, que, segundo os estudos efetuados, se localizam ao longo de planos inclinados, situados em locais bem determinados (Japão, Chile, Indonésia, etc.). Esta regularidade será redescoberta por Hugo Benioff quinze anos mais tarde e o mapa dos sismos profundos será então, injustamente, denominado mapa de Benioff. Quanto a nós, designá-lo-emos por mapa de Benioff-Wadati (BW). Uma Segunda descoberta importante foi a de Frank Press e dos seus discípulos do Caltech, que nos mostram que a estrutura da crosta continental, em particular a configuração da descontinuidade de Mohorovicic, contém em si mesma uma geografia. A sua profundidade não é constante, variando, pelo contrário, de um ponto para outro. Estes trabalhos acrescentar- se-ão aos efetuados por Maurice Ewing e pela sua equipe do laboratório geológico de Lamont, os quais revelam que a espessura da crosta é diferente sob os oceanos e sob os continentes. À estrutura variável da superfície correspondem estruturas geológicas que variam em profundidade. Seria fastidioso evocar todos os trabalhos realizados com este espírito, mas é importante frisar que a idéia de que a Terra não tem uma simetria esférica em profundidade foi se cimentando lentamente, porque o abandono de tal princípio 22 origina uma complicação considerável, não só quanto à interpretação das medições, mas também no que respeita aos cálculos, e, se pretende-se manter um mínimo de rigor neste domínio, tal só será conseguido à custa de esforços muito maiores. Porém, esta evolução preparava geólogos e geofísicos para o diálogo, aproximando a sismologia do real e sugerindo que as observações de superfície - geológicas, portanto - não eram independentes da natureza do interior. Nesta geografia das estruturas internas será estudada uma série de zonas particulares e, primeiramente, aquelas em que existem líquidos. Sabe-se, com efeito, que, com exceção do núcleo exterior, todo o Globo é sólido, particularmente o manto, fato demonstrado pelos sismólogos quando observam que as ondas transversais, ou ondas S, que não podem atravessar um líquido, se propagam através do manto. Estas constatações anulam, a idéia de que existiria um magma líquido incandescente sob nossos pés, idéia freqüentemente admitida e, infelizmente, bastante divulgada. Mas em determinados pontos, nos locais em que existem bolsas de magma, verificam-se pequenas anomalias na propagação das ondas. Estes locais situam-se sob as dorsais oceânicas, nas zonas de arcos insulares, sob as ilhas vulcânicas jovens e sob as grandes fossas de abatimento que fraturam os continentes (fossa renana, fossas leste-africanas). Durante muito tempo os sismólogos tinham-se considerado físicos do Globo. O seu centro de interesses era mais a maneira como as ondas se propagavam do que a determinação das estruturas que atravessavam. A descoberta daquilo que designarão por heterogeneidades laterais de propagação e que complicará consideravelmente os modelos teóricos de propagação, conduzi-los-á a interessarem-se cada vez mais pela própria Terra, pela sua estrutura. A associação entre o interior e o exterior, que inicialmente tinha sido negligenciada e até mesmo negada, tornar-se-á uma evidência e os sismólogos irão ter um papel cada vez mais ativo nas ciências da Terra, até ocuparem um lugar central no desenvolvimento da tectônica de placas. O nascimento da oceanografia geológica Foi a guerra de 1939-1945 que pôs em evidência a importância dos oceanos e dos submarinos, no domínio estratégico, sem dúvida, mas também no campo econômico. Por que motivo uma tal extensão, que representa dois terços da superfície do Globo, não haverá de conter em si riquezas tão abundantes como as dos continentes? Estas motivações são suficientes para que os Estados Unidos da América e, em menor grau, a URSS, lancem nos mares uma série de navios oceanográficos destinados a explorar o oceano. Em grande parte ainda ligeiros, permitem a execução do mapa topográfico dos fundos marinhos, graças à técnica dos ultra-sons, que se desenvolveu durante a guerra, com fins militares. Os navios recolhem sedimentos, dragam rochas duras, medem o campo magnético em cada ponto estudado, estabelecem, assim, mapas magnéticos, cuja utilidade referiremos mais adiante. Mais tarde, utilizando uma sísmica experimental que recorre a pequenas explosões, procurar-se-ão determinar as características geofísicas da crosta oceânica. Posteriormente, na seqüência de Teddy Bullard e Roger Revelle, medir-se-ão os fluxos de calor que escapam através do fundo dos oceanos. Para pôr tudo isto em prática é necessário inventar técnicas, testá-las, aplicá-las, mas ter igualmente a certeza de seu funcionamento contínuo no mar, em condições logísticas muitas vezes de extrema rudeza. Tal será conseguido mediante um grande esforço, sobretudo financeiro. Detenhamo-nos um instante nestes diversos aspectos. Em 1982 um navio oceanográfico custava cerca de 80.000 francos franceses por dia, pelo que é fácil entender que o empenhamento consentido neste domínio apenas podia beneficiar algumas equipes. Em contrapartida, um navio 23 trabalha vinte e quatro horas por dia e os registros que efetua são praticamente contínuos, o que origina uma quantidade de informações que convém tratar corretamente e, de seguida, interpretar. O computador encontrará neste âmbito, os primeiros clientes em geologia. Finalmente, e este aspecto não é menos relevante, num navio, nos períodos de trabalho, encontram-se e vivem conjuntamente durante várias semanas técnicos provenientes de diferentes horizontes: geólogos, sedimentólogos, geofísicos, etc. A necessidade de viverem em grupo, isolados do mundo, cria rapidamente um intercâmbio de idéias e, bastante antes de estar em moda, surge a bordo um espírito de equipe pluridisciplinar. Não constituirá, portanto, surpresa que a oceanografia tenha desempenhado um papel tão importante na moderna evolução das ciências da Terra. Como deixar de mencionar nesta exploração dos oceanos o papel desempenhado pelas grandes instituições oceanográficas americanas? Em primeiro lugar, o Lamont Geological Observatory, ligado à Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, instalado nas falésias do Hudson, criado, animado e orientado então pela tenacidade indomável e pelo espírito inventivo de um homem fora do comum: Maurice Ewing, "Doc Ewing", como lhe chamavam os familiares. Sob sua firme direção, o laboratório permanecerá à frente da investigação oceanográfica durante vinte anos. Mas impõe-se igualmente mencionar a Scripps Institution of Oceanograpy, criada um pouco mais recentemente sob o impulso de outro grande homem de talento: Roger Revelle. O caráter multicéfalo desta instituição, associada - no início estreitamente - à marinha dos EUA, de cuja base é vizinha, irá rapidamente contrastar com a arquitetura piramidal do Lamont. As atividades deste último no Atlântico e da Scripps no Pacífico permitem reunir em alguns anos uma quantidade considerável de dados. A emulação e, por vezes, a rivalidade, contribuirão para manter a qualidade e intensidade da atividade científica de ambas as instituições. Todavia, estando a tratar de uma época sobre a qual ainda não se fez luz, limitar-nos-emos a enumerar os diversos dados acumulados1. Trata-se, em primeiro lugar, da topografia do fundo dos oceanos. Doravante poder-se-ão reconhecer nitidamente cinco tipos de estruturas: O talude marinho, continuação da plataforma continental pouco profunda, prolongamento natural do continente, que permite passar abruptamente (declive de 15%) para os plainos abissais (-4000m); Os plainos abissais, que ocupam mais da metade da superfície dos fundos oceânicos; As dorsais oceânicas, montanhas submarinas cujos picos atingem 3000m, de forma alongada, constituindo uma imensa rede através dos oceanos e comportando um vulcanismo submarino importante; Em certas zonas marginais, entre o talude marinho e o dos plainos abissais, estendendo-se paralelamente à costa, fossas submarinas gigantescas, cuja profundidade chega aos 11.000m (uma série de fossas deste tipo bordeja toda a América do Sul, uma outra a costa ocidental do Pacífico, 1 A leitura será auxiliada pelo exame do extratexto a cores no 3. 