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Efeitos da Posse completa


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1 - Posse
        1.1 - Conceito
A posse é uma situação de fato que, por aparentar ser uma situação de Direito, recebe proteção da lei.
Em outras palavras pode-se dizer que a posse é o efetivo exercício dos poderes de usar, gozar e dispor da coisa, por aquele que não é o proprietário. Aquele que exerce a posse é o possuidor.
Os poderes de usar, gozar e fruir são prerrogativas do proprietário. O uso consiste na retirada de todos os serviços a que a coisa se presta; já o gozo consiste no aproveitamento de todos os frutos e rendimentos provenientes da coisa e, por fim, a disposição seria a possibilidade de dar à coisa a destinação da forma que julgar conveniente.
Muitas teorias tentaram explicar a posse, dentre elas destaca-se a Teoria Subjetiva de Savigny, que acredita que a posse é a união de dois elementos: o corpus, que seria a possibilidade de disposição da coisa, e o animus, que resulta da vontade e a intenção do possuidor de ter a coisa como sua.
Assim, se numa situação fática se uma pessoa exerce sobre a coisa o poder de dispor da forma que bem entender, e ainda, age como com a vontade de ser dono, está-se diante da posse.
Contudo, caso exista somente o elemento corpus, para essa teoria, será considerado detenção. Já a outra teoria é a chamada Teoria Objetiva, do autor Ihering, que não acredita no elemento subjetivo animus para que a posse seja configurada. Justifica o autor da teoria que o animus, por ser um elemento subjetivo, é de difícil comprovação, e assim, somente seria necessário o elemento objetivo, o corpus, pois o possuidor agiria da mesma forma que o proprietário.
No Código Civil de 2002, configuração da posse adotou exatamente essa teoria, embora em alguns casos, a lei aborde a questão do elemento animus, como se verifica pelo art. 1196:
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Assim, verifica-se que o artigo em tela não menciona o elemento subjetivo, mas refere-se ao aspecto do comportamento objetivo para que seja configurado possuidor. Os poderes inerentes à propriedade são: usar, gozar, fruir e dispor da coisa.
O fenômeno da detenção, na Lei Civil vigente, ocorre quando uma outra pessoa exerce a posse, mas não em nome próprio, pois a posse será exercida por conta de outrem, devido a uma relação existente entre o possuidor e o detentor.
É o caso do caseiro que toma conta do sítio.Tal regra se encontra preceituada no art. 1.198 do CC:
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Dicas processuais: caso o detentor seja demandado, deverá nomear à autoria o possuidor, conforme preceitua o art. 62 do CPC. Vale dizer que o detentor deverá nomear a autoria o possuidor no prazo de defesa sob pena de responder por perdas e danos, segundo determinação do art. 69, I do CPC. E uma vez aceita a nomeação por parte do nomeado e do autor da ação, o juiz excluirá o detentor do feito.
É importante saber que alguns atos, embora induzam à posse, não serão considerados, conforme determina o art. 1208 do CC:
Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
Assim, a definição de posse pode ser assim resumida:
Art. 1196- ... poderes de proprietário;
Art. 1198- ....exercido em nome próprio e não em nome alheio;
Art. 1208- ....excetuando-se os atos de mera permissão, tolerância ou provenientes de violência ou clandestinidade.
2 - Classificações
Há várias formas de se exercer a posse, sendo, assim, há uma classificação, que as diferencia em posse direta e indireta, posse justa e injusta e posse de boa ou de má- fé.
A posse direta pode ser explicada como a posse daquele que a exerce diretamente sobre a coisa, exercendo os poderes do proprietário, sem nenhum obstáculo, tendo, pois, o contato físico com a coisa. Já a posse indireta é a do possuidor que entrega a coisa a outrem, em virtude de uma relação jurídica existente entre eles, como no caso de contrato de locação, deposito, comodato e tutela, quando couber ao tutor guardar os bens do tutelado. Nesta, portanto, não há contato físico do possuidor com a coisa.
Vale dizer que as relações jurídicas que ensejam esse tipo de posse podem ser, além das obrigacionais ou reais, as decorrentes das relações familiares e sucessórias.
Um exemplo da adoção dessa classificação de posse está na destinação imediata da herança no momento da morte.
Sabe-se que o inventariante é o representante do espólio, e por isso teria a posse da herança no momento da morte.
