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Capítulo 24. DEFENSORIA PÚBLICA

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2017 - 07 - 16 
Curso Avançado de Processo Civil - Volume 1 - Edição 2016
PARTE IV - PROCESSO
CAPÍTULO 24. DEFENSORIA PÚBLICA
Capítulo 24. Defensoria Pública
Sumário: 24.1 Noções gerais - 24.2 Atribuições - 24.3 Responsabilidade - 24.4 Prazo -
24.5 Intimação
24.1. Noções gerais
Como visto no cap. 3, para a plena realização da garantia constitucional do acesso à
justiça (CF, art. 5.º, XXXV), não basta a disponibilização formal de meios processuais no
ordenamento jurídico. É também indispensável a oferta de meios materiais - econômicos e
socioculturais - destinados a permitir que todos possam defender seus direitos. Trata-se da
garantia da assistência jurídica integral e gratuita (CF, art. 5.º, LXXIV). Isso é tanto mais
relevante numa sociedade como a brasileira, em que significativa parcela sua tem
carências enormes, nos mais diferentes planos da vida. Não se trata apenas de dificuldade
financeira: há falta de informação; há mesmo quem viva às margens dos benefícios da
civilização.
A Defensoria Pública foi criada exata e precisamente com a missão de prestar
orientação jurídica e defesa de interesses dos necessitados (CF, art. 134). Sua concepção
tem como pressuposto a ideia de que a todos deve ser garantido o acesso à justiça, o que,
em última análise, significa tanto o direito à orientação e ao esclarecimento relativamente
às situações jurídicas, quanto a defesa destas, em juízo.
Questão que se põe é a de se saber quem são os necessitados a que tanto a Constituição
Federal quanto o Código de Processo Civil (art. 185), mediante conceitos indeterminados,
fazem expressa referência.
A primeira hipótese que se põe, por ser a mais evidentemente extraível da expressão
"insuficiência de recursos" (CF, art. 5.º, LXXIV) é definida pelo ponto de vista econômico.
Têm direito aos serviços da Defensoria Pública aqueles que, em razão da carência de
recursos patrimoniais, não têm condições de contratar advogado privado que promova
sua representação e a defesa de seus interesses em juízo. Portanto, a hipossuficiência
relevante, em um primeiro momento, é a econômica.
Mas a garantia não se cinge a isso. A Lei Complementar 80/1994, que trata da
Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e que estabelece normas
gerais para o tratamento do tema no plano dos Estados, vai além. Prevê, no art. 4.º, XI,
como atribuição institucional da Defensoria Pública, a defesa de interesses individuais e
coletivos "da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades
especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais
vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado". Da interpretação dessa norma em
conformidade com a Constituição, extrai-se que caberá a atuação da Defensoria Pública
toda vez que um integrante de algum desses grupos estiver em efetiva situação de
vulnerabilidade, não apenas econômica, mas também cultural ou social.
24.2. Atribuições
Nos termos do que dispõe o art. 185 do CPC/2015, cabe à Defensoria Pública fornecer a
necessária orientação jurídica aos necessitados, assim como promover a defesa de seus
direitos, tanto individual quanto coletivamente, além de promover a defesa dos direitos
humanos. Trata-se, a rigor, de organismo público a que a Constituição Federal dá a nota da
essencialidade para o exercício da função jurisdicional do Estado. Suas funções
institucionais podem ser exercidas na defesa do interesse individual de determinada
pessoa, como seu representante em juízo (assim como o advogado o faz, por exemplo, sob
outro modelo de prestação de serviços) e também mediante presença em juízo em nome
da própria Defensoria Pública.
A Defensoria Pública exerce funções que vão muito além da assistência judiciária,
assim entendida a defesa dos interesses dos necessitados em juízo, mediante o
desempenho de atividades técnicas voltadas à obtenção de provimentos jurisdicionais.
