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O Tipo Penal

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O Tipo Penal
1. Conceito
O Direito Penal é caracteristicamente fragmentário, significando que este ramo do direito se ocupa da proteção aos bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, culminando penas para as lesões mais graves praticadas contra os mesmos. Ou seja, o Direito Penal não pune todas as lesões aos bens jurídicos, mas somente as mais graves, contras os bens jurídicos mais relevantes. Nesse passo, é certo afirmar que o direito penal somente deve intervir quando as proteções oriundas dos outros ramos do direito se mostrarem ineficazes.
Isso, aliado ao fato de que vigora no Direito Penal o princípio da reserva legal, o qual impõe que não há crime sem lei anterior que o defina (nullum crimem sine lege), torna obrigatório ao legislador, sempre que intentar impor ou proibir condutas no âmbito criminal, cominando sanções para o caso de descumprimento, fazê-lo por meio de lei.
Desta forma, quando o legislador descreve uma determinada conduta como proibida, cominando uma sanção para o caso de descumprimento da norma, surge o tipo penal. O tipo penal, então, nas palavras do professor Rogério Greco, pode ser entendido como o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu único instrumento – a lei – visa impedir que seja praticada, ou determina que seja levada a efeito por todos nós.
Sendo um padrão, o Estado deve descrever minuciosamente a conduta que deseja proibir haja vista que somente haverá crime caso o agente pratique conduta que reúna todos os elementos da definição legal (tipicidade/adequação típica).
O tipo penal é composto por um título, o chamado nomem iuris, seguido dos preceitos primário e secundário. O preceito primário consiste na descrição minuciosa da conduta proibida, enquanto o preceito secundário comina as penas para o caso de descumprimento da norma proibitiva. Falar dos tipos permissivos: ver em Guilherme Nucci.
2. Tipicidade Penal
Conforme salientado supra, a tipicidade consiste na perfeita e completa adequação entre uma conduta praticada por alguém no mundo real e a descrição constante da lei. Na definição de Nelson Hungria, adequação típica é como a mão que calça a luva, sem nada sobrar nem nada faltar. Assim, só haverá tipicidade formal quando a conduta do agente coincidir exatamente com o modelo descrito no tipo penal.
Então, podemos afirmar que somente quando houver a completa e perfeita congruência entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o modelo de conduta previsto na lei penal é que haverá a chamada tipicidade formal.
Todavia, conforme o ensinamento do prof. Rogério Greco, esse conceito de simples acomodação do comportamento do agente ao tipo não é suficiente para que possamos concluir pela tipicidade penal, uma vez que esta é formada pela conjugação da tipicidade formal (ou legal) com a tipicidade conglobante.
Tipicidade conglobante (Zaffaroni)
Trata-se, segundo seu autor, de um dos aspectos da tipicidade penal, que se subdividiria em tipicidade legal (adequação do fato com a norma penal, segundo uma análise estritamente formal) e tipicidade conglobante (inadequação do fato a normas extrapenais). Por meio desta, deve-se verificar se o fato, que aparentemente viola uma norma penal incriminadora, não é permitido ou mesmo incentivado por outra norma jurídica (como no caso das intervenções médico-cirúrgicas, violência desportiva, estrito cumprimento de um dever legal etc.). Não teria sentido, dentro dessa perspectiva, afirmar que a conduta do médico que realiza uma cirurgia no paciente viola a norma penal do art. 129 do CP (não ofenderás a integridade corporal alheia) e, ao mesmo tempo, atende ao preceito constitucional segundo o qual a saúde é um direito de todos (não seria lógico dizer que ele viola uma norma e obedece a outra, ao mesmo tempo).
Por meio da tipicidade conglobante (que resulta numa análise conglobada do fato com todas as normas jurídicas, inclusive extrapenais), situações consideradas tradicionalmente como típicas, mas enquadráveis nas excludentes de ilicitude (exercício regular de um direito ou estrito cumprimento de um dever legal), passariam a ser tratadas como atípicas, pela falta de tipicidade conglobante. Com a adoção da teoria da imputação objetiva, tais resultados (atipicidade de fatos então considerados típicos, porém lícitos) são atingidos sem necessidade dessa construção, que se torna supérflua.
Observe-se, porém, que independentemente da teoria adotada, não haverá crime por parte do médico que faz a cirurgia ou do desportista que atua dentro das regras do esporte, embora divirjam os doutrinadores acerca do fundamento.
Prossegue o autor esclarecendo que a conduta deve ser analisada da seguinte forma: para haver crime é necessário um fato típico, ilícito e culpável. O fato típico é composto por uma conduta (ação ou omissão), dolosa ou culposa, um resultado e nexo causal entre a conduta e o resultado.
Então, imaginemos que um policial, em cumprimento a um mandado de prisão, efetivamente encontre e prenda o sujeito contra o qual a ordem judicial fora expedida, privando-o da sua liberdade.
Neste caso, o policial praticou uma ação finalística, haja vista ter agido com a intenção de privar alguém de sua liberdade (dolo), tendo logrado êxito em produzir o resultado pretendido. Verifica-se que o resultado privação da liberdade decorreu da conduta do agente (nexo causal).
Prosseguimos, então, avaliando se a conduta encontra previsão legal, ou seja, se a conduta é típica. Aqui, olhando para a conduta praticada, poderíamos concluir que ela é formalmente típica em razão do disposto no art. 148 do Código Penal.
E é aqui que, conforme GRECO, devemos analisar se existe tipicidade conglobante.
Para que se verifique a mencionada tipicidade conglobante é necessário que a conduta seja antinormativa (contrária à norma penal) e não imposta ou fomentada pelo ordenamento jurídico, bem como que tenha produzido um resultado relevante contra o bem jurídico tutelado (tipicidade material).
Os adeptos desta teoria da tipicidade conglobante defendem que, sendo o ordenamento jurídico um verdadeiro sistema, não é admissível a existência de normas incompatíveis entre si. Então, não seria razoável admitir a tipicidade de uma conduta que o próprio ordenamento permite, impõe ou fomenta, como é o caso do exemplo acima, em que o ordenamento impõe ao policial o cumprimento da ordem judicial e, por consequência, a obrigação de privar alguém de sua liberdade.
Implicação prática: situações como essa, que somente seriam resolvidas na análise do segundo elemento do conceito analítico de crime (ilicitude), resolvem-se já na análise do fato típico. A conduta é considerada atípica.
