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SAÚDE E EDUCAÇÃO livro

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SAÚDE E EDUCAÇÃO
Jairo Werner
Sumário
Apresentação – IX
Prefácio – XI
O Menino do Borel - 1
Para início de conversa - 16
Saúde como qualidade de vida - 23
A medicalização da educação - 35
Concepções de desenvolvimento e aprendizagem - 61
A concepção histórico-cultural de desenvolvimento e aprendizagem do aluno (Vygotsky) - 77
Problemas de desenvolvimento e aprendizagem - 83
Hiperatividade e desatenção - 103
Avaliação dos processos afetivo-cognitivos - 123
Análise microgenética-indiciária do cotidiano escolar - 151
Posfácio - 179
Agradecimentos especiais - 183
Bibliografia - 185
Biografia do autor – 193
APRESENTAÇÃO
Colega Professor,
EDUCAÇÃO EM DIÁLOGO pretende preencher uma lacuna. Ainda que o tema Educação ocupe lugar de destaque nos catálogos de inúmeras editoras do país, pouco se publicou para você, professor do Ensino Fundamental e Médio, além dos incontáveis títulos didáticos – instrumento do aluno – que, em muitos casos, constitui a única ferramenta do docente.
Esta coleção foi criada como suporte à sua atividade reflexiva e ao seu desenvolvimento profissional permanente. Compõe-se de títulos que contemplam temas essenciais da Educação -e que, por serem essenciais, não se limitam ao puramente disciplinar - transcedendo os limites da Escola e abrangendo questões fundamentais à trajetória do ser.humano.
Os autores das obras foram escolhidos por suas contribuições à Educação, em interfaces com outros campos do saber, sugerindo percursos que permitam a você, educador, tecer nesse diálogo constantemente tenso com a palavra alheia as próprias palavras de compreensão do mundo.
Concebendo a Educação como um "espaço de des-coberta e invenção de novos gastos, novas ações", a coleção propõe um diálogo entre nós, professores-autores, e você que exerce o magistério nas milhares escolas do Brasil. Cada título oferece subsídios, esclarece idéias e conceitos que permitem transformar a prática pedagógica em exercício criativo de auto-aperfeiçoamento.
Na incompletude fundante do ser humano está a oportunidade de constituição e interação dos sujeitos, nascidos que somos em universos de discursos que nos precederam. A leitura desses textos lhe permitirá realizar o que Julia Kristeva concebeu como "apropriação ativa do outro, ao recolher, colher, espiar; reconhecer os traços, tomar, roubar...” e Paul Ricoeur tão bem complementou: "apropriação não significa tornar-se proprietário, mas tornar próprio, tornar seu o que era estranho..."
Esperamos, dessa forma, que possa não só construir mundos para si e para os que com você partilham o processo de educação, mas tornar-se o que se educa na ação cotidiana de educar, e o que se cultiva enquanto reinventa formas de cultivar. Assim; educar não será preparar para a vida será a própria vida. 
Helenice Valias 
PS. Para que você tenha uma idéia da coleção, apresentamos numa das "orelhas" deste volume os títulos que serão inicialmente publicados. Caso deseje sugerir algum outro, comunique-se conosco. Gostaríamos, também, de conhecer sua opinião sobre os textos. Você poderá nos contatar pelos telefones, e-mail e endereço indicados na folha de rosto. 
PREFÁCIO
Nos 500 anos de história do Brasil, o século XX trouxe a universalização da Educação Fundamental como um direito constitucional das crianças brasileiras e suas famílias. Trouxe ainda uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), que define a Educação Básica como composta por Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio.
Estas são grandes conquistas, complementadas pelo fato de que, ao optar por não ter um Currículo Nacional único, a nova LDB supõe, no entanto, a definição de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, de maneira a garantir a unidade e a qualidade da Educação Nacional, na enorme diversidade e desigualdade de situações das escolas brasileiras.
Censos e estatísticas educacionais oficiais informam que a maioria das crianças freqüenta o Ensino Fundamental, obrigatório pela Constituição Federal de 1988, enquanto a demanda por Educação Infantil e Ensino Médio é sempre crescente. Entretanto, dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), assim como as taxas ainda elevadas de repetência e evasão escolar, indicam a fragilidade da qualidade da educação em todo o país, e exigem soluções a curto e médio prazo.
Estas soluções passam, necessariamente, por medidas que garantam mais e melhores recursos para a educação, e sua judiciosa administração, por planos de carreira e salário dignos para os professores e, certamente pela melhor qualificação prévia, e em serviço, desses profissionais. Qualificar professores para o trabalho com crianças e adolescentes é, certamente, uma das maiores responsabilidades para governantes, administradores educacionais de sistemas públicos e privados de ensino, pesquisadores e pessoal acadêmico nas universidades, no alvorecer deste Terceiro Milênio. 
A visão de que a Educação é um campo de intercessão das várias ciências humanas, sociais e exatas, onde o encontro multidisciplinar propicia a constituição de conhecimentos e valores indispensáveis à vida cidadã, exige dos pesquisadores e daqueles que escrevem para professores, na busca de um diálogo frutífero, consciência e capacidade de criação. 
Este livro de Jairo Werner, Saúde & Educação, Desenvolvimento e Aprendizagem do Aluno, traz esta possibilidade, com qualidade. Médico psiquiatra e educador, Jairo leva adiante com leveza e profundidade, a discussão essencial acerca daquilo que dá poder aos professores: a análise serena de algumas das mais significativas tendências teóricas que influem sobre as práticas pedagógicas, especialmente em torno da medicalização do fracasso escolar. 
No momento em que modismos teóricos se transformam em propostas pedagógicas, de alcance muitas vezes nacional e internacional, porém com resultados duvidosos, é auspicioso conhecer e refletir sobre o conteúdo e as propostas contidos neste livro. Talvez, sua melhor qualidade consista em confiar na capacidade de análise e tomada de decisão dos professores brasileiros sobre a importância da relação entre pensamento/linguagem, interação, práticas pedagógicas e suas conseqüências para o êxito de nossos alunos e seus mestres.
Ao desvendar diálogos e interações do cotidiano escolar, utilizando a estratégia da análise microgenética-indicíária, Jairo cria um panorama em que fica evidente a relação essencial e inseparável entre Saúde e Educação, para a compreensão de aspectos constitutivos do Desenvolvimento e Aprendizagem dos alunos em nossas escolas. Desmistifica um dos piores problemas, ainda presente em nossos sistemas educacionais, que é o da medicalização da Educação.
Analisa questões ligadas às dificuldades de aprendizagem, retardo mental, hiperativididade e desatenção, sob a ótica de quem, como médico psiquiatra e educador, a partir da concepção Histórico-Cultural do Desenvolvimento e da Aprendizagem, é capaz de ressaltar a importância dos processos afetivo-cognitivos e das várias formas de diálogo como as atividades essenciais na Educação de crianças e adolescentes em situações de diversidade e desigualdade.
Ler este livro trouxe-me à lembrança os encontros frutuosos e estimulantes com um maravilhoso grupo de alunos da Pós-Graduação em Educação na PUC/RJ, entre eles, Jairo Werner, no início dos anos 90, quando desvendávamos o pensamento de Piaget, Freud, Wallon, Vygotsky, Luria, Leontiev e Bakhtin, entre outros, e sonhávamos agir melhor sobre nossa Educação brasileira. Aqueles sonhos tornaram-se realidade para vários de nós, professora e, então alunos, e este livro é um deles.
Que as sementes lançadas por esta obra frutifiquem, sem fim, para todos os que cremos e lutamos pelo direito a uma Educação de qualidade, com justiça, solidariedade, sensibilidade e alegria, no lugar sagrado das Escolas Brasileiras. 
Rio de Janeiro, 22 de abril de 2000
Regina de Assis
Membro do Conselho Nacional de Educação
O MENINO DO BOREL
Personagens 
(Todos reais, mascom os nomes trocados)
Cleir Mattos, professora da turma de reforço
Maria da Costa, estagiária
Vinícius da Silva, aluno
Ricardo Reis, aluno
Paulo Serafin, aluno
Ana Goreti, merendeira
A situação acontece e se desenrola numa turma de reforço de uma escola numa favela do Rio de Janeiro. Os diálogos são todos reais, omitiu-se, apenas, os aspectos que pudessem identificar os participantes...
Primeiro e Único ato
Cena 1
(É uma tarde morna de outubro. Vinícius, menino de dez está pensando na "novela das oito"; pergunta-se quem teria explodido o Shopping? - o grande mistério do folhetim da Globo. Por um momento, esquece esse assunto e vaga, em pensamento, pelas vitrines de um shopping Tijucano: seus cérebro vê o tênis, os brinquedos, as roupas, a bola e a camisa do Flamengo, a TV imensa e caleidoscópia de 29 polegadas. Corta! Volta-se, então, para a questão inicial e começa a lembrar os personagens da novela: quem seria o criminoso? Detém-se, não sabe bem o porquê, no personagem que esteve preso, um ex-presidiário; e imediatamente uma "voz sem som" repete-lhe obsessivamente: seu pai também foi presidiário ... seu pai foi um presidiário ... Imediatamente fecha os olhos e sente um aperto no estômago - um aperto diferente do que sente quando está com fome.)
Cena 2
(Uma outra voz vai surgindo de algum lugar e, primeiro, o tira do "transe", para então, tornar-se uma ordem.)
Cleir
Vinícius! Vá sentar com esta tia, naquela mesa, junto com o Paulo e Caco! Leve seu livro que ela vai ajudar vocês a “juntar pedacinhos para formar palavras".
(Automaticamente, Vinícius levanta e caminha no estreito espaço entre as cadeiras e mesas, tropeça, sem querer, na perna de um colega - ou teria sido o colega que colocou a perna de propósito para ele cair? Não importa, não iria revidar agora, estava ainda pensando na novela: hoje é o último dia, "demorou!", não vou dormir cedo! que raiva, eu sempre durmo no meio da novela, que mer... Não chega a concluir o pensamento "em voz baixa", pois a nova estagiária - "a tia" indicada pela professora - o interrompe.") 