24 das ilhas Tonga às Curilas, etc.); As ilhas vulcânicas, que se revestem de particular interesse, disseminadas pelo oceano, umas vezes sem que se torne nítida qualquer organização de conjunto, outras, na maior parte, sucedendo-se, de acordo com orientações particulares, mais ou menos perpendiculares às dorsais. Em segundo lugar, surge a determinação das estruturas do subsolo. Rapidamente, a propagação das ondas sísmicas permite-nos saber que o subsolo dos oceanos é muito diferente do dos continentes. Após algumas centenas, ou até mesmo alguns milhares de metros de sedimentos moles, a velocidade de propagação das ondas acústicas de tipo P modifica-se abruptamente, passando a atingir 5 km por segundo. Aumenta lentamente com a profundidade, até 5 km, passando abruptamente de 7 km para 8 km por segundo, transição que corresponde ao Moho. A descontinuidade descoberta por Mohorovicic existe igualmente sob os continentes, como vimos, mas a cerca de 3 km de profundidade. Eis uma primeira diferença estrutural importante entre os oceanos e os continentes: diferença de espessura de crosta, mas também diferença na composição. Se a dos continentes é, sobretudo, constituída por granito (rocha clara, rica em sílica), a dos oceanos é básica, constituída, próximo da superfície, por rochas escuras, os basaltos. Deste modo, como tantas vezes acontece em ciência, surge esta verdade nua e crua evidente aos olhos do leigo, mas que assume o caráter de descoberta para o cientista: os oceanos e os continentes são geologicamente diferentes. Com efeito, a priori, nada sugere tal diferenciação, já que a presença ou ausência de água pode passar por fortuita, como parece demonstra-lo a existência atual (Mancha) ou passada (bacia de Paris) de extensões de água sobre os continentes... Como teremos ocasião de verificar ao longo desta obra, o contraste oceano-continente é, provavelmente, o dado mais importante das ciências da Terra. Analisemos freqüentemente os resultados destes estudos oceanográficos, que tanto esforço implicaram, mas que tão produtivos e estimulantes se revelam! Na verdade, na época a que nos referimos a utilidade e a importância científica destas investigações, nem sempre eram reconhecidas. Nenhuma síntese global reunia observações científicas, que, por seu turno, levantavam novos problemas. A própria juventude desta ciência e as poucas superfícies exploradas tornavam tais sínteses difíceis, pois a generalidade das constatações era continuamente posta em causa por outras novas. Os geólogos de campo, isto é, os dos continentes, na altura, prestavam pouca atenção a esta geologia do mar, que, segundo afirmavam, não tinha qualquer relação com aquela de que se ocupavam, tese que encontraremos ainda muitas vezes. O relógio geológico Em 1898, num pavilhão situado ao fundo do Jardim des Plantes de Paris, Becquerel descobre a radioatividade. Alguns anos mais tarde, Pierre e Marie Curie isolam elementos responsáveis por este fenômeno. Será apenas necessário esperar até 1908 para ver o grande físico britânico de origem neozelandesa Ernest Rutherford propor a utilização da radioatividade como cronômetro geológico. O princípio básico é relativamente simples. Um isótopo radiativo, denominado isótopo-pai, desintegra-se e dá origem a um isótopo não radioativo, designado por isótopo-filho. Em cada intervalo de temo, a quantidade de isótopo radioativo que desaparece, ou isótopo-filho que aparece, apenas depende da duração deste lapso de tempo. O processo é independente de fatores externos, como a temperatura, a pressão ou o meio ambiente químico. Trata-se de um fenômeno físico suscetível de desempenhar o papel de cronômetro, ou, inversamente, as medidas de isótopo- pai que subsiste, e de isótopo-filho criado, permitem medir o intervalo de tempo que nos separa do início do fenômeno, tal 25 como a medição do que existe encima e embaixo da ampulheta permite medir um determinado lapso de tempo decorrido. Assim, quando um mineral ou rocha cristaliza e encerra uma certa quantidade de isótopos radioativos (digamos, de rubídio 87, de urânio 238 ou de potássio 40), provoca uma "inversão da ampulheta". Quando medimos a quantidade de estrôncio 87, de chumbo 206 ou de árgon 40 produzida, bem como a quantidade de rubídio 87, de urânio 238 ou do potássio 40, é possível calcular a idade de formação do mineral ou da rocha. Não utilizaremos isótopos radioativos que se desintegrem rapidamente em condições laboratoriais, mas apenas cuja duração de desintegração é da ordem do milhar do milhão de anos. È o caso do rubídio 87, do potássio 40 e do urânio 238. O princípio é simples, mas a aplicação difícil, pois os isótopos interessantes encontram-se em quantidade muito reduzida nas rochas, sendo a sua concentração medida em milionésimos. Torna-se, assim, necessário fazer apelo a técnicas de ponta da física e da química nuclear para medir e datar as rochas. Porém, graças ao trabalho de pioneiros, como os americanos Alfred Nier ou Mark Ingham, estes problemas técnicos foram resolvidos e a partir de 1937, mas sobretudo a partir de 1948, começam-se a obter em profusão idades de rochas consideradas absolutas, marcando, assim, o seu caráter numérico, em oposição às idades relativas fornecidas pela paleontologia. O geólogo tem, assim, pela primeira vez acesso ao conhecimento da idade dos acontecimentos que estuda. Pode substituir a cronologia relativa, "isto é mais antigo do que aquilo", "isto é pré-câmbrico, aquilo é pérmico", pela cronologia absoluta, "isto tem 3000 milhões de anos, aquilo tem apenas 200 milhões de anos". As noções de anterioridade e de posteridade dão lugar à de idade e, deste modo, à de duração. Rapidamente, o geólogo verifica que a Terra tem cerca de 4500 milhões de anos, que os primeiros fósseis de seres organizados apareceram no início da Era Primária, há 550 26 milhões de anos, que o homem fóssil característico do Quaternário tem apenas 2 milhões de anos! Tendo acesso à medição do tempo, acede à das durações e, consequentemente, à das velocidades dos fenômenos geológicos. Como estes fenômenos prosseguem ao longo de milhões de anos, o relógio geológico marca o início da geologia quantitativa. Sem esta quantificação, nenhuma física do passado da Terra é possível. Basta recordar as especulações de Lord Kelvin sobre a história térmica da Terra, portanto, sobre a sua evolução física! Kelvin situava a idade da Terra entre 40.000 e 4 milhões de anos e uma polêmica acesa tinha-o posto aos naturalistas, nomeadamente Charles Darwin. A descoberta de Rutherford marca definitivamente a derrotas das suas teorias. É possível agora datar diretamente os terrenos cristalinos e antigos, estabelecer, assim, sincronismos à escala do Globo e, por conseguinte, construir uma geologia dos terrenos antigos onde, na ausência de fosseis, se detinha a geologia tradicional. Verifica-se igualmente que quatro quintos da historia da Terra, isto é toda a época do Pré-Câmbrico, não eram "abrangidos" pela geologia clássica! Deste modo, a exploração dos oceanos permite complementar a exploração do Globo no espaço e a radiocronologia permite a sua extensão no tempo. Torna-se então claro que a geologia tradicional, baseada nos fosseis e nas series sedimentares depositadas nos continentes, apenas abrangia um terço da superfície do Globo e um décimo da sua duração de vida! A produção de rochas em laboratório - origem do granito e do basalto É do conhecimento geral que os materiais que constituem