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POR UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (GERENCIAL OU NÃO) MAIS ACCOUNTABLE NO BRASIL ENTRE OUTRAS COISAS, UMA QUESTÃO DE RESPEITO ÀS SALVAGUARDAS CONSTITUCIONAIS

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XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001 
 
POR UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (GERENCIAL OU NÃO) MAIS 
ACCOUNTABLE NO BRASIL: ENTRE OUTRAS COISAS, UMA QUESTÃO DE 
RESPEITO ÀS SALVAGUARDAS CONSTITUCIONAIS 
 
Elida Graziane Pinto 
_____________________________ 
Mención honorífica 
 
 
 “Guardadas estas distinções [limitação supra-individual, às gerações presentes e futuras, 
sendo não só auto-limitação, mas também limitação às correntes vencidas no embate constituinte], 
a imagem de Ulisses atado ao mastro de sua embarcação, por vontade própria, com a finalidade de 
se autopreservar [em relação ao canto mortal das sereias], é paradigmática dos sistemas 
constitucionais democráticos, em que a sociedade, através de um instrumento constitucional rígido, 
restringe seu próprio poder de decisão, objetivando perpetuar sua liberdade de decidir. Sua 
autonomia. Nos dois casos a possibilidade de ação por parte do indivíduo ou do corpo político é 
bloqueada com o objetivo de auto-preservação.” 
Oscar Vilhena Vieira (1997, p. 55) 
 
“Como a apropriação, o controle e a transferência dos recursos públicos e a prerrogativa 
de concessão de estímulos, quotas e subsídios sempre consistem numa formidável fonte de poder, é 
a preocupação com risco de eventuais arbítrios que, nos períodos de transição e consolidação 
democrática, leva os juristas a se converterem nos profissionais dos procedimentos, dos prazos e 
das argumentações lógico-formais – numa palavra, nos guardiães da legalidade.” 
José Eduardo Faria (1993, p. 39) 
 
 “... quem quiser reformas ou justiça social articuladas com a democracia terá de propô-
las, articulá-las e, provavelmente, realizá-las, porque o sistema democrático não as realiza por si 
só, embora faça algo imprescindível, isto é, garanta o terreno onde elas podem se realizar.” 
José Álvaro Moisés (1989, p. 61) 
 
 “Nada resolve o problema, nada é suficiente. A administração, seja pública ou privada, é 
um processo de aperfeiçoamento constante e de correção permanente de rumos. Eu sempre digo 
que administrar alguma coisa é consertar hoje o que foi desmanchado ontem. Porque não existe 
vôo de cruzeiro na administração pública. A burocracia pensa que existe, que você faz uma lei e 
ela significa um vôo de cruzeiro. Mas não existe.” 
Luiz Carlos Bresser Pereira (1998, p. 23), 
em resposta à pergunta sobre o preparo do alto escalão do governo para lidar com os “novos 
mecanismos” introduzidos pela EC n.º 19/98 e para resolver os problemas atuais da Administração 
Pública brasileira. 
 
Apresentação 
Perante o diagnóstico de uma Administração Pública constitucionalmente normatizada 
demais e tida como verdadeiro “retrocesso burocrático”1 pelos governantes que deveriam 
implementá-la, foram lançados, nesta última década, no Brasil, temas de reforma do Estado 
francamente controversos. 
 
1 É este um dos principais argumentos do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE, 1995) 
para estimular e angariar apoio às propostas de emenda constitucional levadas a cabo na discussão sobre o 
modelo de administração estatal adotado no Brasil, até que, de fato, veio a Emenda Constitucional n.º 19/98, 
que, segundo Bresser Pereira (1998), “acabou representando a opção pela administração gerencial”. 
 
 
 
XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001 
 
Temas como a dispensa de servidores estáveis pela insuficiência de desempenho e pelo 
excesso de comprometimento da receita com folha de pagamento; a retirada do Estado da prestação 
de serviços sociais tidos, pela própria CR/88, como deveres dele; ou ainda a mera ênfase no 
controle de resultados de entes que gerem verbas públicas, vieram a mitigar, além da alcunha de 
“cidadã”2 da Constituição de 88, o próprio respeito à ordem constitucional estatuída, na medida em 
que frustraram um considerável número de direitos e garantias teoricamente intangíveis. 
Nesse sentido, em se repassando o muito que se disse no país sobre uma “crise de 
governabilidade” tão paralisante que demandava um Executivo cada vez mais forte e programas de 
reformulação impostos em bloco, de maneira cada vez mais incisiva (Diniz, 1997), há de se 
perceber na “reforma” do Estado brasileiro um claro caráter experimentalista3. Tal 
“experimentação” reformadora se deu testando medidas, por vezes, inconstitucionais para crises ad 
hoc, sem maiores contrapontos democráticos e, por isso, sem coerência política, já que faltava aqui 
uma necessária responsabilidade política estendida4. (Stark & Bruszt, 1998) 
Emergiram, então, programas econômicos, muitas das vezes, intocados sequer pela menor das 
tentativas de controle de constitucionalidade (Arantes, 1997). E, sem negociar pactos duradouros 
para grandes e imprevisíveis mudanças, só se fez pensar na espiral inflacionária em curtíssimo 
prazo, independentemente de garantias e valores constitucionais de referência democrática (Diniz, 
1997). 
Uma vez controlada a problemática da inflação, voltaram-se os Executivos – então, 
legisladores inquestionáveis da crise5 – para o necessário redimensionamento da dívida pública e 
daí emergiu, com grande força, na agenda política nacional, a pauta da reforma dos mecanismos de 
gestão da coisa pública, do papel que o Estado deveria desempenhar e do tamanho que ele deveria 
ter. 
Ora, esteve-se e ainda se está lidando aqui com a premência do princípio da eficiência e a 
retirada massiva do Estado (mínimo?) de núcleos onde é imprescindível salvaguardar alguns dos 
mais caros princípios ao modelo de Estado democrático fundado na ordem constitucional vigente, 
como o da indisponibilidade do interesse público pela Administração, o da continuidade do serviço 
 
2 Adjetivo deveras simbólico dado por Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, 
por ocasião da sua promulgação, em 5.10.1988, à Constituição da República hoje vigente. 
3 Eli Diniz (1996, p. 10-11) tece uma crítica, sobre tal aspecto “voluntarista” das medidas reformadoras do 
governo, que aqui se mostra deveras pertinente: 
“... o vonlutarismo da elite estatal não afeta apenas a esfera parlamentar [gerando um comportamento 
irresponsável e populista do Congresso], senão que seus efeitos perversos atingem o próprio Governo, já que, 
a longo prazo, a credibilidade de seus atos tende a ser abalada. É preciso considerar que o excesso de poder 
discricionário abre o caminho para práticas de experimentação irrestrita, dada a inexistência de freios 
institucionais, favorecendo uma política errática, de avanços e recuos, ensaio e erro, mudanças bruscas nas 
regras do jogo, na tentativa de corrigir erros no percurso ou de reduzir resistências, sem os percalços da 
negociação.” 
4 É importante explicar aqui a crucial dimensão de tal conceito a partir da própria pesquisa empírica realizada 
pelos citados sociólogos, em análise dos processos de reestruturação político-econômica ocorridos, durante a 
década de 90, na Alemanha, Hungria e República Tcheca. 
Ao defenderem a hipótese de que autoridade (capacidade de implementar medidas de governo) e 
responsabilidade (constrangimentos institucionais) não são incompatíveis, Stark & Bruszt chegam à inóspita, 
mas crucial conclusão de que “expondo as políticas a maior vigilância, a responsabilidade política estendida 
reduz as possibilidades de os executivos cometerem enormes erros de cálculo em políticas extremas e sem 
consideração para com outros atores.” (1998, p. 26) 
Daí a fundamental perspectiva de que “as deliberações estendidas não tornaram as políticas mais ‘fracas’: elas 
amenizaram as políticas, tornando-as mais duráveis por serem mais elásticas. A responsabilidade política 
estendida não comprometeu os políticos:tornou suas visões mais pragmáticas.” (p. 27) 
5 Trata-se ainda hoje de uma das maiores rupturas com o Estado Democrático delineado na CR/88 o abuso 
das medidas provisórias, alçando o Executivo à condição de legislador por excelência. 
 
