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HISTÓRIA DAS MENTALIDADES E A HISTÓRIA CULTURAL

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HISTÓRIA DAS MENTALIDADES E A HISTÓRIA CULTURAL
HISTÓRIA DAS MENTALIDADES E A HISTÓRIA CULTURAL
EM RONALDO VAINFAS
Jean Paulo Pereira de Menezes
Texto apresentado para a disciplina Tópicos de História Cultural, sob responsabilidade do Prof. Dr. Eudes (UFGD).
[Aluno do programa de pós-graduação em História da UFGD
Vainfas inicia seu texto apresentando uma nota sobre as mentalidades, de Geoffrey Lloy que fora resenhada por Roger Chartier no Lê Monde em 1994. O título “a hora de Lloy” demonstra a crítica acerca do suprir as mentalidades como objeto da História.
O autor nos alerta que a crítica na é nova, nos apresentando outros críticos da história das mentalidades, como Ciro Flamarion Cardoso no Brasil.
Michel Vovelle foi criticado na década de setenta por Pierre Vilar por estudar a “festa revolucionária” e não a Revolução Francesa e a luta de classes nela presente. (Vainfas,1997:127).
Ciro Flamarion Cardoso acusou os historiadores das mentalidades dede clinarem ao estudo do periférico, de iluminar fantasmas e de ser promotora de uma história reacionária, desprovida de contradições (Vainfas, 1997:128).
A história nova não era assim tão nova, como as mentalidades também não. (Marc Bloch “os reis tramaturgos”). E também por reeditarem a narrativa memorialista.
Hoje, aparentemente, os críticos das mentalidades parecem ter triunfado, haja visto que poucos se intitulam como historiadores das mentalidades. Mas também não podemos negar que a história das mentalidades ainda influenciam inúmeros programas de pesquisa em diversos países (Vainfas,1997:128).
Ronaldo Vainfas se propõe discutir quatro questões centrais:
1- A contextualização da história das mentalidades no quadro maior da historiografia francesa filiada ao movimento dos Annales;
2- O exame dos pressupostos conceituais das mentalidades, suas potencialidades e insuficiências;
3- A delimitação dos campos que sucedem a história das mentalidades, diferenciando-se teoricamente ou simplesmente reeditando seus temas com outras denominações (Ex: hist. cultural), também com variadas tendências;
4- As mentalidades e a história cultural no Brasil pela historiografia a partir da década de oitenta.
MENTALIDADES NO QUADRO DA HISTORIOGRAFIA DOS ANNALES
Vainfas estabelece uma diferença entre a história dos annales e a história marxista, enfatizando que os annales não observam o econômico da mesma forma que os marxistas, embora enfatizem as condições da vida material (materialidade e não materialismo, mentalidade e não ideologia). 
Mesmo com uma série de problemáticas, a questão da interdisciplinaridade doa annales é inegável, ou seja, a construção de uma história interdisciplinar.
A publicação em 1929 dos Annales de história econômica e social
O combate de Bloch e Febvre à historiografia do século XIX e seus seguidores nos anos vinte foram particularmente injustos com o séc. XIX (Von Ranke). Pois esta produção influenciara os Annales. Vainfas reconhece a história do séc. XIX como de grande valia para a produção da história problema.
Também apresenta uma série de trabalhos do séc. XIX que se mostraram preocupados com as mentalidades, assim com Bloch e Febvre. De acordo com Vainfas, “ não resta dúvidas de que os primeiros annalistes estereotiparam, em parte, a historiografia oitocentista com o fito de acentuarem a novidade de duas propostas” (Vainfas,1997:132). Vainfas aponta o início das mentalidades em Marc Bloch e Lucien Febvre (Os reis tramaturgos e Lutero).
Braudel era um discípulo de Lucien Febvre. É sob sua orientação que Braudel escreve sua tese de doutoramento quando ainda estava na prisão (O Mediterrâneo e o mediterrâneo na época de Felipe II), em 1947, elaborada durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto era prisioneiro dos alemães. Nesta época Braudel envia seus manuscritos pra Febvre.
Nela dava ênfase a questão econômica, uma marca notória da segunda geração dos Annales. É notório, neste período, uma maior preocupação com o econômico do que com as mentalidades estudadas por Bloch e Lucien Febvre. 
Braudel enfatizava a longa duração como a primeira geração. E esta problematização braudeliana do tempo logo é de importância inicial pra o assunto abordado por vainfas sobre as mentalidades. Pois os historiadores das mentalidades serão criticados pela inércia no tempo de seus estudos.
Braudel se afasta de Bloch e Febvre apenas ao marginalizar as mentalidades.