Maria
Olá! Como é o nome de vocês? 
Vinicius
(A vontade de Vinícius era de não responder, pois queria ser outra pessoa: morar no melhor lugar da favela - na parte de baixo, queria já saber ler e escrever, ser branco, bonito, ter dinheiro igual aos bacanas da novela. Não gostaria é de estar numa turma de reforço, repetindo pela terceira vez a primeira série, ele não ia ser presidiário ou morrer como o pai, mas, a sensação ruim no estômago voltara. Acostumado a ceder, Vinicius, finalmente, entrega seu nome, sem resistência aparente: afinal essa "tia" vai ajudá-lo a aprender.)
O meu é Vinícius.
	Caco, Paulo
	(Os colegas o acompanham, como um jogral ensaiado.)
O meu é Paulo.
O meu é Caco.
Maria
O meu nome, ninguém quer saber?
Todos
Você é tia!
Maria
Tia nada, eu tenho nome como todo mundo. 
Vinicius
E qual é, tia? 
Maria
É Maria.
Cena 3
Maria (para os meninos)
O que nos vamos fazer? 
(Os meninos ficam atônitos. O que nós vamos fazer? A resposta era óbvia. Por que será que aqui e na escola todas as professoras fazem perguntas que já sabem as respostas?) 
Vinícius (Conformado)
Ué! A gente tem que juntar pedacinho prá formar palavras, prá vê se nós aprende.
Maria
Quem aqui já sabe ler? 
Vinícius (Direto)
Eu não sei. 
Caco
(Respira fundo, como se buscasse ar para encher o balão de sua auto-estima, mas fica no meio do caminho.)
Eu sei algumas palavras, outras não. 
Paulo
Às vezes eu consigo.
Vinícius (para Paulo, impaciente.)
Como as vezes? Ou sabe ou não sabe! 
Paulo (para todos)
Às vezes eu consigo.
Vinícius (para Paulo, com autoridade.)
Sabe nada, você é burro, por isso a tia Cleir te mandou sentar aqui com essa tia aqui! 
(Agitação, Vinícius lembra que certa vez uma professora, aconselhou sua avó a levá-lo para fazer um "elétrico" da cabeça. Lá no posto de Saúde, ouviu quando a avó disse para o médico que seu pai também não tinha cabeça pro estudo. Todo mundo ali era· burro mesmo, burro de nascença.)
Maria (Com voz firme, corta o pensamento de Vinícius e a agitação dos alunos.)
Ninguém aqui é burro, além do mais a gente nunca sabe tudo, tem sempre coisas novas e diferentes para aprender. 
(Vinícius, por algum motivo, aquecera seu coração, queria aprender, mudar de vida. Era uma leve sensação de esperança e bem estar, há muito não se sentia assim - e não era "tini" nem cola de sapateiro...)
Vinicius (Impaciente)
Então vamo' logo, vamo' trabalhar!
Cena 4 
(Os alunos movimentam-se: pegam a cartilha (tradicional) e começam a juntar sílabas de forma mecânica, formando palavras - algumas sem nenhum significado como salema, mas ele, labo, lalame.)
Maria 
Vinícius, leia as palavras que você formou.
Vinicius 
Foi esse pedaço (mostra a sílaba ma) com esse (mostra a sílaba la).
Maria
Então, lê pra mim.
Vinicius (para Caco)
Que pedaço é esse?
Caco (para ·Vinícius)
Ma.
Vinicius
E esse?
Caco
Lá.
Vinicius (Lendo para Maria)
Ma-la.
Paulo (Dando risada espalhafatosa)
Ai, assim até eu.
Tá colando, tia!
Vinicius (Furioso)
Eu vou te dar um porradão, moleque...
Maria
Agora vamos parar com isso. Ninguém vai bater em ninguém.
Porrada nunca resolveu nenhum tipo de problema.
Paulo
Resolve sim, tia. 
Maria
Se resolve, não deveria.
Paulo, deixa o Vinicius estudar em paz.
Vinicius, vamos fazer o seguinte. Você pensa uma palavra legal que você quer escrever e depois a gente tenta escrever junto, ok? 
Vinicius
Tá bom. 
Tia, e se for uma palavra difícil a senhora sabe? 
Maria
Se eu não souber, a gente tenta descobrir junto. 
Vinicius (Abrindo um largo sorriso)
É claro que a senhora sabe. 
Maria
E você também sabe muita coisa. 
Vinicius
Ih! É ruim, hein? 
Vamos trabalhar! 
Tia, escreve uma palavra aqui que eu vou ver a sua letra.
Maria
Qual palavra você quer? 
Vinicius
Borel. 
(Maria escreve a palavra "Borel"). 
Sua letra é bonitona, a senhora deve ter estudado muito para ficar assim. 
Maria
Agora você escreve.
Vinicius
O quê?
Maria
O que você quiser.
Vinicius 
Tá bom!
(Vinícius escreve alguma coisa e rabisca tudo em seguida.)
(Vinícius desanimado) Ah! Eu não sei, não. Eu tenho que trabalhar muito para conseguir. 
(Vinicius diminuindo o tom de voz) Tia, eu acho que sou burro também.
Maria (Em voz baixa)
Burro nada, quem falou isso? 
Vinicius 
(No mesmo tom de desânimo) Ah! tia) todo mundo. Meu padrasto, a minha vó. A tia da escola falou prá minha vó que eu sou preguiçoso, não demora que um dia eu vou aprender muito pra mudar pra parte de baixo (do morro).
Cena 5
(Caco e Paulo estão distraídos. Vinícius e Maria continuam dialogando. Do lugar onde se encontram, dá para ter uma visão do Morro, como um quadro emoldurado pela janela.)
Maria (para Vinícius)
Qual parte você mora agora? 
Vinícius (Apontando para fora) 
Ih! Tia, tá pensando que eu moro lá no alto? Na Chácara? É ruim, hein!? Eu moro na parte do meio. 
Maria (Fazendo-se de desentendida)
Qual o problema de morar no alto?
Vinicius
Lá tem bandido ruim! É porque você nunca foi lá...
Maria
Engano seu. Na semana passada eu fui na Chácara.
Vinícius (Com espanto) 
Tia, que horror!
Você não pode ir lá, não. É perigoso.
Maria
Perigo têm em todo lugar. Aqui no morro ou fora dele, qualquer um corre perigo.
Cena 6 
(Uma ventania levanta nuvem de poeira lá fora, parece que vai chover. Vinícius muda o rumo da conversa.)
Vinícius (para Maria)
Tia, é verdade que hoje é feriado?
Maria
É sim, hoje é feriado no comércio.
Vinícius (Alegre)
Oba, Caco! Não disse? Não disse? 
Caco
É mesmo, tia? A senhora viu se o mercado está funcionando?
Maria
Vi sim, Caco, o mercado está fechado. 
(Os meninos se agitam, contentes.)
Por que vocês ficaram tão felizes?
Vinícius
É que hoje não vamo' ter que trabalhar!
Maria
Vocês trabalham em que horário?
Vinícius
A noite, quando a gente sai daqui.
Maria
E vocês fazem o quê?
Vinícius
A gente carrega compras no mercado.
Maria
Até que horas?
ViníciusAté a hora da novela das oito.
Maria (para 'Vinícius)
Você gosta de ver a novela?
Vinícius
Eu gosto, sabe? Mas eu não sei o que acontece. Eu chego em casa, pego o prato pra comer e tem vez que eu nem consigo acabar de comer, o meu olho vai fechando. (A fisionomia de Vinícius vai transformando.) Aí eu fico com raiva de mim mesmo!
Maria
Seu olho fecha porque você está cansado. Olha só. Você acorda cedo, vai para a escola pela manhã, à tarde vem pra turma do reforço e ainda trabalha à noite. Qualquer pessoa ficaria cansada, ainda mais uma criança de sua idade...
Vinícius
Mas eu gosto de ver a novela.
Maria
E, Por quê?
Vinicius
Porque tem gente bonita!
Maria
Na vida da gente, também tem gente bonita.
Vinícius
Tem nada. Aqui no morro nós somos tudo feio.
Maria
Você é que pensa. O que não falta é gente bonita aqui no morro.
Vinícius
Tem não, tia. Aqui no morro é tudo preto.
Maria
Preto, nada. O que você tá querendo dizer é que as pessoas pertencem à raça negra. Preto é nome de cor e. não de raça.
Vinícius
Dá tudo no mesmo. É a mesma porcaria.
Maria
Porcaria nada. Você deveria ter muito orgulho de sua raça. Os negros foram os principais colaboradores na construção de nossa cidade) para além de serem pessoas que tiveram muita coragem para suportar o tipo de vida que levaram por muito tempo. 
(A merendeira entra na sala, para vem avisar que está na hora do lanche.)
Vinicius (Levantando-se eufórico.)
Oba! A melhor hora do dia! 
(Apagam-se as luzes.)
Fim do Primeiro Ato
(O "Menino do Borel" representa um fragmento da situação cotidiana vivida por milhares de alunos oriundos das favelas e periferias das grandes cidades - que de maneira geral, corresponde à clientela da escola pública brasileira. )
Agradecimentos
Aos meninos Vinícius, Ricardo e Paulo e à estagiária que registrou os diálogos.
PARA INÍCIO DE CONVERSA...
E POR UM DIÁLOGO ENTRE SAÚDE E EDUCAÇÃO
Existem ricas e diferentes possibilidades de diálogo entre a Saúde a Educação. 
O "Menino do Borel" nos ajudará a traçar o roteiro para um diálogo que consideramos oportuno e urgente, pois contempla o debate da complexa e problemática relação entre Saúde, Educação e Cidadania. 