2
 
 
 
XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001 
 
público e o da estrita legalidade a que se encontra submetida a Administração Pública. 
Note-se que a estrita legalidade, por seu turno, encontra-se performada, na seara do direito 
administrativo, em institutos outros como o de licitação (que é um inafastável controle – burocrático 
– de processos) na contratação com verbas públicas; o de dispensa de servidores através do devido 
processo legal – seja por insuficiência de desempenho, seja por excesso da folha de pagamento 
como a EC n.º 19/98 previu –; o de contratação de pessoal mediante concurso público, entre outros. 
Todos esses institutos comungam de uma mesma importante diretriz, a de que há de haver uma 
submissão do Poder Público à estrita legalidade porque não cabe ao gestor da coisa pública dispor 
subjetiva e arbitrariamente do interesse público (Mello, 1999; 2000). 
Assim sendo, ao proclamar uma Administração mais autônoma e permeada pela 
discricionária lógica de mercado, na qual só os resultados bastam6, estaria a se prescindir de 
controles de um devido processo legal na gestão do interesse público. Em outras palavras, estaria se 
perdendo de vista mecanismos de controle de um Executivo cada vez mais forte (quiçá mais 
absoluto) para imprimir uma eficiência que, por si só, não dá conta das garantias constitucionais 
estatuídas na ordem político-jurídica instaurada em 88 e até os dias atuais (ainda) vigente. 
Daí é que se lança o risco incomensurável de que, a uma Administração Pública “gerencial”, 
não se possa contrapor uma estrita legalidade, sob pena de se estar “retrocendendo” ao modelo 
burocrático de gestão. E eis que, fora dos limites da legalidade, a preciosa autonomia gerencial não 
haverá de responder pela mais ancilar das garantias do Estado de Direito, porque, no limite, o risco 
é de que somente haja uma discricionária avaliação pessoal do administrador, a dizer sobre a 
“eficiência” das suas decisões e sobre um interesse público marcado unicamente pelo princípio de 
mercado. 
Para o tratamento de tal feixe de problemas, primeiramente será traçado um conjunto de 
ponderações gerais sobre o contexto em que a Constituição da República Federativa do Brasil de 
1988 emergiu tanto como ponto culminante no processo de redemocratização nacional, quanto 
como diretriz político-jurídica inafastável do desenho institucional de Estado que se quer. 
Em um segundo momento, cumpre tratar sobre como foi delineado, no Brasil, o diagnóstico 
da crise do Estado, quais as implicações desta no processo de consolidação democrático-
constitucional em curso e como surgiram algumas das mais relevantes propostas de reformulação da 
atuação do Estado. 
Aqui, notadamente, há de ser retomada a discussão de como se deu a proposta de reforma 
introduzida pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) de 1995, no sentido de 
se questionar a premência de uma reforma para setores dentro do aparelho do Estado e não para 
todo ele, uma vez que os inúmeros jogos de redesenho institucional (Tsebelis, 1998) propostos não 
diziam da qualidade de Estado que se queria buscar, nem da conformação de mudanças na relação 
Estado-sociedade, mas tão somente do tamanho (mínimo?) que o tornaria mais eficiente... 
Já, em sede de avaliação específica sobre alguns dos principais pilares de mudança da dita 
“reforma administrativa” contemporânea, o foco da presente análise se voltará para a crítica da 
pretensa conformação de um “novo paradigma” (?) de gestão pública, qual seja, o da Administração 
Pública gerencial. 
Tal crítica cabe na medida em que, sob um tal modelo gerencial, vêm sendo negligenciadas, 
precisamente, garantias constitucionais que corroboravam a célebre alcunha de “cidadã” dada à 
CR/88, quando de sua promulgação. Também cabe referida crítica, uma vez que seguem sendo 
ultrapassadas impunemente salvaguardas primordiais da indisponibilidade do interesse público pela 
atuação da Administração. 
A partir dos elementos acima, cumpre concluir com o levantamento de alguns riscos na nova 
 
6 Segundo Bresser Pereira, “o que acontece é que esses administradores públicos, no modelo burocrático, são 
obrigados a administrar o Estado de acordo com a norma legal estrita, seguindo procedimentos muito rígidos, 
sem nenhuma liberdade para tomar decisões. O que faz a reforma gerencial é dar autonomia aos 
administradores públicos e aumentar suas responsabilidades.” (1998, p. 21-22) 
 
3
 
 
 
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lógica de atuação da Administração Pública, cujos limites não mais se dariam “burocraticamente” 
até onde a Constituição e as leis assim estipulassem, mas até onde as metas de mercado 
discricionariamente conduzissem, quiçá até em arbitrário desrespeito à própria Constituição. 
Em última instância, o que se pretende é o resgate da CR/88 – em alguns dos seus 
imprescindíveis dispositivos burocratizantes – como uma garantia dos administrados de que se está 
sob um Estado de Direito, dentro do qual a Administração não pode fugir ao império das leis, por 
mais que a eficiência deva ser levada em conta. Em igual medida, está a se pretender no presente 
estudo também o resgate da Constituição como ordem política que deve produzir interdependências 
não mercantis com o democrático intuito de incentivar uma cidadania inclusiva, daí que qualidade e 
não só tamanho do Estado é que deve ser reformulado. 
 
1. Introdução 
Não mais que dois anos foram necessários para que, sob os auspícios da pregação fatalística 
da crise do Estado a partir de 1990, a então extremamente recente Constituição da República 
Federativa do Brasil de 1988 passasse a ser questionada, pelos próprios governantes do país, no 
mérito da sua (in)capacidade de fornecer instrumentais normativos para se gerenciar 
“eficientemente” o aparato estatal em prol do interesse público7. 
Se, em 5.10.1988, a interpretação político-ideológica do “interesse público” acabou 
resultando numa nova ordem jurídica fundamental, que era entregue à sociedade brasileira, como 
fruto último do árduo e sinuoso caminho de redemocratização, assim o foi porque o contexto 
nacional fora amadurecido para aquele momento por quase toda uma década, em amplas 
mobilizações político-sociais ao longo dos anos 80. 
Contra a memória do período ditatorial, surgia uma nova Constituição mais generosa em 
liberdades civis, em direitos dos cidadãos e em garantias sociais, cujo objetivo no médio prazo era 
consolidar a transição do Estado brasileiro, então ditatorial e intervencionista, rumo a um modelo de 
Estado Democrático de Direito. 
Contudo, em 88, para além da conquista formal de uma “Constituição Cidadã”, ficara o 
desafio do efetivo implemento da maior parte dos ganhos sociais por ela assegurados como direitos 
fundamentais. Como poderia o Estado brasileiro, no início dos anos 90, ter um horizonte de 
investimento em todas as áreas demandadas, se economicamente envolto em questões de 
instabilidade monetária e deficits públicos paralisadores, e administrativamente abandonado seja a 
interesses clientelistas, seja a trâmites onerosa e excessivamente burocráticos? 
Em face de um contexto de precário planejamento institucional de governos cada vez mais 
reféns de suas dívidas políticas e financeiras, restaria a culpa das incapacidades em cumprir a 
Constituição da República para ela mesma. A Constituição de 88, sob esse âmbito de análise, 
passou a ser tida como uma verdadeira fonte demais e mais burocracia e também de mais e mais 
ineficiência, assim como passou a figurar como causa crítica, independentemente da avaliação 
singularizada de governos passados e presentes, do acirramento de várias frentes de endividamento 
estatal (funcionalismo público, crescimento explosivo do número de municípios, maior controle por 
processos e não por resultados etc). 
Ora, segundo essa lógica e em unissonância com correntes econômicas (diz-se do ismo 
“neoliberal”) pela redução da intervenção e do tamanho do Estado, em 1995, o Plano Diretor da 
Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) lançou as bases do projeto governamental brasileiro de 
reestruturação do aparato estatal, não só enquanto “resposta à crise generalizada do Estado”, mas 
também, segundo o discurso político vigente, enquanto “forma de defendê-lo como ‘res publica’ ”, 
 
7 Segundo Olavo Brasil Jr. (1998, p. 19), “um aspecto crucial no Plano Diretor é o reconhecimento de que as 
tentativas de reforma no início dos anos 80 foram inteiramente abortadas pelos constituintes, que produziram 
uma Constituição que ‘promoveu um surpreendente engessamento do aparelho estatal’. (Plano Diretor da 
Reforma do Aparelho do Estado, 1995, p. 27). É com base nisto que se pode entender o amplo programa de 
reformas constitucionais promovido pelo governo [Cardoso] desde os seus primeiros meses de atuação.” 
 
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XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001 
 
o que determinou, segundo o próprio Plano Diretor, o caráter “imperativo” da reforma nos anos 90. 
(PDRAE, 1995:19) 
Mal saído da ditadura militar, o povo brasileiro, em um curto intervalo de tempo (não mais 
que sete anos), se viu diante da propagação da idéia de que o Estado se encontrava em tal profunda 
crise, que o único e preciso remédio seria justamente uma gradativa e densa reestruturação daquela 
Constituição “cidadã”, que, de tão “generosa”, se transformara em entrave ao desenvolvimento 
econômico do país. 
É justamente embalada no discurso de que a ordem constitucional brasileira e o aparato 
estatal precisavam de reformas profundas e urgentes que surgiu a noção de uma “Administração 
Pública gerencial”. 
Sob um rótulo de modelo de administração pública como esse, incentivou-se, por exemplo, a 
consecução de contratos de gestão, na exata medida do trade-off entre maior autonomia e a 
correspondente assunção de maior responsabilidade por metas e resultados, sem, contudo, garantir 
apropriadamente a objetividade e legalidade de um tal controle de resultados. Incentivou-se a 
participação de camadas da sociedade presumida e potencialmente mais organizadas e eficientes 
que o próprio Estado; além da progressiva cobrança, junto aos servidores, de desempenhos para 
além de satisfatórios, ainda que pendente uma devida delimitação de instrumentos objetivos de 
como se avaliaria tal desempenho. 
Nesse mesmo diapasão, na seara da organização administrativa, privatizou-se onde se 
acreditava que o Estado não deveria continuar e fez-se entender que o âmbito de atuação do Estado 
deveria, para ser “eficiente”, restringir-se ao seu “Aparelho”. 
No plano orçamentário, buscou-se racionalizar o comprometimento das receitas 
orçamentárias com a folha de pagamentos e, em igual medida, criaram-se mecanismos para que se 
pudesse responsabilizar, mais rigidamente, os administradores públicos pelo crescimento 
desordenado das despesas e das renúncias fiscais. Em contrapartida ao reposicionamento 
orçamentário proposto, tentou-se, na questão tributária, pensar mecanismos de ampliação das 
receitas e de redefinição das competências tributárias. 
Por outro lado, na abordagem da relação entre a Administração Pública e o administrado/ 
usuário de serviço público/ cidadão, mitificou-se a idéia do cidadão-cliente, justamente cliente da 
eficiente empresa na qual o Estado pretende se transformar. Assim como, no concernente aos 
servidores e empregados públicos, pregou-se o fim dos “privilégios”, a relativização da estabilidade 
e um menor comprometimento do sistema previdenciário especial junto ao Tesouro, além de se ter 
“enxugado” a máquina pública com a demissão de muitos servidores não-estáveis. 
Ao cabo de um elenco meramente exemplificativo e descritivo, fato é que, já no plano das 
práticas organizacionais de cunho eminentemente ideológico, tentou-se aplicar noções de qualidade 
total, de reengenharia e de gestão gerencial e empreendedora à uma Administração Pública 
teoricamente burocrática demais, que sequer ultrapassara algumas constantes práticas clientelistas... 
E reformou-se a Constituição da República, não uma, nem duas, nem uma dezena de vezes, 
mas outras tantas dezenas de vezes, em que o que menos se respeitou foi a alegação de que as 
reformas não poderiam ferir direitos adquiridos, uma vez que, de tão cidadã, a Constituição passara 
a ser observada como retrocesso burocrático: eis a perplexidade estrutural da presente proposta de 
trabalho. 
 