Contudo, o art. 1784 do CC, que traz o princípio da saisine, explicita que a herança do espólio passa-se imediatamente aos herdeiros legítimos e testamentários no momento da morte do de cujus.
Assim haveria uma evidente contradição, pois, afinal de quem seria a posse? Mas com a adoção dessa classificação não resta nenhuma dúvida, pois caberá ao inventariante a posse direta, enquanto que os herdeiros legítimos e testamentários terão a posse indireta.
Acrescenta-se que estará nos contratos ou na própria lei a maneira em que a posse direta será exercida, bem como o período em que se dará.
A posse do possuidor direto não exclui a do indireto, pois ambas deverão coexistir harmonicamente. Dessa forma o possuidor direto nunca poderá reivindicar a sua posse excluindo a do possuidor indireto, mas no caso do possuidor indireto ameaçar a posse do direto, esse contará com as alternativas legais para que sua posse seja preservada, enquanto perdurar a relação que originou a posse.Nesse sentido reza o art. 1197 do CC:
Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.
É importante mencionar que tanto o possuidor direto quanto o indireto poderão se valer das ações possessórias para protegerem a sua posse de quem quer que a ameace.
A palavra justiça é um conceito indeterminado, pois o que é justo para um pode não ser para outro. Assim, a distinção entre a classificação de posse justa e injusta não pretende analisar tal fenômeno por uma ótica subjetiva, relacionado à vontade do agente, mas estabelece um exame de critérios objetivos, elencados na lei.
Assim, posse justa é aquela que não apresenta nenhum dos vícios citados na lei, sendo, pois, um conceito negativo.
A lei fala que justa é a posse que não for violenta, clandestina e precária, e dessa forma, a contrario sensu, deverá ser mansa, pacífica e notória. Nesse sentido define o art. 1200 do CC:
Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.
Já a posse injusta seria aquela que decorre de atos de violência, clandestinidade ou se perfaz de forma precária.
Para explicar os conceitos que tornam a posse injusta tem-se que posse violenta é aquela que será exercida somente mediante o emprego da força (coação física ou moral) mesmo que não diretamente contra o possuidor, mas seja ofensivo o bastante para viciar a posse sem a permissão do mesmo e contra a sua vontade.
A violência também será configurada caso a pessoa tomar para si uma coisa que aparentemente não tenha um dono, e mais tarde quando o dono for reavê-la, a pessoa não deixar ele o faça, pelo emprego da força.
Outro aspecto é que a violência poderá ser dirigida contra o real possuidor ou contra terceiros, que atuam em nome deste. Ainda, a violência será dirigida contra pessoas, e não contra a coisa.
Já a posse clandestina é aquela que se dá às ocultas, sem que o possuidor ou o proprietário da coisa tenha conhecimento. Ressalta-se que a clandestinidade é vício de origem por excelência, e assim, caso a posseseja pública no início e ocultada posteriormente, não configura posse injusta por clandestinidade.
Não se examina aqui o animus do agente de ocultar a realidade, mas tão somente a constatação de que o real possuidor não tinha ciência da situação concreta.
A posse precária, por sua vez, é aquela que decorre de uma relação de confiança, em que a pessoa tem a obrigação de restituir a coisa, mas se nega a fazê-lo. Sempre dependerá de uma relação jurídica pré-existente, em que o real possuidor entrega a coisa a outrem em confiança, num prazo determinado, podendo a qualquer momento pedir que seja restituído. É o caso do contrato de depósito, de locação, de comodato, dentre outros.
Importante lembrar que nesses casos, a cláusula de restituição da coisa tem que ser aceita pela outra parte, sendo que esta estará ciente de sua obrigação quando for solicitado.
Não se confunde a posse precária com os atos de mera permissão ou tolerância, uma vez que na primeira há uma relação jurídica anterior que vincula as partes, e no segundo caso não há qualquer relação entre eles.
Em relação a tais vícios, pode-se dizer que entre eles há algumas diferenças fundamentais.
A violência e a clandestinidade surgem no momento inicial do exercício da posse. Já a precariedade não é um vício que surge na origem da posse, mas no decorrer dela, a partir do momento que a pessoa teria a obrigação de restituir a coisa, e não o faz. Em conseqüência, pode-se dizer que a posse violenta ou clandestina pode se tornar justa uma vez que cessar a violência ou a clandestinidade; o que não ocorre, por sua vez, na posse precária, que nunca será justa, por se tratar de um vício que não se convalida.