Mais especificamente, trata-se de abordar importantes questões relacionadas ao Desenvolvimento e à Aprendizagem do aluno, visando analisar criticamente o Fracasso Escolar que, ainda hoje, atinge milhares de alunos das escolas brasileiras. 
Sempre que possível, estaremos apresentando e analisando situações reais. Nesse sentido, a prática da observação e da análise das interações, principalmente as que ocorrem no cotidiano escolar, podem ser muito úteis para se conhecer o aluno e evitar o seu encaminhamento inadequado a um serviço de Saúde. 
Para ajudar a ancorar o diálogo sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem do aluno, apresentaremos o recurso da "análise microgenética-indiciária”.
Esse tipo de análise se baseia, principalmente, em três importantes autores – Vygotsky (1 – Nota) Bakhtin (2 – Nota) e Ginzburg (3 – Nota) concebem e analisam o Homem na sua concretude histórica, cultural e social (Perspectiva Histórico-Cultural).
A análise microgenética-indiciária será melhor apresentada nos capítulos Avaliação dos Processos Afetivo-Cognitivos e Análise do Cotidiano Escolar. Por ora, podemos dizer que nesse tipo de análise:
(1) desloca-se o eixo da avaliação do indivíduo para a avaliação de processos interativos, focalizando, por exemplo, a relação professor-aluno e a interação dos alunos entre si (Vygotsky); 
(2) enfatizá-se a dialogia - como propõe Bakhtin, e 
(3) valorizam-se as pistas, os indícios, os pequenos sinais - como forma de conhecer e revelar a realidade (paradigma Indiciário - Ginzburg). 
A perspectiva histórico-cultural adotada nesse livro parte do pressuposto que cada menina, cada menino, todo indivíduo é formado nas e através das relações sociais. Cada um nasce simultaneamente duas vezes: ao mesmo tempo que nasce biologicamente, através do parto, nasce socialmente num grupo familiar, pertencendo a classe social, em determinada época, imerso em signos culturais. Por isso, o homem não é um mero organismo biológico, mas desde o início um ser social e simbólico, um ser da cultura e da linguagem. 
Assim o professor, o médico e os demais profissionais, precisam, antes de tudo, conhecer melhor o aluno. Para tanto, é indispensável contextualizá-los histórica, social e culturalmente, identificando suas necessidades, linguagem, padrão cognitivo e perspectivas de futuro. 
Nesse intuito e a partir das cenas apresentadas no primeiro ato do Menino do Borel será traçado, a seguir, um breve roteiro dos assuntos ou tópicos a serem discutidos e aprofundados neste livro. 
Na Cena 1, Vinícius apresenta-se desligado na sala de aula, perdido em seus pensamentos. É em função de situações como essa que, todos os dias, os Serviços de Saúde recebem muitos alunos como Vinicius. Eles são encaminhados pela escola com queixas relacionadas ao fato de serem desatentos, com dificuldades de aprendizagem e comportamento. Alguns já chegam diagnosticados como padecentes de uma doença, rotulados de disrítmicos, hiperativos, psicóticos, retardados, desnutridos etc.
Por esse motivo, no capítulo Saúde como qualidade de Vida será apresentado e discutido o próprio conceito de Saúde, e as concepções que os profissionais de Saúde e Educação têm do binômio Saúde/Doença. 
Na Cena 2, um dos aspectos a destacar é o método pedagógico tradicional e mecânico que é utilizado. A partir de uma cartilha tradicional, o método baseia a aprendizagem da leitura e da escrita na associação de sílabas para formar palavras, sem garantir para os alunos o significado social da leitura e do signo lingüístico. Esse método pode ter sérias repercussões sobre aprendizagem do aluno, principalmente para aqueles que não têm acesso à significação da leitura e da escrita no cotidiano familiar, como é, provavelmente, o caso dos meninos Vinicius, Caco e Paulo. Muitos desses alunos ao tentarem ler, começam a esfregar os olhos como se não conseguissem enxergar, numa espécie de cegueira branca - que só se manifesta em determinadas situações: por exemplo, vários alunos encaminhados ao médico por problemas visuais relatam no exame que na verdade "dá um branco" e não enxergam o que está escrito no quadro - e que isso ocorre, principalmente, quando a professora pede para ler em voz alta. Ainda que o exame de acuidade visual seja uma necessidade real de saúde para todos os alunos, a deficiência visual não pode ser responsabilizada pelos altos índices de Fracasso Escolar.
No capítulo sobre Medicalização da Educação, além da análise da relação histórica entre a Saúde e Educação será abordada a questão das demandas (reais e falsas) dirigidas para a Saúde pela área da Educação - enfatizando-se a tendência da medicalização dos problemas Educacionais - como é o caso dos pedidos de exame eletroencefalográfico (EEG) para alunos que estão com dificuldades na alfabetização. 
Ampliaremos a discussão no capítulo sobre as duas principais Concepções sobre desenvolvimento e aprendizagem e no capítulo em que abordaremos o Desenvolvimento e aprendizagem do aluno na perspectiva histórico-cultural.
Na Cena 4, como em outras partes do diálogo, Vinicius revela sua impotência e insegurança em relação à aprendizagem (por exemplo, quando ele fala: - Ué! A gente tem que juntar pedacinho prá formar palavras, prá vê se nós aprende). Na mesma cena, as atitudes de cooperação (Vinícius e Caco) versus individualismo/violência (Paulo e Vinícius) fornecem pistas tanto para a compreensão da gênese dos muitos problemas comportamentais que ocorrem na sala de aula (ligados a sentimentos de incapacidade e de baixo auto-estima diante dos fracassos), como para indicar o quanto a colaboração entre os alunos pode representar na superação das dificuldades escolares.
Nesse sentido, no capítulo dedicado à discussão sobre Avaliação dos processos afetivo-cognitivos, será enfatizada a importância das atividades colaborativasna avaliação do aluno - fundamentando-se a avaliação no conceito de "Zona de Desenvolvimento Proximal", de Vygotsky. 
Na Cena 5, os diálogos ilustram: as condições inadequadas de vida; a reprodução da hierarquia e das desigualdades sociais presentes no morro; e, contraditoriamente, a esperança de conseguir aprender a ler e melhorar de vida - para morar na parte baixa do morro. Todas questões ligadas às condições de vida e de desigualdade, questões discutidas em diferentes capítulos.
Na Cena 6, a necessidade do trabalho infantil - que pode acarretar agravos à Saúde - a internalização da subalternidade e dos preconceitos contra a própria raça acarretam a estigmatização e a culpabilização da vítima·pelo seu fracasso. Assim, serão apresentados de forma crítica quadros médicos que, muitas vezes, são inadequadamente utilizados para justificar o fracasso escolar - como, por exemplo, o Retardo mental e a Hiperatividade/Desatenção.
Notas:
1 – VYGOTSKY, Lev Semenovich Psicólogo russo, muito estudado atualmente na área da Educação e da Psicologia do Desenvolvimento. Muitos dos seus livros já foram publicados no Brasil, entre os quais se destacam: Formação social da mente e Pensamento e linguagem. 
2 - SAKHTIN, Mikail. Autor de importância fundamental no estudo da linguagem e da crítica literária, além de outros campos. Entre seus livros mais estudados estão: Marxismo e filosofia da linguagem e Estética da criação verbal.
3 - GINZBURG, Carlo. Historiador e escritor italiano, com uma das mais importantes contribuições contemporâneas ao estudo da História, através da micro-história e do paradigma indiciário. Seus livros mais conhecidos no Brasil são O queijo e os vermes e Mitos, emblemas e sinais, ambos da Cia das Letras. 
4 - O Referencial Histórico-Cultural será abordado, especificamente, no capítulo A concepção histórico-cultural de desenvolvimento e aprendizagem do aluno.
SAÚDE COMO QUALIDADE DE VIDA
Na situação relatada sobre o Menino do Borel, fica claro que o corpo de Vinicius; mesmo sendo uma criança, está sobrecarregado, mal utilizado e maltratado. Certamente, ele dorme pouco, come mal e habita barraco na parte menos nobre do morro, ou seja, não tem acesso às condições adequadas de vida. Que agravos esse tipo de vida pode trazer à saúde de Vinícius? Será que esses agravos justificariam sua dificuldades escolares?
Para compreender melhor essa questão torna-se fundamental discutir, ainda que de forma breve, as diferentes concepções de Saúde e Doença presentes entre os profissionais de Saúde e Educação.
Concepção Mecânica de Saúde-Doença
Na maioria das vezes, a Saúde é vista como ausência de.doença. Essa concepção aparece articulada com a idéia de doença como uma entidade; um ser sólido localizado no corpo do indivíduo - com uma causa específica. Por essa concepção, quando o aluno não aprende, o problema estaria relacionado a um defeito no corpo, provavelmente, no cérebro, seja por desnutrição, retardo. mental congênito, lesão neurológica ocorrida durante o parto, etc.
Nessa, perspectivas aponta-se para uma percepção mecânica e estática do processo Saúde-Doença - que pouco nos ajuda a compreender o seu real significado. 
Na aula de ciências também essa parece ser a idéia de Saúde-Doença que predomina. É comum a comparação entre o corpo e a máquina, fazendo-se analogias entre cérebro e computador, entre o funcionamento do corpo humano e o funcionamento de u'a.máquina. 
Muitas vezes o professor diz aos nossos filhos que o corpo humano é como... um automóvel, que cada parte tem sua função e, como no caso do automóvel se as instruções forem seguidas corretamente, o corpo vai funcionar bem. Então, óleo, gasolina, revisão mecânica e lavagem são iguais à boa comida, limpeza e a visita regular ao médico (Valia e Melo, 1986).
 
Ao estabelecer uma relação linear entre causa e efeito, sem levar em conta a multiplicidade de fatores envolvidos no binômio Saúde-Doença, o homem é reduzido a uma simples máquina, constituído por peças, como um robô. De mais a mais, a idéia de doença limitada ao defeito em uma ou várias "peças" do corpo é uma ficção, pois além de não considerar os aspectos interfuncionais do organismo, isola a doença do sujeito social que a sofre e das condições concretas de vida que a produzem.
