Buscar

História Cultural e das Mentalidades

Prévia do material em texto

Aula 5: 
Cultura e Sociedade – História Cultural e História das Mentalidades
 
 
 
A leitura complexa e multidimensional de objetos culturais, representações e práticas tem levado historiadores diversos a ampliar suas perspectivas de estudos e interesses. 
Para referenciar a questão da História do Livro, por exemplo, teremos desde os historiadores que atentam mais especificamente para os mecanismos da recepção, como é o caso de Roger Chartier (1987) ou de Alberto Manguel (1999), como também aqueles que têm atentado para a necessidade de examinar as formas materiais do livro, tal como o historiador neozelandês Don McKenzie em seu ensaio Bibliography and Sociology of Texts (1986). 
Assim, detalhes como as características tipográficas e a diagramação seriam portadores de significados, devendo ser objeto de análise mais sistemática e aprofundada pelos historiadores.
A produção de um livro, ou de qualquer outro bem cultural, estaria, se aceitarmos o sistema conceitual acima esclarecido, necessariamente inscrita em um universo regido por estes dois polos que são as práticas e as representações. Os exemplos são indefinidos. 
Um sistema educativo inscreve-se em uma prática cultural, mas ao mesmo tempo inculca naqueles que a ele se submetem determinadas representações destinadas a moldar certos padrões de caráter e a viabilizar um determinado repertório linguístico e comunicativo que será vital para a vida social, pelo menos tal como a concebem os poderes dominantes. 
Em casos como este, como também no exemplo do mendigo, as práticas e representações são sempre resultados de determinadas motivações e necessidades sociais, e isto permite um entrelaçamento maior entre história cultural e história social. Para aprofundar mais a discussão sobre os conceitos de práticas e representações, leia textos especializados, como o artigo de José D’Assunção Barros sobre o tema (BARROS, 2005). Clique aqui:
Fernando Braudel, em uma célebre obra intitulada O Mediterrâneo e a época de Felipe II, propôs um modelo simplificado para a compreensão da complexidade dos tempos históricos.  Seria possível pensar a história e tudo o que nela acontece de acordo com três ritmos diferenciados de mudanças (ou durações).
CURTA DURAÇÃO
MÉDIA DURAÇÃO
LONGA DURAÇÃO
Diz-se que um acontecimento ou processo é de curta duração quando ele se modifica muito rapidamente, isto é, quando tem um ritmo mais acelerado de mudanças. Muitas vezes, certos aspectos do mundo político parecem mudar rapidamente. Nas democracias ocidentais, em quatro ou cinco anos, os presidentes costumam mudar, e com eles também ascendem ao poder novas configurações de partidos políticos, assim como novos ministros são empossados. O que são três ou quatro anos de duração de uma certa configuração política formal, em comparação com os vários séculos em que vão perdurando certos modos de pensar e de sentir, ou certos padrões de comportamento, como, por exemplo o “machismo”? A dominação masculina sobre o gênero feminino é um fenômeno de longa duração: veio mudando, mas só muito lentamente ao longo da história.
Nos países da Europa, entre o século XVIII e os tempos atuais, já se alternaram muitas formas de governo, já ocorreram revoluções as mais diversas, ditadores ascenderam ao poder e depois foram derrubados (mesmo que tenham persistido no poder durante duas ou mais dezenas de anos), e gerações de presidentes e políticos foram eleitos nos regimes democráticos para mandatos relativamente curtos quando comparados a fenômenos de longa duração. De igual maneira, particularmente a partir do século XX, novas tecnologias se sucederam em mudanças de curta duração: surgiu o telefone com fio, sem fio, depois o celular, e logo a internet e outras formas mais instantâneas de comunicação. Neste último século, as mudanças tecnológicas obedeceram a ritmos de curta duração.
Em contrapartida, certos hábitos mentais e formas de comportamento parecem ter mudado pouco, como o já referido exemplo do machismo. Quando recuamos no tempo, também percebemos que certos medos coletivos demoraram muito a serem superados ou vencidos. O homem europeu, antes de se aventurar nas expansões ultramarinas do século XVI, para empreender as grandes travessias oceânicas que o permitiram chegar às Américas, esteve imobilizado por medos que duraram séculos, ou que só foram vencidos muito lentamente. 
Esses são exemplos de fenômenos de longa duração. Os historiadores das mentalidades começaram a se interessar pelo estudo das formas coletivas de pensar e de sentir que perduram e mudam muito lentamente. É esse interesse pelos padrões coletivos de pensar e de sentir que definiu esse novo campo histórico que começa a se consolidar a partir dos anos 1970 sob a rubrica de “história das mentalidades” (BARROS, 2005, p. 1). Clique aqui.
 
A derradeira ordem de tratamentos metodológicos corresponde a já mencionada eleição de um recorte privilegiado que funcione como lugar de projeção das atitudes coletivas ou de padrões de sensibilidade. Pode ser um microcosmo localizado ou uma vida, desde que o autor os considere significativos para a percepção de uma mentalidade coletiva mais ampla.
Lucien Febvre, precursor distante dos estudos de mentalidade, havia tentado precisamente esta via. Em sua famosa obra sobre Rabelais, o historiador francês se propõe – a partir da investigação de um único indivíduo – identificar as coordenadas de toda uma era A abordagem é criticada por Carlo Ginzburg, historiador habitualmente classificado na interconexão de uma História Cultural (dimensão) com uma Micro-História (abordagem). Ao contrário de Febvre, Ginzburg (1989, p.34) opta por instrumentalizar o conceito de “mentalidade de classe” em sua obra O Queijo e os Vermes. Neste último caso, onde toma como documentação principal os “registros inquisitoriais” do processo de um moleiro italiano perseguido pela inquisição no século XVI, Ginzburg mantém-se atento à questão da intertextualidade, isto é, ao diálogo que o discurso do moleiro Menocchio estabelece implicitamente com outros textos e discursos.

Continue navegando