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História do Direito Brasileiro Estácio Natal Profa. Dra. Margarida Maria Knobbe 2017 Reprodução autorizada apenas para estudo dos alunos da disciplina. É vedado o uso para outros fins, publicação em sites da internet, etc. sem prévia autorização por escrito da autora. Aula 1 Introdução à Disciplina História do Direito no Brasil (Estudar até a página 18 do Livro Didático) Objetivos Compreender de forma geral o Plano de Ensino da Disciplina História do Direito no Brasil, quais os seus objetivos e como a disciplina será ministrada no decorrer do semestre. Assimilar que a disciplina de História busca conectar-se com os conteúdos das demais disciplinas de fundamento, com as quais mantém diálogo permanente. Perceber que o Curso de Direito da Estácio é planejado para a construção de conhecimentos a partir de uma visão plural, porque os fenômenos sociais e jurídicos podem ser analisados sob várias perspectivas. Correlacionar as raízes do Direito brasileiro com uma tradição romano- germânica, situando as Ordenações nesse contexto. Situar o "descobrimento do Brasil" no contexto histórico do período, mais especificamente nas chamadas "grandes navegações". “ ” Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o nosso futuro baseia- se no passado e se corporifica no presente, temos de saber o que somos para saber o que seremos. Paulo Freire “ ” Historicizar é desnaturalizar, desconstruir toda forma de fatalismo, de aceitação da realidade como ela é. É encontrar os fios que articulam a realidade, para poder influenciar na sua transformação, pela prática concreta e pela consciência humana que, transformada em força material, adquire capacidade de modificação, de humanização do mundo. Emir Sader (http://www.cartamaior.com.br/?/Blog/Blog-do-Emir/A-banalizacao-da-historia/2/30063) “Historicizar um fenômeno é entender como ele foi gerado, em todos os seus aspectos – econômico, social, politico, cultural –, como ele se reproduz – conforme suas dimensões objetivas e subjetivas – e como ele foi ser transformado. Em suma, como se produz a história humana e como os homens, que produziram, inconscientemente, suas condições de existência e sua própria consciência, podem transformá-la, transformando-se a si mesmos.” Para Michel Foucault (As palavras e as coisas, 1995. p. 384; 403) “É verdade que a História existiu bem antes da constituição das ciências humanas; desde os confins da idade grega, exerceu ela na cultura ocidental um certo número de funções maiores: memória, mito, transmissão da Palavra e do Exemplo, veículo da tradição, consciência crítica do presente, decifração do destino da humanidade, antecipação do futuro ou promessa de um retorno.” “Concebia-se uma grande história plana, uniforme em cada um dos seus pontos, que teria arrastado num mesmo fluir, numa mesma queda ou numa mesma ascensão, num mesmo ciclo, todos os homens e, com eles, as coisas, os animais, cada ser vivo ou inerte, e até os semblantes mais calmos da terra.” Porém, “o homem compôs sua própria figura nos interstícios de uma linguagem em fragmentos”. Desafios cognitivos Entender que a História é um dentre muitos “discursos” sobre o mundo e que tais discursos ainda que não criem o mundo, dele se apropriam, dando-lhe todos os significados que têm. Compreender que os fatos e eventos da história chegam até nós sempre refratados através da mente, do olhar do registrador, ou seja, do historiador – quando tomamos um trabalho de história para leitura devemos nos preocupar, não com os fatos que ele contém, mas, primeiramente, com o historiador que o escreveu. A visualização, a compreensão do passado somente ocorre através dos olhos do presente – o historiador pertence à sua época, ao seu “presente”, e a ele se liga pelas condições objetivas da existência humana. Entender que a História é produto do trabalho de historiadores (ou dos que atuam como historiadores) – não é possível relatar mais do que uma pequena parcela do que aconteceu, sendo que o relato do historiador nunca corresponde exatamente ao passado. ‘Verdades’ históricas... “Há cerca de dez mil anos as pessoas desistiram da vida nômade e se fixaram na terra, tornando-se lavradores (...) A data está certa, não está? (...) A parte da coleta também, certo? Quer dizer, antes que os homens se tornassem lavradores, eram coletores, não eram? (...) Então, cadê a mentira? A mentira está oculta na única parte da sua exposição que não foi objeto de reflexão. A mentira está na expressão ‘as pessoas’ (...). Não foram ‘as pessoas’ que fizeram isso; foram as pessoas da sua cultura – uma cultura entre dezenas de milhares. A mentira é que suas ações são as ações da humanidade. A mentira é que vocês são a própria humanidade e que sua história é a história humana. A verdade é que há dez mil anos um povo desistiu da vida nômade e coletora, estabeleceu-se e passou a cultivar a terra. O resto da humanidade – os outros noventa e nove por cento – continuou a viver como antes.” (Daniel Quinn, em Meu Ismael, 1999. p. 53-54) História do