2. A Conquista da Constituição da República de 1988 e a Meta de Construção do Estado 
Democrático de Direito brasileiro 
 
2.1. Constituição e Defesa do Estado Democrático de Direito 
Embora surgida de uma necessidade emblemática de refutar o passado ditatorial; bem como 
tolhida pela dificuldade material de implementar reformas de cunho includente no curto prazo; além 
de francamente conciliadora de posições, por vezes, incompatíveis, a Constituição de 88 tentou 
instaurar uma institucionalidade democrática que carrega consigo as metas de democracia liberal e 
 
5
 
 
 
XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001 
 
de justiça social. E, para o cumprimento de tais metas, o Estado concorreria decisiva, ainda que não 
exclusivamente, haja vista a qualidade que a Constituição lhe imprimiu: Democrático de Direito. 
Por maiores que tenham sido e ainda sejam as críticas8, é ela (a Carta de 88) fruto de uma 
histórica expectativa de que seria possível, democraticamente, dar novos rumos para o país; daí a 
alcunha (utopia?) de “cidadã”; daí a inversão do seu curso em prol do homem e dos direitos deste; 
daí a necessidade de retomar o modelo dirigente, como se fosse possível conduzir normativamente 
uma reforma socializante das instituições brasileiras... 
Se se buscar uma fundamentação político-constitucionalista para tal papel fundante e 
reformador da Constituição da República de 88, será possível resgatar que constitucionalismo, no 
dizer de Andrew Arato, implica “elevar o patamar de aprendizado possível; ou seja, que não se tente 
aprender imediatamente frente às frustrações empíricas.“ (1997, p. 39) A Constituição, nesse 
sentido, seria um verdadeiro instrumento de “segurança” dos cidadãos sobre a regularidade 
democrática e a transformação social. (Faria, 1993, p. 40) 
Para além da garantia das “regras do jogo” (Bobbio, 1986), a Constituição brasileira trouxe 
consigo uma ideologia inafastável, que, se hoje a fragiliza em tempos de reforma minimalista do 
Estado, à época era um dos seus mais caros fundamentos de validade. Era a ideologia/tentativa de 
elevar o aprendizado da democracia liberal brasileira pré-64 para uma democracia substantiva e 
mais igualitária. 
Em se dando destaque a essa conotação da CR/88 de ordem reformadora para uma maior 
justiça social e regularidade democrática, não se pode perder de vista que, segundo Habermas (apud 
in Vieira, 1997, p. 61,78), as constituições, para serem válidas, devem se pautar por um fundamento 
que as legitime como ordem justa, devendo ser “intrinsecamente boas”, ou, em outras palavras, 
conter uma verdadeira “reserva de justiça”. 
Sob o referido marco teórico, trata-se, portanto, de elevar a exigência de que a constituição 
cumpra meramente determinada forma para uma outra exigênciamais densa, qual seja, a de que seu 
fundamento de validade ( = legitimidade) se dê por meio da dignidade de seu reconhecimento como 
ordem justa e por meio da convicção, por parte da coletividade, de sua “bondade intrínseca”. 
 
8 Segundo Uadi Lammêgo Bulos (1999, p. 122-123): 
“Num esforço extraordinário, a grande meta era implantar um Estado Democrático, após vinte e cinco anos 
de regime militar e quase doze de abertura lenta e gradual. 
Enfeixaram num texto extenso, minudente, detalhista – apelidado de ‘constituição cidadã’ – uma considerável 
dose de utopismo, bem intencionado, porém delirante. Em contrapartida, teve a virtude de espelhar a 
reconquista das liberdades públicas, superando o vezo autoritário que se impusera ao País. (...) 
Nesse íterim, predominava: o corporativismo, dos grupos que manipulavam recursos; o ideal socialista, 
daqueles que queriam fazer justiça social sem liberdade econômica; o estatismo, dos que acreditavam que a 
sociedade não poderia prescindir de tutela; do paternalismo, daqueles que queriam que o governo tudo lhes 
prodigalizasse, sem a necessidade do trabalho e do esforço próprio; do assistencialismo, dos que supunham 
que a palavra escrita se converte, de um súbito, em benefícios imediatos; do fiscalismo, dos despreocupados 
com a sobrecarga tributária. 
Conseqüência disso: 
1º) implantação de um texto constitucional xenófobo, arremedo mal formulado de ‘constituição dirigente’; 
2º) hegemonia dos grupos de pressão de caráter proteiforme, dos lobbies e das classes corporativas; 
3º) superposição de minúcias írritas, totalmente impróprias para um documento equilibrado e duradouro; 
4º) as matérias foram prescritas de maneira reiterada, prestigiando-se uma sistematização pleonástica, 
desuniforme, confusa, com nítido predomínio de normas de eficácia contida e limitada, por princípio 
institutivo e por princípio programático. (...) 
Essa desconfiança com o legislador ordinário fez com que matérias de todo jaez fossem constitucionalizadas. 
Resultado: as constituições tornaram-se projetos inacabados, documentos pretenciosamente exaustivos, 
porém impossíveis de serem vividos na sua plenitude. E a única saída encontrada é apelar para o recurso 
instituído das reformas constitucionais, a fim de adequar o instrumento basilar superado aos influxos do fato 
social cambiante.” 
 
6
 
 
 
XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001 
 
(Canotilho, apud in Vieira, 1997, p. 61) 
Assim, a crítica de Habermas e Rawls, da qual emerge a necessidade de se pensar a 
Constituição pelas suas qualidades intrínsecas, é, na verdade, uma crítica ao processo de redução da 
normatividade e legitimidade do direito à sua própria força, por ter se revelado frustrada a 
proposição weberiana de que “o direito moderno seria o fruto de uma racionalização autônoma, 
moralmente neutra, e que constituiria a base de sua própria legitimidade”. (Vieira, 1997, p. 61, 78) 
Retomando já a própria Constituição de 88, há de parecer controverso o fato de que grande 
parte dos direitos fundamentais e dos valores de justiça social que a legitimam não sejam 
contrastáveis com a realidade, na medida em que somente representariam um programa a ser 
cumprido progressivamente9. 
Note-se que o embate entre o caráter programático da Constituição de 88 rumo a um Estado 
Democrático de Direito, na forma de um extenso rol de direitos e garantias cidadãs, e a dificuldade 
material de cumprir a pauta inclusiva ali estipulada é a principal matéria de sérios questionamentos 
e contrapontos sobre sua viabilidade: 
“grande parte da controvérsia que o texto constitucional suscitou proveio de ter ele criado, 
durante a sua redação, esperanças exageradas, que não poderiam ser satisfeitas pelo fiat 
legislativo. Não obstante, o novo texto é agora não só um documento altamente simbólico, mas 
também a alavanca para a implementação de uma ampla redistribuição dos recursos de poder 
no Brasil. Obviamente, não estamos afirmando que a estrutura do poder fica alterada 
imediatamente por causa disto, mas sim que mudanças nos critérios de legitimidade subjacentes 
a uma série de ações políticas, administrativas, judiciais e outras abrem caminho para a 
futura transformação das relações de poder. Vista sob este ângulo, a nova Constituição pode de 
fato ser considerada democrática.” (Souza & Lamounier, 1989, p. 33, grifos acrescidos ao original) 
Se o dito “constitucionalismo dirigente” ou o “reformismo social”, como Boaventura de 
Sousa Santos mesmo alerta (1998), passaram a ser tidos, a partir da década de 90, em franca 
derrocada como planilha de atuação de um Estado endividado e sem forças para seguir 
“organizando” (expressão cara a Przeworski) o capitalismo; como, então, tiveram sobrevida na 
Constituição de 88? 
Foi sonhando com o Estado de Bem-Estar, já em crise na Europa Ocidental, mas inexistente 
no modelo desenvolvimentista brasileiro, que a Assembléia Constituinte elevou à categoria de 
garantia fundamental um rol generoso de direitos sociais e trabalhistas, de participação inclusiva, de 
garantias públicas, entre os já tradicionais direitos de liberdade política e autonomia privada. 
Atrasado ou não, tal elenco de valores fundantes de justiça social na Constituição de 88 a 
estigmatiza como um verdadeiro desafio aos governos presentes e futuros no sentido de conseguir 
implementá-la. 
Por uma clara opção política oriunda das correlações de força e pactos possíveis ocorridos 
durante a Assembléia Constituinte – que, por si só, encerrara um verdadeiro jogo de múltiplas 
arenas (Tsebelis, 1998) para redefinir o desenho institucional da ordem política suprema –, é a 
Constituição de 1988, tomada por muitos como na contramão da história (Prado, 1994), uma 
“(...) das representantes mais típicas do constitucionalismo ‘dirigista’ ou de caráter social, que 
se iniciou com a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. 
Diferentemente das constituições liberais, que buscavam limitar o Estado assegurando o maior 
espaço de liberdade para o mercado, as constituições sociais organizam um Estado que visa 
promover o bem estar da sociedade, sendo, portanto, necessariamente mais amplas do que as 
constituições liberais clássicas.” (Vieira, 1997, p. 59) 
 