O próximo passo, conforme já salientado acima, é a analise da tipicidade material da conduta. Bem, somos sabedores de que o legislador elencou uma série de bens jurídicos que reputou de maior relevância e conferiu aos mesmos a proteção do direito penal. Todavia, ao estabelecer os modelos abstratos de conduta, o legislador não teria condição de descer às minúcias, sendo necessária a atividade dos intérpretes do caso concreto para estabelecer o alcance desta proteção ao bem jurídico. Assim, não é qualquer lesão ao bem jurídico tutelado que estará no âmbito de atuação da norma penal. É o exemplo do sujeito que, dolosamente, subtrai para si uma caneta pertencente a um colega de sala. Mesmo o patrimônio sendo objeto de proteção da lei penal, mesmo a conduta não sendo permitida, determinada ou fomentada pela lei, a lesão produzida é insignificante, devendo tal conduta ser considerada materialmente atípica.
3. Adequação Típica
A tipicidade formal ou adequação típica, já sabemos, ocorre nos casos em que a conduta praticada no mundo real subsume-se com exatidão ao modelo típico previsto na lei penal. Todavia, esta exigência de total e perfeita congruência entre o ato praticado e a previsão legal poderia, em certos casos, implicar em impunidade, surgindo a necessidade de se estender o alcance dos tipos penais.
Assim,podemos falar em dois tipos de adequação típica: Adequação típica de subordinação imediata ou direta e adequação típica de subordinação mediata ou indireta.
Bem, a primeira, ou seja, a adequação típica de subordinação imediata ocorre nos casos em que a conduta praticada pelo agente amolda-se com perfeição àquela prevista abstratamente no tipo penal. É o caso daquele que, dolosa ou culposamente, mata alguém.
Adequação típica de subordinação mediata, por outro lado, ocorre em casos nos quais o agente desejava realizar a conduta descrita no tipo, todavia, não a praticou nos exatos termos em que está descrita. Nestes casos, para que haja adequação típica, temos que nos valer das chamadas normas de extensão da figura típica.
Exemplos:
Matar alguém – adequação típica de subordinação imediata
Tentar matar alguém – adequação típica de subordinação mediata – necessário o uso da norma de extensão do art. 14, II, do CP.
Outro exemplo de norma de extensão é o art. 29 do CP, o qual permite que todos aqueles que concorrem para a prática de um crime respondam por ele, mesmo que não realizem diretamente o verbo núcleo do tipo. É o exemplo daquele agente que vigia e conduz o veículo da fuga, enquanto um terceiro efetivamente entra no estabelecimento comercial, municiado com arma de fogo, ameaça as pessoas e subtrai objetos de valor. Todos responderão pelo crime de roubo.
Obs.: As contravenções penais não admitem punição pela tentativa por expressa disposição legal (Lei 3.688/41, art. 4º).
 Art. 4º Não é punível a tentativa de contravenção.
4. Fases da Evolução do Tipo
Podemos falar em três fases de evolução do tipo penal.
Fase da Independência do Tipo
Com a publicação da obra de Beling, em 1906, o tipo tornou-se independente da antijuridicidade e da culpabilidade. Passou a ter mera função descritiva, sem qualquer conteúdo valorativo. O tipo era essencialmente objetivo.
Conforme a lição Beling, todos os acontecimentos objetivos pertenceriam ao tipo penal, enquanto os subjetivos diriam respeito à culpabilidade. Daí que, para ele, o dolo não estava no tipo, mas na culpabilidade. Assim, caso alguém atropelasse uma criança que se jogou na frente de seu veículo, não importava se o condutor não teve a intenção de produzir aquele resultado, ou se estava absolutamente dentro das normas de segurança no trânsito. Sua conduta seria típica.
Todavia, esta teoria não demorou a ser superada, o que ocorreu com o advento da teoria finalista, quando foram descobertos os elementos subjetivos do tipo.
Fase do Caráter Indiciário da Ilicitude
Esta segunda fase teve início a partir dos estudos de Mayer que defendia que o fato típico não poderia mais ser isolado da ilicitude. Conforme o referido autor, dadas as características do direito penal, o qual somente se ocupa da proteção aos bens jurídicos mais importantes e contra lesões relevantes, a simples ocorrência de uma conduta típica já provoca uma reação negativa na sociedade, indiciando sua ilicitude. O tipo seria a ratio cognoscendi da ilicitude.
Ou seja, se uma pessoa mata a outra, isso, por si só, já é indício de que a conduta tenha sido ilícita, a menos que se produza prova em sentido contrário. A prova em contrário consiste na prova da existência de alguma excludente de ilicitude.
Fase do Tipo Legal Como Essência da Ilicitude
O tipo passa a ser considerado como a própria razão de ser da ilicitude, ou seja, como a sua ratio essendi. Há como que uma fusão entre o fato típico e a ilicitude, de forma que não se pode admitir que uma conduta que seja permitida pelo ordenamento seja típica. Então, conforme exemplo do prof. Rogério Greco, para os adeptos desta teoria o tipo do homicídio seria: matar alguém ilicitamente.
5. Teoria dos Elementos Negativos do Tipo
Esta teoria se originou a partir da teoria do tipo como a ratio essendi da ilicitude. Conforme Rogério Greco, para essa teoria, em síntese, toda vez que não for ilícita a conduta do agente não haverá o próprio fato típico. É que, para ela, estando a antijuridicidade fazendo parte do tipo penal, se a conduta do agente for lícita, em virtude da existência de uma causa de justificação, o fato deixará de ser típico.
Enrique Cury Urzúa, referindo-se à teoria, disserta que de conformidade com ela, a afirmação da tipicidade supõe a de antijuridicidade, porque as causas de justificação – quer dizer, aquelas que excluem a antijuridicidade – se entendem incorporadas ao tipo, da qual seriam elementos negativos implícitos.
Ainda nas lições de GRECO, para essa teoria, existe um chamado tipo total, ou seja, um tipo que deve ser entendido juntamente com a ilicitude da conduta. Haveria aqui, portanto, uma fusão do tipo com a ilicitude, de modo que se faltar esta ultima, ou seja, se o agente atuar amparado por um causa de justificação, deixará de existir o próprio fato típico.
Em síntese, assim leciona Bitencourt:
A teoria dos elementos negativos do tipo teve origem na Alemanha. Com essa teoria, a partir de Frank e Merkel, criou-se o tipo total de injusto, o qual abrangeria também as causas de justificação, como elementos negativos do tipo. Nesses termos, se o crime é o “injusto tipificado”, toda circunstância que exclua o injusto faz desaparecer a tipicidade.
Segundo Juarez Tavares, para referida teoria, a tipicidade abrangeria a ilicitude, e o tipo penal e esta não são elementos autônomos e interligados, mas um todo normativo unitário.