Esta é uma das espécies do gênero assistência jurídica. A redação do art. 134 da
Constituição Federal é clara ao afirmar que cabe à Defensoria Pública prestar orientação
jurídica, assim como defender os direitos individuais e coletivos dos necessitados inclusive
extrajudicialmente.
O Código de Processo Civil reconhece legitimidade da Defensoria Pública para a
propositura de incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 977, III), hipótese em
que agirá em nome próprio, e não na condição de representante judicial do necessitado.
Além disso, caberá à Defensoria Pública, nos termos de legislação específica,
desempenhar o papel de curador especial, quando: (i) a parte incapaz não tiver
representante o os interesses desse conflitarem, no caso litigioso, com os daquele; ou (ii) o
réu for revel e estiver, por qualquer razão, preso ou tiver sido citado por edital ou hora
certa (sobre tais modalidades de citação, ver cap. 29) - conforme prevê o art. 72.
É de se observar que o Defensor Público não está sujeito, ao exercer o direito de defesa
do necessitado, a impugnar especificadamente os fatos alegados pelo autor da ação, nos
termos do que dispõe o § único do art. 341 do CPC/2015.
24.3. Responsabilidade
De acordo, com o art. 187, o exercício das atividades inerentes à Defensoria Pública
sujeita os integrantes de seus quadros a responder civilmente, de modo regressivo, sempre
que seu agir for doloso ou sua conduta incorrer em fraude. Assim, pela letra da lei,
ocorrendo uma dessas circunstâncias, o prejudicado poderá obter a adequada reparação
do Estado que, a seu turno, promoverá ação regressiva contra o Defensor Público faltoso.
Mas, como já apontado em outras passagens deste Curso, é discutível a limitação da
responsabilização à modalidade regressiva. Há casos em que o particular tem o direito de
demandar diretamente o agente público, conforme já decidiu o STF, interpretando e
aplicando a Constituição. Valem aqui as razões postas nos nn. 20.4.3 e 23.7.4. Basta um
exemplo para evidenciar o despropósito da responsabilidade meramente regressiva. O
defensor público dolosamente lesa a pessoa necessitada que ele vinha defendendo
judicialmente, locupletando-se do patrimônio dela. Não é possível afirmar que essa pessoa
possa apenas demandar o Poder Público (a que o defensor está vinculado) para obter o
ressarcimento. A sentença condenatória ao pagamento de quantia contra o Poder Público
submete-se a um modelo executivo muito ineficiente na atualidade (v. vol. 3, cap. 19). A
vítima tem o direito de demandar diretamente a pessoa do defensor que dolosamente lhe
causou danos (pode preferir fazê-lo especialmente quando esse tiver um patrimônio
robusto).
Além disso, e como também destacado nos itens ora indicados, a Constituição
tampouco exclui a responsabilização dos agentes públicos por atos culposos.
24.4. Prazos
Salvo nas hipóteses em que a lei estabeleça prazo especialmente destinado à prática de
atos que lhe sejam atribuídos, a Defensoria Pública conta com o benefício do prazo em
dobro para todas as suas manifestações no processo, segundo dispõe o art. 186 do
CPC/2015.
Essa mesma disposição se aplica "aos escritórios de prática jurídica das faculdades de
Direito reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência judiciária
gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública" (§ 3.º do art. 186).
Trata-se, a rigor, de forma suplementar de defesa dos interesses dos necessitados, a que o
CPC/2015 também defere o benefício do prazo em dobro.
24.5. Intimação
O Defensor Público é intimado pessoalmente, por qualquer dos meios previstos para
tanto, isto é, mediante carga dos autos físicos, remessa dos autos para a Defensoria ou por
meio eletrônico, conforme dispõe o § 1.º do art. 186, combinado com o art. 183, § 1.º do
CPC/2015. Quando a intimação se der pela carga dos autos físicos, o início do prazo
ocorrerá com o recebimento dos autos no órgão público, conforme entendimento do STF.