A própria Organização Mundial de Saúde (OMS, 1948), com a sua definição de Saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social mantém a percepção de Saúde como um estado absoluto e estático, apesar de enfatizar que Saúde não é apenas ausência de afecção ou doença. 
No diálogo da Saúde com a Educação, o importante é questionar que o processo Saúde-Doença não se esgota em analogias (mecânicas) ou definições idealístico-estáticas (de bem-estar/estar bem), mas que decorre de um processo muito mais dinâmico e complexo.
A questão é como incorporar essa importante discussão no currículo escolar, envolvendo não só as aulas de ciências, mas todos os professores (geografia, história, matemática) e profissionais da Educação. Além disso, é preciso evitar que os profissionais de Saúde, que, em geral, compartilham a visão mecanicista de Saúde-Doença, continuem a diagnosticar doenças para justificar/explicar o Fracasso 'Escolar que atinge milhões de alunos.
Concepção Organicista de Saúde/Doença
Ao lado da concepção mecanicista de Saúde-Doença, é bastante comum, entre profissionais de Saúde e Educação, uma outra concepção que considera a Saúde como resultante das dificuldades de adaptação do organismo ao ambientes. Assim, a doença ocorreria em função da maior fragilidade do organismo individual ou de sua incompetência/imaturidade frente às exigências do meio. O indivíduo, no caso, não teria uma "peça" defeituosa, ele teria um organismo como um todo mais imaturo, incompetente ou fraco.
Nessa concepção, o processo saúde-doença é mais dinâmico, pois se considera que muitos fatores causais estão envolvidos. Assim, na competência/incompetência de adaptação do organismo individual frente às situações ambientais, entraria em jogo a hereditariedade, a constituição do indivíduo, os fatores nutricionais, hormonais, emocionais e até sociais.
Apesar de ser mais abrangente do que a primeira, a concepção.organicista acaba por localizar a doença no indivíduo, remetendo-a a uma causa individual. Nessa perspectiva, não é apenas um pedaço do indivíduo que está defeituoso, mas o indivíduo como um todo é que é frágil e incompetente. Por exemplo, explicar-se-iam os problemas escolares de um aluno que não aprende, como Vinicius, não por um defeito no cérebro (visão mecanicista), mas em função de uma imaturidade emocional ou intelectual e/ou por falta de estímulos do meio social.
Para Rezende (1986), é na área da Saúde Mental que, os critérios de adaptabilidade são mais freqüentemente empregados, ressaltando que termos como adaptação psíquica e maturidade psíquica são sempre apresentados de forma ambígua, fluida e subjetiva. A contribuição de Linder (in Ferrara) é importante para a destruição desse conceito maturacionista e neo-organicista de doença. 
Tudo o que encontramos a respeito de imaturidade supõe que o ajustamento e a conformidade são os modos desejáveis de vida, e quanto mais próximo alguém está de um estado de domesticação, mais sadio está mentalmente, Com monótona regularidade, estas definições pregam sobre - e defendem - uma sociedade que a cada dia e em todas as partes está se tornando cada vez mais opressiva. Portanto, as normas que se recomendam para a conduta madura são normas que se devem aplicar a um rebanho maduro (...) mas não ao homem maduro... (Ferrara et alii, 1976:4) 
No meio escolar, a visão maturacionista também está muito presente. Por exemplo, é comum rotular-se de imaturo o aluno que apresenta dificuldade para aprender a ler e escrever durante o processo de alfabetização.
Culpabilizando a vítima
Como se pode constatar, tanto a concepção mecanicista como a concepção organicista de Saúde/Doença explicam as dificuldades escolares pelo viés do indivíduo e acabam por culpabilizaro aluno (seu meio, seu cérebro, sua fragilidade constitucional, sua maturidade cognitiva ou emocional) pelo fracasso escolar Dessa forma, ambas concepções isentam o sistema escolar de sua participação no processo de seletividade escolar - que determina em última instância o fracasso escolar e representam uma forma concreta de negação da cidadania para milhares de alunos do ensino fundamental
Quantas crianças como o Vinícius do Borel acabam abandonando a escola precocemente e passam o resto de suas vidas culpando-se por isso: eu não tinha cabeça prá estudar, eu sou burro mesmo.... Essa culpa passa de geração a geração.
Visão dominante de saúde-doença
Minayo e colaboradores (1989) ajudam a sintetizar/ complementar o que já foi apresentado até aqui, contribuindo para revelar a visão dominante de saúde-doença presente nos serviços de saúde (públicos ou privados) que acabam por contaminar a Educação.
Segundo Minayo, os modelos dominantes de saúde-doença podem ser resumidos da seguinte forma:
a) atêm-se ao contorno biológico e individual do corpo;
b) separam o sujeito do seu meio, de sua experiência existencial, de sua classe, de sua inserção na produção e dos condicionamentos de sua situação. Consideram-no um ser a-histórico, isto é, sem passado e sem projeto de vida;
c) transformam o discurso sobre saúde-doença numa especialidade sobre determinado órgão, considerando o corpo doente como objeto de saber e espaço da doença;
d) concebem a doença e a morte como eventos apenas da ordem da natureza, mas dentro da lógica de mercado, de responsabilidade individual e sujeitos às negociações lucrativas;
e) e para completar, aqui os três subsistemas se tornam específicos: (1) na medicina privada a individualidade do cliente é mais preservada pela relação de troca comercial; (2) na medicina do trabalho, o homem é uma máquina viva a ser mantida; (3) e no serviço públicos o usuário é o último elo de uma relação burocrática, uma ficha a mais ou a menos, na qual só excepcionalmente será reconhecido pelo nome e terá história.
Concepção dialética de saúde e doença: uma perspectiva histórico-cultural
Na concepção dialética e histórico-cultural, ultrapassa-se a visão de Saúde tanto como ausência de doença quanto como adaptabilidade, para considerar-se que o processo saúde-doença está intimamente relacionado à qualidade de vida. O corpo de cada indivíduo é concebido na primeira pessoa, como uma obra, como um texto que vai sendo escrito através da história, Assim, a constituição do corpo e da Saúde do sujeito deve ser considerada como um processo de transformação social e cultural do ser biológico. Nessa perspectiva, o processo saúde-doença é visto como a permanente interação/tensão entre o biológico e o social. Conforme cita Rezende (1986):
(...) enquanto enfrenta o conflito e luta por esse ótimo vital, não está nem são nem doente: está lutando. Nesse instante é quando se mostra de forma mais eloqüente o processo dialético que condiciona o normal e o patológico, e ambos os termos jamais devem ser considerados estranhos um ao outro. (Ferrara et alli, 1976:3) 
O caso real de Emília, a ser apresentado a seguir, nos ajuda a compreender mais concretamente a concepção dialética de Saúde e Doença, a transformação do biológico pelo social e, mais especificamente, o papel da interação social nesse processo. 
A história de Emília
Emília nasceu de parto normal, com o peso um pouco abaixo do adequado para a idade gestacional. Nos primeiros meses de vida; ela teve várias e curtas hospitalizações, por desidratação.
Aos seis meses de vida, foi hospitalizada mais uma vez - por desidratação e desnutrição. Em função das precárias condições sociais e econômicas da família, a equipe de saúde do hospital achou melhor ela ficar internada por um tempo mais prolongado. Esse tempo foi se estendendo e Emília acabou ficando internada até complementar quatro anos e meios de idade.
Durante esses quatros anos de internação hospitalar, Emília teve acesso à alimentação e a cuidados de saúde e higiene. Faltaram, entretanto, oportunidades adequadas de convivência social e afetiva.
Aos quatros anos e meio, Emília teve alta e foi entregue à mãe como deficiente. A equipe de saúde disse à mãe de Emília que ela jamais falaria ou andaria. 
A mãe de Emília acreditou, então, que não havia mais nada a fazer com a menina. Tinha que se conformar que a filha era uma incapaz um fardo. Emília, assim, passava a maior parte de sua vida em casa, numa esteira, recebendo apenas comida e cuidados.
Aos dezessete anos, Emília media apenas 97 centímetros, não se comunicava nem por palavras nem por gestos, não andava.
Nessa época, a mãe de Emília voltou a procurar um Hospital dessa vez o Hospital Universitário Antônio Pedro, por causa de uma ferida na perna da filha (erisipela bolhosa - tipo de infecção causada pela bactéria estreptococcus). 
Nesse hospital, após ter sido feito tratamento para a infecção na perna, Emília permaneceu internada por um ano para que fossem feitos estudos a respeito de seu nanismo (pequeno tamanho) e atraso global no desenvolvimento (motor, intelectual, lingüístico etc.).
Enquanto se estudava o problema, foi desenvolvido um programa com o objetivo de proporcionar-lhe maiores oportunidade de interação social.
Em menos de um ano, ocorreu uma grande transformação em Emília: andava e já se expressava através da fala. Cresceu de 97 para 120 centímetros, sem o uso de qualquer tipo de medicação para o crescimento.
Chegou-se à conclusão que os fatores hormonais relacionados ao crescimento haviam ficado bloqueados todos aqueles anos, possivelmente devido a inadequadas relações sócio-afetivas mantidas com Emília, desde a época de sua internação aos seis meses de idade. Foi constatado que ela podia produzir os hormônios, mas para tanto, faltara a interação social.
Discussão sobre o caso Emília
Como dissemos, o caso Emília é ilustrativo da relação dialética entre o biológico e o social. Emília, por um problema de desidratação e desnutrição, foi internada num hospital. Provavelmente, sem a mãe e sem forças para exigira presença de um adulto com ela, foi ficando apática, seu corpo e sua mente pararam de crescer e de se desenvolver.
Os hormônios do crescimento, apesar de não haver impedimento de ordem biológica (tumor, por exemplo), também não tinham motivo social para serem produzidos e. utilizados.