6. Injusto Penal
Injusto penal consiste na conduta que, além de típica, é também ilícita. Assim, haverá um injusto típico ou injusto penal quando uma conduta já tiver sido analisada positivamente do ponto de vista da tipicidade e da ilicitude.
Todavia, GRECO adverte que o injusto penal não se confunde com o tipo total de injusto proposto pelos defensores da teoria da ratio essendi. O injusto penal existirá quando o intérprete, depois de concluir pela tipicidade do fato, analisando-a, primeiramente, chegar também à conclusão de que não existe qualquer causa que exclua a ilicitude da conduta típica praticada pelo agente. Ou seja, o estudo do injusto penal é realizado em duas fases distintas: fato típico e ilicitude.
E prossegue o autor explicando que para os que adotam um tipo total de injusto não existem dois momentos distintos. Aqui, em um mesmo momento analisa-se a tipicidade e a ilicitude de forma que, desde o início, o fato será típico e ilícito ou será permitido.
7. Tipo Básico e Tipo Derivado
Tipo básico é a descrição mais simples do tipo penal. Exemplo:
Art. 121. Matar alguém.
Pena: reclusão de 06 (seis) a 20 (vinte) anos.
Já os tipos derivados resultam do acréscimo de certas circunstâncias a esse tipo básico, implicando na diminuição ou exasperação das penas ali previstas. Exemplos:
 Art. 121. (...)
 Caso de diminuição de pena
        § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
        Homicídio qualificado
        § 2° Se o homicídio é cometido:
        I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
        II - por motivo futil;
        III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
        IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;
        V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
        Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Conforme preleciona CAPEZ, se a agravação consistir em um dos novos limites abstratos de pena, como no caso do art. 121, § 2º, do CP, em que a pena passa a ser de 12 a 30 anos, tem-se o tipo qualificado; se consistir em um aumento em determinado percentual, como 1/3, 1/2 ou 2/3, ocorre a chamada causa de aumento (p. ex., CP, art. 155, § 1º);no caso da atenuação, surge o tipo privilegiado (p. ex., art. 121, § 1º, do CP).
8. Tipos Normais e Tipos Anormais
Cuida-se de classificação que surgiu na época em que predominava a teoria causal da ação. Conforme esta classificação, tipos normais seriam aqueles puramente objetivos, sem qualquer conteúdo subjetivo ou normativo. Os tipos anormais, por outro lado, seriam todos aqueles que, além dos elementos objetivos, continham também elementos normativos e subjetivos.
Todavia, com o advento da teoria finalista da ação esta classificação perdeu sentido, haja vista a descoberta de que dolo e culpa integram a conduta e, portanto, o próprio fato típico, sendo forçoso concluir que todo tipo traz consigo elementos normativos ou subjetivos.
9. Tipos Fechados e Tipos Abertos
Conforme o ensinamento de GRECO, tipos fechados são aqueles que possuem a descrição completa da conduta proibida pela lei penal. E prossegue afirmando que, contudo, em determinadas situações, o legislador, por impossibilidade de prever e descrever todas as condutas possíveis de acontecer em sociedade, criou os chamados tipos abertos, nos quais não há a descrição completa e precisa do modelo de conduta proibida ou imposta. Conclui, então, que nesses casos, faz-se necessária sua complementação pelo intérprete.
Os melhores exemplos de tipos abertos são os tipos culposos, nos quais será necessária uma análise do intérprete, do aplicador da lei, para avaliar se o resultado foi provocado por dolo ou por inobservância do dever objetivo de cuidado.
Em síntese, os crimes de tipo aberto são aqueles cuja definição emprega termos amplos, de modo a abarcar diversos comportamentos diferentes. É a técnica utilizada na maioria dos crimes culposos (v.g., art. 121, § 3º, do CP: “se o homicídio é culposo”). Os delitos de tipo fechado, por outro lado, são os que utilizam expressões de alcance restrito, englobando poucos comportamentos na definição legal.
10. Tipos Congruentes e Tipos Incongruentes
Guilherme Nucci explica que tipo congruente é o tipo penal que espelha a coincidência entre a face objetiva e o lado subjetivo (ex.: no caso do homicídio, quando o agente extermina a vida da vítima preenche o tipo objetivo – matar alguém – ao mesmo tempo em que perfaz, plenamente, o tipo subjetivo – vontade de matar alguém). E prossegue o autor explicando que o tipo incongruente é aquele que permite a inadequação do lado objetivo, nele previsto, com o que subjetivamente almeja o agente, embora se considere consumado o delito (ex.: na extorsão mediante sequestro – crime patrimonial – o tipo objetivo prevê o sequestro de pessoa, com o fim de obter vantagem, como condição ou preço do resgate, demonstrando que a finalidade do agente é patrimonial. Entretanto, ainda que somente o sequestro se realize, bastando haver o intuito de obter resgate, está consumado o crime.) Há incongruência entre o desejado pelo agente e o efetivamente alcançado.
11. Tipo Simples e Tipo Misto
Tipo simples, também chamado de uninuclear, é aquele no qual está descrita uma única conduta, um único comportamento, a exemplo do que ocorre no furto (CP, art. 155) ou no homicídio simples (CP, art. 121, caput).
O tipo misto, também chamado de plurinuclear, por outro lado, é aquele no qual são descritas duas ou mais condutas, a exemplo do que ocorre com o tipo do tráfico de drogas (Lei 11.343/06, art. 33).
Este ultimo, ou seja, o tipo misto, pode ser classificado como cumulativo ou alternativo conforme a prática de mais de um dos comportamentos descritos implique, ou não, na aplicação do raciocínio relativo ao concurso de crimes.
Exemplo 1: Crime de abandono material (CP, art. 244). Aqui, se o sujeito faltar, sem justa causa, ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada e, também, deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo, estará cometendo dois crimes de abandono material, em concurso material. Assim, cuida-se de tipo misto cumulativo.
Exemplo 2: Crime de receptação (CP, art. 180). Aqui, se o sujeito adquire, transporta e oculta, em proveito próprio, coisa que sabe ser produto de crime, responderá por um único crime de receptação, embora tenha praticado mais de um dos verbos núcleos do tipo. Sendo assim, estamos diante de um tipo misto alternativo.
12. Tipo Complexo
Esta classificação deriva da teoria finalista de Welzel. É que, a partir do advento da teoria finalista o dolo e a culpa, antes integrantes da culpabilidade, foram transferidos para o fato típico. Sendo assim, o injusto (conduta típica e ilícita), antes puramente objetivo, passou a comportar também elementos subjetivos. Desta forma, passou a se falar em tipos complexos quando no tipo penal existem tanto elementos objetivos como elementos subjetivos.