Importante mencionar, ainda, que a violência e clandestinidade são vícios que maculam a posse apenas em relação ao real possuidor, vítima destes atos, sendo este o único legitimado a alegar esse vício. Dessa forma, embora violenta ou clandestina, tal posse poderá ser oponível a terceiros, tendo, pois proteção legal.
Registra-se que a posse é repassada aos sucessores nas mesmas condições que se encontrava, conforme dispõe o art. 1206 do CC:
Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
Posse de boa-fé ou de má-fé, ao contrário da posse justa ou injusta, depende da analise do aspecto subjetivo, relativo à vontade do agente.
Assim, posse de boa-fé é aquela em que o possuidor a exerce na crença, e na certeza de que é o proprietário da coisa, uma vez que desconhece qualquer vício ou impedimento para a sua aquisição. Nesse sentido, define o art. 1201 do CC:
Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Importante dizer que a lei apresenta uma ressalva, pois a posse deixará de ser de boa-fé quando a situação indicar que o possuidor tinha ciência de algum vício. Nesse sentido dispõe o art. 1202 do CC:
Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente.
Para que se presuma se o indivíduo teria (ou não) consciência dos vícios de sua posse o referencial utilizado é discernimento do homem médio. Essa noção determina que a pessoa tenha o necessário discernimento no exercício da posse, de forma que não seja tão somente uma atitude passiva e alienada. O homem médio age sem culpa e utiliza de todas as maneiras possíveis a busca da realidade, e dele, então, não seria exigida outra conduta além das que já haviam sido executadas.
Acrescenta-se que a citação do possuidor (ato processual que dá notícia ao réu de que há contra ele uma demanda, concedendo ao mesmo a possibilidade se manifestar) por si só, não faz cessar a boa-fé uma vez que, mesmo ciente da demanda, este pode ainda mantenha a convicção de que sua posse é legítima.
Vale dizer que embora a posse boa-fé não seja convertida em má-fé no momento da citação, caso a ação seja julgada procedente, haverá essa conversão, de modo que a sentença retroagirá à data da citação, e vencido responderá pela coisa e seus frutos, desde a data da citação.
Já a posse de má-fé é aquela em que o possuidor tem ciência de que a sua posse possui os vícios e impedimentos que se põem no caminho para aquisição da coisa.
Vale dizer que a pessoa que possuir o justo título tem a seu favor a presunção que sua posse é de boa-fé.
Por justo título entende-se existência de uma causa, ou um fato que o possuidor acredita ser hábil para comprovar a sua posse. É um estado de aparência que induz o possuidor a acreditar que possui a coisa de maneira legítima.
Pode ser apontado como exemplo de justo título o contrato de locação, contrato de depósito, comodato, compra e venda, mas que apresentam um vício que impedem a posse da coisa, sendo estes nulos ou anuláveis.
Vale dizer que o conceito de justo título, nesse dispositivo, é amplo, vez que não precisa de ser, necessariamente, um documento, mas a existência de uma causa ou um fato gerador, ao qual o possuidor não desconfie da sua veracidade.
O que a lei defende é que, caso o possuidor tenha um justo título, vigora a seu favor a presunção de que o mesmo possui a coisa de boa-fé, ignorando os vícios e impedimentos para a aquisição da coisa. 
Vale dizer que a presunção mencionada pela lei é a chamada presunção iures tantun, ou seja, aquela que admite prova em contrário, e não iure et de iure, hipótese em que a presunção é absoluta, não admitindo qualquer prova em contrário.
Mas ressalta-se que, em alguns casos, a lei não vai admitir essa presunção, sendo a lei expressa nessas oportunidades. Nesse sentido, dispõe o art. 1201, parágrafo único, do CC:
Art. 1.201. (...)
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.
Alguns doutrinadores fazem uma distinção entre posse boa-fé presumida e posse de boa-fé real. A primeira consiste na posse do possuidor que têm a seu favor o justo título, e a segunda prende-se exclusivamente na crença do possuidor de que possui a coisa na convicção de ser legítima.
É importante ressaltar que a posse pode ser ao mesmo tempo de boa-fé, contudo injusta, ou de má-fé mas justa, conforme os conceitos estudados.
