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APOSTILA O Direito como processo de adaptação social

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O Direito como processo de adaptação social
O Fenômeno da Adaptação Humana 
Segundo Paulo Nader, para alcançar a realização de seus ideais de vida individuais, sociais ou de humanidade - o homem tem de atender às exigências de um condicionamento imensurável: submeter-se às leis da natureza e construir o seu mundo cultural. São duas exigências valoradas pelo Criador como requisitos à vida do homem na Terra com o vocábulo vida implicando desenvolvimento de todas as faculdades do ser. 
O condicionamento, imposto ao homem de forma inexorável, gera múltiplas necessidades, por ele atendidas mediante os processos de adaptação. Graças a esse mecanismo, o homem se torna forte, resistente, apto a enfrentar os rigores da natureza, capaz de viver em sociedade, desfrutar de justiça e segurança, de conquistar, enfim, o seu mundo cultural. Por dois processos distintos - interna e externamente - se faz a adaptação humana.
Adaptação Interna - Também denominada orgânica, esta forma de adaptação se processa através dos órgãos do corpo, sem a intervenção do elemento vontade. Tal processo não constitui privilégio do homem, mas um mecanismo comum a todos os seres vivos da escala animal e vegetal. Os órgãos, em seu ininterrupto trabalho, desenvolvendo funções de vida, superam situações físicas adversas, algumas transitórias e outras permanentes, mediante transformações operadas na área atingida ou no todo orgânico. A perda de um rim promove ativo trabalho de adaptação orgânica às novas condições, com o órgão solitário passando a desenvolver uma atividade mais intensa. Pessoas que se locomovem para regiões de maior altitude sentem-se afetadas pela menor pressão atmosférica, o que provoca o início imediato de um processo de adaptação, no qual várias modificações são realizadas, salientando-se a multiplicação dos glóbulos vermelhos no sangue. Em pouco tempo, porém, readquirem o vigor físico, voltando às suas condições normais de vida. Alexis Carrel coloca em evidência toda a importância desse mecanismo: “A adaptação é essencialmente teleológica. É graças a ela que o meio interno se mantém constante, que o corpo conserva a sua unidade, que se curadas doenças. É graças a ela que duramos, apesar da fragilidade e do caráter transitório dos nossos tecidos”.
Adaptação Externa - Ao homem compete, com esforço e inteligência, complementar a obra da natureza. As necessidades humanas, não supridas diretamente pela natureza, obrigam-no a desenvolver esforço no sentido de gerar os recursos indispensáveis. Consciente de suas necessidades e carências, ele elabora. A atividade que desenvolve, modelando o mundo exterior, tem um sentido de adaptação, de acomodar os objetos, as ideias e a vida social às suas inumeráveis necessidades. Em consequência de seu esforço, perspicácia e imaginação, surge o chamado mundo da cultura, composto de tudo aquilo que ele constrói, visando a sua adaptação externa: a cadeira, o metrô, uma canção, as crenças, os códigos etc. O processo adaptativo é elaborado sempre diante de uma necessidade, configurada por um obstáculo da natureza ou de carências. Esta forma de adaptação é igualmente denominada extraorgânica.
A própria vida em sociedade já é um processo de adaptação humana. Para atingir sua plenitude, o homem precisa não só da convivência, mas da participação na sociedade. Do trabalho que esta produz, o homem extrai proveitos e se realiza não apenas quando aufere os benefícios que a coletividade gera, mas principalmente quando se faz presente nos processos criativos.
Direito e Adaptação 
A relação entre a sociedade e o Direito apresenta um duplo sentido de adaptação: de um lado, o ordenamento jurídico é elaborado como processo de adaptação social e, para isto, deve ajustar-se às condições do meio; de outro, o Direito estabelecido cria a necessidade de o povo adaptar o seu comportamento aos novos padrões de convivência.
A vida em sociedade pressupõe organização e implica a existência do Direito. A sociedade cria o Direito no propósito de formular as bases da justiça e segurança. Com este processo as ações sociais ganham estabilidade. A vida social torna-se viável. O Direito, porém, não é uma força que gera, unilateralmente, o bem-estar social. Os valores espirituais que o Direito apresenta não são inventos do legislador. Por definição, o Direito deve ser uma expressão da vontade social e, assim, a legislação deve apenas assimilar os valores positivos que a sociedade estima e vive. O Direito não é, portanto, uma fórmula mágica capaz de transformar a natureza humana. Se o homem em sociedade não está propenso a acatar os valores fundamentais do bem comum, de vivê-los em suas ações, o Direito será inócuo, impotente para realizar a sua missão.
Por não ser criado pelo homem, o Direito Natural, que corresponde a uma ordem de justiça que a própria natureza ensina aos homens pelas vias da experiência e da razão, não pode ser admitido como um processo de adaptação social. O Direito Positivo, aquele que o Estado impõe à coletividade, é que deve estar adaptado aos princípios fundamentais do Direito Natural, cristalizados no respeito à vida, à liberdade e aos seus desdobramentos lógicos.
À indagação, no campo da mera hipótese e especulação, se o Direito se apresentaria como um processo de adaptação, caso a natureza humana atingisse o nível da perfeição, impõe-se a resposta negativa. Se reconhecermos que o Direito surge em decorrência de uma necessidade humana de ordem e equilíbrio, desde que desapareça a necessidade, cessará, obviamente, a razão de ser do mecanismo de adaptação. Outras normas sociais continuarão existindo, com o caráter meramente indicativo, como as relativas à higiene pública, trânsito e tributos, mas sem o elemento coercibilidade, que é uma característica exclusiva do Direito.