É nesta fase que o marxismo se faz presente na produção francesa, embora “Braudel apenas tolerasse o marxismo” (Vainfas, 1997:135).
A terceira geração dos Annales retoma as mentalidades de forma enfática em detrimento da questão econômica. A partir de 1969 Braudel se aposenta, deixando em 1972 sob responsabilidade de Jacques Le Goff a 6ª Seção e a revista sob a responsabilidade de Jacques Revel, todos dedicados aos estudos das mentalidades. Assim, “do porão ao sóton” – da vida econômica ou vida material para os processos mentais, a vida cotidiana e suas representações (Vainfas, 1997:136).
Uma vez apresentada o percurso até a década de setenta das mentalidades, Vainfas a contextualiza com a revolução sexual; a crise do socialismo da URSS; cita ainda Perry Anderson sobre o marxismo professoral (vulgar) doa países capitalistas e sua contribuição para o desenvolvimento das mentalidades.
Finalizando a primeira questão, Vainfas apresenta alguns pontos de crítica das mentalidades, “ o cotidiano, o amor, a morte, a família, a criança, as bruxas, os loucos, os homossexuais, o corpo, os modos de vestir, de chorar, de beijar etc. Preocupando-se em realçar a narrativa e a descrição em vez da explicação globalizante. Mesmo assim Vainfas é claro sobre o respeito ás mentalidades. Citando Le Goff, Duby, Le Roy, Áries, entendendo como preocupante apenas a vulgarização de uma relevante corrente de investigação histórica (Vainfas, 1997:137)
PRESSUPOSTOS, DIVERSIDADES CONCEITUAIS E TEMÁTICAS NO ESTUDO DAS MENTALIDADES
Neste momento Vainfas nos apresenta a problemática em definir ou delimitar o campo teórico e metodológico das mentalidades. Uma primeira definição é contrapô-la ao que predominou nos anos 50 e 60, a história econômica. Outra buscou afirma-la como história mais aberta possível a investigação de fenômenos humanos no tempo (Vainfas, 1997:138), sendo que qualquer fonte (documento) pode ser útil as mentalidades.
Uma terceira definição: que é a história das mentalidades a que mais confirma a vocação interdisciplinar dos Annales (antropologia, psicologia e lingüística).
Assim notadamente, a diversificação das mentalidades passa a ser algo característico deste tipo de história. Vainfas apresenta um outro conceito. Encontramos em Le Goff, no artigo: As mentalidades-uma história ambígua (1994), um verdadeiro manifesto da Nova História.
Le Goff apresenta três idéias que procuram delimitar o campo conceitual das mentalidades:
1- A questão do recorte social das mentalidades, sendo abrangentes a ponto de diluir as direfenças inerentes à estratificação social da sociedade estudada (o pensamento de César e do legionário).
2- A noção de inconsciente coletivo.
 3- A questão do tempo das mentalidades, que é de longa duração: a história da lentidão na história.
Também neste segundo momento, Vainfas aborda a questão do diálogo com o marxismo em Le Goff. Criticam os marxistas por “não terem obtido êxito em passar das infra-estruturas para as superestruturas”. “Admitia a existência de mentalidades de classes ao lado de mentalidades comuns” (Le Goff).
Já na década de 80 Le Goff revê alguns conceitos no artigo “ A história do Cotidiano” (1980). As mentalidades são apresentadas como cotidiano, provavelmente um sinal de desgaste da noção de mentalidades no meio acadêmico.
Neste decênio, Michel Vovelle tenta definir melhor o conceito de mentalidade. Este se coloca como marxista, diferente do posicionamento de Le Goff. Em 1980 escreveu: Ideologias e Mentalidades: um esclarecimento necessário. Defendeu as mentalidades que a acusava como irrisória, mas também
não a classificava como o essencial da história. Propôs uma articulação entre o conceito de mentalidade e o de ideologia. Propõe uma explicação marxista para as mentalidades que lhe valeria críticas por outros marxistas.
Ainda em 1980, Vovelle trabalharia com a questão da longa duração, propondo compatibilizar a curta duração com a longa duração, o tempo da ruptura com o das permanências (Vainfas, 1997:141).
A divergência entre Vovelle e Le Goff, nos mostra a problemática conceitual das mentalidades.
Quanto às temáticas preferenciais das mentalidades, podemos citar:
1- As religiosidades
2- As sexualidades e suas representações
3- Os sentimentos coletivos
4- A vida cotidiana em regiões ou cidades
Vainfas ressalta que o estudo das mentalidades não se limitou à França, estendendo-se à outros países e continentes (América latina e saxônica). Mesmo assim, não podemos pensar as mentalidades de forma homogenia em relação a sua teoria e sua metodologia.