Quantoaos autos eletrônicos, a Defensoria Pública também está sujeita ao que
determinam os arts. 270, parágrafo único, e 246, § 1.º, do CPC/2015, que dizem respeito à
necessidade manutenção de "cadastro nos sistemas de processo eletrônico, para efeito de
recebimento de citações e intimações...".
Quando for necessária providência ou informação que apenas a própria parte
representada pelo Defensor possa providenciar ou prestar, esse poderá requerer ao juiz
que determine a intimação pessoal dela. Trata-se de previsão absolutamente justificável.
Se em relação ao advogado privado já não é em regra razoável intimá-lo para
providências que são pessoais de seu representado, no caso do Defensor isso seria ainda
mais grave. A defesa dos interesses da parte, pela Defensoria Pública, se dá de modo
absolutamente distinto daquilo que ocorre entre parte e seu advogado privado. Nesse
segundo caso, há relação pessoal, de confiança, resultante da absoluta liberdade de
escolha e de contratação que a parte dispõe. Já no caso da Defensoria Pública, não há esse
vínculo personalíssimo, pois as regras da impessoalidade do Defensor e da
indeclinabilidade da defesa, pela Defensoria, é que prevalecem, dada a natureza pública
de sua atividade.
Atribuições
Orientação e defesa dos interesses
dos necessitados (art. 134 da CF)
Carência econômica
Crianças e adolescentes
Idosos
Pessoa portadora de
necessidades especiais
Vítima de violência doméstica e
familiar
Grupos sociais vulneráveis
Direitos individuais e coletivos
Art. 977, III, do
CPC/2015 Incidente de resolução de demandas repetitivas - legitimidade
Art. 341, parágrafo
único, do CPC/2015 Desnecessidade de impugnação específica
Responsabilidade
regressiva
Dolo
Fraude
Prazo em dobro Exceção: quando a lei expressamente estabelecer prazo próprio
Intimação pessoal
Carga
Remessa
Meio eletrônico
· Fábio Victor da Fonte Monnerat (Introdução..., p. 211) ressalta que "cabe à Defensoria
Pública, no processo civil: a) atuar na defesa dos hipossuficientes nos processos em que
estes sejam parte; e b) promover ou, mais amplamente, atuar em processos de jurisdição
coletiva quando o grupo, classe ou categoria de pessoas seja integrado total ou
parcialmente por pessoas hipossuficientes".
· Humberto Theodoro Júnior (Curso..., vol. 1, 56. ed., p. 460) explica que "a Defensoria
Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a quem a Constituição
Federal incumbiu a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (CF,
art. 134). O Código atual atribuiu um título próprio à Defensoria Pública, tratando de suas
funções, prerrogativas e responsabilidade nos arts. 185 a 187 do NCPC". Afirma que "a
Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma
integral e gratuita (art. 185)".
· Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Comentários..., p. 691) afirmam ser a
Defensoria Pública "quem assegura o ideal de justiça plena. E sua inexistência ou
ineficácia pode alterar o próprio papel do Judiciário, transformando-o em propagador de
uma insuportável desigualdade entre as pessoas, em termos de jurisdição". Além disso,
destacam que "a função de defensor público somente pode ser exercida por integrante da
carreira, vedada a nomeação de advogado ad hoc para a prática de ato de atribuição do
defensor público".
· Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva
Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello (Primeiros..., p. 342), sobre o prazo em dobro,
explicam que "essa regra, portanto, não desrespeita o princípio da isonomia. Como na
Advocacia Pública, o Defensor Público, além de cuidar de quantidade maior de processos,
muito comumente não tem a mesma estrutura que os advogados particulares. A grande
inovação veio com o § 3º, ao disciplinar prática que já vinha sendo, timidamente, adotada
pela Jurisprudência. Com o NCPC, os escritórios de prática jurídica das faculdades de
Direito, reconhecidas na forma da lei e as entidades que prestam assistência jurídica
gratuita, em razão de convênios firmados com a Ordem dos Advogados do Brasil ou com a
Defensoria Pública, gozarão do prazo em dobro para se manifestar nos autos. Porém,
enquanto a Jurisprudência estendia o benefício somente às instituições públicas, a nova
regra não faz distinção entre os núcleos de prática jurídica das faculdades de direito
privadas e públicas. O benefício do prazo em dobro, no entanto, não incidirá quando a Lei
estabelecer prazo específico para o defensor público (§ 4.º)".