GRECO explica que no tipo complexo, por exigir a conjugação dos elementos objetivo e subjetivo, quando faltar este ultimo, ou seja, quando o agente, por exemplo, não agir com dolo, por lhe faltar a vontade e a consciência de praticar a conduta prevista no tipo penal, e se o fato não for punido a título de culpa, a solução será pela atipicidade, em face da ocorrência do chamado erro de tipo, cuja finalidade precípua afastar o dolo do agente.
13. Elementares
São elementos essenciais do tipo penal. Assim, caso não ocorram, estaremos diante de uma atipicidade absoluta ou relativa.
A atipicidade absoluta ocorrerá quando a ausência de tais elementos implicar na atipicidade da conduta. A atipicidade relativa, por seu turno, acontecerá quando a ausência de um elemento não tornar a figura atípica, mas implicar em uma desclassificação.
Ex. 1: Furto de uso não existe, então, se alguém subtrair coisa alheia para usar, não haverá crime. Atipicidade absoluta.
Ex.: 2: A mãe que, sem estar sob efeito do estado puerperal, mata o próprio filho, logo após o parto. Neste caso haverá crime de homicídio e não infanticídio. Atipicidade relativa.
14. Elementos que Integram o Tipo
Os elementos que integram o tipo podem ser classificados em elementos objetivos e elementos subjetivos.
Conforme a lição de GRECO, citando Jescheck, os elementos objetivos do tipo são aqueles que tem a finalidade de descrever “a ação, o objeto da ação e, em sendo o caso, o resultado, as circunstâncias externas do fato e a pessoa do autor”. Há tipos penais que descrevem, ainda, o sujeito passivo, como no caso do estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do Código Penal.
Valendo-nos da lição de CAPEZ, podemos afirmar que os elementos:
Objetivos: referem-se ao aspecto material do fato. Existem concretamente no mundo dos fatos e só precisam ser descritos pela norma. São elementos objetivos: o objeto do crime, o lugar, o tempo, os meios empregados, o núcleo do tipo (verbo) etc.
Normativos: ao contrário dos descritivos, seu significado não se extrai da mera observação, sendo imprescindível um juízo de valoração jurídica, social, cultural, histórica, política, religiosa, bem como de qualquer outro campo do conhecimento humano. Classificam-se em jurídicos, quando exigem juízo de valoração jurídica, e em extrajurídicos ou morais, quando pressupõem um exame social, cultural, histórico, religioso, político etc. Aparecem sob a forma de expressões como “sem justa causa”, “indevidamente”, “documento”, “funcionário público”, “estado puerperal”, “ato obsceno”, “dignidade”, “decoro”, “fraudulentamente” etc.
Exemplo: a expressão “ato obsceno” tem determinado significado em uma grande metrópole e outro em um vilarejo fincado no sertão, sendo necessária uma avaliação sociológica do local onde o crime ocorreu para se saber se o ato ofende ou não o pudor da coletividade. Por essa razão, os tipos que possuem elementos normativos são considerados anormais: alargam muito o campo de discricionariedade do julgador, perdendo um pouco de sua característica básica de delimitação.
Subjetivos: na lição de Johannes Wessels, “elementos subjetivos (= internos) do tipo são os que pertencem ao campo psíquico-espiritual e ao mundoda representação do autor. Encontram-se, antes de tudo, nos denominados ‘delitos de intenção’, em que uma representação especial do resultado ou do fim deve ser acrescentada à ação típica executiva como tendência interna transcendente; assim, por exemplo, a intenção de se apropriar do ladrão ou assaltante; a intenção de enriquecimento do estelionatário; etc.”.
No elemento subjetivo do tipo, o legislador destaca uma parte do dolo e a insere expressamente no tipo penal. Essa parte é a finalidade especial, a qual pode ou não estar presente na intenção do autor.
Quando o tipo incriminador contiver elemento subjetivo, será necessário que o agente, além da vontade de realizar o núcleo da conduta (o verbo), tenha também a finalidade especial descrita explicitamente no modelo legal. Na extorsão mediante sequestro (sequestrar com o fim de obter resgate), além da mera vontade de sequestrar, a lei exige que o agente tenha a finalidade de obter uma vantagem como condição do preço ou do resgate (CP, art. 159). Em contrapartida, no crime de sequestro (CP, art. 148), a lei não exige nenhuma finalidade especial (elemento subjetivo), bastando a mera vontade de realizar o verbo para a integralização típica.
Quando o tipo exigir elemento subjetivo, faltando a finalidade especial ao agente, a conduta será atípica por falta de correspondência entre o comportamento e a norma penal. 
Frise-se que o dolo é elemento da conduta e não do tipo. O legislador pode, no entanto, destacar uma parte do dolo e inseri-la expressamente no tipo, fazendo com que uma conduta só seja típica se aquela estiver presente. Essa parte do dolo é a finalidade especial do agente, o seu fim específico. Quando o agente pratica a conduta, tem uma finalidade em mente, uma vez que em toda ação ou omissão há a vontade como força propulsora. Não é dessa finalidade que o legislador cuidou, mas da finalidade especial, que pode ou não estar presente. Assim, se “A” esquarteja a vítima, certamente o fez com intenção, isto é, com a finalidade de matá-la. Pode ser, no entanto, que além dessa vontade tivesse alguma finalidade especial (matar para...?). Quando o legislador colocar expressamente no tipo alguma finalidade especial, o fato nele enquadrar-se-á somente se o autor tiver esse fim em mente. Em contrapartida, se não estiver escrita no tipo nenhuma exigência de finalidade especial, basta o dolo para a configuração do fato típico (antigo dolo genérico).
Exemplo: no caso do furto, não basta a consciência e a vontade de subtrair coisa alheia móvel, sendo necessário que o agente pratique a subtração com a finalidade especial (antigo dolo específico) de assenhorear-se do bem com ânimo definitivo ou de entregá-lo a um terceiro, uma vez que o tipo penal tem essa finalidade especial como um de seus elementos (expressão “para si ou para outrem” contida no tipo do art. 155). Já no homicídio, para que ocorra o crime, basta a consciência e a vontade de tirar a vida de alguém, já que o tipo penal não exige nenhuma finalidade especial (não tem elemento subjetivo).
Obs.: nada impede a coexistência de elementos normativos, subjetivos e objetivos no mesmo tipo penal. Exemplo: art. 219 (revogado pela Lei n. 11.106/2005) — raptar (objetivo), mediante violência, grave (normativo) ameaça ou fraude, mulher honesta (normativo), para fim libidinoso (subjetivo).