9 Sobre a “ineficácia social” da Constituição de 88, Uadi L. Bulos (1999, p. 127) segue criticando: “Os dez 
anos de Texto Constitucional, do ponto de vista da efetividade, esbarrou-se [sic] na inação legislativa. Esse 
foi um dos principais fatores responsáveis pela ineficácia social de grande parte da manifestação constituinte 
originária de 1988, pois os constituintes eleitos em 1986 criaram, no papel, direitos constitucionais de 
primeiro mundo, porém não os definiu, tornando-os inoperantes.” 
 
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XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001 
 
Muito embora a própria Constituição possa ser vista como objeto de um processo ainda não 
concluído (Vianna, 1999), instável e contingente10 (Barroso, 1998), dentre seus maiores méritos 
encontra-se a pretensão de conformação cidadã na exata linha de confronto com o momento de crise 
do Welfare State11. 
Daí que a maior fragilidade da nova Constituição talvez tenha sido depositar um vasto 
número de dispositivos – a serem realizados e/ou cumpridos como se em um programa político 
estivessem – nas mãos de uma sociedade detentora de uma cultura política ainda incipiente (daí 
também a falta, no contexto político nacional, da noção de responsabilidade política estendida de 
Stark & Bruszt, e de capital social de Putnam). 
Justamente sobre o risco de serem pouco factíveis tais dispositivos, sem um mínimo de 
comprometimento e participação social, é que Souza & Lamounier(1989, p. 35) alertam para o fato 
de que: 
“a mobilização social, num contexto de desigualdades gritantes, gera necessariamente um 
estado de tensão entre a democracia entendida apenas como arranjo político e a democracia 
enquanto programa substantivo, de medidas sociais ou econômicas concretas. Por isso, mesmo o 
sistema democrático definido na nova Constituição pressupõe (ou requer) avanços 
substanciais na politização, ou seja, na capacidade de reconhecer e lidar com a complexidade, de 
aceitar a existência e a ação de grupos cujos objetivos frequentemente colidem com os próprios e de 
conviver com problemas para os quais não existem soluções imediatas. Na ausência da politização, 
assim entendida, os novos arranjos e avanços constitucionais podem revelar-se bastante ilusórios.” 
(grifo acrescido ao original) 
Bem ou mal, correndo o risco de ser desacreditada e tida como ilusória (como o foi por vários 
autores e governantes), a Constituição de 88 incorporou, em seu núcleo de cláusulas pétreas – essa 
verdadeira reserva de justiça –, direitos individuais e garantias públicas imutáveis (art. 60, § 4º) que, 
embora muitas das quais estivessem por se realizar12, foram deliberadas como meta devida no pacto 
político que tornou possível o sistema de solidariedade (questão tomada a Pizzorno), no qual ela 
 
10 Sobre o fenômeno da mutação constitucional constante, Barroso (1998, p. 24) chama a atenção para o fato 
de que: “A Carta de 1988 (...) não é a Constituição da nossa maturidade institucional. É a Constituição das 
nossas circunstâncias. Transformada em um espaço de luta política, a constituinte de 1988 produziu um 
documento que sofre em demasia o impacto de certas modificações conjunturais. Ao lado disso, há no Brasil 
uma crônica compulsão dos governantes de modificar a Constituição para fazê-la à imagem e semelhança de 
seus governos. Uma espécie de narcisismo constitucional.” 
11 Segundo Habermas (1987b, p. 97, grifo nosso), “o projeto do welfare state se tornou problemátco na 
consciência pública também na medida em que os meios burocráticos, mediante os quais o Estado 
intervencionista pretendia realizar a “domesticação social do capitalismo”, perderam sua ingenuidade. Já não 
é somente a monetarização da força de trabalho, mas também a burocratização do mundo da vida que é 
sentida como um perigo por amplos setores da população. O poder político-administrativo perdeu a aparência 
de neutralidade para a experiência cotidiana dos clientes das burocracias do welfare state. Estas novas 
atitudes são exploradas pleos neoconservadores, com o fim de vender a bem conhecida política de 
deslocamento dos problemas do Estado para o mercado, sob o manto das palavras de ordem 
“liberdade e democracia” – uma política que, sabe Deus, nada a tem a ver com democratização, que, ao 
contrário, promove uma crescente desvinculação da atividade do Estado da pressão legitimadora da 
esfera pública, e que entende por liberdade não a autonomia do mundo da vida, mas a liberdade de 
ação dos investidores privados.” 
12 Severa é a crítica de Bulos (1999, p. 134) nesse ínterim, senão veja-se o teor de sua indagação: “Haverá 
razões que alimentem essa esperança [do resgate de nossa sociedade]? 
Por um lado, não. Em um País de significativa inflação legislativa e de reformas inoportunas e 
despropositadas, como o Brasil, onde tudo é nivelado por baixo e o respeito ao homem é quase inexistente, os 
nossos legisladores ainda estão no período da programaticidade dos comandos constitucionais positivados. 
Fazem promessas, propõem programas de ação futura, erigem normas de eficácia contida ou limitada, sem 
fornecerem aos Poderes Públicos as condições para as cumprirem plenamente.” 
 
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própria (Magna Carta) se funda. 
Em não se pondendo contar, no médio prazo, com bons governantes13 (em sua acepção 
cívico-republicana) e com uma sociedade politizada, para dar vazão ao projeto constitucional de 
construção de um Estado Democrático, tentou-se limitar os futuros legisladores com a preservação 
de um núcleo rígido, conformador da própria essência da nova ordem então estatuída. Assim o fez, 
de tal modo que: 
“Os princípios a serem protegidos do poder constituinte reformador, por intermédio de 
cláusulas super-constitucionais, devem constituir a reserva básica de justiça constitucional de um 
sistema: um núcleo básico que organize os procedimentos democráticos, como mecanismo de 
realização da igualdade política, e do qual possam ser derivadas as liberdades, garantias legais, 
inclusive institucionais, e direitos às condições materiais básicas. Mais do que isso, as cláusulas 
super-constitucionais seriam uma pretensiosa usurpação da autonomia de cada geração por aqueles 
que elaboraram o documento constitucional. Menos do que isso, essas cláusulas seriam 
insuficientes. Proteger as liberdades civis e políticas sem assegurar condições materiais é o mesmo 
que não defendê-las.” (Vieira, 1997, p. 83) 
Daí é que sobreleva, no presente estudo, a perspectiva de que representa, sim, uma verdadeira 
ruptura constitucional a ocorrência de emenda constitucional, ainda que regular, contra cláusulas 
pétreas14. (Rawls apud in Vieira, 1997, p. 69) Já que “ao retirar do âmbito de deliberação 
majoritária aqueles direitos, princípios e instituições que constituem a reserva de justiça da 
Constituição, as cláusulas super-rígidas se transformam em legítimo instrumento de preservação da 
democracia, paradoxalmente, ao limitá-la.” (Vieira, 1997, p. 61) 
 
2.2. Transição Política e Consolidação Democrática 
Nenhuma contextualização político-social melhor definiria as circunstâncias donde emergiu a 
Constituição da República de 88 do que a expressiva noção de conquista a partir de “pactos 
políticos modelados por forças históricas poderosas”. (Souza & Lamounier, 1989, p. 18) 
Mesmo perante um lento e tumultuado processo de “abertura”, a retomada da democracia já 
vinha se mostrando inafastável, fruto de um “consenso básico de que chegara a hora de mudanças 
profundas”, o que, por si só, restou “implícito na própria convocação de uma assembléia 
constituinte”. (Souza & Lamounier, 1989, p. 21) 
Fugindo à facilidade de uma mera avaliação a posteriori, faz-se mister retomar o andamento 
de tal processo desde o seu advento. Assim, tem-se que a transição política – conformada pela 
transformação do regime autoritário, vigente no Brasil desde o golpe militar de 1964, em direção a 
uma ordem político-democrática – foi iniciada na presidência do General Geisel através de um 
processo de distensão lenta, gradual e de alcance limitado. (Diniz, [s.d.]) 
Segundo Eli Diniz, o caso brasileiro representou uma das mais longas transições ocorridas na 
História, em que o embate entre as forças de conservação e as de renovação assumiram um 
significado particular, sendo ora atenuado, ora exacerbado pelo movimento de liberalização 
controlado pela elite dirigente, a qual pretendia conter o ritmo das mudanças com a finalidade de 
preservação do regime e do status quo. 
São bastante diferenciadas as posições assumidas pelos mais diversos autores a respeito da 
“abertura” política no Brasil, sendo, em alguns casos, até mesmo contrárias. Em linhas gerais, pode-
 
13 É o governo das leis e não de homens falíveis a principal garantia estabelecida pelo surgimento do Estado 
de Direito, até hoje preservada por ser demasiado perigoso depositar nas mãos e na boa-fé de agentes 
públicos cívicos o destino de toda uma sociedade. As leis, de fato, aqui significam garantia e exercício de 
soberania (rousseuaniana) dos cidadãos. 
14 Como há de ser visto que vem ocorrendo na implementação do dito “paradigma” da Administração Pública 
“gerencial”,através da precarização de direitos e garantias individuais, principalmente dos servidores 
públicos, bem como na “flexibilização” de salvaguardas de interesse público, como a dispensa indevida de 
licitação na celebração de contratos de gestão com as chamadas organizações sociais. 
 