o nosso planeta e que se podem extrair à superfícies são rochas, por seu turno, constituídas por misturas, aglomerações, ou melhor, associações, sociedades de minerais. O granito é, pois, uma associação de três minerais, quartzo, 27 feldspato e mica2, enquanto o basalto é constituído pela associação de dois minerais principais, a piroxena e a plagioclase, acessoriamente, a olivina, mineral que constitui o componente essencial da peridotite. Nestas sociedades, os "cidadãos" - os minerais - revestem-se de características muito variáveis. Por vezes têm uma grande dimensão, da ordem do centímetro, com faces planas bem definidas, comprovando, assim, que a formação, a cristalização, se efetuou em condições de calma. É o caso do granito, cuja textura comprova as condições de arrefecimento progressivo das zonas profundas da crosta. Noutras ocasiões, pelo contrário, a dimensão dos minerais é reduzida, os contornos assumem uma forma complexa, a orientação é desordenada, atestando condições de cristalização brutais, como se o exterior tivesse imposto uma lógica selvagem a estas transformações. É o caso do basalto, que tem uma textura fina, testemunhando um arrefecimento rápido imposto ao magma fundido pela sua extrusão rápida à superfície. É também variável o próprio modo como estes minerais se associam para formarem as rochas. Por vezes, é uma associação fortuita, mecânica, como se de areia se tratasse, outras é uma associação intima, traduzindo um parentesco, uma afinidade profunda. É o que acontece quando uma lava vulcânica cristaliza para dar origem a um basalto. No primeiro caso, a "lógica" que existe entre os minerais não é primaria, é herdada de uma rocha precedente e transferida para o espaço sedimentar por intermédio do duplo fenômeno erosão-sedimentação. No segundo caso, pelo contrário, a análise das relações recíprocas - tal como o ordenamento da cristalização - traduz simultaneamente a composição da rocha e as condições de temperatura e de pressão que presidiram à sua gênese. O estudo das rochas, a sua descrição e classificação, a reconstituição do seu modo de formação, constitui aquilo a que 2 A mica é mineral acessório do granito. (N. do T.) chamamos petrografia (ou petrologia). Desde há muito que se sabe que é possível classificar estas rochas em três categorias: em primeiro lugar, as que, como os grés ou os calcários, se formaram debaixo de água, se foram sedimentando lentamente nas depressões constituídas pelas bacias e a que, por essa razão, chamamos rochas sedimentares; as resultantes da cristalização de materiais em fusão, como o basalto ou o granito, denominadas rochas ígneas (as rochas vulcânicas constituem uma categoria à superfície do Globo); paralelamente, as rochas que cristalizaram lentamente e em profundidade, denominadas rochas plutônicas. O basalto é uma rocha vulcânica, o granito, uma rocha plutônica. A estes dois tipos de rochas simples de definir, acrescenta-se uma terceira categoria, a das rochas ditas metamórficas, que resultam da transformação de uma rocha do tipo procedente, a qual, em determinadas condições especiais, recristaliza, dando origem a novas associações minerais. A gênese das rochas sedimentares, cuja formação podemos observar nos oceanos, quase perante nossos olhos, não tem nada de misterioso. O mesmo não se pode dizer das rochas ígneas ou das metamórficas, produtos diretos das profundezas terrestres. Como pode ter lugar este curioso fenômeno que metamorfiza as rochas? De que modo se isolaram, segregaram, identificaram, os magmas que deram origem a rochas como o granito ou o basalto? Como fabricar num laboratório esses magmas? Sonho de alquimista ou adolescente curioso? A ciência anterior e posterior à guerra, no entanto, transformar- lo-á em realidade graças ao emprego dessas "caçarolas" especiais denominadas autoclaves, onde os petrólogos tentarão imitar a natureza. O princípio que preside a estas experiências é simples. Num recipiente fechado mistura-se um pó, cuja composição química corresponda à da rocha que se pretende reproduzir. Esta mistura é submetida a diversas temperaturas e, passado 28 um certo tempo, que pode ser um dia, uma semana ou um mês, abre-se o recipiente e observa-se a "rocha" assim obtida. Quanto mais elevada for a temperatura, mais rápidas são as reações e mais facilmente se obtém a formação. Todavia, a temperatura não basta. Para reproduzir as condições que existem no interior do Globo, torna-se necessário igualmente reproduzir as condições de pressão. O mais simples é misturar o pó com um gás, cuja elevação de temperatura num recipiente fechado se traduza por um aumento de pressão. O gás escolhido pode reagir quimicamente com o pó para dar origem a minerais: é o que acontece quando se utiliza vapor d'água, muito reativo quimicamente. Pelo contrário, é possível utilizar gases neutros, como o nitrogênio ou o árgon, que não reagem com as rochas com que entram em contato, reproduzindo-se, assim, pressões consideráveis de vários milhões de atmosferas. O limite destas experiências é constituído pela resistência dos materiais que compõem a autoclave, que, submetida à pressão interna, terá naturalmente tendência para explodir. Na Carnegie Institution, de Washington, o templo desta nova alquimia, começou-se pela síntese dos diversos minerais em condições de temperatura e de pressão variáveis, de 250o a 1000o, com uma pressão que ia até 50.000 atmosferas, realizando-se, posteriormente, as síntese das rochas, isto é, de sociedades minerais, para o que se determinaram as associações estáveis e instáveis, as reações que se processam entre minerais, destruindo uns e construindo outros, e as condições em que se efetuam estas reações químicas. Este trabalho de longe exige que cada uma das associações mineralógicas conhecidas seja estudada sistematicamente em todas as gamas de pressão e de temperatura. Verifica-se, então, que no respeitante a uma dada composição química, esta ou aquela associação mineralógica apenas se pode formar numa zona de pressões e de temperaturas bem definida. Desde que se efetue um número suficiente de experiências devidamente repetidas e verificadas, é possível construir um dicionário que permita fazer corresponder a cada zona de temperatura-pressão uma associação mineralógica relativamente a uma dada composição química, e vice-versa. Este dicionário é o código mineralógico. Em relação a uma dada rocha metamórfica, cuja composição química exata é possível determinar, a observação dos minerais metamórficos que a constituem permite saber, com recurso ao código mineralógico, quais as condições de pressão e de temperatura que predominaram no meio ambiente destas rochas no momento da sua cristalização. Cada rocha metamórfica comporta, pois, uma mensagem, que, doravante, é possível descodificar. Como os terrenos metamórficos podem ser datados através de métodos radioativos, a reconstituição das condições de temperatura e pressão permite descrever a história térmica das diversas regiões do planeta, nas diferentes épocas, o que constitui um elemento muito eficaz para as reconstituições geológicas. Legitimamente orgulhosa dos seus êxitos, a petrologia experimental passa a abordar um problema mais difícil, a origem dos magmas. De que modo podem as rochas fundir-se, dando origem aos magmas, cujo arrefecimento cria as rochas que observamos à superfície, como o basalto e o granito? Como sabemos, o granito é o constituinte essencial da crosta continental. Compreender o seu surgimento e meio de formação representa, assim, um enorme avanço na compreensão do modo de formação dos próprios continentes. Era bastante natural que os alquimistas-petrólogos procurassem especular sobre as condições naturais da sua formação. As experiências de laboratório mostram, primeiramente, que os granitos podem resultar do fenômeno designado