15. Elementos Específicos dos Tipos Penais
Núcleo do Tipo: consiste no verbo que descreve a conduta proibida por lei. Há tipos penais que possuem um único núcleo (uninucleares), como o homicídio, e outros que possuem dois ou mais núcleos (plurinucleares), também conhecidos como de ação múltipla ou de conteúdo variado, como é o caso do crime de tráfico de drogas.
Sujeito Ativo: é o sujeito que pode ser o autor da conduta descrita no tipo penal. Hodiernamente, sabemos, somente o ser humano pode ser autor de crime, embora, conforme ensina o professor Cezar Bitencourt, no passado animais, cadáveres e até estátuas tenham sido condenados como autores de crimes.
Para ser considerado sujeito ativo o autor deverá praticar, total ou parcialmente, a conduta descrita no tipo.
Acontece que, às vezes, o legislador limita as pessoas que podem ser autoras de determinado crime. Quando não há esta exigência de um sujeito ativo específico, estamos diante dos chamados crimes comuns.
Todavia, quando o legislador estabelece que determinado crime somente pode ser praticado por determinado grupo de pessoas que ostentam algumas condições específicas estamos diante dos chamados crimes próprios. Estes crimes admitem autoria mediata, participação e coautoria.
Existem ainda os crime de mão própria (de atuação pessoal ou de conduta infungível) que, conforme CAPEZ, são aqueles que só podem ser cometidos pelo sujeito em pessoa, como o delito de falso testemunho (art. 342). Somente admitem o concurso de agentes na modalidade participação, uma vez que não se pode delegar a outrem a execução do crime. Ou seja, aqui não se exige uma qualidade especial da vítima, mas somente esta poderá praticar o crime.
Assim, podemos afirmar que os crimes próprios não se confundem com os de mão própria (também chamados de crimes de atuação pessoal ou de conduta infungível). Estes correspondem aos que somente podem ser praticados por pessoas que ostentem a condição exigida em lei; ademais, só admitem a figura da participação (nunca a coautoria). Exemplo: CP, art. 342 — falso testemunho. Os crimes próprios, por sua vez, permitem ambas as formas de concurso de pessoas.
Sujeito Passivo: Sujeito passivo é o titular do bem jurídico atingido pela conduta criminosa. Sujeito passivo do crime pode ser: o ser humano (ex.: crimes contra a pessoa); o Estado (ex.: crimes contra a Administração Pública); a coletividade (ex: crimes contra a saúde pública); e, inclusive, pode ser a pessoa jurídica (ex.: crimes contra o patrimônio).
Temos o sujeito passivo formal e o sujeito passivo material, os quais, às vezes, podem ser o mesmo sujeito. O sujeito passivo formal é sempre o Estado, que sempre é afetado pelo descumprimento das leis. Já o sujeito passivo material é a pessoa (física ou jurídica) ou entidade sem personalidade jurídica, como a família, a sociedade, etc.
Este conceito de sujeito passivo não deve ser confundido com o de objeto material e de objeto jurídico.
Nas lições de CAPEZ, objeto jurídico do crime é o bem jurídico, isto é, o interesse protegido pela norma penal. É a vida, no homicídio; a integridade corporal, nas lesões corporais; o patrimônio, no furto; a honra, na injúria; a dignidade e a liberdade sexual da mulher, no estupro; a administração pública, no peculato etc. A disposição dos títulos e capítulos da Parte Especial do Código Penal obedece a um critério que leva em consideração o objeto jurídico do crime, colocando-se em primeiro lugar os bens jurídicos mais importantes: vida, integridade corporal, honra, patrimônio etc.
Objeto material do crime, por outro lado, é a pessoa ou coisa sobre as quais recai a conduta. É o objeto da ação. Não se deve confundi-lo com objeto jurídico. Assim, o objeto material do homicídio é a pessoa sobre quem recai a ação ou omissão, e não a vida; no furto, é a coisa alheia móvel sobre a qual incide a subtração, e não o patrimônio; no estupro, é o ser humano, homem ou mulher, e não a dignidade sexual etc.
Há casos em que se confundem na mesma pessoa o sujeito passivo e o objeto do crime; por exemplo, no crime de lesões corporais a pessoa que sofre a ofensa à integridade corporal é, ao mesmo tempo, sujeito passivo e objeto material do crime previsto no art. 129 do CP, pois a ação é exercida sobre o seu corpo.
Por outro lado, há crimes sem objeto material, como o de ato obsceno (CP, art. 223).
Tipo Doloso
Diz o artigo 18 do CP que diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.
Conceito de Dolo
O dolo é a vontade livre e consciente de praticar a conduta descrita no tipo penal incriminador. É considerado o elemento subjetivo da conduta.Assim, os elementos do dolo são consciência e vontade. A consciência é o conhecimento do fato que constitui a figura típica, enquanto a vontade (elemento volitivo) consiste na intenção de efetivamente praticar a conduta.
O dolo para a teoria finalista é o chamado dolo natural, ou seja, é um simples querer praticar o fato, sem perquirir-se acerca de nenhuma consideração valorativa. Integram-no apenas consciência e vontade, sem a necessidade de que o agente tenha consciência do seu caráter ilícito (consciência da ilicitude).
CAPEZ salienta que a consciência do autor deve referir-se a todos os componentes do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base à sua decisão em praticá-la. Ressalte-se que o dolo abrange também os meios empregados e as consequências secundárias de sua atuação.
O Dolo no Código Penal
Conforme o disposto no parágrafo único do art. 18 do CP, a regra é o crime doloso. Assim, somente se poderá falar em crime culposo nos casos excepcionais em que a própria lei trouxer tal previsão. Ilustrativamente:
Art. 18 ...
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Exemplo de crime que não admite a modalidade culposa é o crime de dano (CP, art. 163), assim também o furto (CP, art. 155, caput), enquanto o homicídio, por outro lado, a admite (CP, art. 121, parágrafo 3º) haja vista a expressa disposição legal neste sentido.
Conforme a maioria da doutrina (por todos Rogério Greco e Cezar Bitencourt) o nosso código penal adota as teorias da vontade e do assentimento.
A teoria da vontade preleciona que dolo seria a vontade livre e consciente de praticar a infração penal, ou seja, de praticar a conduta descrita no tipo penal incriminador.
Já a teoria do assentimento diz que atua com dolo aquele que, antevendo como possível o resultado lesivo com a prática de sua conduta, mesmo não o querendo de forma direta, não se importa com a sua ocorrência, assumindo o risco de vir a produzi-lo. Aqui o agente não quer o resultado diretamente, mas o entende como possível e o aceita. (GRECO)
Espécies de Dolo
O dolo pode ser direito ou indireto.