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se agrupar as abordagens da transição política do país em três categorias básicas, de acordo com o 
tipo de explicação que propõem. 
A primeira interpretação enfatiza as pressões que emergem da sociedade - em decorrência 
principalmente de contradições econômicas - como o fator propulsor da mudança. No caso 
brasileiro, segundo Eli Diniz [s.d.], os fatores econômicos tiveram importância em diferentes 
momentos do processo de abertura, mas não foram determinantes, visto que a política de distensão 
teve início antes que os efeitos da crise econômica se tornassem completamente visíveis. 
Uma segunda corrente explicativa dá ênfase a autonomia do núcleo dirigente governamental 
e sua capacidade de iniciar as mudanças – antecipando-se às pressões da sociedade – como fonte 
dos impulsos transformadores. Neste sentido, conflitos e alianças no interior do próprio regime 
seriam os fatores determinantes do processo de liberalização. A abertura política brasileira refletiria, 
portanto, um ato de escolha das elites dirigentes do regime – fundamentalmente os militares – que 
formulariam a trajetória a ser seguida pelo processo. 
Há ainda uma terceira modalidade de interpretação – considerada mais adequada pela autora 
– em que a explicação do processo de abertura reside na integração (conciliadora) de duas 
dinâmicas básicas: uma de negociação e pacto conduzidas pelas elites e uma de pressões e 
demandas advindas da sociedade. 
O processo de abertura brasileiro deve ser entendido, segundo Eli Diniz, como um projeto de 
mudança política concebido pelos mentores do regime autoritário como uma maneira de recompor 
suas bases de apoio, desgastadas em sua legitimidade social pelas restrições políticas impostas ao 
país. Além disso, a estratégia distensionista não obedeceu a um programa previamente formulado, 
mas foi sendo gradualmente elaborada e redefinida em função das pressões e resistências sociais 
enfrentadas pelos governos responsáveis pela sua implementação. 
Dessa forma, o processo de abertura extrapolou as intenções do projeto de abertura da elite 
governamental. Disso resultou a não-linearidade de sua evolução, marcada por avanços, recuos e 
movimentos contraditórios nem sempre previsíveis. Apesar de o governo deter o controle das regras 
do jogo político, a distensão foi, em grande parte, uma resposta à oposição sistemática e contínua 
enfrentada pelo regime. 
O vai e vem estratégico do governo, que hora caminhava para a democratização, hora 
utilizava de práticas repressivas para não perder o controle do processo foi progressivamente 
minando a credibilidade de seu projeto de liberalização. 
Finalmente, chegou-se a um ponto em que a única solução para que este permanecesse no 
poder seria ou uma reedição da intervenção militar (que seria contra seus projetos de 
transformismo) ou então uma negociação com as forças oposicionistas que gerasse apoio popular. 
Com a eleição de um candidato oposicionista para presidente, tal dilema se encerrou, sendo 
necessário naquele momento somente uma consolidação (institucionalização) do processo 
democrático. 
O coroamento do referido processo veio com a CR/88, na medida em que: 
“Catorze anos depois de iniciada a chamada ‘abertura política’, ou seja, cerca de 2/3 do 
tempo total de duração do regime autoritário, o Brasil promulga uma nova Constituição. Para além 
do significado estritamente jurídico-formal do que deverá ser a 8ª Constituição do país (a 7ª 
Republicana), a nova Carta representa, mais uma vez na história, a tentativa de se criarem condições 
políticas e institucionais para que a sociedade possa ter ao alcande das mãos mecanismos efetivos 
para permitir que os distintos grupos que a compõem possam influir, através da competição eleitoral 
e das instituições da representação (partidos e parlamentos) na definição de seus rumos.” (Moisés, 
1989, p. 65) 
É evidente que a dinâmica da redemocratização não se esgotaria com o advento da Carta 
Constitucional de 88, nem se formalizaria em sua totalidade com as eleições de 89. 
Tanto é assim que não raros foram os alertas de que “a estratégia de construção da 
democracia não é uma decorrência natural do fim do autoritarismo.” (Moisés, 1989, p. 47) Ou mais 
 
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ainda de que era necessário, além de garantir liberdades políticas, instrumentalizar minimamente 
garantias de igualdade social: 
“... longe de ser linear ou racional, tal processo [de transição democrática] não se esgota com 
a dissolução de um regime autoritário, mediante uma simples liberação do sistema político. A 
elaboração teórica dos processos de ‘abertura’, especificamente aquela produzida nos anos 80, 
afirma que eles só se consolidam efetivamente quando o regime recém-liberalizado, além de 
restaurar o pleno exercício do pluralismo, restituir os direitos políticos e as garantias públicas, 
restabelecer institutos jurídicos abolidos ou pervertidos durante o regime autoritário e definir regras 
democráticas para o jogo representativo, também institucionaliza os direitos sociais e econômicos e 
promove reformas e mudanças estruturais.” (Faria, 1993, p. 36) 
Uma vez que o advento da nova Carta alimentara o anseio de que a transição política pudesse 
instaurar um novo quadro de instituições formal e materialmente mais democráticas, o processo de 
negociação durante a Assembléia Constituinte foi inflado a um patamar de agenda de desejos 
programáticos, o que, mais tarde, deu causa à imensa maioria das críticas sobre sua inefetividade15. 
Veja-se que: 
“Formulada num ambiente democrático, sob a influência de uma participação social jamais 
vista na história legislativa e constitucional brasileira, a Constituição de 1988 foi também 
impregnada pelo corporativismo da política brasileira. Constituiu-se a partir de um compromisso 
entre os diversos setores da sociedade e do Estado que detinham poder naquele momento. Porém, ao 
invés de um compromisso em torno de regras fundamentais sobre os parâmetros sob os quais se 
deveria desenvolver o sistema político, deu-se um comopromisso maximizador, no qual cada setor 
organizado da sociedade, através de um largo processo de barganha, alcançou a 
constitucionalização de interesses e demandas substantivas. Assim, ao lado de uma atualizadíssima 
carta de direitos e de uma ambígua distribuição vertical e horizontal dos poderes, o legislador de 
1988 constitucionalizou diversos temas que pertenciam tradicionalmente aos corpos constitucionais, 
mesmo que se tenha em mente constituições de Estados sociais.” (Vieira, 1997, p. 59) 
Aludida crítica sobre a natureza prolixa da Constituição e a dificuldade de consensos durante 
a Assembléia Constituinte encerra, na verdade, uma dificuldade histórica da transição política no 
Brasil, que se deu por continuidade, uma vez que a Nova República foi estruturada em “pactos de 
não-competição entre as elites políticas”. (Moisés, 1989, p. 63) 
Assim sendo, é de se considerar que, 
“no período de elaboração da nova Carta, a exigência de quorum qualificado permitiu a 
minorias na Constituinte obstacularizarem certas iniciativas constitucionais ou condicionarem sua 
aprovação a uma barganha: para que votassem favoravelmente a uma dada medida, diversas 
minorias parlamentares exigiam como contrapartida o apoio dos interessados na ocasião em que 
fosse votado um outro dispositivo, daquela feita de seu interesse. Em conjuntoà inexistência de um 
consenso inicial mínimo – que estivesse expresso num anteprojeto constitucional, capaz de 
propiciar um cerne inicial à nova Carta – este outro elemento explica o caráter prolixo da 
Constituição brasileira. Ela acabou por se tornar o desaguadouro de uma série de reivindicações 
contra as quais não houvesse uma oposição minimamente consistente. Ao mesmo tempo, medidas 
mais arrojadas [como a questão da reforma agrária] eram postas de lado por contarem com a 
resistência de minorias significativas.” (Couto, 1997, p. 43-44) 
Ora, como não poderia deixar de ser, tamanha discussão em torno do excesso de temas e em 
torno das possibilidades de implementação dos dispositivos (programas) constitucionais se deu em 
face de um contexto já acirrado pela complexificação da questão social e do endividamento estatal 
deixados pelo regime autoritário. 
Este, por seu turno, “não foi um mero parêntesis que, por exemplo, justificasse repetir formas 
 
15 É esta a pauta de discussões do próximo capítulo, em que será reavaliada a própria consolidação 
democrática e o papel da Constituição de 88 na busca de soluções institucionais para a crise político-
econômica do Estado no início dos anos 90. 
 