por diferenciação química dos magmas basálticos, processo que consiste numa destilação. Em cada uma das etapas do arrefecimento de um banho em fusão de composição basáltica, determinados 29 minerais cristalizam e, uma vez que são os mais pesados, depositam-se no fundo, permitindo um banho enriquecido de elementos químicos que não entram nas suas composições. Como os primeiros minerais a cristalizar são "pobres" em sílica, o líquido residual que acima deles se encontra, será rico em sílica. Assim, através de cristalizações sucessivas, podem formar banhos graníticos. Este processo é extremamente espetacular, uma vez que a partir de um banho basáltico - magma que se encontra na origem da maior parte do vulcanismo terrestre e cujo princípio deverá ser encontrado nas profundezas terrestres - é possível fabricar granito. Deste modo, a crosta continental granítica surge como o resultado da diferenciação do próprio magma basáltico, produto natural das profundezas do Globo. Neste momento, crê-se que a origem das grandes unidades estruturais do Globo (núcleo, manto e crosta continental) está definitivamente esclarecida. No princípio a Terra encontrar-se-ia em estado de fusão total e, a partir deste banho, o ferro metálico, devido ao seu peso, ter-se-ia encaminhado para o centro, ficando o granito, devido à sua leveza, a flutuar na periferia. A visão deste processo, tal como descreve o grande geoquímico alemão Goldschmidt, é a da diferenciação que se opera num forno siderúrgico: o matte flutuando, o metal depositando-se no fundo. Como freqüentemente acontece, basta uma experiência para pôr em causa as mais belas teorias. Foi o que aconteceu quando Norman Bowen, embora sendo o autor das experiências anteriores, conjuntamente com o seu discípulo Tuttle, tomou a iniciativa de fundir sedimentos em presença de água e sob pressões de alguns milhares de atmosferas. Ao abrirem a autoclave, os dois investigadores tiveram então a surpresa de encontrar no fundo um pedaço de granito verdadeiro. O granito podia, pois, formar-se através da fusão de sedimentos. Esta possibilidade abria novas perspectivas na compreensão do modo de formação da crosta continental. Em conseqüência, era possível que os sedimentos, produtos da alteração superficial, tivessem penetrado no Globo, sofrendo primeiramente um processo térmico e de compressão, que, numa primeira fase, tivessem recristalizado para dar origem às rochas metamórficas e, posteriormente, continuando o seu percurso em profundidade, tivessem entrado em fusão, dando origem aos granitos. Um cenário deste gênero não era, portanto, puro produto da imaginação dos geólogos, correspondendo, pelo contrário, muito exatamente, ao que se pode observar quando se percorre os vales que fendem em profundidade as grandes cadeias de montanhas, como os Pireneus, os Alpes ou os Himalaias, nos quais se observa uma passagem progressiva das rochas sedimentares às metamórficas (micaxistos) e, por fim, aos granitos. A idéia que ressalta deste esquema é, assim, a de que o granito não é o produto de amplos fenômenos de diferenciação interna, mas sim o resultado de acontecimentos complexos que foram ocorrendo ao longo dos tempos geológicos, acionando os processos que se produzem à superfície da Terra e que habitualmente se designam por processos externos. Segundo a primeira teoria, a rocha tipo, o granito, é um produto do fogo; de acordo com a Segunda, resulta da água. Este debate, cujas origens poderiam recuar às cosmologias mesopotâmicas, dividiu a comunidade geológica durante dez anos, sem possibilitar qualquer tipo de consenso. Esquematizando em traços muito gerais, poder-se-á afirmar que até 1966 a maioria dos anglo-saxões foram partidários convictos da origem do granito a partir do basalto, ao passo que os outros europeus ocidentais, nomeadamente os alemães (como Winkler ou Mehnert), preferiram a origem sedimentar, na altura ainda designada por palingenética. Posteriormente, a partir de 1966, a atenção de que era alvo o granito foi se desviando para a origem dos basaltos. Apesar de algumas discussões famosas, nomeadamente entre o inglês Mike O'Hara e os australianos Dave Green e Ted 30 Ringwood, a origem do basalto suscitou muito menos antagonismos do que a dos granitos. Provém claramente do manto superior e a sua natureza vulcânica não tem discussão. Trata-se, pois de determinar a natureza do material que, ao fundir, dá origem aos basaltos, revelando, assim, a constituição do manto superior. Mais tarde voltaremos a abordar estas investigações de forma mais pormenorizada. Neste momento é possível mencionar que elas só se tornaram possíveis após o fabrico de autoclaves resistentes a pressões de 10.000 a 30.000 atmosferas, o que só aconteceu mais tarde, e ainda que a fusão de 5% a 30% de peridotites produz um banho basáltico em tudo comparável, em termos de composição, aos que se podem recolher é superfície do Globo. Deste modo, em alguns anos a petrologia experimental permitiu delimitar as condições em que se podem formar as principais rochas que existem à superfície do Globo. Não é difícil conceber que estes resultados científicos tenham conseguido captar toda a atenção da comunidade científica e que este tenha esquecido totalmente a velha hipótese de Wegener. Os trabalhos wegenerianos aproximavam os diversos aspectos das ciências da Terra; a evolução das diversas especializações vira as costas a este ecumenismo. No entanto, dentre estes diversos desenvolvimentos, um irá ressuscitar o interesse pelas teses do mobilismo continental: o magnetismo. À partida, nada predispunha esta disciplina austera para esse papel, tão grande era o seu isolamento no domínio das ciências da Terra, e o ressurgimento das idéias das teses mobilistas a partir dos estudos magnéticos podia, a priori, parecer incongruente; contudo, isso verificar-se-á por duas vezes e pelas vias que iremos ver O campo magnético terrestre De todos os estudiosos que se ocupam da Terra, os geomagnetólogos são, sem dúvida, os mais desconhecidos e os mais misteriosos. Registrando sinais que traem a atividade do núcleo da Terra ou do Sol, sem conhecerem as suas causas exatas, configuram-se como cardiologistas que auscultam os batimentos de um coração sem conhecerem a sua origem. Este mistério de forças que atuam à distância sem que as "vejamos", encontra-se de tal modo arreigado nas mentes que a linguagem corrente assimilou o termo "magnetismo" a determinadas propriedades extraordinárias dos seres vivos. Em contrapartida, como é evidente, este desvio de linguagem, assimilando desde a mais tenra idade, apenas reforça em cada um uma impressão de estranheza. Este mistério geomagnético, aliás, já não é de ontem. Enquanto os chineses, pouco sensíveis às relações imediatas de causa e efeito e mais receptivos às noções de campo e de meio ambiente, descobrem o campo magnético terrestre na época Han e o medem com precisão a partir do ano 1040, é necessário esperar pelo Renascimento para ver a civilização ocidental interessar-se de perto por este fenômeno, cujas causas dificilmente são compreensíveis. Os trabalhos de Gilbert, de Gauss e, posteriormente, de Ampére, de Maxwell e dos seus seguidores, esclarecerão a "causa primeira", mas a ciência do campo magnético terrestre não deixará, por isso, de continuar envolta num grande mistério para o nosso pensamento platônico. Analisemos as causas após termos previamente delimitado a personagem, ou seja, o campo magnético. Como se sabe, qualquer corpo magnético ou imã atrai e é atraído por outros imãs. Esta atração ocorre de tal maneira que em cada imã, digamos em forma de agulha ou de barra, é possível definir um pólo norte e um pólo sul, repelindo-se os pólos do mesmo nome e atraindo-se os de nome contrário. Mas as correntes elétricas também são capazes de se comportar como imãs, de atrair imãs e de ser atraídas por eles. Talvez alguém se recorde, neste contexto, da regra dos três dedos, ou do boneco de Ampére. 