O dolo direto consiste na vontade de praticar a conduta descrita no tipo penal, conforme salientado acima.
Esse dolo direto poderá ser direto de primeiro grau ou direto de segundo grau. O dolo direto de primeiro grau diz respeito ao fim proposto e os meios escolhidos. Já o dolo direto de segundo grau refere-se aos efeitos colaterais representados como necessário à consecução do fim pretendido.
Assim, se o sujeito pretende matar um desafeto e, para tanto, coloca uma bomba em um avião no qual este irá viajar, admitindo matar todas as outras pessoas que também embarcassem naquele avião, mesmo não as conhecendo e não sendo seu objetivo matá-las, podemos dizer que o dolo do sujeito foi direto em relação a todos os resultados, todavia, de primeiro grau em relação ao seu desafeto e de segundo grau em relação a todas as outras vítimas, haja vista a certeza de que, explodindo a bomba e vindo a cair o avião muitas outras pessoas viriam a morrer.
Conforme CAPEZ, o dolo pode ser, ainda, indireto ou indeterminado quando o agente não quer diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa em produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo).
Na lição de Magalhães Noronha: “É indireto quando, apesar de querer o resultado, a vontade não se manifesta de modo único e seguro em direção a ele, ao contrário do que sucede com o dolo direto. Comporta duas formas: o alternativo e o eventual. Dá-se o primeiro quando o agente deseja qualquer um dos eventos possíveis. Por exemplo: a namorada ciumenta surpreende seu amado conversando com a outra e, revoltada, joga uma granada no casal, querendo matá-los ou feri-los. Ela quer produzir um resultado e não ‘o’ resultado. No dolo eventual, conforme já dissemos, o sujeito prevê o resultado e, embora não queira propriamente atingi-lo, pouco se importa com a sua ocorrência (‘eu não quero, mas se acontecer, para mim tudo bem, não é por causa deste risco que vou parar de praticar minha conduta — não quero, mas também não me importo com a sua ocorrência’). É o caso do motorista que se conduz em velocidade incompatível com o local e realizando manobras arriscadas. Mesmo prevendo que pode perder o controle do veículo, atropelar e matar alguém, não se importa, pois é melhor correr este risco, do que interromper o prazer de dirigir (não quero, mas se acontecer, tanto faz). É também o caso do chofer que em desabalada corrida, para chegar a determinado ponto, aceita de antemão o resultado de atropelar uma pessoa”.
O dolo indireto alternativo consiste em o agente direcionar sua vontade de forma alternativa em relação ao resultado ou a pessoa contra a qual o crime é cometido. No primeiro caso, ou seja, em relação ao resultado, fala-se em alternatividade objetiva e, no segundo caso, em alternatividade subjetiva.
Exemplo de alternatividade objetiva seria o agente disparar arma de fogo contra seu desafeto querendo feri-lo ou matá-lo.
Exemplo de alternatividade subjetiva, por outro lado, seria o caso de o agente disparar arma de fogo contra duas pessoas querendo lesionar qualquer uma delas.
Dolo Geral
Ocorre o dolo geral quando o agente, após praticar atos de execução, acha que atingiu o resultado pretendido, todavia, na verdade o referido resultado somente é alcançado posteriormente, com outra conduta do agente dirigida a fim diverso.
O exemplo clássico é o do sujeito que dispara arma de fogo contra seu desafeto e, posteriormente, acreditando que estivesse morto, atira seu corpo em um rio. Ocorre que a vítima não morreu pelos disparos de arma de fogo, mas por afogamento, pois ainda estava viva após os disparos.
Olhando para o exemplo poderíamos concluir que o agente praticou uma tentativa de homicídio no primeiro ato e um homicídio culposo no segundo.
Todavia, Welsel rechaça esta conclusão e defende que o agente atuava com o chamado dolo geral, que estava presente em toda a sua atuação, persistindo até quando alcançou o resultado pretendido, devendo responder por um único crime (homicídio doloso no nosso exemplo).
Dolo Genérico e Dolo Específico
Teoria natural da ação. Sem finalidade da conduta do agente vs Especial fim de agir.
Dolo Normativo
Conforme CAPEZ, é o dolo da teoria clássica, ou seja, da teoria naturalista ou causal. Em vez de constituir elemento da conduta, é considerado requisito da culpabilidade e possui três elementos: a consciência, a vontade e a consciência da ilicitude. Por essa razão, para que haja dolo, não basta que o agente queira realizar a conduta, sendo também necessário que tenha a consciência de que ela é ilícita, injusta e errada. Como se nota, acresceu-se um elemento normativo ao dolo, que depende do juízo de valor, ou seja, a consciência da ilicitude. Só há dolo quando, além da consciência e da vontade de praticar a conduta, o agente tenha consciência de que está cometendo algo censurável. O dolo normativo, portanto, não é um simples querer, mas um querer algo errado, ilícito (dolus malus). Deixa de ser um elemento puramente psicológico (um simples querer), para ser um fenômeno normativo, que exige juízo de valoração (um querer algo errado).
Dolo Subsequente
Sujeito produz um resultado sem dolo, todavia, se alegra com o referido resultado e aceita sua produção.
Ausência de Dolo em Razão de Erro de Tipo
Dolo = consciência e vontade de praticar o crime.
Erro de tipo = o erro de tipo ocorre quando o agente se equivoca na representação da realidade. É o caso do sujeito que, em uma caçada, acreditando que avistou uma capivara, dispara arma de fogo matandoum companheiro de caçada. Ora, a vontade do sujeito não era de matar uma pessoa, mas sim um animal. Então, o erro de tipo SEMPRE afasta o dolo permitindo, contudo, a punição à título de culpa, caso haja previsão legal.
Art. 20 do Código Penal.
Dolo e Crime de Perigo
Crimes de perigo são aqueles nos quais, para a consumação, basta a possibilidade do dano, ou seja, a exposição do bem jurídico tutelado a perigo de dano. Subdivide-se em crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato. Nos primeiros exige-se que o agente pratique uma conduta que efetivamente ofereça risco de dano, enquanto no segundo o perigo é presumido.
Exemplos: 1. Perigo abstrato – associação criminosa, art. 288, CP.
Nesses crimes o legislador, visando conferir maior proteção ao bem jurídico, antecipa a consumação do delito.
Exemplo:
Art. 311. Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
A doutrina defende que nos crimes de perigo o agente deverá agir imbuído de dolo, pois não há a ressalva da possibilidade de conduta culposa, conforme exigido pelo parágrafo único do art. 18 do CP.