O Direito como Processo de Adaptação Social - As necessidades de paz, ordem e bem comum levam a sociedade à criação de um organismo responsável pela instrumentalização e regência desses valores. Ao Direito é conferida esta importante missão. A sua faixa ontológica localiza-se no mundo da cultura, pois representa elaboração humana. O Direito não corresponde às necessidades individuais, mas a uma carência da coletividade. A sua existência exige uma equação social. Só se tem direito relativamente a alguém. O homem que vive fora da sociedade vive fora do império das leis. O homem só, não possui direitos nem deveres.
Para o homem e para a sociedade, o Direito não constitui um fim, apenas um meio para tornar possível a convivência e o progresso social. Apesar de possuir um substrato axiológico permanente, que reflete a estabilidade da natureza humana, o Direito é um engenho à mercê da sociedade e deve ter a sua direção de acordo com os rumos sociais.
As instituições jurídicas são inventos humanos que sofrem variações no tempo e no espaço. Como processo de adaptação social, o Direito deve estar sempre se refazendo, em face da mobilidade social. A necessidade de ordem, paz, segurança, justiça, que o Direito visa a atender, exige procedimentos sempre novos. Se o Direito se envelhece, deixa de ser um processo de adaptação, pois passa a não exercer a função para a qual foi criado. Não basta, portanto, o ser do Direito na sociedade, é indispensável o ser atuante, o ser atualizado. Os processos de adaptação devem-se renovar, pois somente assim o Direito será um instrumento eficaz na garantia do equilíbrio e da harmonia social.
Este processo de adaptação externa da sociedade compõe-se de normas jurídicas, que são as células do Direito, modelos de comportamento social, que fixam limites à liberdade do homem, mediante imposição de condutas.
Na sua missão de proporcionar bem-estar, a fim de que os homens possam livremente atingir os ideais de vida e desenvolver o seu potencial para o bem, o Direito não deve absorver todos os atos e manifestações humanas, de vez que não é o único responsável pelo sucesso das relações sociais. A Moral, a Religião, as Regras de Trato Social, igualmente zelam pela solidariedadee benquerença entre os homens. Cada qual, porém, em sua faixa própria. A do Direito é regrar a conduta social, com vista à segurança e justiça. A sua intervenção no comportamento social deve ocorrer, unicamente, em função daqueles valores. Somente os fatos sociais mais importantes para o convívio social devem ser disciplinados. O Direito, portanto, não visa ao aperfeiçoamento do homem - esta meta pertence à Moral; não pretende preparar o ser humano para a conquista de uma vida supraterrena, ligada a Deus - valor perquirido pela Religião; não se preocupa em incentivar a cortesia, o cavalheirismo ou as normas de etiqueta - âmbito específico das Regras de Trato Social. Se o Direito regulamentasse todos os atos sociais, o homem perderia a iniciativa, a sua liberdade seria utópica e passaria a viver como autômato.
De uma forma enfática, Pontes de Miranda se refere ao Direito como um fenômeno de adaptação: “O Direito não é outra coisa que processo de adaptação”. “Direito é processo de adaptação social, que consiste em se estabelecerem regras de conduta, cuja incidência é independente da adesão daqueles a que a incidência da regra jurídica possa interessar”. A vinculação entre Direito e necessidade, essencial à compreensão do fenômeno jurídico como processo adaptativo, é feita também por Recaséns Siches, quando afirma que “o Direito é algo que os homens fabricam em sua vida, sob o estímulo de umas determinadas necessidades; algo que vivem em sua existência com o propósito de satisfazer àquelas necessidades..."
A dificuldade em se adaptar ao sistema jurídico, leis projetadas para outra realidade, tem sido o grande obstáculo ao fenômeno da recepção do Direito estrangeiro.
Adaptação das Ações Humanas ao Direito - A sociedade cria o Direito e, ao mesmo tempo, se submete aos seus efeitos. O novo Direito impõe, em primeiro lugar, um processo de assimilação e, posteriormente, de adequação de atitudes. O conhecimento do ordenamento jurídico estabelecido não é preocupação exclusiva de seus destinatários. O mundo jurídico passa a se empenhar na exegese do verdadeiro sentido e alcance das regras introduzidas no meio social. Esta fase de cognição do Direito algumas vezes é complexa. As interrogações que a lei apresenta abrem divergências na doutrina e nos tribunais, além de deixar inseguros os seus destinatários.
Com a definição do espírito da lei, a sociedade passa a viver e a se articular de acordo com os novos parâmetros. Em relação aos seus interesses particulares e na gestão de seus negócios, os homens pautam o seu comportamento e se guiam em conformidade com os atuais conceitos de lícito e de ilícito.
As condições ambientais favoráveis à interação social não são obtidas com a pura criação do Direito. É indispensável que a lei promulgada ganhe efetividade, isto é, que os comandos por ela estabelecidos sejam vividos e aplicados nos diferentes níveis de relacionamento humano.[28]O conteúdo de justiça da lei e o sentimento de respeito ao homem pelo bem comum devem ser a motivação maior dos processos de adaptação à nova lei. Contudo, a experiência revela que o homem, não obstante a sua tendência para o bem, é fraco. Por este motivo a coercibilidade da lei atua, com intensidade, como estímulo à efetividade do Direito.

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