31 Qualquer pessoa pode verificar, através de sua experiência, que uma agulha magnetizada indica, aproximadamente, o norte e o sul geográficos. É o princípio da bússola, sem o qual os transportes marítimos não passariam da cabotagem. Podemos então confrontar-mos com o pensamento de que qualquer coisa orienta esta agulha, de que um colocado no centro do Globo a faz tomar a direção norte-sul. Foi, de fato, o que supôs W. Gilbert, médico da rainha Isabel I, no início do século XVII. Recorrendo a algumas bases teóricas, torna-se, assim, possível calcular a direção e a intensidade do campo magnético em qualquer ponto da superfície do Globo. As linhas de força deste campo assemelham-se, em primeira análise, às descritas pela limalha de ferro colocada perto de uma barra magnetizada. Por volta do final do século XIX, surgem aparelhos muito aperfeiçoados e, freqüentemente, complexos que permitem medir o campo magnético terrestre: são os magnetômetros. A exploração quantitativa do campo magnético terrestre irá então começar, implicando o espaço e o tempo. A exploração geográfica permite estabelecer um mapa do campo magnético terrestre atual, determinado em função de três parâmetros: a orientação do campo (dois ângulos) e a sua intensidade. O campo magnético varia de acordo com a latitude, a posição e a natureza dos terrenos subjacentes, etc. A fim de descrever estas variações geográficas, os magnetólogos definem aquilo a que chamam de anomalias magnéticas, 32 descritas como a diferença existente entre o campo real medido e o campo teórico, aquele que se calcula segundo a hipótese de Gilbert. Se o campo real é superior ao campo teórico, falar-se-á de anomalias positivas; se é inferior, de anomalias negativas. Estas anomalias magnéticas vão ter um papel central no ressurgimento dos conceitos wegenerianos. A exploração temporal é, por definição, mais longa e, assim, mais fastidiosa. Dia e noite, observatórios criados com este objetivo irão registrar incansavelmente as variações de orientação e intensidade do campo magnético em todos os pontos do Globo, e isto durante dezenas de anos. Deste modo, em Paris ou em Londres, possui-se o registro de campo magnético desde 1838. Observando estas séries temporais, descobre-se a existência de variações, cuja freqüência é, por seu turno, variável: variações rápidas, variações lentas, variações seculares. As rápidas são as que se observam num dia, as lentas, as que se observam em decênios. A análise dos dados espaciais e temporais irá, progressivamente, permitir a identificação das fontes das variações e das anomalias observadas. As variações rápidas têm origem na alta atmosfera da Terra. Átomos ionizados interatuam com o fluxo de partículas carregadas e com as ondas eletromagnéticas provenientes do Sol (vento solar) e os seus movimentos induzem variações magnéticas medidas no solo. Em última instância, a sua origem mais profunda é, assim, a atividade solar. As variações lentas e seculares têm origem no núcleo terrestre. Esta dupla localização, hoje em dia absolutamente admitida, não se impôs facilmente. Uma vez que a análise minuciosa das variações lentas permitiu situar a origem do núcleo terrestre, procurou-se chegar mais longe e compreender a sua gênese. Estas palpitações, estes sobressaltos mais ou menos regulares, são tão rápidos (da ordem do ano) em relação à duração dos fenômenos geológicos (da ordem do milhão de anos) que evocam o caráter aleatório de um fluido turbilhonário instável. O núcleo externo é fluido, as ondas sísmicas transversais não o atravessam, é constituído por ferro, condutor excelente como poucos. Ora, o movimento de um condutor num campo magnético cria uma corrente elétrica, que, por seu turno, gera um campo magnético, e assim por diante... Mas para compreender o funcionamento do fenômeno é necessário chegar ainda mais longe. Infelizmente, as séries temporais que possuímos são ridiculamente curtas quando as comparamos com a extensão dos tempos geológicos - algumas centenas de anos, comparáveis com os 4.500 milhões de anos da Terra: um fator de 20 milhões! Daqui resulta a idéia de tentar obter longas séries temporais por determinação dos campos magnéticos antigos fossilizados nas rochas. O campo magnético fóssil Melloni, napolitano refugiado em Paris, observa em 1853 que as lavas vulcânicas possuem uma magnetização nítida, isto é, cada rocha vulcânica parece ser, por si própria, um "imã". Formula então a hipótese de esta magnetização ser a do campo magnético ambiente, isto é, do campo terrestre existente na época do arrefecimento. Esta hipótese será explicitada graças às experiências e observações de Bruhnes, em 1906, e, posteriormente, de Mercanton, entre 1910 e 1930. A explicação teórica será fornecida por um outro francês, Louis Néel, na seqüência de um diálogo com o experimentador Émile Thellier. Este fenômeno é concebível para rochas que contêm certos minerais particulares, como a magnetita, cujo nome, só por si, é evocador. Quando se aplica a uma substância magnetizável um campo magnético, ela adquire uma magnetização, que se mantém quando se suprime o campo magnético. Este fenômeno é idêntico para as rochas vulcânicas, que contêm, todas, um pouco de magnetita. Abaixo de determinada temperatura, dita de Curie, a magnetita não registra qualquer campo magnético e, posteriormente, ao 33 arrefecer, registra uma fraca fração do campo magnético terrestre em que cristalizou. Deste modo, as rochas vulcânicas funcionam como memória do campo magnético terrestre. Ainda que os primeiros trabalhos datem de 1936, foi necessário esperar pelo período do pós-guerra para se assistir a uma utilização intensiva desta "memória magnética". Émile e Odette Thelier e, mais tarde, Alexandre Roche, na França, Nagata, no Japão, e Königsberg, na Alemanha, foram os pioneiros pacientes e minuciosos. Todos estes investigadores têm, na altura, uma idéia principal em mente: obter séries temporais longas que permitam estudar a história do campo magnético e determinar a sua origem. O estudo do campo magnético fóssil irá sofrer uma aceleração abrupta por volta de 1950, em resultado de uma conseqüência tecnológica inesperada das pesquisas infrutíferas de Blackett, sobre a origem do campo magnético. Laureado com o prêmio Nobel, Blackett formula em 1947 a hipótese ousada de os campos magnéticos dos planetas, das estrelas e, igualmente, de qualquer sistema físico serem conseqüência da rotação destes objetos. O campo magnético terrestre seria, assim, criado pela própria rotação do Globo. Para provar a sua hipótese, Blackett concebe uma experiência extremamente complexa e elaborada, de que reteremos dois resultados: o primeiro resume-se ao seu fracasso, mas também à coragem de Blackett, que em 1952 o tornou público, com o título Negativ Experiment; o segundo, que nos interessa neste momento, é que durante a experiência, Blackett criou um instrumento capaz de medir campos magnéticos extremamente fracos: o magnetômetro astático. Este instrumento e as diversas versões a que deu origem irão permitir as medições do fraco campo magnético "fóssil" das rochas. Por volta de 1959, Blackett, professor de física em Manchester, tem como assistente Keith Runcorn. Em conjunto, decidem usar o magnetômetro astático para medir as fracas magnetizações das rochas, para o que é contratado um colaborador, Ted Irving, o qual num verão acumula resultados suficientes para convencer os seus mestres do interesse da experiência. Mas a equipe desfaz-se, Blackett associa-se ao Imperial College de Londres, enquanto Runcorn volta à Cambridge. Esta separação não assinala o fim do empreendimento, mas sim o início de uma competição entre dois laboratórios de valor. O ressurgimento