O corpo biológico, para funcionar e se transformar, precisa da mediação do social. Entretanto, inicialmente, a mediação do serviço de saúde foi insuficiente e até negativa, pois além de não propiciar o contato afetivo e comunicativo necessário - durante os quatro anos de internação - ainda, na alta, plantou no espírito da mãe, numa visão extremamente determinista e mecanicista de saúde-doença, a idéia de que Emília jamais andaria, falaria e, além disso, seria sempre um deficiente, um vegetal. Esse fato acabou, provavelmente, inibindo qualquer possibilidade de investimento afetivo e social por parte da família, acarretando, como se pode depreender do exposto, conseqüências trágicas para a vida de Emília. 
Por outro lado, quando Emília teve acesso à mediação social adequada de um serviço de saúde, a história começou a se reverter rapidamente. O poder da mediação social estabelecida com Emília, demostrou mais uma vez o caráter dialético da relação entre o biológico e o cultural.
O programa de tratamento de Emília baseou se, em primeiro lugar, na ressignificação da crença que ela jamais seria capaz de se desenvolver. Cada mínimo indício em Emília significava comunicação, fosse um esboço de sorriso ou um movimento qualquer em direção a um objeto. Gradativamente, Emília começou a se apropriar da relação social com a estagiária, responsável por lhe dar atenção integral. Sua linguagem caminhou do social para o individual. Com a compreensão da linguagem e a expressão de algumas palavras significativas, as funções psíquicas de Emília começaram a se construir. As suas novas formas de movimentação ajudavam Emília a absorver melhor os alimentos.O desenvolvimento motor, físico e cognitivo se transformavam simultaneamente.
Assim, Emília nos ajuda a compreender a dinâmica do processo saúde-doença, onde entram em jogo, concretamente, não só fatores causais isolados ou justaposto, mas a interação dialética (não mecânica) entre o biológico, o interpessoal, as condições de vida e trabalho, o tipo de organização dos serviços de saúde, a visão de Mundo e de Homem dos profissionais de Saúde, os mecanismos de resistência e conformismo da classe menos favorecida, entre outros. Só dessa forma será possível compreender porque Emília apresentou esse quadro grave de Nanismo Psicossocial e como pôde, aos dezessete anos, ainda crescer fisicamente e construir novas habilidades como andar, falar e pensar. 
Como vimos, uma adequada concepção pode contribuir não só para compreender melhor o processo saúde-doença, como indicar a melhor maneira de enfrentá-lo. 
Em capítulos próximos, abordaremos as principais concepções de desenvolvimento e aprendizagem, partindo dos mesmos mirantes (mecanicista, organicista e histórico-cultural) que nos ajudaram a compreender o processo saúde-doença.
A MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
O Brasil é um vasto hospital.
Miguel Pereira
H·á quase um século, as palavras de Miguel Pereira refletem a idéia que a maioria das pessoas tem do Brasil: um país doente, onde as pessoas são ignorantes e o governo, incapaz de medidas sanitárias para prevenir as doenças e "educar" o povo para ter saúde. 
Para entender como essa concepção vai marcar definitivamente o diálogo entre a Saúde e a Educação, resultando nos processos de medicalização da educação e de pedagogjzação da saúde - duas faces da mesma moeda -, torna-se necessário apresentar a história e o modelo que sustentam as políticas e as práticas sociais da interface Saúde/Educação, no Brasil.
O Modelo de "Higiene Escolar"
A Saúde Pública do final do século XIX e início do século XX caracterizava-se pelas ações de inspeção e controle dos ambientes públicos e dos indivíduos, pelas campanhas de vacinação e erradicação das doenças, através de medidas enérgicas e autoritárias que caracterizaram o que se chamou de polícia sanitária. Essas medidas tinham como principal objetivo erradicar as epidemias de varíola e febre amarela que grassavam na população e comprometiam o desenvolvimento dos pólos urbanos ligados à atividade agroexportadora. (Merhy, 1997)
Entre as ações dirigidas à Saúde da população infantil estava a higienização do ambiente escolar, Essas ações constituíram a origem da "Saúde Escolar", através de um modelo denominado de Higiene Escolar. Tal modelo pode ser identificado no conjunto de medidas dirigidas ao saneamento do ambiente escolar, visando impedir a propagação das moléstias transmissíveis. 
Mais especificamente, de acordo com; Lima, a Saúde Escolar estruturou-se na intersecção das doutrinas da polícia médica, do sanitarismo e da puericultura, que correspondem respectivamente à inspeção das condições de saúde dos alunos, à preocupação com a salubridade da escola e ao investimento na divulgação de comportamentos sadios que garantiriam uma vida saudável. 
A atuação dos higienistas no espaço escolar ia desde a normatização das construções e do mobiliário escolares até a natureza dos exercícios físicos e o tipo de relação entre professores e alunos, tendo como objetivo a obtenção de uma juventude hígida e instruída, considerada necessária à construção do que se entendia por um Brasil saudável. O modelo higienista, que tem origem em princípios eugênicos (raça pura) volta-se, basicamente, para o. controle social e responsabilização de grupos e indivíduos, sem levar em conta as relações sociais mais amplas,determinantes da qualidade de vida. 
O discurso da puericultura, também, adequava-se ao modelo higienista pelo teor das suas propostas, as quais fundamentavam-se na necessidade de impor regras de vida para os grupos sociais que estavam em risco e que colocava em risco a população. O ideário e os princípios da puericultura, importados da Europa, enfatizavam a necessidade de educar as camadas populares imersas na ignorância, numa vida insalubre e, por isso mesmo, portadoras de inúmeras doenças. (Novaes, 1979). Essas idéias tinham, portanto, como premissa a concepção de que a precária condição de saúde era decorrente das más condições de vida da população, vistas assim como produto da ignorância e da decadência moral.
A escola passou então a ser o espaço privilegiado para essas ações. Assim, a atividade sanitária foi sendo incorporada pela Educação, através das ações higienistas e do projeto de educação em saúde oriundo da puericultura. Consolidava-se a prática da Saúde Escolar no interior da Educação e fora da área da Saúde. 
É importante ressaltar que o propósito de alcançar, um ambiente saudável, que permitisse o convívio de indivíduos sadios, trazia no seu bojo a idéia de uma necessária exclusão daqueles vistos como doentes/deficientes Muito embora não fosse um fato assumido, estariam a priori excluídos da escola os doentes, os deficientes, os fracos, os que não aprendiam, Além disso, como as ações de saúde dirigidas a essa faixa etária tinham como alvo apenas os escolares, os excluídos da escola estariam necessariamente, excluídos da assistência de saúde.
A exclusão é uma característica que vai marcar a escola e a assistência à saúde do escolar no Brasil. A escola especial é a expressão desta exclusão, assim como a chamada evasão escolar usada, muitas vezes, como sinônimo de fracasso escolar. A evasão escolar tem, ainda, o efeito perverso de deslocar para o sujeito a culpa pela sua exclusão da escola, como se este sujeito evadisse da escola por livre e espontânea vontade. 
O processo de exclusão escolar permanece sob formas mais ou menos explícitas e pode ser claramente percebido através dos projetos que têm como objetivo justamente a integração e a inclusão da criança deficiente, da criança doente, da criança pobre, da criança com defasagem no aprendizado, no espaço da escola comum, A necessidade desses projetos surge da busca de reparar o fato de essas crianças encontrarem-se, em princípio, excluídas da escola. (Sucupira, 1999)
A assistência à saúde do escolar, tal como é proposta pela Saúde Escolar, forneceu subsídios pretensamente científicos para esse processo de exclusão, valorizando os mecanismos biológicos no processo de aprendizagem, ao mesmo tempo que minimizava os fatores sociais e pedagógicos. Assim, ao ressaltar a higidez como condição necessária ao aprendizado; criaram-se as bases para justificar o fracasso escolar como resultado da presença de alguma doença ou deficiência.
Essas tentativas de encontrar uma causa orgânica para o mau rendimento escolar vão dar margem à chamada medicalização do fracasso escolar, que é justamente à busca de causas e soluções médicas para problemas eminentemente sociais?
Em conseqüência da medicalização, ampliaram-se, as explicações para o fracasso escolar, surgindo a necessidade se incorporar aos serviços de saúde escolar o atendimento em áreas mais especializadas como da psicologia, da fonoaudiologia e da neurologia Dessa forma, ocorreu uma crescente patologização do fracasso escolar. Em última instância, esse fenômeno camufla as deficiências do sistema educacional, transformando-o em deficiências da criança. Nessa direção, parte-se ativamente para identificar uma doença ou um distúrbio, visando localizar no indivíduo a causa do fracasso escolar, isentando-se de responsabilidades a escola e todo o sistema educacional.
Nesse diálogo histórico entre a saúde e a educação, destaca-se o papel do médico Artur Ramos, o qual propunha a utilização do modelo médico na definição e operacionalização de uma política de higiene escolar nas principais cidades brasileiras. No livro intitulado A criança problema (1939), Ramos publica o primeiro trabalho empírico brasileiro sobre problemas de aprendizagem escolar. O livro é um relato de casos clínicos de alunos avaliados por Ramos e sua equipe, no Serviço de Higiene Mental da Seçãode Ortofrenia e Higiene Mental do Instituto de Pesquisas Educacionais fundado em 1934, no Distrito Federal (RJ) - serviço que representava a primeira tentativa, no Brasil, de instalação de clínicas de Higiene Mental nas escolas públicas do Rio de Janeiro (Patto, 1990).
Artur Ramos questionou contundentemente a idéia dominante, à sua época, de que problemas escolares tinham origem em fatores ligados à herança genética - visão heredológica. A sua contribuição foi importante para combater a concepção racista e biológica baseada nos ideais de raça pura e inteligência inata (medida por testes de QI). Entretanto, Ramos continuava enfarizando a busca de causas médicas e sociais para os desvios de comportamento e aprendizagem. Com sua autoridade de médico, psiquiatra e psicanalista, defendia que causas ambientais, principalmente familiares, estavam relacionadas ao fracasso escolar. Sem dúvida, essa concepção ambientalista contribuiu ainda mais para transferir para as famílias pobres – consideradas, do ponto de vista da elite, como desajustadas, exemplos de delinqüência e de outras mazelas sociais –a culpa dos problemas apresentados pelos alunos nas escolas.