De acordo com Ronaldo Vainfas, poderíamos falar de três variantes da história das mentalidades:
1- A herdeira dos Annales;
2- Uma mentalidade marxista, preocupada em relacionar os conceitos de mentalidade e ideologia (Vovelle)
3- A descompromissada em discutir teoricamente os objetos, a narrativa de épocas e episódios do passado (o beijar, chorar, cardápios etc.).
Vainfas apresenta esse esquema como três maneiras de fazer a história das mentalidades
DA HISTÓRIA DAS MENTALIDADES À HISTÓRIA CULTURAL
A história das mentalidades recebera críticas exógenas e endógenas. Como por exemplo, da crítica apresentada por Stuart Clark acerca da feitiçaria. Clark afirmou que só é possível estudar a feitiçaria a partir do significado que os próprios atores sociais emprestavam as suas religiosidades. Qualquer problematização externa àqueles significados é vista como anacrônica e frágil.
Uma outra problemática é a construção da história sob bases tão frágeis, criando-se a ilusão sobre a construção da real realidade.
A partir da década de 80, o declínio das mentalidades é bem perceptível, quando observamos o surgimento de “novos” campos da história, ainda herdeiros das mentalidades. Como exemplo, temos a História da vida privada, organizada por Philippe Áries e Duby.
Outro refúgio da história das mentalidades, diferente da “história da vida privada” é a chamada micro-história (Vainfas, 1997:147) tendo como referencia documentais os processos judiciários do tipo inquisitorial.
Independente da micro-história, um outro refúgio das mentalidades fora a chamada história cultural. A história cultural se apresentaria como uma forma de corrigir as imperfeições teóricas das mentalidades.
Vejamos algumas características importantes da história cultural:
1- A sua rejeição ao conceito de mentalidades, considerando exessivamente vago, ambúguo e impreciso quanto as relações entre o mental e o social.
2- Ela se apresenta com uma Nova História Cultural, diferente da antiga história cultural, não recusando as expressões culturais das elites (letradas) ou das classes subalternas.
3- A sua preocupação em resgatar o papel das classes sociais, da estratificação e co conflito social.
4- É uma história plural, como as mentalidades, apresentando caminhos alternativos para a investigação.
Um breve perfil da nova história cultural diante da sua pluralidade:
1- Recusa do conseito vago de mentalidade;
2- Preocupação com o popular;
3- Valorização das estratificações e dos conflitos socioculturais como objeto de investigação.
Vainfas nos apresenta três maneiras distintas de se apresentar a historia cultural:
1- A história da cultura praticada por Carlo Ginzburg (a questão da circularidade cultural);
2- A história cultural de Roger Chartier (uma complicada apresentação do cultural sobre o social);
3- E, a história da cultura produzida por Edward Thompson (uma tradição singular da cultura de viés marxista da história cultural).
CULTURA E MENTALIDADES NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA
A chegada na Nova História no Brasil é tardia, estabelecendo-se a partir de meados da década de 80.
O crescimento editorial na década de oitenta possibilitou um maior contato e divulgação de trabalhos já calcados sobre problemas da Nova História. E, entre os problemas de acesso a esta historiografia, Vainfas nos apresenta algumas considerações. O regime militar no Brasil que realmente dificultou a divulgação de muitos trabalhos; a adesão ao marxismo (do vulgar ao refinado) e o fato de ser muito restrito o circulo de pós-graduação no Brasil nos anos 70.
A história cultural pode ser observada em Gilberto Freyre e Sérgio Buarque. Muitos dos seus críticos os apontarem como historiadores das mentalidades.
Sérgio Buarque de Holanda introduz Weber na historiografia brasileira (“Raízes do Brasil”, 1936). Mas o livro que talvez mais sinalize com a HN é o de Laura de Mello e Souza, “O diabo e a Terra de Santa Cruz (1986), apoiando-se em fontes inquisitoriais.
O trabalho percursos, de acordo com Vainfas talvez tenha sido o livro de Kátia Mattoso, Ser escravo no Brasil (1982), questionando as relações de poder entre senhores e escravos. Seus críticos a acusaram de reeditora de idéias de Freyre, inspiradora de estudos reacionários. Muito provavelmente esta crítica fora influenciada pelo marxismo vulgar presente muito mais que as mentalidades na história do Brasil.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
BOURDÉ, Guy e MARTIN, Hervé. As Escolas Históricas. Portugal: Publicações Europa-América, edição 158004/5071, 1983.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma introdução à História. Editora Brasiliense, 9 edição, 1992.
DOSSE, François. A História em migalhas: dos annales à nova história. Bauru, SP: EDUSC, 2003.
VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e História cultural, In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História – ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997:127-162.

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