da deriva continental As duas equipes inglesas do Imperial College de Londres e Cambridge vão, com efeito, desenvolver com vigor assinalável esta nova disciplina, a que se chama então paleomagnetismo. O primeiro êxito permite alargar o princípio da memória magnética às rochas sedimentares. Neste caso, a fossilização do campo magnético adquire-se, quer pela orientação dos grãos magnéticos no decurso da sua sedimentação, quer mediante transformação química no decurso da diagênese3. Ora, as rochas sedimentares podem ser facilmente datadas graças aos seus fósseis, o que torna possível conhecer simultaneamente a idade e a intensidade do campo magnético, sendo, portanto, lícita a esperança de se reconstituir uma série temporal precisa. O primeiro estudo sistemático de um conjunto sedimentar feito por Runcorn e Irving tem por objeto o Triássico da Inglaterra. No entanto, o resultado obtido nada tem que ver com as séries temporais! De fato, a orientação do campo magnético fóssil do Triássico inglês (-200 MA) não coincide com a orientação do campo magnético hoje em dia existente. Será que a Inglaterra sofreu uma rotação no decurso dos tempos geológicos? Os investigadores do Imperial College decidem então verificar noutros continentes esta hipótese ousada, começando pelas rochas do Império Britânico: África do Sul, Austrália, 3 Processo pelo qual um sedimento mole se transforma numa rocha "dura". 34 Canadá, Índia. Estudam, assim, em particular, as rochas vulcânicas do Decã, cujas erupções vão do Jurássico até o Terciário e cujas correntes de matéria em fusão ocupam cerca de um terço da superfície da Índia. Os resultados obtidos surpreende-nos. Antes do Terciário (isto é, antes de -60 MA), a orientação do campo magnético era "exterior", uma vez que o campo se dirigia então para o exterior do Globo. Esta orientação variou, em seguida, de forma contínua, até se tornar "horizontal" no início do Terciário e depois gradualmente "interna". Recordando-se então da distribuição da orientação do campo magnético terrestre sobre um meridiano (v. Figura 15), da hipótese de Wegener e da mobilidade dos continentes, os investigadores fundem estas duas hipóteses numa única: a do movimento lento da Índia para norte entre o Jurássico e o Final do Terciário. Reaparece, assim, a deriva dos continentes! O grupo de Newcastle, para o qual Keith Runcorn emigrou, irá 35 primeiramente refutar a interpretação mobilista dos londrinos. Runcorn nota que a interpretação mobilista admite implicitamente uma hipótese não verificada, a da orientação fixa do campo magnético terrestre no decurso dos tempos geológicos. Por que não admitir que o pólo tenha efetuado um movimento de translação? O próprio Wegener havia encarado esta hipótese. Runcorn propõe, pois, que seja definida, em relação a todas as épocas, a posição de um paleopólo magnético relativamente a diversas regiões, a fim de comparar posteriormente os resultados, antes de chegar a conclusões. Este trabalho minucioso consiste primeiramente em definir, no que respeita à Europa, uma curva de "deslocação do pólo" no decurso dos tempos geológicos. Após a Europa, a equipe de Newcastle passa à América, e os estudos, prontamente levados a cabo, permitem definir, no que respeita a este continente, uma outra curva de migração dos pólos, distinta da que fora definida para a Europa e com a qual se confunde só a partir do Cretácico. A aparente divergência entre estas duas curvas desaparece se suprimir-se o oceano Atlântico antes do Cretácico. Keith Runcorn e os seus alunos convertem-se então à teoria da deriva dos continentes, propondo um método de reconstituição das geografias sucessivas: deslocar os continentes de maneira a fazer coincidir as curvas de migração dos pólos obtidos para cada um deles. Após uma migração contraditória, Newcastle associa-se a Londres nas suas interpretações, mas pela via dos estudantes: a da migração dos pólos! Os paleomagnetólogos utilizam, em conseqüência, esta técnica, denominada caminho dos pólos, para reconstruírem as posições sucessivas dos continentes. Basta deslocar as unidades continentais duas a duas até que os pólos de uma dada época coincidam para as diversas unidades consideradas. Esta técnica permite, assim, a Creer, Irving e Runcorn desenhar as posições sucessivas dos continentes nas diversas épocas geológicas. As suas reconstituições assemelham-se, surpreendentemente, às que Wegener efetuara, contendo, no entanto, diferenças. A mais notável diz respeito à história da Índia. Como se sabe, Wegener associava-a à Laurásia. Por ocasião da abertura da grande Pangéia teria derivado para norte com o continente asiático, visão que havia conduzido Argand a imaginar um encolhimento intra-asiático para explicar a formação dos Himalaias. Pelo contrário, os paleomagnetólogos associam a Índia à África, à Austrália e à Antártida e conferem-lhe, assim, um caráter gondvaniano. Foi por volta de -130 milhões de anos, no Cretácico, que a Índia se terá separado do continente de Gondvana, efetuando um 36 movimento de migração para norte. Os Himalaias aparecem então como o resultado da colisão da Índia com a Eurásia, e não como uma dobra intracontinental. Trata-se de uma originalidade importante da reconstituição paleomagnética relativamente aos esquemas de Wegener e de Argand. Posteriormente, observaremos algumas conseqüências. Mas os paleomagnetólogos não se detêm nos últimos 200 milhões de anos. Wegener supusera que a Pangéia tinha existido desde o início dos tempos e que teria apenas começado a deslocar-se no Triássico (-220 MA). Assim, a deriva dos continentes era para ele um fenômeno unidirecional, irreversível: um continente, de início único, fragmenta-se num número de partes que aumentam com o tempo. Os métodos paleomagnéticos não são tributários das reconstruções geomorfológicas e permitem, portanto, estudar os problemas da deriva continental antes de 200 milhões de anos, até às épocas primárias. O cometimento não deixa, no entanto, de apresentar dificuldades: magnéticas, em primeiro lugar, porque, quanto mais velhos se consideram os materiais, mais possibilidades existem de que as magnetizações secundárias venham disfarçar a imagem inicial; estratigráficas e cronológicas, seguidamente, pois, para reconstituir o passado mediante os métodos paleomagnéticos é necessário que cada amostra seja datada com precisão. Ora, a datação dos terrenos primários e pré-câmbricos apresenta maior incerteza absoluta do que a dos terrenos recentes. Se o erro analítico é de 5%, tal representa 5 milhões de anos para o Cretácico, que apenas tem 100 milhões de anos, mas representará 100 milhões de anos para terrenos de 2000 milhões de anos de idade! Aceitando, contudo, a incerteza das reconstituições no que respeita às épocas primárias, os paleomagnetólogos insistem nesta via. Sem demora, afirmam a existência de derivas continentais antigas, isto é, anteriores a 300 milhões de anos. A lógica wegeneriana é ultrapassada e torna-se necessário considerar as fraturas de continente, deriva, colisões continentais, 37 surgimento de grandes continentes, como fenômenos que se sucedem sem obedecerem a uma lógica única e irreversível. Não se evolui, portanto, de um continente único para um mundo continental cada vez mais fragmentado; o desenrolar do tempo faz surgir, pelo contrário, uma alternância anárquica de períodos em que os continentes se juntam, e períodos em que se deslocam. Visão profética a que voltaremos no ultimo capítulo! Todavia, estas belas reconstruções irão deixar céptica a comunidade científica da década de 50 e dar azo a numerosas objeções: "Põe-se em causa o próprio método do paleomagnetismo. O tratamento estatístico das medidas estará correto? Será legítimo extrapolar para um passado longínquo a hipótese de que o campo magnético terrestre é de tipo dipolar?..." Ver-se-á mesmo Harold Jeffreys, adversário irredutível de qualquer tipo de mobilismo, escrever que o martelo utilizado para colher as amostras de rochas é responsável pela sua magnetização! Porém, a comunidade geológica inglesa, bem preparada pelos ensaios de Artur Holmes, deveria ter se mostrado receptiva à idéia da deriva continental, mas, na realidade, tal não acontece e, assim, mesmo na Grã-Bretanha é o ceticismo que acolhe Keith Runcorn e colegas. Na América, não se trata apenas de ceticismo, mas de franca hostilidade, expressas publicamente por repetidos sarcasmos. Na Europa, excetuando alguns paleomagnetólogos holandeses, as teses da deriva serão alvo de acontecimento tão polido quanto frio. Considera-se, geralmente, que se trata de uma característica da visão do especialista. Confinado à sua especialização, olhado com desconfiança, o paleomagnetólogo não terá a coragem ou a possibilidade de retomar o debate nos outros domínios das ciências da Terra. 