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XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001 
 
de organização política e institucional próprias dos períodos históricos anteriores.” (Moisés, 1989, 
p. 49) Justamente porque “os regimes autoritários agravaram, até quase o paroxismo, velhos 
problemas estruturais dos países latino-americanos (questão social, questão nacional)” (Moisés, 
1989, p. 49), é que houve tanto espaço para a ilusão/encantamento de que o retorno à mera 
democracia formal pudesse suplantar tais problemas. 
Fato é que as estratégias brasileiras de crescimento econômico privilegiaram, durante a 
ditadura, os recursos da autoridade (estatal), acima da competição do princípio do mercado. Tal 
opção conferiu ao Estado o duplo encargo de tutela tanto o mercado econômico como do mercado 
político-social. (Reis & Cheibub, [s.d.]) 
Descrita na literatura como “Corporativismo do Estado” ou “Modernização autoritária”, essa 
trajetória histórica evidenciava nítido viés conservador que restringia o significado da cidadania 
(acuando, até mesmo, o princípio da solidariedade)16 e ajudava a perpetuar os mais variados tipos de 
privilégios sociais. 
Entretanto, tal padrão histórico de incorporação política associado à desigualdade social pôde 
se sustentar ao longo da história brasileira, devido sobretudo às altas taxas de crescimento 
econômico experimentadas pelo país após a 2ª Guerra Mundial e, em especial, durante o regime 
militar, o que permitiu ainda a manutenção de um certo grau de esperança e otimismo quanto ao 
futuro do país. (Reis & Cheibub, [s.d.]) 
Infelizmente o período da redemocratização falhou em sua premissa básica de resgatar a 
“dívida social”, adquirida pelo Estado durante a ditadura militar. O período pós-ditadura se revelou 
extremamente difícil, com elevadas taxas de inflação e precário crescimento econômico, agravando, 
por conseguinte, tanto a crise de desigualdade social quanto a crise (fragilidade) da consolidação 
democrática, já que os índices de apatia e alienação política têm crescido assustadoramente, 
concomitantemente com o aumento da má distribuição de renda. (Reis & Cheibub, [s.d.]) 
Propõe-se hoje, como alternativa à crise do Estado de modo geral, a sobrevalorização do 
princípio do mercado, advogando competição, mercados livres e eficiência como as lógicas 
fundamentais de todas as atividades do país, não só das produtivas como também das de caráter 
público-estatais. Sabe-se porém, que o princípio do mercado pouco atende às necessidades de 
igualdade social e melhoria da qualidade de vida do povo. (Boaventura de Sousa Santos, 1998) 
É importante trazer para um primeiro plano a dimensão moral da sociedade, tendo em vista o 
atual contexto sócio-político do Brasil. Em outras palavras: faz-se necessário que o princípio da 
solidariedade se destaque em relação aos demais (o da autoridade e o do mercado) e que a 
preocupação primordial de todos os setores e classes do Brasil seja a de consolidar um (novo) 
padrão de cidadania e solidariedade, explorando de maneira adequada e original os recursos do 
mercado e da autoridade, para assim serem superados os desafios do presente. (Reis & Cheibub, 
[s.d.]) 
O Estado brasileiro hoje, dito em reforma, posicionado cada vez mais perante uma sociedade 
apática (apesar das “ondas” sucessivas de indignação instantânea em relação ao universo vasto de 
escândalos políticos) e perante um mercado cada vez mais selvagem atrás de eficiência estrita, “está 
entre a cruz e a espada” literalmente, já que seus dois maiores desafios são justamente reduzir sua 
esfera de atuação em termos de gastos e de influência direta, com o que estaria atendendo à lógica 
 
16 Nesse sentido, é célebre a crítica habermasiana ao Estado do Bem-Estar Social (Habermas, 1987), na 
medida em que a emergência de um verdadeiro Estado Administrativo ofuscara a própria sociedade, 
tornando-a meramente dependente das prestações estatais, sem lhe conferir uma livre e real possibilidade de 
participação democrática. 
Os indivíduos, sindicalizados e conformados numa estrita fronteira de direitos de seguridade social, tornaram-
se passivos perante o Estado, senão verdadeiros “cidadãos-clientes” daquele. 
Note-se que essa é uma relação de clientela diversa da proposta pelo modelo de Administração Pública 
gerencial, mas que merece igual crítica, na medida em que reduz a relação cidadão-Estado a um feixe 
mercantilizável de serviços ou valores. (Vianna, 1999) 
 
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do mercado e também conduzir efetivamente a realidade social brasileira a um contexto em que 
falar de consolidação democrática não seja um mero exercício de modificar os problemas pelo 
“condão” nem tão mágico assim das leis. 
O nexo entre crescimento econômico, democracia política e igualdade social vai ao encontro 
de um processo de consolidação democrática apenas iniciado na sociedade brasileira dos últimos 
vinte anos. Trata-se, a saber, de uma abertura que requer participação do conjunto da sociedade, seja 
em se tratando da prevalência necessária do princípio da solidariedade, seja porque a distensão só 
tomou os contornos que tomou na medida das pressões sociais. 
Para um Estado que atualmente se volta para um movimento de contração da sua atuação, o 
maior desafio e alternativa de solução primordial ao problema de conciliar mercado e solidariedade 
é proporcionar, na medida de um efetivo exercício da cidadania, uma base democrática consolidada. 
 
3. O Diagnóstico da Crise do Estado perante a Constituição da República de 88 
Contemporaneamente, não há como se falar em reforma do Estado e suas implicações, sem 
necessariamente se tratar da crise do Estado, mais propriamente da crise de um determinado tipo de 
Estado, qual seja, o que, em coerência com a perspectiva de que os mercados possuem falhas e 
geram grandes distorções sociais, seguia intervindo ali para promover não só uma maior eficiência 
mercadológica, mas também para processar intermediações não-mercantis includentes. (Boaventura 
de Sousa Santos, 1998; Maria da Conceição Tavares, 199-) 
Esse tipo de Estado – dito, em tantas acepções, social, fordista, keynesiano, reformista, do 
Bem-Estar, desenvolvimentista etc. – emergira sustentado pelo sentido político imprimido pelas 
revoluções oriundas dos movimentos operários internacionais no início do século XX e pela grande 
ruptura que houve no cerne do liberalismo econômico com a Crise de 29. 
Nesse sentido, pertinenteé a análise feita por Boaventura de Sousa Santos (1998) de que o 
reformismo da sociedade e do mercado (como paradigma moderno de transformação social) 
promovido pelo Estado tinha claras tendências socializantes, ao mesmo tempo em que promovia a 
legitimação do capitalismo, “organizando-o” de modo a minimizar a lógica deste de exclusão e 
desagregação social. 
Contudo, no auge dos anos 70 e 80 do século passado e já diante de um processo de 
globalização, desde então, visualizado como inevitável, os Estados nacionais, com um aparelho 
inflado e à merce dos fluxos intermitentes do capital internacional, se viram sob a premência de 
mudança para uma melhor gestão dos recursos de que dispunham. (Diniz, 1997) 
Assim sendo, a dita “crise de governabilidade” (Diniz, 1997) a demandar reformas profundas 
no Estado por todo o mundo emergiu com grande alarde, tão logo se constatou univocamente o 
enfraquecimento do antigo padrão fordista de industrialização e das políticas econômicas estatais, 
bem como quando se evidenciou a ruptura com o sustentáculo político-ideológico (Boaventura de 
Sousa Santos, 1998) que mantinha as bases do intervencionismo estatal nos moldes em que ele 
vinha sendo instrumentalizado. 
Sem como seguir processando as bases da acumulação capitalista com a lógica de inclusão 
promovida pelo Estado-Providência nos países centrais e pelo Estado Desenvolvimentista nos 
periféricos, caíra (?) por terra a crença de que o capitalismo organizado poderia, de fato, ser um 
caminho certo e progressivo em direção à democracia e à justiça social. 
O Estado, então, passara a ser questionado no mérito da sua capacidade de alocação 
(in)eficiente de recursos – recursos esses tomados à sociedade e ao mercado –, ainda mais se se 
considerar que, dado o crescimento da dívida pública e da extrema dificuldade de geri-la, ele sequer 
(?) continuaria sendo capaz de conformar maior inclusão cidadã, tão dispendiosa e inchada que se 
tornara a sua máquina. 
Assim, segundo Eli Diniz (1997), tal “crise de governabilidade”17 fora alçada à condição de 
 
17 Segundo a autora citada, “apontando a ingovernabilidade do país como um dos principais desafios da 
atualidade brasileira, o diagnóstico dominante enfatiza os efeitos perversos advindos da democratização 
 