Assim, a posse de uma pessoa que tem a convicção de que é sua a coisa, mas que no momento da aquisição agiu mediante violência, clandestinidade ou forma precária constitui-se, simultaneamente, numa posse de boa-fé e injusta. Da mesma forma, se uma pessoa tem a consciência a sua posse é viciada, mas não houve violência, clandestinidade ou precariedade na aquisição da coisa, está-se diante de uma posse de má-fé e justa.
A posse ainda poderá adquirir outras denominações, que serão abordadas nesse momento.
*Posse ad usucapionem: Posse na qual o possuidor poderá adquirir a propriedade da coisa por meio de usucapião, ou seja, pelo decurso de tempo e mediante alguns requisitos, analisados caso a caso.
Posse ad interdicta: Para entender essa nomenclatura, primeiramente deve-se ter em mente que toda e qualquer posse que enseja algum tipo de proteção, independente da sua qualidade. Isso significa que mesmo que a posse seja injusta ou de má-fé em relação ao real possuidor, ela poderá ser defendida da ação de terceiros por meio de ações judiciais denominadas possessórias. Assim a posse ad interdicta é aquela que enseja proteção por meio dos interditos possessórios, ou seja, ações judiciais que visam proteger a posse.
*Posse Nova: aquela exercida por menos de ano e dia. Essa conceituação se fará importante dentro no aspecto processual.
*Posse Velha: Por conseqüência, seria aquela exercida por mais de ano e dia, e que, conforme observações acima, será relevante no plano processual.
Dicas Processuais: Uma conseqüência prática da conceituação de posse nova e posse velha está presente no art. 924 do CPC, que confere a possibilidade da concessãode medida liminar nas ações possessórias quando as mesmas forem intentadas num prazo de menos de ano e dia do fato que ensejou a demanda. Caso já tenha transcorrido o presente prazo, a ação seguirá o rito ordinário, embora não deixe de ser uma ação de cunho possessório. Nesse sentido dispõe o art. supra mencionado:
Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório.
Há, ainda, algumas expressões relativas ao assunto que devem ser esclarecidas, sendo elas, jus possidendi e jus possessionis. A primeira será utilizada quando se tratar da posse exercida pelo real proprietário; já a segunda se refere à posse exercida pelo possuidor.
É importante anotar que as características de uma determinada posse perseguem a coisa, ou seja, se uma pessoa adquire uma posse justa ou injusta, de boa ou de má-fé, essa qualidade é mantida. Assim, o novo adquirente adquire a coisa no mesmo título que possuía. Nesse sentido dispõe o art. 1.203 do CC:
Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.
Vale dizer que a simples mudança na vontade do novo possuidor não é capaz de alterar as características repassadas na coisa.
Sabe-se que quando várias pessoas são proprietárias, ao mesmo tempo, de uma coisa, tem-se um condomínio. Já, quando se está diante da posse em comum de duas ou mais pessoas sobre determinada coisa, verifica-se a composse.
Em outras palavras, pode-se dizer que o condomínio está para a propriedade, assim como a composse está para a posse.
A respeito desse assunto pode-se vislumbrar dois tipos de composse: a simples ou a de mão comum. Na composse simples, cada um dos compossuidores exerce seu poder independente um dos outros; já na composse de mão comum, um compossuidor não poderá exercer suas prerrogativas em detrimento dos demais, pois um dependerá do outro.
Dessa forma, é exemplo de composse simples a de dois locatários de uma determinada coisa comum, e de composse de mão comum, a dos herdeiros em relação aos bens do de cujos, que é repassado para estes desde o momento da morte.
Em relação a terceiros não importa a quota parte que cada um possui, pois independente disso, qualquer um dos compossuidores é parte legítima para defender a sua posse de terceiros, alheios à relação.
Vale dizer que os compossuidores poderão acordar sobre delimitações no objeto da posse em comum, podendo, nesse caso ajuizar ação declaratória com esse fim. Dessa forma, não haverá mais composse, embora a situação se assemelhe a tal.
Assim, caso a posse dos compossuidores seja delimitada, está-se diante da posse pro diviso. Já em sentido contrário, caso não exista uma delimitação do exercício da posse sobre uma quota da coisa, está-se diante da posse pro-indiviso.
Acrescenta-se que a composse poderá se extinguir caso cesse a causa que deu origem a mesma, ou mediante comum acordo entre os compossuidores.