Nas décadas seguintes, o modelo Higienista (eugênico ou ambientalista) consolidou-se como forma hegemônica de diálogo entre Saúde e Educação. Como se pode observar, o diálogo da Saúde com a Educação não tem sido adequado, desde os seus primórdios, pois conspiram (?) contra o pleno exercício da cidadania, como veremos a seguir.
A saúde como pré-condição para o aprendizado
O interesse na saúde do escolar, através de ações de higienização para a obtenção de indivíduos sadios tem, ainda hoje, como alvo principal o desempenho escolar. A influência da literatura americana, com inúmeras publicações ressaltando a importância do funcionamento das estruturas neurofisiológicas no aprendizado coloca a relação higidez-aprendizagem como centro das ações dirigidas para a criança na escola.
As altas taxas de fracasso escolar, representadas pela repetência e exclusão do aluno da escola, passam a ser explicadas por deficiências situadas na criança. Nessa linha, são incluídas as deficiências nutricionais e deficiências sensoriais, os problemas de comportamento vistos como disfunções neurológicas; tais como a hiperatividade, que já foi classificada como Disfunção Cerebral Mínima (DCM), Distúrbio por Déficit·de Atenção e, hoje, faz parte do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.
A preocupação em estabelecer uma relação entre o fracasso escolar e problemas de saúde reforçam a necessidade dos serviços de saúde escolar, vinculados à área da Educação, e voltados, principalmente, para realizar exames físicos periódicos e diagnosticar problemas de aprendizagem e de comportamento. Clínicas especializadas em atendimento psicológico, fonoaudiológico e neurológico passam a ser as reivindicações das escolas, como forma de atendimento à saúde dos escolares. A biologização dos problemas escolares tende a fornecer falsas explicações para problemas pedagógicos que interferem no rendimento/comportamento dos alunos.
A assistência à saúde da criança nessa faixa etária tem sido reduzida à sua condição de escolar, com ações que visam eliminar os obstáculos para o aprendizado, entendidos esses como decorrentes do estado de saúde. Dessa forma, o escolar ficou fora dos programas de saúde na área da Saúde e, insuficientemente assistido pelas propostas de saúde na área da Educação.
A educação como pré-condição para a saúde
A concepção que a sociedade tem das classes populares justifica a ausência de saúde como sendo devida à ignorância dos conhecimentos científicos que poderiam levar a hábitos e modos de vida mais saudáveis. Negam-se as condições materiais que possibilitariam o acesso dos indivíduos das classes populares a esses hábitos saudáveis e se remete o fracasso da Educação à ineficiência da atuação do setor saúde. Assim, nessa concepção, seria devido à falta de conhecimentos sobre o que seja uma alimentação saudável que as crianças tornam-se desnutridas. Desconsidera-se, assim, que a causa é a falta de condições materiais da família para a aquisição dos alimentos necessários a uma boa nutrição. Ao contrário, muitos inquéritos alimentares têm mostrado que a população sabe o que deve comer para ter uma boa alimentação e não o faz por não ter acesso aos alimentos adequados.
A concepção dominante é que a saúde é uma questão de responsabilidade individual, negando-se os determinantes sociais do processo saúde/doença e localizando na ignorância do indivíduo o motivo pelo qual ele vive em condições precárias e tem hábitos alimentares e de higiene inadequados que o impedem de ter saúde. O povo "ignorante" precisa ser educado para saber alimentar-se melhor e cuidar da saúde de modo a não ficar doente.
As práticas tanto no setor da saúde como no da educação têm na proposta de ensino da saúde o espaço de concretização desse discurso. Os técnicos em educação bem como os técnicos em saúde reproduzem esse discurso e prática, explicitando-os através de conteúdos curriculares do tipo Higiene e Saúde e de ações higienistas desenvolvidas no ambiente escolar, ambas atuando perspectiva de que criança limpa torna-se saudável e portanto, aprende melhor 
Cria-se, assim, um círculo vicioso que justifica a ineficácia da atuação tanto da Saúde como da Educação, negando-se os verdadeiros determinantes do problema e sem que se questionem os interesses políticos envolvidos nas decisões governamentais referentes a essas áreas. Coloca-se a responsabilidade e o empenho de cada indivíduo como suficiente para se alcançar a saúde e a educação. 
Em ambas proposições, pode-se constatar que a saúde é vista como independente da qualidade de vida e como mero produto da assistência médica ou psicológica. Daí a falsa percepção da necessidade de se ter na escola serviços de saúde escolar, principalmente com médicos que garantam a saúde dos alunos.
Nas últimas décadas, vem crescendo um movimento que concebe a assistência ao escolar como responsabilidade dos serviços de saúde, com propostas que façam parte do conjunto de ações definidas no plano de saúde do município e dirigidas a toda a população. A implantação do Sistema Único de Saúde, com princípios de descentralização, regionalização e hierarquização das ações de saúde, viabilizou a concretização de propostas de assistência ao escolar no âmbito da saúde. Esse modelo, que propõe a retirada dos profissionais de saúde - médicos, dentistas, psicólogos e enfermeiros - do espaço escolar, e o desenvolvimento das ações a partir das unidades de saúde, instâncias responsáveis pela atenção primária à saúde da população, têm sido visto por muitos como o fim da assistência ao escolar. Trata-se de recuperar, na área da saúde, responsabilidades delegadas à área da educação.
O que foi exposto acima pode ser resumido em duas proposições que serão apresentadas a seguir.
A primeira proposição corresponde ao que se chama de Medicalização da Educação e a segunda, à Pedagogização da Saúde.
Medicalização da educação - refere-se à utilização, pela Educação, de explicações e modelos biologizantes para abordar fenômenos sociais complexos; tais como Drogas, Sexualidade e o Fracasso Escolar.
Pedagogização da saúde - quando a Saúde incorpora o discurso pedagógico como forma de resolver os problemas de saúde. Assim, através principalmente de palestras e campanhas que partem da concepção de que os problemas de saúde decorrem da ignorância dos indivíduos, tenta-se eliminar as condições que favorecem as doenças, O ensino da saúde é visto como forma de se alcançar a saúde.
Um exemplo dessa visão pedagogizante da saúde pode ser reconhecido quando ocorrem epidemias de dengue ou cólera coloca-se no indivíduo a responsabilidade de problemas que são decorrentes da falta de saneamento básico ou de moradias adequadas.
Para ultrapassarmos tanto a medicalização da educação quanto a pedagogização da saúde é necessário uma outra forma de conceber/operar a relação Educação e Saúde. Nessadireção, optamos por apresentar e discutir as principais demandas da escola que chegam aos serviços de saúde oriundos da educação. 
Demandas reais e falsas demandas
Nos encaminhamentos de crianças da escola para os serviços de saúde, podem-se identificar problemas de saúde comuns à faixa etária escolar e específicos às condições de vida, mas que não guardam relação direta com o aprendizado. São necessidades de saúde da criança em idade escolar que devem constituir a demanda própria aos serviços de saúde. Entretanto, muitas dessas demandas são transformadas em problemas diretamente relacionados às dificuldades de aprendizagem. Outras vezes, sequer existem problemas de saúde e a demanda aos serviços de saúde é para que se detecte algum problema que possa ser responsabilizado pelo fracasso dessas crianças.
Assim, podemos identificar demandas reais e falsas demandas no conjunto de encaminhamentos da escola para os serviços de saúde.
Demandas reais
Com o ingresso na escola, tem início um novo processo de socialização e desenvolvimento da criança. A escolarização traz, também como conseqüência, novas demandas de saúde, em razão das vivências coletivas nesse espaço social e de características próprias das fases pré-escolar e escolar. Comparativamente a outras faixas etárias, trata-se de um período de vida em que a criança adoece menos, a mortalidade é menor, as transformações biológicas são mais lentas e há uma proteção imunológica maior.
Muitas são as crianças encaminhadas pelas escolas para os serviços de saúde. Cabe, portanto, identificar:
• as demandas reais em decorrência de problemas de saúde;
• as necessidades de saúde que nem sempre geram demandas;
• as falsas demandas motivadas por supostos problemas de saúde.
Demandas reais em decorrência de problemas de saúde
Doenças respiratórias
Nessa faixa etária, as doenças respiratórias são o principal motivo de procura aos serviços de saúde. As mais freqüentes são os resfriados, as amigdalites, otites, bronquites, sinusites e pneumonias. A convivência em grupo, principalmente em ambientes fechados como a sala de aula, facilita a transmissão das doenças respiratórias. Por isso, mesmo no inverno, as salas de aula devem estar sempre bem ventiladas.
Em relação às doenças respiratórias, uma falsa demanda é a solicitação de dispensa das aulas de educação física· para as crianças que têm asma. Não há impedimento para que elas freqüentem essas aulas. Mesmo aquelas que têm crises desencadeadas por exercícios físicos podem participar dessas aulas, desde que previamente medicadas.
Dores recorrentes
Um grupo de queixas comuns nessa faixa etária são as dores recorrentes: dor em membros, dor abdominal e cefaléia. Na vigência das crises muitas crianças passam mal, reclamam de enjôo e tontura, ficam pálidas e suando frio. Apenas entre 3 a 4% dos casos, essas dores estão relacionadas a alguma doença bem definida. Na maioria das vezes, são decorrentes de fatores emocionais ou são produzidas pelo tipo de relações que a criança estabelece tanto no meio familiar como no escolar.