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uma espécie de “bomba-relógio” armada contra a própria democracia reformista. Em outras 
palavras, estar-se-ia diante de uma explosão de demandas (questão tomada a Samuel Huntington) 
incentivada por um Estado mais aberto à pluralidade de reivindicações, o que, por si só, colocaria 
em xeque a continuidade de tal sistema, na medida em que o Estado, diante de restrições 
orçamentárias e institucionais, não mais conseguiria processar e responder a todas elas. 
Que remédio, então, dar a esse Estado enfermo – e cambiante de pernas sociais não mais 
factíveis – que senão o do poderosíssimo princípio de eficiência? (Reis & Cheibub, [s.d.]; 
Boaventura Santos, 1998) E o receituário neoliberal, note-se, era de uma eficiência mercadológica 
porque os mecanismos do mercado seriam os únicos capazes de imprimir naturalmente e a menores 
custos um efetivo controle (de eficiência), sob a lógica da competição e do equilíbrio natural entre 
as forças da oferta e da demanda18. 
Nesse ínterim e com o retorno a todo vapor das teorias de que o mercado sempre (?)19 aloca 
mais eficientemente que o Estado, notadamente insculpidas nos marcos do Consenso de 
Washington (1981) e da derrocada do signo socialista (último contraponto ao capitalismo?), 
sobrelevaram programas que simplesmente tratavam o Estado como se irreformável fosse, por ser 
assim uma estrutura tão ineficiente e contrapoducente. Foi, portanto, o auge das pregações pelo 
Estado Mínimo e pela retirada da intervenção do Estado em todas as áreas quantas e onde fosse 
possível, por si só, a iniciativa privada. Eis o que Bursztyn chamara de “retorno ao fetichismo de 
mercado”. (1998) 
Paradoxal, porém, como muito pertinentemente Boaventura de Sousa Santos (1998) alerta, é 
que tal Estado Mínimo, fraco nas intervenções para consecução de políticas públicas includentes, 
haveria de ser erigirido cada vez mais forte – com Executivos dotados de “hiperatividade decisória” 
(Diniz, 1996) – para garantir a liberdade do mercado. 
Aqui se mostra um ponto de especial relevo no tocante à Reforma do Estado que se quis 
implementar no Brasil, que, de fato, é o objeto do presente estudo. Nesse sentido, note-se que tanto 
era necessário robustez na atuação do Estado que o que mais se fez, no Brasil, foi argumentar que, 
 
crescente da ordem social e política. (...) Nessa linha de raciocínio, a liberação das demandas reprimidas pelos 
vinte anos de regime autoritário e a exacerbação das expectativas por políticas sociais mais efetivas 
reforçariam as restrições do Governo acossado pela multiplicidade de pressões contraditórias, gerando 
paralisia decisória e perda de credibilidade”. (Diniz, 1996, p. 08-09) 
18 Questionando essa assunção do princípio da eficiência mercadológica como único factível nos processos de 
Reforma do Estado, Marilena Chauí (1999) fala da intensa redução de significado que se dá com a 
transformação das universidades de instituições sociais em organizações: “uma organização difere de uma 
instituição por definir-se por uma outra prática social, qual seja, a de sua instrumentalidade: está referida ao 
conjunto de meios particulares para obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações 
articuladas às idéias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a 
operações definidas como estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e de sucesso no emprego de 
determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. É regida pelas idéias de gestão, 
planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua 
função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social universitária é crucial, 
é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe”. (Grifo 
sublinhado nosso) 
19 Eis um contraponto fundamental: 
“O choque liberal por ele [pelo neoliberalismo] proclamado parte de um suposto engenhoso, mas falso: o de 
que, esgotados os modelos de enfretamento da crise pela via de intervenção estatal, teria chegado a hora do 
retorno à plena vigência do mercado, regulador ideal da economia capitalista. O que tal discurso desconsidera 
é que a projeção liberal clássica ficou sem sustentação histórica: em tempos de cartéis e monopólios, de 
drástica redução do número mesmo de agentes econômicos, o mercado tende a se concentrar cada vez mais e 
vê desaparecer no horizonte a velha competição, mecanismo pensado como perfeito que, historicamente, lhe 
havia até mesmo garantido a existência. O mercado plenamente desenvolvido conhece um novo tipo de 
competição, tem uma baixíssima capacidade de auto-regulação e só pode existir às custas do planejamento e 
da intervenção estatal.” (Nogueira, 1989/90, p.14-15) 
 
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para enfrentar tamanha crise de governabilidade, era necessário um Executivo forte, sem 
constrangimentos, capaz de responder rapidamente às imprevisíveis (e artimanhosas) pressões do 
mercado. (Diniz, 1997; Stark & Bruszt, 1998) 
Interessante é considerar a progressiva legitimação de um Executivo cada vez mais forte 
(absoluto?), inclusive legislando (!) costumeiramente mediante medidas provisórias,na proporção 
em que, simultaneamente, era colocada em xeque a própria necessidade das garantias estatuídas pela 
ordem constitucional vigente; essas, por seu turno, tidas como “engessadoras do aparelho estatal” 
(PDRAE, 1995, p. 27). 
Em tal contexto de crise, ao deslegitimar o texto constitucional de 88, o Executivo ganhava 
peso e capacidade para reformar20, sem um mínimo de coerência política e de definição de aonde se 
pretendia chegar, partes significativas (algumas até cláusulas pétreas) da Constituição, o que se deu 
em um jogo ardoroso de redesenho institucional21 (Tsebelis, 1998), em que a própria sociedade 
ficou de fora, já que as reformas foram impostas, na maioria das vezes, à custa de compras de votos 
dos parlamentares ou de jogos de interesses superpostos (“nested games” para tomar a preciosa 
lição de Tsebelis) ou, quando não, pela reedição sucessiva de medida provisórias. 
Ao longo de incessantes (e grande parte das vezes fracassadas) tentativas de estabilização 
econômica, todo o poder – dado pela imensa abrangência das medidas provisórias – foi 
disponibilizado aos Executivos nacionais (vide medidas do Governo Collor e recentemente do 
Governo Cardoso). 
É tal fenômeno de enclausuramento das decisões políticas na alta burocracia estatal, sem 
transparência e debate com a sociedade, que Eli Diniz segue criticando como uma continuidade 
absurda das premissas do regime ditatorial, já que 
“ao contrário do que ocorreu em alguns países, em que políticas de ajuste dos anos 80 
apoiaram-se em pactos de ampla envergadura, a opção das elites estatais brasileiras privilegiou vias 
coercitivas de implementação, o que se traduziu pela preferência por instrumentos legais capazes 
de garantir a precedência do Executivo em face do Legislativo.” (1996, p. 09, grifo nosso) 
Tais Executivos imbuídos da “missão” de resolver a aludida crise de governabilidade, apesar 
de progressiva e inacreditalvemente mais fortes, somente faziam desacreditar a Constituição da 
República de 88 para não desacreditarem a si próprios. Nesse diapasão, também severa é a crítica de 
Eli Diniz: 
“a prioridade atribuída aos programas de estabilização econômica e o acirramento dos 
conflitos em torno da distribuição de recursos escassos terminaram por esvaziar importantes itens 
da agenda pública, sobretudo aqueles relacionados com as reformas sociais. Não só a definição de 
uma estratégia de crescimento econômico, como as perspectivas de atenuação das desigualdades 
sociais tornaram-se metas cada vez mais distantes. A urgência do controle da inflação se fez 
acompanhar do abandono dos projetos igualitários, tão enfatizados pela Aliança Democrática 
responsável pela instauração da Nova República, crescentemente avaliados sob o ângulo de 
sua extemporaneidade. De acordo com a nova orientação, em nome de um enfoque racional e não 
 
20 Haveria, se estivéssemos em searas, de fato, democráticas, de causar indignação a perplexidade levantada 
por Barroso (1998, p. 24) de que “por paradoxal que possa parecer, a reiterada sucessão de emendas revela 
uma preocupação nova: a de não descumprir a Constituição, de não atropelá-la, como de nossa tradição, mas 
reformá-la na disputa política pelo quorum qualificado. É consolo pequeno. E é preciso reconhecer que, nesse 
particular, o ciclo do amadurecimento institucional brasileiro ainda não se completou.” 
21 Acerca da intensa reformulação no desenho institucional da ordem político-jurídica brasileira, Celso 
Antônio Bandeira de Mello, em entrevista à Revista Caros Amigos, n.º 31, out/99, respondendo à pergunta 
sobre qual seria a maior característica do governo atual, dizia “teve uma obra para a qual não tem havido 
tanta atenção, foi uma obra normativa. Ele está desmontando aos poucos as linhas mestras da Constituição 
brasileira através das reformas. E está desmontando o sistema normativo infraconstitucional para ajustar o 
Estado brasileiro a uma concepção de Estado diferente daquela que estava na Constituição de 1988, e que 
ainda está na Constituição.” (Mello, 1999, p. 17) 
 