5 - Efeitos da posse
        5.1 - Introdução
Da relação jurídica denominada posse decorrem algumas conseqüências, que se prestam a proteger essa situação fática.
Assim, os esfeitos da posse serão estudados a seguir.
5.2 - Percepção dos frutos
Primeiramente deve-se dizer que os frutos são benefícios produzidos pela coisa, de forma freqüente. Eles podem ser de várias espécies: frutos naturais, industriais ou civis.
Os frutos naturais, como o próprio nome já diz, referem-se à produção de benefícios ao possuidor da coisa, que se dá de forma natural, dependendo da atividade orgânica da natureza. São, por exemplo, os frutos de uma árvore e criação de animais.
Os frutos industriais, por sua vez, são aqueles decorrentes de produção artificial, como por exemplo, a produção de uma determinada coisa dentro de uma fábrica.
Por fim, os frutos civis são aqueles que decorrem das rendas as quais a coisa se presta, como os juros e o valor de um determinado aluguel.
Os frutos, assim como os produtos e os rendimentos são bens que estão ao lado da coisa, acessórios à ela. Por produtos entende-se os benefícios retirados da coisa, mas que não são produzidos de forma contínua e freqüente, pois uma vez retirados da coisa, diminuem a sua substância. São exemplos de produtos, as riquezas minerais, que uma vez retiradas são deduzidas em sua quantidade.
Os rendimentos, por sua vez, são os frutos civis, ou seja, os rendimentos a que a coisa se presta, de forma contínua e freqüente.
Em relação, novamente, aos frutos, pode-se dizer que sofrem uma distinção, se classificando em frutos pendentes, quando ainda não colhidos, ou seja, que ainda se encontram junto à coisa; frutos colhidos ou percebidos, que já foram repassados à esfera de poder do possuidor, não estando mais junto à coisa, mas em local separado, sendo estes armazenados; frutos percipiendos, que são aqueles que já deveriam ter sido colhidos, mas não foram, estando dessa forma, ainda, unidos à coisa e por fim, os frutos consumidos, que são aqueles que além de colhidos já foram consumidos e exauridos.
Essa classificação será de grande importância para que todos os efeitos da posse sejam claramente apreendidos.
Assim, em regra, o possuidor, uma vez que estiver mantendo a sua posse de boa-fé, tem direitos aos frutos percebidos. Nesse sentido dispõe o art. 1.214, caput, do CC:
Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.
Entretanto, caso seja constatada a má-fé, o possuidor deverá restituir os frutos ainda pendentes, e ainda aqueles que foram colhidos antecipadamente. A lei dispõe que deverão ser compensadas as despesas que o possuidor, mesmo de má-fé, teve com a produção e custeio, uma vez que a lei não favorece o enriquecimento ilícito de uma das partes. Nesse sentido é claro parágrafo único do art. 1.214 do CC:
Art. 1.214. (...)
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.
Estando de má-fé, a situação muda, pois o possuidor, nesse caso, responderá por todos os frutos e ainda por aqueles que pereceram por culpa dele, segundo preceito do art. 1.216 do CC:
Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.
É importante se estabelecer a noção que os frutos naturais e industriais são considerados colhidos uma vez que sejam separados da coisa; já os frutos civis, são colhidos dia a dia, conforme anuncia o art. 1.215 do CC:
Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.
Dessa noção decorre a conseqüência de que os frutos civis deverão ser restituídos desde o dia em que cessar a boa-fé.
5.3 - Retenção por benfeitorias
Benfeitoria é a algo que é feito na coisa visando a conservação, melhor utilidade ou o aformoseamento da coisa.
Quando se tratar de uma melhoria feita na coisa que vise a sua conservação, de forma, que caso não fosse feita a coisa estaria deteriorada, está-se diante da benfeitoria necessária. Exemplo: reparação de um telhado de um imóvel que se encontrava caindo.
Por outro lado, trata-se de benfeitoria útil aquela que em que é feito um trabalho que melhora as qualidades da coisa, facilitando o seu uso, ou ampliando-o. Exemplo: pintura de uma casa, pavimentação de um acesso mais fácil de um imóvel, construção de uma garagem dentro de um imóvel.
Por fim, quando a função é embelezar ou aformosear o aspecto da coisa, está-se diante de uma benfeitoria voluptuária. Exemplo: compra de obra de arte ou adornos suntuosos para compor a decoraçãode um imóvel.