Todavia, os estudiosos do direito penal vislumbraram uma situação que causa perplexidade.
Imaginemos o seguinte exemplo: Um sujeito vem dirigindo a sua motocicleta em alta velocidade nas proximidades de uma escola. Então, em dado momento, atropela uma criança que tentava atravessar a rua, vindo a matá-la.
Neste caso, o agente responderia por crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 da Lei 9.503/97).
Então, surge a indagação: Como uma conduta dolosa anterior, trafegar, na condução de veículo automotor, em velocidade incompatível com a segurança, nas proximidades de escola, gerando perigo de dano (Crime doloso), se converte em um crime culposo (homicídio no trânsito)?
A resposta, conforme Rogério Greco, é que, na verdade, em muitas situações, aquilo que identificamos como um dolo de perigo acaba se confundindo com a inobservância do dever objetivo de cuidado, característica dos crimes culposos.
Tipo Culposo
        Art. 18 - Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
        Crime culposo (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
        II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
        Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Culpa: é o elemento normativo da conduta. A culpa é assim chamada porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe se ela está ou não presente. Com efeito, os tipos que definem os crimes culposos são, em geral, abertos (vide adiante), portanto, neles não se descreve em que consiste o comportamento culposo. Com isso, para a adequação típica será necessário mais do que simples correspondência entre conduta e descrição típica. Torna-se imprescindível que se proceda a um juízo de valor sobre a conduta do agente no caso concreto, comparando-a com a que um homem de prudência média teria na mesma situação.
Em suma, para se saber se houve culpa ou não será sempre necessário proceder-se a um juízo de valor, comparando a conduta do agente no caso concreto com aquela que uma pessoa medianamente prudente teria na mesma situação. Isso faz com que a culpa seja qualificada como um elemento normativo da conduta.
Dever objetivo de cuidado: é o dever que todas as pessoas devem ter; o dever normal de cuidado, imposto às pessoas de razoável diligência.
Tipo aberto: o tipo culposo é chamado de aberto, porque a conduta culposa não é descrita.
Crimes materiais: não existe crime culposo de mera conduta, sendo imprescindível a produção do resultado naturalístico involuntário para seu aperfeiçoamento típico.
Elementos do fato típico culposo
São os seguintes:
a) conduta (sempre voluntária);
b) resultado involuntário;
c) nexo causal;
d) tipicidade;
e) previsibilidade objetiva;
f) ausência de previsão (cuidado: na culpa consciente inexiste esse elemento); e
g) quebra do dever objetivo de cuidado (por meio da imprudência, imperícia ou negligência).
Previsibilidade objetiva: é a possibilidade de qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever o resultado.
Não se pode confundir o dever de prever, fundado na diligência ordinária de um homem qualquer, com o poder de previsão. Diz-se, então, que estão fora do tipo penal dos delitos culposos os resultados que estão fora da previsibilidade objetiva de um homem razoável, não sendo culposo o ato quando o resultado só teria sido evitado por pessoa extremamente prudente.
Previsibilidade subjetiva: é a possibilidade que o agente, dadas as suas condições peculiares, tinha de prever o resultado. Não importa se uma pessoa de normal diligência poderia ter previsto, relevando apenas se o agente podia ou não o ter feito.
Princípio do risco tolerado: há comportamentos perigosos imprescindíveis, que não podem ser evitados e, portanto, por seu caráter emergencial, não podem ser tidos como ilícitos. Mesmo arriscada, a ação deve ser praticada, e aceitos eventuais erros, dado que não há outra solução. Exemplo: médico que realiza uma cirurgia em circunstâncias precárias, podendo causar a morte do paciente.
Princípio da confiança: a previsibilidade também está sujeita a esse princípio, segundo o qual as pessoas agem de acordo com a expectativa de que as outras atuarão dentro do que lhes é normalmente esperado. Ao se aferir a previsibilidade de um evento, não se pode exigir que todos ajam desconfiando do comportamento dos seus semelhantes. Quando o motorista conduz seu veículo na confiança de que o pedestre não atravessará a rua em local ou momento inadequado (ação esperada) inexiste a culpa, não havendo que se falar em resultado previsível.
Inobservância do dever objetivo de cuidado: é a quebra do dever de cuidado imposto a todos e manifesta por meio de três modalidades de culpa, todas previstas no art. 18, II, do CP. Vejamos.
a) Imprudência: é a culpa de quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o cuidado necessário. Pode ser definida como a ação descuidada. Implica sempre um comportamento positivo. Uma característica fundamental da imprudência é a de que nela a culpa se desenvolve paralelamente à ação. Desse modo, enquanto o agente pratica a conduta comissiva, vai ocorrendo simultaneamente a imprudência. Exemplos: ultrapassagem proibida, excesso de velocidade, trafegar na contramão, manejar arma carregada etc. Em todos esses casos, a culpa ocorre no mesmo instante em que se desenvolve a ação.
b) Negligência: é a culpa na sua forma omissiva. Consiste em deixar alguém de tomar o cuidado devido antes de começar a agir. Ao contrário da imprudência, que ocorre durante a ação, a negligência dá-se sempre antes do início da conduta. Implica, pois, a abstenção de um comportamento que era devido. Exemplos: deixar de reparar os pneus e verificar os freios antes de viajar, não sinalizar devidamente perigoso cruzamento, deixar arma ou substância tóxica ao alcance de criança etc.
c) Imperícia: é a demonstração de inaptidão técnica em profissão ou atividade. Consiste na incapacidade, na falta de conhecimento ou habilidade para o exercício de determinado mister. Exemplos: médico vai curar uma ferida e amputa a perna, atirador de elite que mata a vítima, em vez de acertar o criminoso etc. Se a imperícia advier de pessoa que não exerce arte ou profissão, haverá imprudência. Assim, um curandeiro que tenta fazer uma operação espiritual, no lugar de chamar um médico, incorre em imprudência, e não em imperícia. Se, além da demonstraçãoda falta de habilidade, for ignorada pelo agente regra técnica específica de sua profissão, haverá ainda aumento da pena, sendo essa modalidade de imperícia ainda mais grave.
Diferença entre imperícia e erro médico: este ocorre quando, empregados os conhecimentos normais da medicina, por exemplo, chega o médico a conclusão errada quanto ao diagnóstico, à intervenção cirúrgica etc., não sendo o fato típico. O erro médico pode derivar não apenas de imperícia, mas também de imprudência ou negligência. Além disso, a imperícia não se restringe à área médica, podendo ocorrer em qualquer outra atividade ou profissão que requeira habilidade especial. Somente a falta grosseira desses profissionais consubstancia a culpa penal, pois exigência maior provocaria a paralisação da ciência, impedindo os pesquisadores de tentar métodos novos de cura, de edificações etc.