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populista da pauta de prioridades, a exigência de maior inflexibilidade na gestão dos recursos 
públicos viria a desaconselhar qualquer postura favorável ao aumento de gastos sociais. Em 
conseqüência, privilegiou-se uma agenda minimalista, em franco desacordo com a dinâmica 
democratizante, esta alargando a participação, diversificando as demandas e multiplicando os 
canais de vocalização à disposição dos diferentes segmentos da sociedade.” (1996, p. 08, grifos 
acrescidos ao original) 
Pela absoluta falta de responsabilidade política estendida (Stark & Bruszt, 1998) no contexto 
brasileiro, tais Executivos somente se preocuparam com a pretensa meta última de controle 
inflacionário e reformas econômicas de fundo, sem respeitar as salvaguardas constitucionais aos 
direitos individuais e garantias públicas. É este o mesmo alerta feito por José Eduardo Faria: 
“Esse bloqueio [da própria dinâmica do processo de pós-transição democrática] fica nítido 
quando o padrão de governabilidade imposto em nome da ‘salvação nacional’ requer uma separação 
autoritária entre a gestão ‘administrativa’ da economia e a formação política da ‘vontade geral’, a 
pretexto de neutralizar a explosão de reivindicações, e/ou exige uma ‘conciliação’ cooptadora entre 
diferentes setores sociais – o que perverte a transição e a consolidação democráticas ao 
convertê-las numa continuidade disfarçada do regime político anterior.” (1993, p. 37, grifo 
nosso) 
Como única e última baliza de controle, os brasileiros só tiveram o Judiciário para acorrer em 
defesa de seus direitos (Vianna, 1999), o que nem sempre foi a melhor defesa do marco 
constitucional democrático vigente perante as “reformas” de controle da ingovernabilidade, já que, 
até no STF, foi acolhida a premissa de que as MPs eram instrumentos imprescindíveis e a economia 
era mais nefasta que a regularidade democrática. (Arantes, 1997) 
Também aqui é ácida a crítica de Faria: 
“Por meio da ‘aplicação seletiva’ dessa ordem jurídica assimétrica e fragmentária, mediante a 
instrumentalização de normas numa direção distinta da que foi originariamente formulada e não-
regulamentação de certos direitos para bloquear a implementação dos benefícios que eles 
asseguram, o Estado subsidiário do corporativismo ‘social’ revelar-se-ia capaz de gerar um ‘efeito 
de distanciamento’ em relação à ordem constitucional em vigor. (...) Em outras palavras, esse efeito 
permite que a contínua ruptura da legalidade formal do Estado, por causa da ‘aplicação 
seletiva’ da lei, não seja acompanhada automaticamente pela quebra da legitimidade desse 
mesmo Estado.” (1993, p. 64-65, grifo acrescido ao original) 
Se se retomar a questão em uma perspectiva histórica, ela se mostrará justamente mais 
problemática, quando se lembrar que a legitimidade do sistema de solidariedade (tema caro a 
Pizzorno) que estatuiu a ordem política consolidada na Constituição de 88 emergira de um contexto 
contraditório, mas plural de reconstrução democrática. 
Senão veja-se que, como bem alerta Canotilho (2001, p. 13), “as Constituições dependem 
muito das circunstâncias em que foram feitas. A Constituição portuguesa tem a revolução dentro 
dela e a brasileira tem as ‘Diretas Já’ e o ‘centrão’ lá dentro. Portanto, temos que interpretá-las à luz 
das circunstâncias em que foram realizadas.” 
Justamente por serem as propostas de reforma do Estado, no Brasil, carentes de uma imersão 
crítica no processo maior de consolidação democrática é que elas pecam tanto pelo desrespeito à 
Constituição/88 e seguem alimentando a própria crise de (in)governabilidade22. 
Ainda há pouco falava-se da univocidade da percepção sobre a crise doEstado e como esta 
repercutiu em processos de reforma míopes (ênfase em tamanho do aparato estatal), conquanto só se 
 
22 Eli Diniz assevera que “com o advento da Nova República, tais problemas seriam agravados pelo estilo 
tecnocrático de gestão que se tornou dominante. Assim, a tensão entre as formas de alcançar os objetivos da 
nova agenda pública (estabilização econômica, reinserção internacional e institucionalização da democracia) 
tornou-se parte constitutiva da crise do Estado, já que os meios postos em prática para realizar as metas 
econômicas dificultariam o aprimoramento das instituições democráticas. Eficácia na administração da crise e 
consolidação democrática foram conduzidas como alvos contraditórios.” (1996, p. 11) 
 
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voltassem para o controle administrativo-financeiro da aludida crise. E é nessa linha de revaloração 
da situação crítica em que o país se encontra que se mostra necessário retomar a interface primordial 
entre a reforma do Estado e o tema da consolidação democrática, na medida em que: 
“tratada de maneira isolada, como ocorre com freqüência, ou exclusivamente em função dos 
seus aspectos administrativos, a reforma do Estado tende a ser conduzida de forma a acentuar 
tensões com os requisitos da institucionalização da democracia. Desta forma, o objetivo de 
reformar o Estado é parte intrínseca de um processo mais amplo de fortalecimento das condições de 
governabilidade democrática.” (Diniz, 1996, p. 05-06, grifo acrescido ao original) 
Ora, a dissociação entre o projeto de reforma do Estado e o fortalecimento das instituições 
democráticas se funda, em última instância, na própria incapacidade governamental de negociação e 
problematização do “processo de constituição dos fins, necessariamente múltiplos”. (Reis, apud in 
Diniz, 1996, p. 14) 
Assim, deslegitimado em sua basilar função de respeito e consolidação da “ordem justa” 
(Habermas, apud in Vieira, 1997), os governantes, ao se enviesarem meramente nas questões sobre 
estabilidade econômica, deixam de responder pelo interesse público conformado 
constitucionalmente, além de não conseguirem fazer valer suas deliberações normativas. É essa uma 
contraface perversa da crise que também assola a própria legitimidade dos Executivos. 
Segundo Diniz (1996, p.15-16), o ciclo de “rarefação do poder público” é gerado, desta 
forma, a partir da “lacuna deixada pela omissão do Estado no atendimento às necessidades 
fundamentais, bem como pela inexistência de políticas sociais efetivas”. Essa lacuna, por sua vez, 
“abre o espaço para a proliferação de práticas predatórias e a disseminação da insegurança 
generalizada”. E é neste contexto que “as áreas social e territorialmente periféricas criam sistemas 
paralelos de poder que tendem a alcançar níveis extremos de violência e arbitrariedade.” 
O alerta final de onde se pode chegar com uma tal crise do próprio Estado há de ser dado em 
face da “subversão cotidiana das normas e preceitos legais”, na medida em que, uma vez perdido o 
referencial último da democracia brasileira que a Constituição de 88 representa, não muito longe se 
estará de uma verdadeira situação de “hobbesianismo social”. (Diniz, 1996, p. 16) Daí porque é 
necessário ressaltar, uma vez mais, que a crise tem contornos mais graves do que a retórica 
governamental sobre a reforma do Estado faz crer... 
 
4. Reformando a Constituição da República de 88 rumo à Administração Pública Gerencial 
É, neste capítulo, que será tratada propriamente a questão da reforma do Estado que foi 
proposta no Brasil, a partir da década de 90, para, desde já, contrastar seus principais pilares 23 
(redimensionamento do aparelho estatal, controle de resultados, controle de endividamento e 
avaliação de desempenho) com o marco constitucional já analisado anteriormente. 
Tal contraste não visa meramente buscar classificar uma ou outra medida como constitucional 
ou não, mas antever, na promessa de uma “Administração Pública gerencial”, as possibilidades de 
melhoria e os riscos de precarização da atuação do Estado brasileiro – por si só, carecedor de um 
agregado mais amplo de reformas sérias e democratizantes. 
Embora a Constituição de 88 tenha deixado em aberto o próprio processo de consolidação 
democrática (Vianna, 1999), é importante se considerar que, com ela, fora instaurada uma 
 
23 É o próprio Bresser Pereira – grande mentor da dita “reforma administrativa” da Constituição de 88, qual 
seja, a EC n.º 19/98 – quem destaca os “mais importantes pontos” da mesma. Para o aludido ex-ministro do 
antigo MARE, “todos sabem quais são os pontos mais importantes: a flexibilização da estabilidade, a 
demissão por excesso de quadros, a avaliação de desempenho, o fim do regime jurídico único, a adoção de 
um teto e de um subteto de remuneração, a exigência de projeto de lei para a concessão de aumento de 
salário, a retirada da palavra isonomia do texto constitucional. Mais do que as coisas concretas que a emenda 
efetivamente muda, ela tem um caráter emblemático. Nós podíamos optar ou não pela administração moderna 
e gerencial. E a aprovação da emenda constitucional acabou representando a opção pela administração 
gerencial.” (1998, p. 23) 
 
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regularidade institucional, sob a qual, qualquer novo modelo de Administração Pública (mais ou 
menos “flexível”, não vem ao caso) deve respeitar e fazer respeitar os direitos e garantias ali 
constantes. 
O que importa, aqui, é a garantia de que, ao menos, seja mantido o mesmo patamar de 
salvaguardas constitucionais oriundo do processo de redemocratização. Para além disso, será a 
própria realidade cotidiana dos que virão a aderir ou não ao novo “modelo gerencial” 
(primordialmente, servidores e administrados) é que atestará o grau de mudança factível das 
promessas – elaboradas de cima para baixo – do Plano Diretor de 1995 e da EC n.º 19/98. 
 
4.1. Redimensionamento da Atuação Estatal 
Introduzindo uma nova forma de trabalhar os questionamentos a respeito do papel e do 
tamanho do Estado, sob o diagnóstico de sua crise, foi lançado, em 1995, o Plano Diretor da 
Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE). 
A mudança na forma de tratamento da crise, da forma como é justificada no Plano Diretor, 
pressupõe a insuficiência ou inadaptação das posturas político-ideológicas anteriores, que, em 
grande medida, abriram espaço, segundo o plano, para agravá-la ainda mais. 
Fato é que o PDRAE tentou representar uma lógica diversa da “indiferença” pós-transição 
democrática quanto à existência e à dimensão da crise, bem como se propôs a refutar (algo 
discutível) a via neoliberal (ideologia do Estado Mínimo) colocada em voga no cerne das discussões 
políticas brasileiras a partir do início da década de 90. 
Ora, o discurso governamental, à época do lançamento do plano, era pensar a crise sob o foco 
do desafio de sua superação, donde a noção de que havia que se “reformar”, “reconstruir” o Estado, 
“de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas”. 
(PDRAE, 1995, p. 15) 
Relevante considerar o posicionamento governamental quanto a tal reforma: o Plano Diretor 
representa uma via de ação para o aparelho do Estado; distinguindo, nos níveis de dimensão e 
responsáveis, entre reforma do Estado e reforma do aparelho do Estado. 
O desafio da crise diante da necessidade de reformar o Estado é tarefa, segundo o Plano 
Diretor, para o conjunto de toda a sociedade, tratando-se de um “projeto amplo”, “enquanto que a 
reforma do aparelho do Estado tem um escopo mais restrito: está orientada para tornar

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