Verminose
Muitas crianças têm vermes e podem se apresentar pálidas, com fraqueza e diarréia. Embora as parasitoses sejam freqüentes entre pré-escolares e escolares, em algumas regiões do Brasil, na maioria dos casos são poucos os sintomas. Só nas infecções maciças - menos comuns - os sintomas são mais evidentes, com diarréia, anemia e dor abdominal. Esses sintomas costumam ser responsabilizados pelo pouco aproveitamento da criança na escola, embora não haja estudos demonstrando que a presença de parasitas possa comprometer o rendimento da criança, uma vez que fora da escola suas atividades são desenvolvidas normalmente. Nos casos mais graves a criança apresenta-se doente, mais fraca e com repercussões na sua vida como um todo. É discutível a conduta bastante difundida de tratar em massa as crianças na escola. Essas crianças devem ser encaminhadas à Unidade Básica de Saúde (UBS) para avaliação clinica e laboratorial, e posterior tratamento. Cabe também a área da saúde, através da vigilância sanitária, as orientações para a melhoria das condições de higiene e saneamento básico nas escolas, medidas importantes na prevenção das parasitoses.
Pediculose
Outros dois problemas muito freqüentes em crianças, nas escolas e creches, são a pediculose (mais comumente conhecida como infestação pelo piolho) e a escabiose (mais conhecida como sarna). São doenças muito contagiosas que se espalham de forma rápida, principalmente, entre indivíduos que convivem no mesmo ambiente, como o domicilio ou a escola. Incomodam a criança porque provocam prurido (coceira) intenso, podendo surgir feridas decorrentes do ato de coçar. 
Como se trata de um problema que envolve a comunidade escolar, não adianta encaminhar individualmente o aluno para a unidade de saúde. É necessário uma abordagem coletiva para a prevenção e tratamento, a ser feita sob orientação dos profissionais da Saúde, da UBS de referência.
Outras queixas
Além desses problemas, as queixas de fraqueza, tontura, desmaios e cansaço são referidas por pais e professores. Podem ser manifestação de doenças ou - o que é mais comum - estarem relacionadas ao fato de a criança ir para a escola sem estar devidamente alimentada. É importante verificar como é a atividade dessas crianças quando bem alimentadas, principalmente quando estão realizando atividades no recreio ou fora da escola. Ou seja, não se pode caracterizar a criança como fraquinha, o que na visão de muitos professores compromete o aprendizado, em função de sintomas que têm causa bem definida como é o caso da hipoglicemia (baixa de açúcar no sangue) decorrente da falta de alimentação.
Acidentes
Uma outra fonte de demandas aos serviços de saúde, nos escolares, são os acidentes. A alta incidência de acidentes na escola apontam para inadequações do ambiente ou muitas vezes são indicativos de relações que se expressam ou se estabelecem na escola. Além do atendimento imediato e do encaminhamento para os serviços de saúde quando necessário, são fundamentais os programas de prevenção de acidentes que devem ser desenvolvidos na escola. A unidade de saúde de referência da escola, por meio da vigilância epidemiológica e da vigilância sanitária, pode ajudar na identificação das condições que favorecem os acidentes e desenvolver ações que visem a eliminar as situações de risco.
Necessidades de saúde que nem sempre geram demandas
Muitos problemas de saúde não são facilmente percebidos pela família e pelos professores, tais como a anemia, a cárie dentária, as perdas auditivas leves e certos problemas, visuais. Ao não serem percebidos como problemas, eles não geram demanda aos serviços de saúde, a menos que complicações se sobreponham.
As crianças que têm acesso a serviços de saúde de qualidade, em geral, as que vivem em melhores condições sócio-econômicas, mais freqüentemente têm esses problemas identificados pelos profissionais da Saúde. Já nas crianças de baixa renda, que não têm facilidade de acesso e não são atendidas em serviços de qualidade, esses problemas continuam não identificados até se tornarem mais graves e sintomáticos.
A presença de palidez, desânimo ou fraqueza muitas vezes é atribuída à anemia que nem sempre é confirmada. Por outro lado, muitos estados anêmicos só são diagnosticados ao exame físico. O tratamento da anemia é um procedimento clínico individual. A unidade de saúde deve orientar a escola no sentido da prevenção, principalmente quanto ao fornecimento de uma merenda balanceada e rica em alimentos que contêm ferro.
A dificuldade de acesso aos serviços odontológicos, por exemplo, faz com que as pessoas só identifiquem a presença da cárie dentária quando começam a ter dor. As ações preventivas que envolvem a orientação para uma escovação adequada, os bochechos e a aplicação tópica de flúor e mesmo as orientações educativas ficam restritas a uma pequena parcela da população que pode procurar os serviços odontológicos para atendimento preventivo.
As açõespreventivas em saúde bucal, ocular e auditiva desenvolvidas de forma coletiva na escola têm um impacto muito maior do que quando realizadas individualmente. Essas ações têm, também, a função de identificar problemas odontológicos, oculares e auditivos, visando ao encaminhamento das crianças para o tratamento adequado. 
Falsas demandas motivadas por supostos problemas de saúde
As relações entre a Educação e a Saúde - em que a primeira vai buscar na Saúde as causas para o fracasso escolar - concretizam-se na prática bastante comum de escolas encaminharem aos serviços de saúde as crianças que não aprendem. Moysés afirma: O que deveria ser objeto de reflexão e mudança - o processo pedagógico - fica mascarado, escamoteado pelo diagnosticar e tratar singularizados, uma vez que o problema, o "mal" está sempre localizado no aluno. E o fim do processo é a culpabilização da vítima. [......?]
As escolas encaminham as crianças para que se encontre algum distúrbio, deficiência ou doença que justifique os problemas no aprendizado ou. no comportamento. Muitas vezes a criança já chega com um diagnóstico, e o encaminhamento para a saúde visa apenas à confirmação através de exames sofisticados, muitas vezes já orientados pela escola. É freqüente o encaminhamento do aluno com justificativas de que é desatento/tem raciocínio lento/não consegue aprender a ler/ fala tudo errado.
Tanto os profissionais da Educação como os da Saúde têm em comum a concepção de uma relação necessária entre fracasso escolar e doença. Assim, a partir de uma visão preconceituosa, o aluno pobre é aquele cheio de vermes, anêmico e, por ser portador dessas mazelas, não consegue aprender. A desnutrição é apontada como a causa mais freqüente para justificar o fracasso das crianças de populações mais pobres. Para as crianças de estratos sociais mais elevados, os distúrbios neurológicos constituem uma causa importante para mau rendimento escolar e para os problemas de comportamento que, por sua vez, também dificultam o aprendizado.
O imaginário social e até mesmo a ciência estão carregados dessas noções. Os alunos que fracassam na escola são em geral rotulados como imaturos, atrasados em seu desenvolvimento cognitivo, disléxicos, portadores de retardo mental leve, disrítmicos epilépticos, desatentos e hiperativos. É preciso identificar as explicações que fundamentam os falsos diagnósticos que excluem o aluno da escola, além de culpabilizar a criança e a família pelo fracasso escolar.
Embora a desnutrição grave e prolongada ocorrendo nos dois primeiros anos de vida, possa comprometer a estrutura do cérebro, há muita controvérsia em relação às consequências da desnutrição sobre o desenvolvimento mental da criança, face à complexidade e às inúmeras possibilidades de funcionamento do sistema nervoso. É preciso ressaltar que as crianças que sofreram de desnutrição grave e prolongada, a ponto de comprometer a estrutura e funcionamento cerebral, em geral morrem por diarréia e pneumonia associadas à desnutrição, antes de chegarem à idade escolar. As crianças desnutridas que estão na escola apresentam graus leves de desnutrição, que afetam o peso e a altura, sem comprometer o cérebro.
Outro aspecto importante é o fato de que as crianças que sofrem de desnutrição secundária a uma doença que, por exemplo, comprometa a absorção dos alimentos, nem sempre apresentam problemas no aprendizado. Dependendo do contexto de vida, do significado que tem o estudo para a família e das oportunidades de vivenciar situações adequadas ao aprendizado, elas podem desenvolver-se normalmente, com o mesmo rendimento de outras crianças não desnutridas.
Entre as crianças mais pobres, a desnutrição vem se juntar a uma série de outras condições, tais como pertencerem a famílias que não têm acesso às mínimas condições de vida e freqüentarem escolas também precárias. Pode-se supor que as crianças desnutridas, pela sua própria estrutura física mais frágil, tenham menos condições de participar de atividades que contribuiriam para o seu desenvolvimento. 
Enfim, é preciso reconhecer que as crianças cujo fracasso escolar é atribuído à desnutrição são sempre aquelas provenientes dos estratos mais pobres da população e que, por isso mesmo, apresentam pior qualidade de vida e, conseqüentemente, piores condições de saúde. 
Um outro falso diagnóstico que é atribuído às crianças das classes populares é Retardo Mental Leve. A medicina, mesmo sem dispor de uma abordagem satisfatória sobre a deficiência mental leve, passou a oferecer duas explicações:
- uma, estabelecendo a relação indissociável entre pobreza e desnutrição, como causa de retardo mental leve, ainda que sem nenhuma comprovação científica, como já foi visto;
- outra, enfatizando que a causa do retardo mental leve reside no fato de a criança pobre viver em um ambiente sócio-cultural que a submete à privação de estímulos sociais, cognitivos e lingüísticos.
Essa noção, entretanto, já foi suficientemente rejeitada no interior da própria ciência, mas continua vigente nas práticas médicas e sociais, sustentada na forma de preconceito. Sabe-se que as crianças pobres são, desde cedo, submetidas a situações de vida que exigem delas um desenvolvimento bem maior do que as crianças de condições de vida mais favoráveis. Entretanto, o que essas crianças aprendem não são as habilidades que a escola valoriza, sendo por isso mesmo, desconsideradas como expressão do desenvolvimento cognitivo e lingüístico.