· Zulmar Duarte (Teoria..., p. 594) sustenta que "a Defensoria Pública, desde o texto
primevo da Constituição, apresentou-se como instituição de primeira grandeza, essencial à
função jurisdicional do Estado, predestinada à orientação e à defesa dos necessitados. A
instituição visava dar cabo ao direito e garantia individual de os necessitados receberem
do Estado a assistência jurídica integral e gratuita (artigo 5.º, inciso LXXIV). As funções
exercidas pela Defensoria Pública restaram ainda vitalizadas pela Emenda Constitucional
n.º 80/2014, que emprestou nova redação ao artigo 134 da Constituição, para vincar sua
atuação na promoção dos direitos humanos e a defesa individual ou coletiva dos
necessitados". No sentir desse autor, "seria sumamente injusto que o Estado, arvorando o
monopólio da prestação da tutela jurisdicional, não estabelecesse formas de remediar a
impossibilidade financeira das partes necessitadas para implementar aquela prestação.
(...) Digno de registro que a atuação desassombrada da Defensoria Pública tem permitido
avanços inegáveis na tutela dos necessitados. Ademais, pelo reconhecimento de sua
autonomia funcional e administrativa, bem como da garantia da inamovibilidade (artigo
134, §§ 1.º e 2.º, da Constituição), os Defensores Públicos têm atuado sem peias contra o
Poder Público, inclusive em benefício deste próprio, no que qualificam seu exercício. Não
cabe à Defensoria Pública, como uma leitura apressada poderia fazer crer, a defesa do
Poder Público. Tal papel compete privativamente à Advocacia Pública (artigo 182)".
Fundamental
Fábio Victor da Fonte Monnerat, Introdução ao estudo do direito processual civil, São
Paulo, Saraiva, 2015; Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, Andre Vasconselos
Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr., Teoria geral do processo: comentários ao CPC de
2015: parte geral, São Paulo, Forense, 2015; Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito
processual civil, 56. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2015, vol. 1; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria
de Andrade Nery, Comentários ao código de processo civil, São Paulo, Ed, RT, 2015; Teresa
Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e
Rogerio Licastro Torres de Mello, Primeiros comentários ao novo código de processo civil:
artigo por artigo, São Paulo, Ed. RT, 2015.
© desta edição [2016]
Complementar
Aluísio Iunes Monti Ruggeri Ré, A defensoria pública como instrumento de acesso à
justiça coletiva: legitimidade ativa e pertinência temática, RePro 167/231; Carlos José
Cordeiro e Josiane Araújo Gomes, Da legitimidade da Defensoria Pública para propor ação
civil pública, Revista dos Tribunais 920/239; Gustavo Octaviano Diniz Junqueira e Gustavo
Augusto Soares dos Reis, O novo desenho constitucional da defensoria pública: autonomia,
Revista dos Tribunais 920/449; José Luiz Ragazzi e Renato Tavares da Silva, A Defensoria
Pública como instrumento de promoção dos direitos humanos. Uma leitura inicial da EC
80/2014, Revista de Direito Constitucional e Internacional 88/197; Leandro Coelho de
Carvalho, As atribuições da Defensoria Pública sob a ótica do acesso à ordem jurídica
justa, RePro 156/204; Marco Paulo Denucci Di Spirito, A relação entre a Defensoria Pública
e a OAB peloângulo dos limites constitucionais à atuação das entidades de fiscalização
profissional um enfoque a partir do art. 5.º, XIII, da CF/1988, Revista dos Tribunais 912/249;
Pedro Armando Egydio de Carvalho, A Defensoria Pública: um novo conceito de
assistência judiciária, Revista dos Tribunais 689/302.

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