A classificação das benfeitorias é de grande importância uma vez que a própria lei faz distinção no que diz respeito à restituição das mesmas.
Nesse sentido pode-se dizer que, em se tratando de benfeitorias necessárias ou úteis, o possuidor de boa-fé terá o direito de ser restituído, de forma o não recebimento deste montante poderá implicar no direito de reter a coisa até que seja devidamente restituído. Nesse sentido dispõe o art. 1.219 do CC:
Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
Em relação às benfeitorias voluptuárias o próprio art. 1.219 do CC dispõe que o possuidor de boa-fé tem direito de levantá-las caso não seja restituído pelas mesmas, contanto que tal levantamento não implique em prejuízo da coisa.
Já, se o possuidor estiver de má-fé, ele terá direito à restituição de, tão somente, as benfeitorias necessárias. Dessa forma, não poderá exercer o direito de retenção da coisa até o pagamento da restituição, e ainda não poderá levantar as benfeitorias voluptuárias. Nesse sentido esclarece o art. 1.220 do CC:
Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.
Dicas processuais: a respeito do direito de retenção a ser exercido pelo possuidor de boa-fé, é importante tecer alguns comentários.
No curso da ação possessória intentada contra o possuidor de boa-fé, deverá ser alegada a existência de benfeitorias, e dessa forma, na sentença será reconhecido o direito de retenção. O meio hábil para que o referido possuidor possa exercer tal direito se dá por meio dos embargos de retenção, que é uma espécie de defesa, conforme lições do CPC presentes no art. 745.
Caso não seja o mesmo reconhecido, o possuidor de boa-fé ainda conta com as vias ordinárias para que o seu direito seja reconhecido.
Cumpre salientar que tanto nos embargos de retenção quanto por via ordinária, a comprovação da existência, discriminação e detalhamento das benfeitorias deve estar muito claro e preciso, pois a abordagem genérica por parte do possuidor de boa-fé não é condizente com tal direito.
A lei civil ainda apresenta uma outra possibilidade, qual seja, da compensação de valores, prevista no art. 1.221 do CC:
Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.
Por esta norma, verifica-se a possibilidade de se compensar as benfeitorias feitas na coisa com os danos que a coisa eventualmente sofrer nas mãos do possuidor. Vale dizer que os danos que a coisa vier a experimentar, deverão ser indenizados ao reivindicante da coisa, diferenciando, em cada situação, o fato do possuidor estar de boa ou má-fé na posse da coisa.
5.4 - Indenização diante da perda ou deterioração da coisa
O Código Civil dispõe a cerca da responsabilidade do possuidor de indenizar o reivindicante caso a coisa sofra danos ou se perca.
Dessa forma, é importante esclarecer que a boa ou má-fé do possuidor vai diferenciar as responsabilidades.
Assim, o art. 1.217 do CC disciplina a situação do possuidor de boa-fé, e determina que o mesmo não será obrigado a indenizar os danos à coisa que não se deram por sua culpa. Nesse sentido.
Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.
Já o art. 1.218 do CC aborda a situação do possuidor de má-fé, e determina que o possuidor de má-fé, mesmo em caso acidental, deverá indenizar o reivindicante da coisa. Vale dizer que o possuidor de má-fé terá apenas uma saída, pois se comprovar que o dano teria ocorrido de qualquer forma, mesmo que a coisa estivesse em poder do reivindicante estará isento de indenizar o mesmo, conforme elucida o art. 1.218 do CC:
Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.
Outra regra bastante interessante é o presente no art. 1.222, que determina que ao possuidor de má-fé, a restituição pelas benfeitorias pode ser feita pelo reivindicante pelo preço de custo ou pelo preço atual, dependendo da opção do mesmo. É claro que o reivindicante optará pelo valor que lhe for mais favorável.
Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.
5.5 - Usucapião
O decurso de tempo na posse pode ensejar a aquisição da propriedade da coisa por meio da usucapião. É claro que em cada caso deverão ser obedecidos requisitos específicos, que ainda serão objeto de estudo.
5.6 - Proteção possessória
A situação fática em que a posse é vislumbrada enseja para o possuidor proteção, podendo o mesmo se valer de vários meios para que sua posse seja conservada.
Cada forma de defesa será analisada em estudo mais detalhado no capítulo seguinte.
http://www.jurisway.org.br, acesso 03/2014.