São crianças que têm um desenvolvimento normal porque apresentam habilidades, conhecimentos e comportamentos pertinentes ao seu grupo social e cultural. São habilidades e conhecimentos diferentes daqueles das crianças de classe média, em razão dos diferentes modos de vida que caracterizam esses grupos sociais. Entretanto, deve ser ressaltado que é direito da criança das camadas populares o acesso a uma escola de qualidade, capaz de lhe assegurar o desenvolvimento de novas habilidades e conhecimentos, necessários ao exercício da cidadania.
Entre as crianças de nível sócio-econômico mais elevado, destacam-se entre as falsas demandas aos serviços de saúde, dois diagnósticos controversos. Um deles, popularmente conhecido como Disfunção Cerebral Mínima (DCM), ou disritmia ou hiperatividade já recebeu, ao longo dos anos, várias denominações no meio médico. De acordo com a última Classificação Internacional das Doenças, esse diagnóstico passou a chamar-se de Transtorno Hipercinético, ou Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDA/H), pela Associação Americana de Psiquiatria. O outro diagnóstico refere-se aos Transtornos das Habilidades Acadêmicas, atualmente chamado de Transtornos de Aprendizagem.
Esses diagnósticos apareceram na década de 60, para justificar o baixo rendimento escolar de alunos da classe média. Apesar de amplamente divulgados, não se tem, até hoje, comprovada qualquer relação entre alterações neurológicas e os sinais que compõem esse diagnóstico.
Para classificar as crianças como portadoras desses distúrbios, utilizam-se escalas com listas de comportamentos considerados critérios decisivos e suficientes para o diagnóstico, Entre esses critérios destacam-se: freqüentemente não consegue permanecer sentado, movimenta-se excessivamente, não consegue brincar em silêncio, não consegue terminar as tarefas, entre outros. São critérios extremamente objetivos, não existindo dados objetivos, tanto clínicos como laboratoriais.
É comum o pediatra ou neurologista receber crianças encaminhadas da escola, com a alegação de que não têm capacidade de concentração. Procura-se explicar essa falta de concentração como produto de alguma disfunção ou imaturidade neurológica. A confirmação desses diagnósticos ocorre através do uso de testes e provas, elaborados de tal forma que servem para transformar em sinais de doença manifestações que podem ser normais, quando se considera o contexto de vida de cada criança. A falta de atenção numa sala de aula, antes de ser uma incapacidade da criança para manter atenção, pode significar uma faltade motivação decorrente de inúmeros fatores entre os quais propostas pedagógicas inadequadas.
Tratam-se de diagnósticos vinculados a uma concepção de mundo que não leva em conta os fatores sociais que produzem o fracasso escolar, de modo que a questão é deslocada para o indivíduo como portador de transtornos que interferem na aprendizagem escolar e nos comportamentos sociais. Muitos desses alunos, são encaminhados para atendimento psicológico, neurológico ou fonoaudiológico nos serviços de saúde, passam por uma série de exames e avaliações, e acabam - apesar de não apresentarem nenhuma deficiência - sendo encaminhados para a classe especial. 
Na maioria das vezes a escola tem dificuldade de trabalhar com a diversidade lingüística, social e cultural dos alunos. Os serviços de saúde acabam por legitimar o fracasso escolar e contribuir para justificar o processo de exclusão dos alunos das camadas populares do sistema escolar. Poucos são os profissionais de saúde que têm acesso a uma discussão crítica sobre os determinantes do fracasso escolar e que, em razão desse conhecimento, são capazes de contribuir para desmistificar essas falsas demandas. 
Os diagnósticos médicos mais comuns para os problemas de aprendizagem/escolaridade dos alunos serão aprofundados em capítulos específicos. 
Conclusão
Existe consenso que Educação e Saúde são necessidades básicas e direitos do cidadão - garantidos, inclusive, pela Constituição Federal -, entretanto, o acesso, com qualidade, a esses direitos depende de complexas relações políticas, econômicas e sociais, que, muitas vezes, extrapolam a ação dos profissionais envolvidos nesses setores. Sabe-se, por exemplo, que, numa sociedade extremamente seletiva como a nossa, existem graves distorções e desigualdades socioeconômicas, as quais irão refletir-se na cobertura e na qualidade dos serviços de Educação e Saúde - gerando um alto grau de insatisfação, tanto dos profissionais como dos usuários desses serviços. Para reverter tal situação são necessárias formas sociais e políticas de participação e organização popular. Além disso, é fundamental que os profissionais desses setores tenham acesso a instrumentos adequados de reflexão/ação visando evitar, no seu nível de atuação, a reprodução do processo de seletividade social existente na sociedade. Nessa direção, pretendemos refletir sobre questões que se encontram na interseção da Educação com a Saúde, visando contribuir para a co-construção, na escola, de espaços saudáveis de convivência humana e cultural. 
CONCEPÇÕES DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM
Se podes olhar, vê;
se podes ver, repara. 
José Saramago
	Dependendo do mirante e da posição do observador podem-se obter imagens diferentes da mesma paisagem. Da mesma forma, na sua relação com a realidade, o indivíduo, mesmo que não saiba, sempre está posicionado em mirante. O mirante funciona tanto como filtro do mundo quanto como modelo matriz de todos os pensamentos do sujeito, conduzindo seu olhar, sua percepção, sua interpretação dos fatos e determinando até o seu tipo de lógica.
Como vimos no capítulo anterior, muitos alunos como Vinícius e seus colegas são encaminhados pela escola para o médico, com queixas relacionadas ao comportamento e à aprendizagem. Assim, o primeiro desafio para o professor será, justamente, verificar qual é o mirante que mais se aproxima dessa realidade - que o ajude a compreender melhor o processo de desenvolvimento e aprendizagem e os problemas de seus alunos.
Neste capítulo, apresentaremos os dois modelos (mirantes) que mais têm influenciado os professores - os modelos mecanicista e organicista. O objetivo é fazer uma análise crítica desses dois modelos e, ao mesmo tempo, possibilitar uma comparação com o modelo histórico-cultural - a ser apresentado no próximo capítulo. Esses mesmos modelos já foram utilizados no capítulo Saúde como Qualidade de Vida para apresentar e discutir os conceitos de Saúde. Agora, eles serão úteis para ampliar o diálogo de Saúde e Educação, tendo como interface as questões relacionadas aos processos de desenvolvimento e aprendizagem.
Os modelos-mirantes fornecem valioso subsídio para as análises das concepções que determinam a elaboração de teorias e práticas. Ao conhecê-los, o professor se apropria de um poderoso instrumento de análise, não só da sua experiência, mas de qualquer outra teoria psicológica ou proposta pedagógica a que tiver acesso. Para tanto, cada um desses modelos será analisado nos seguintes aspectos:
Representação (Imagem) do Aluno
Teorias Psicológicas
Relação Desenvolvimento e Aprendizagem
Práticas Pedagógicas
Relação Professor-Aluno
Formas de Avaliação
Explicação para o Fracasso Escolar
4.1. O Modelo Mecanicista
Neste modelo, a máquina é a forma básica de representação, não só do aluno, mas de todos os fenômenos. Essa máquina tanto pode ser simples como um relógio ou sofisticada como um computador. O homem é concebido corno um ser passivo, um organismo reativo, determinado pelo meio e, tal como uma máquina, pode ser manipulado e controlado por forças externas. A mente do homem, ao nascer, é considerada tábula rasa e os fenômenos humanos são compreendidos como reações do organismo às forças externas do meio, inclusive e principalmente, a aprendizagem.
É possível identificar a presença dessa imagem em analogias cotidianas do tipo: o cérebro funciona como um computador; esse menino parece que tem um parafuso solto; essa menina é elétrica. Entretanto, nem sempre é tão simples assim identificar a concepção mecanicista, sendo necessário "interpretar", "ler nas entrelinhas". Encontramos até em ditados populares como: "é de pequeno que se torce o pepino"; "o uso do cachimbo faz a boca torta", a presença dessa concepção. 
Quando se trata de teorias psicológicas ligadas à pedagogia, podemos ter ainda mais dificuldade para identificar a concepção que está por trás de suas formulações posto que, raramente, o autor a explicita. 
Vinculada à visão mecanicista, o comportamentalismo é uma das teorias psicológicas mais importante e influente nas áreas pedagógica e da saúde. Essa corrente teórica também é denominada de behaviorista (vem de behavior - comportamento, em inglês). O Behaviorismo, enquanto escola psicológica, teve como fundador o norte-americano J.B. Watson (1878-1958) - que veio a defender a adoção na psicologia do mesmo método experimental das ciências naturais (matemática e física) - ciências exatas e objetivas. Sendo assim, Watson (e depois seus seguidores) propôs o comportamento como objeto (observável) da psicologia. Para: ele, o comportamento humano, assim como o comportamento animal, era considerado resposta a um estímulo ambiental. Nessa direção, trabalhou com a fórmula estímulo-resposta, proveniente da teoria pavloviana do reflexo condicionado.
Watson entende por estímulo todas as modificações registradas no meio e detectadas pelos sentidos. Como decorrência dos estímulos surgem modificações no organismo, que correspondem às respostas.
O objetivo principal da psicologia de Watson é a predição e o controle do comportamento humano, a partir de experiências realizadas com animais – considerando-se válidas, apenas as experiências exteriores. 
Os pressupostos básicos da psicologia de Watson podem ser resumidos da seguinte forma:
- a visão de que o homem é uma máquina que responde a estímulos exteriores;
- a necessidade de buscar instrumentos (aprendizagem) que contribuam para modificar e aperfeiçoar essa máquina;
- os fenômenos revelam-se diretamente aos olhos do pesquisador, cabendo, portanto, à Psicologia rejeitar toda e qualquer referência à consciência - uma vez que não pode ser observada experimentalmente.
O modelo de organismo humano como máquina, receptáculo de estímulos, reativo, é levado às últimas conseqüências por Watson. É bastante conhecida a sua afirmação de que poderia converter (através de estímulos selecionados) qualquer criança normal em um especialista: doutor, jurista, artista, ladrão ou mendigo, independentemente de seu talento,

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