38 As inversões do campo magnético Se as intervenções vibrantes de Keith Runcorn a favor da deriva dos continentes não comovem os americanos tão "fixistas" como os seus colegas soviéticos, têm, contudo, o condão de despertar neles o interesse crescente pela ciência paleomagnética. Virados, pelo gosto pelos números, para a utilização dos métodos físicos na geologia, os americanos empreendem o estudo do campo magnético fóssil. Deixando prudentemente de lado o assunto controverso da deriva, irão centrar-se num outro, não menos controverso, o das inversões do campo magnético terrestre. Em 1906, Bruhnes descobre na cordilheira de Puys que certas lavas vulcânicas têm uma magnetização de sentido inverso à do campo magnético atual. Constata ainda que as terras argilosas cozidas pelo contato imediato com a lava adquirem a mesma orientação da lava subjacente: a orientação normal, isto é, análoga à orientação do campo atual, quando a magnetização da lava é normal; orientação inversa, quando a magnetização da lava é inversa. Com o auxílio de experiências de laboratório, demonstra-se que os tijolos (argilas cozidas) adquirem a orientação do campo magnético em que arrefecem. Em 1926, Mercanton confirma as observações de Bruhnes e formula a idéia de possíveis inversões do campo magnético terrestre no passado. O dipólo norte-sul teria sido sul-norte em determinadas épocas! Por muito grandiosa que fosse, esta hipótese suscitou pouco interesse! Na mesma época Matuyama, no Japão, fazia avançar o conhecimento deste fenômeno, inserindo uma noção temporal. Verificou que determinadas correntes de lavas dos vulcões japoneses correspondiam a anomalias magnéticas positivas e outras a anomalias negativas. Mediu a magnetização das rochas das diferentes correntes e descobriu que as anomalias negativas correspondiam a uma magnetização inversa, confirmando, assim, as observações de Bruhnes e de Mercanton. Todavia, Matuyama irá mais longe. Com o auxílio dos métodos estratigráficos, "data" em valor relativo as diversas correntes de lava e conclui que existem múltiplas inversões no decurso dos tempos geológicos. Segundo Matuyama, o campo magnético inverteu-se primeiramente, para voltar mais tarde a ser normal. A menção deste fenômeno, que poderia ter apaixonado os geólogos da época, foi recebida com indiferença e acabou por cair no esquecimento. Só em 1950, J. Graham, então na Carnegie Institution, de Washington, se interessou pelo fenômeno e propôs uma nova explicação para as inversões, que seria originadas por um fenômeno de física do estado sólido. Em determinadas circunstâncias, a aplicação de um campo magnético no decurso do arrefecimento de certos minerais leva estes a fossilizarem um campo de sentido inverso ao do aplicado. Louis Neel confere uma base teórica a esta explicação e Nagata e Uyeda demonstram experimentalmente a sua existência numa lava japonesa. Esta hipótese das auto-inversões opõe-se, evidentemente, à das inversões do campo magnético terrestre. Ir-se-á então instaurar um debate contraditório e vigoroso, incidindo diretamente sobre o paleomagnetismo. Será a memória magnética, que por vezes registra com inversão um campo de sentido constante ou será o próprio campo magnético terrestre que sofre inversões periódicas? A resposta a esta pergunta é sobretudo dada através do esforço de alguns homens, cujo ponto de união é a Universidade da Califórnia, em Berkeley. Dois deles irão ter um papel inicial que se revelará determinante. No departamento de física, John Reynolds aperfeiçoa o método de datação baseado na desintegração do potássio. Graças a esta evolução tecnológica, torna-se possível, a partir de 1960, medir quantidades muito pequenas de árgon, produto derivado do potássio 40, o que, por sua vez, possibilita medir idades inferiores a 10 milhões de anos com precisão razoável. John Verhoogen, do departamento de geologia, interessa-se pelo 39 problema das auto-inversões e leva todos os seus alunos a procederem a investigações neste sentido. As duas equipes, de datação e paleomagnetismo, decidem cooperar no sentido de obterem, a partir das mesmas amostras de basalto, idades precisas e orientações magnéticas bem definidas. Afluem resultados interessantes. Alan Cox e Richard Doell notam rapidamente que a auto-inversão não explica os resultados das medidas efetuadas nas correntes de lava do Idaho. Retomam então a idéia de Mercanton e do holandês Rutten e decidem testar a hipótese das inversões globais, aplicando o método da cronologia absoluta. Se as lavas de magnetização inversa são todas da mesma idade, seja qual for a sua mineralogia e posição geográfica, então ter-se-á de admitir que o próprio campo magnético terrestre se inverteu. Tal possibilidade revela-se agora menos improvável, já que os conhecimentos sobre a origem do campo magnético se encontram em nítido progresso. Walter Elsasser, em Princeton, e Ted Bullard, em Cambridge, (Grã-Bretanha), desenvolvem a idéia de um dínamo central, situado no núcleo terrestre, que poderia apresentar comportamentos instáveis, os quais explicariam as inversões "periódicas" do campo magnético por ele criado. Este contexto reforça a posição dos defensores da teoria das inversões. A realidade das inversões do campo magnético irá ser "demonstrada" entre 1960 e 1966 graças ao trabalho paciente de dois grupos saídos de Berkeley: um é composto por Alan Cox, Richard Doell e Brent Dalrymple, que trabalham no U. S. Geological Survey, em Menlo Park, a sul de São Francisco; o outro é impulsionado por Ian McDougall e François Chamalun, da Universidade Nacional da Austrália, e o seu teatro de operações serão os oceanos Pacífico e Índico. Utilizando como materiais lavas vulcânicas recentes, estabelecem em conjunto uma escala das inversões nos últimos 4 milhões de anos, escala que se aplica não somente aos Estados Unidos, mas também à Europa, ao Pacífico e à Austrália, e que tem valor mundial. Esta escala caracteriza-se pela existência de fases de modificação de polaridade de duração e de freqüência variáveis. Distinguem-se os períodos, denominados épocas, no decurso dos quais o campo magnético terrestre conserva o mesmo sentido durante várias centenas de milhares de anos de 40 outros muito breves, denominados ocorrências, que se situam dentro de uma mesma época. Os paleomagnetólogos dedicam as épocas aos grandes pioneiros do magnetismo terrestre: a época que se estende da atualidade até - 600 000 anos, com polaridade normal, isto é, semelhante à polaridade do campo atual, é conhecida por época de Bruhnes; a que precede, de -0,6 a -2,4 milhões de anos, de sentido inverso, é a época de Matuyama; o grande Gauss tem direito a uma época normal bastante curta, de -2,4 a -3,2 milhões de anos, ao passo que o nome do médico da rainha Isabel I, Gilbert, se encontra associado à época inversa precedente. Quanto às ocorrências, são-lhes