Espécies de culpa
1ª) Culpa inconsciente: é a culpa sem previsão, em que o agente não prevê o que era previsível.
2ª) Culpa consciente ou com previsão: é aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta, de pronto, por entender que a evitará e que sua habilidade impedirá o evento lesivo previsto.
Obs.: a culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra (“se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir”). Na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade (“se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas estou certo de que isso, embora possível, não ocorrerá”). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na culpa consciente supõe: “é possível, mas não vai acontecer de forma alguma”.
3ª) Culpa imprópria, também conhecida como culpa por extensão, por equiparação ou por assimilação: é aquela em que o agente, por erro de tipo inescusável, supõe estar diante de uma causa de justificação que lhe permita praticar, licitamente, um fato típico. Há uma má apreciação da realidade fática, fazendo o autor supor que está acobertado por uma causa de exclusão da ilicitude. Entretanto, como esse erro poderia ter sido evitado pelo emprego de diligência mediana, subsiste o comportamento culposo.
Exemplo: “A” está assistindo a um programa de televisão, quando seu primo entra na casa pela porta dos fundos. Pensando tratar-se de um assalto, “A” efetua disparos de arma de fogo contra o infortunado parente, certo de que está praticando uma ação perfeitamente lícita, amparada pela legítima defesa. A ação, em si, é dolosa, mas o agente incorre em erro de tipo essencial (pensa estarem presentes elementares do tipo permissivo da legítima defesa), o que exclui o dolo de sua conduta, subsistindo a culpa, em face da evitabilidade do erro.
Fernando Capez entende tratar-se de erro de tipo inescusável, que exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo. O agente deverá responder por crime culposo (culpa imprópria), na forma do art. 20, § 1º, parte final, do CP.
Atenção: Se a vítima vier a sobreviver, dado o aspecto híbrido da culpa imprópria (metade culpa, metade dolo), o agente responderá por tentativa de homicídio culposo. Sim, porque houve culpa no momento inicial, mas a vítima só não morreu por circunstâncias alheias à vontade do autor, no momento dos disparos. A ação subsequente dolosa faz com que seja possível a tentativa, mas houve culpa, pois se trata de caso de erro de tipo evitável. Aliás, esse é o único caso em que se admite tentativa em crime culposo.
4ª) Culpa mediata ou indireta: ocorre quando o agente produz indiretamente um resultado a título de culpa. Exemplo: um motorista se encontra parado no acostamento de uma rodovia movimentada, quando é abordado por um assaltante. Assustado, foge para o meio da pista e acaba sendo atropelado e morto. O agente responde não apenas pelo roubo, que diretamente realizou com dolo, mas também pela morte da vítima, provocada indiretamente por sua atuação culposa (era previsível a fuga em direção à estrada). Importante notar que, para a configuração dessa modalidade de culpa, será imprescindível que o resultado esteja na linha de desdobramento causal da conduta, ou seja, no âmbito do risco provocado, e, além disso, que possa ser atribuído ao autor mediante culpa.
Desse modo, a culpa indireta pressupõe: nexo causal (que o agente tenha dado causa ao segundo evento) e nexo normativo (que tenha contribuído culposamente para ele).
Compensação de culpas: não existe em Direito Penal. Desse modo, a imprudência do pedestre que cruza a via pública em local inadequado não afasta a do motorista que, trafegando na contramão, vem a atropelá-lo. A culpa recíproca apenas produz efeitos quanto à fixação da pena.
Culpa nos delitos omissivos impróprios: é possível a ocorrência de crimes omissivos impróprios culposos. É o caso da babá que, por negligência, descumpre o dever contratual de cuidado e vigilância do bebê e não impede que este morra afogado na piscina da casa. Responderá por homicídio culposo por omissão.
Excepcionalidade do crime culposo: regra importantíssima – um crime só pode ser punido como culposo quando houver expressa previsão legal (CP, art. 18, parágrafo único). No silêncio da lei, o crime só é punido como doloso.
Participação no crime culposo: há duas posições. Vejamos.
a) No tipo culposo, que é aberto, ou seja, em que não existe descrição de conduta principal, mas tão somente previsão genérica (“se o crime é culposo...”), não se admite participação. Com efeito, se no tipo culposo não existe conduta principal, dada a generalidade de sua descrição, não se pode falar em participação, que é acessória. Desse modo, toda concorrência culposa para o resultado constituirá crime autônomo.
Exemplo: motorista imprudente é instigado, por seu acompanhante, a desenvolver velocidade incompatível com o local, vindo a atropelar e matar uma pessoa. Ambos serão autores de homicídio culposo, não havendo que se falar em participação, uma vez que, dada a natureza do tipo legal, fica impossível detectar qual foi a conduta principal.
b) Mesmo no tipo culposo, que é aberto, é possível definir qual a conduta principal. No caso do homicídio culposo, por exemplo, a descrição típica é “matar alguém culposamente”; logo, quem matou é o autor e quem o auxiliou, instigou ou induziu à conduta culposa é o partícipe. Na hipótese a, quem estava conduzindo o veículo é o principal responsável pela morte, pois foi quem, na verdade, matou a vítima. O acompanhante não matou ninguém, até porque não estava dirigindo o automóvel. Por essa razão, é possível apontar uma conduta principal (autoria) e outra acessória (participação).
Para Zaffaroni, o crime tem 03 requisitos: a) fato típico; b) antijuridicidade e c) culpabilidade. Ele criou a TIPICIDADE CONGLOBANTE, ou seja, busca três idéias:
● se existe uma norma que autoriza a conduta, o que está autorizado não poderá ser proibido por outra. Ex.: Norma que autoriza o aborto em caso de estupro (art. 128 CP). Se praticá-lo será fato atípico.
● se existe uma norma que fomenta a conduta, o que está fomentado não poderá ser proibido por outra. Ex.: A prática desportiva.
● se existe uma norma que determina a conduta, o que está determinado não poderá ser proibido por outra. Ex.: Norma que determina o estrito cumprimento do dever legal (a norma determina que o policial DEVE prender em flagrante e não apenas pode prender). Ou seja, para Zaffaroni o estrito cumprimento do dever legal exclui a tipicidade e não a antijuridicidade. Ex.: Um parlamentar assume a Presidência da Câmara dos Deputados e faz severas críticas à Lula (ofende a sua honra). É um fato atípico, pois é caso de imunidade material parlamentar – art. 53 CRFB/88.

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