atribuídos nomes de locais. Fala-se da ocorrência de Jamarillo, a -0,95 milhões de anos, de Gilsa, a -1,6, de Olduvai, a -1,9, etc. Estabelecida esta "escala magnética", graças às suas alternâncias de épocas, entrecortadas por ocorrências, irá constituir um sinal extremamente característico. A confirmação da existência das inversões será fornecida por Neil Opdyke e pelos seus colegas do Lamont Geological Observatory, graças a uma experiência muito elaborada. Opdyke estuda, não as lavas vulcânicas, mas os sedimentos marinhos, que têm a capacidade de registrar um campo magnético, como vimos anteriormente, residindo, no entanto, na dificuldade do modo de os colher, o que se consegue graças a um pistão cilíndrico que penetra nos sedimentos moles. As "cenouras" assim trazidas à superfície, apresentam a forma de grandes salsichas cortadas às rodelas, cada uma das quais constitui uma amostra das diversas camadas de sedimentos. Infelizmente, estas cenouras são difíceis de orientar no espaço, tornando-se, por conseguinte, difícil assinalar nelas uma orientação geográfica. Ora, se é possível determinar a orientação magnética das diversas camadas, como relaciona-la com a orientação local? Para isso, Neil Opdyke utiliza os sedimentos do oceano Antártico, onde o campo magnético é quase vertical, portanto pouco obliquo em relação à orientação do eixo da cenoura. As inversões devem ser fáceis de ler neste local, exatamente que os investigadores do Lamont verificam. As inversões existem nos sedimentos moles, em relação aos quais o mecanismo de auto-inversão se encontra excluído. Melhor ainda, ao utilizar a micropaleontologia para datar os terrenos, vê-se que a escala cronológica das inversões coincide com a que foi estabelecida para os basaltos: mostra um campo magnético instável, invertendo-se por períodos de duração variável, sem qualquer regularidade nítida. Deste modo, a escala do milhão de anos à de um dia, o campo magnético manifesta-se estável, mutável, variável, com uma ausência de regularidade tal que a mensagem temporal que representa como que assina a época em que foi registrado. Esta mensagem magnética, chave mágica que permite descodificar a história dos oceanos, irá estar na origem da renovação das idéias mobilistas! O mundo moderno tem tendência para considerar a investigação científica como a atividade racional por excelência. Quem, nesta ordem de idéias, pensa que se pode planificar a investigação e, inclusivamente, chegar ao extremo de poder prever as suas descobertas, deveria refletir sobre os estudos do campo magnético terrestre, que nunca forneceram diretamente a resposta à pergunta feita a priori, mas conduziram sempre a um resultado fundamental num setor imprevisto. Assim vai a ciência, desafiando os planos, as ideologias e os ideólogos, mas também os cientistas mais inflexíveis. Durante o período que acabamos de mencionar e que se estende, aproximadamente, desde a morte de Wegener, em 1929, até a ressurreição da sua teoria em 1961, isto é, trinta anos, as ciências da Terra, embora afastadas das teses da deriva, conheceram também um desenvolvimento extraordinário. A cartografia dos continentes e dos oceanos permite-nos possuir pela primeira vez um documento 41 geológico sintético relativo ao conjunto dos oceanos e dos continentes. As regiões mais inóspitas ou mais inacessíveis deixam de ser misteriosas, a sua estrutura começa a ser bem conhecida. A estrutura interna do Globo, objeto das investigações dos geofísicos e dos astrônomos desde há vários séculos, começa a desvendar os seus segredos. Tanto no que respeita à película superficial, acessível à observação direta, como às partes menos acessíveis, constituídas pelos fundos oceânicos ou pelas profundezas terrestres, começa-se a dispor de informação sólida, completa, que os estudos futuros virão a confirmar amplamente. A gênese dos materiais de origem profunda, cujas condições requerem pressão e temperatura elevadas, não apenas fica esclarecida graças a raciocínios teóricos, como o domínio que o homem tem sobre ela é já suficiente para os criar artificialmente em laboratório. Em alguns anos, a ciência das rochas deu um salto espetacular e decisivo. O estudo do campo magnético também progride a passos gigantescos. Os cientistas são capazes de separar o campo que tem por origem o Sol daquele que deve a sua origem aos movimentos do fluído que se encontra retido no núcleo externo, de medir estes campos magnéticos e as suas flutuações, de construir modelos que permitem explicar os fatos observados e as suas medidas. Por outro lado, este período assistiu ao desenvolvimento dessa ciência extraordinária que é o paleomagnetismo. As rochas sedimentares e vulcânicas são memórias magnéticas: graças a elas, é possível conhecer as direções dos campos magnéticos antigos. Descoberta inesperada, a compilação destes campos magnéticos arcaicos faz surgir dois fenômenos novos: o movimento dos continentes e as inversões dos campos magnéticos terrestres. No entanto, tais esforços e resultados acabam por apenas reter a atenção dos especialistas, sem que as suas conseqüências atinjam o conjunto da comunidade científica. Apesar da abundância dos frutos colhidos, cada um tem ainda tendência para conceber a sua especialidade como uma entidade autônoma. As ciências da Terra surgem aos olhos do não especialista como um mosaico de especialidades diferentes, adjacentes, com alguns pontos comuns, mas cada uma, afinal, com centros de interesse próprios. Aliás, esta especialização exclusivista era possivelmente necessária, de tal modo se revelaram difíceis, diversos e importantes os problemas a resolver, mas perdia de vista a idéia de que o objeto central de estudo era a Terra na sua globalidade e os diversos aspectos que acabamos de evocar tinham por detrás uma lógica subjacente. Este estado de espírito, alimentando a idéia de que nada de comum existe entre um geofísico e um paleontólogo, entre um geoquímico e um geólogo estruturalista, constituirá a barreira psicológica mais difícil de ultrapassar quando do surgimento das teses mobilistas. Para compreender a evolução das mentalidades, que agora vamos abordar, é necessário ter consciência desta expansão da comunidade das ciências da Terra, que não foi menos fecunda em numerosos domínios. As ciências da Natureza, sejam as da Terra, do céu ou da vida, passam, alternadamente, por fases de acresção, em que sentem a unidade profunda que preside ao seu ordenamento, e por fases de dispersão, em que os desenvolvimentos centrífugos de múltiplas especialidades tendem a fazer perder de vista os objetivos comuns que se pretendem atingir seguindo diversas abordagens. Estas alternâncias de fases de expansão e de recondensação constituem uma condição do progresso científico. Com efeito, será possível não considerar que fazer um mapa ou estabelecer a estrutura do Globo constitui, por si só, um objetivo? Como é possível não compreender que o estabelecimento do relógio geológico possa ocupar todo o tempo de experimentadores aturados? Como não ficar apaixonado pelas dispersões e ressaltos da ciência magnética? Ao desdenharem a teoria de Wegener, as ciências da Terra tinham perdido o seu denominador comum, mas não a sua 42 gama de centros de interesse. A evolução rápida e espetacular de todos estes domínios, que acabamos de analisar, explica,sem dúvida, o motivo por que as teorias mobilistas não foram recuperadas mais cedo. Excessivamente ocupada com a resolução dos respectivos problemas, cada disciplina deixava de ter tempo para procurar qualquer visão global. Esta fase de concentração foi indispensável, pois permitiu forjar os instrumentos da geologia moderna, sem os quais talvez se tivesse voltado a Wegener, mas sem o poder de superar de forma tão completa.
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