direito PERSPECTIVA CONSERVADORA/LEGITIMADORA Ideia de direito justo: o direito estabelecido e longamente praticado - a concepção de que aquilo que é antigo, tradicional é “naturalmente” bom; Defende que determinada categoria discursiva ou determinada solução jurídica pertencem à “natureza das coisas” ou derivam de “categorias eternas da justiça ou da razão jurídica”; “Comprova” a “linearidade do progresso da sociedade e de suas instituições” e a consequente “sacralização” do presente; Apresenta as decisões judiciais como opções puramente “técnicas”, “científicas”, desideologizadas, apartadas de qualquer conflito social adjacente. “a história nos acontece” PERSPECTIVA CRÍTICA E INTERDISCIPLINAR FUNÇÃO CRÍTICA – diferentemente das disciplinas dogmáticas dos cursos jurídicos que visam criar certezas acerca do Direito, a História do Direito deve problematizar o pressuposto básico de tais disciplinas. E que pressuposto seria este? O de que o direito dos nossos dias é o RACIONAL, o NECESSÁRIO, o DEFINITIVO. Enfatizando que o Direito existe sempre em uma determinada formação social e que suas soluções sempre se referem a um determinado ambiente, sendo portanto sempre soluções locais, independentemente do modelo teórico que se use para descrever as relações do Direito com os contextos sociais. “nós fazemos a história” História crítica do direito Muito mais do que se constituir como um sistema de normas voltadas para a regulação das relações sociais, assegurando padrões mínimos de convivência em sociedade, o Direito em boa medida cria os próprios valores sobre os quais se assentam tais padrões - na verdade, o Direito “imagina” a sociedade, criando a realidade com a qual opera. Condições teóricas e ideológicas: Entender as normas jurídicas em seu movimento de integração nos complexos normativos da vida social. A criação de uma consciência de que os “fatos históricos” não são independentes do olhar do historiador. A compreensão da produção do Direito não apenas em suas vinculações com os processos sociais, mas também como um processo social dotado de relativa autonomia, e que modela “imaginários” e práticas sociais mais abrangentes. A percepção de que a história é descontínua. Continuidades e rupturas se sucedem ou convivem em um mesmo espaço, em um mesmo tempo. Duplo movimento História “externa” Trata do exame formal dos acontecimentos político-sociais que dão origem e influenciam as fontes clássicas do Direito. História “interna” Trata do estudo da vida dos institutos jurídicos edas instituições públicas e privadas. O que é, então, História do Direito? “Parte da História geral que examina o Direito como fenômeno sociocultural, inserido em um contexto fático, produzido dialeticamente pela interação humana através dos tempos, e materializado evolutivamente por fontes históricas, documentos jurídicos, agentes operacionais e instituições legais reguladoras.” (WOLKMER, Antonio Carlos. História do direito no Brasil. 7ª. ed. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2014. p. 4) O Direito na História: simbologia Existe uma grande polêmica com relação a quem é realmente a deusa grega que segura a balança na representação que simboliza o Direito. A maioria atribui à deusa Thémis o papel, mas a verdadeira deusa da justiça é sua filha Diké. Thémis: guardiã dos juramentos dos homens, ‘deusa do juramento ou da lei’, filha de Urano (céu, paraíso) e Gaia (Terra) significa lei, ordem e igualdade. Justiça divina. Diké (ou Astraea): filha de Thémis, deusa da justiça. Justiça dos homens. A balança representa a igualdade buscada pelo direito e a espada representa a força, elemento inseparável do direito. A venda foi invenção dos artistas alemães do século XVI que, por ironia, retiraram-lhe a visão (significando imparcialidade?). Em Roma, a mulher passou a ser a deusa Iustitia (ou Justitia). Distribuía a justiça por meio da balança que segurava com as duas mãos. Ela ficava de pé e tinha os olhos vendados (para ouvir bem?); dizia (declarava) o direito (jus) quando o fiel (lingueta da balança indicadora de equilíbrio) estava completamente vertical. DIKÉ (e não Thémis) Representação artística A escultura ‘Justiça’ localizada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, foi feita em 1961 pelo artista plástico mineiro Alfredo Ceschiatti, em um bloco monolítico de granito de Petrópolis, medindo 3,3 metros de altura e 1,48 metro de largura. Representa o poder judiciário como uma mulher com os olhos vendados (imparcialidade e intenção de nivelar o tratamento jurídico de todos por igual) e espada (força, coragem, ordem e regra necessárias para impor o direito). Porém, a escultura não mostra a balança, que representaria a ponderação dos interesses das partes em litígio. O direito dos povos ágrafos (sem escrita) Pré-história O direito já era utilizado nas instituições que dependem muito de conceitos jurídicos, como casamento, poder paternal ou maternal, propriedade, hierarquia no poder público, etc. Fontes do direito: costumes e precedentes. Provérbios e adágios. Características das regras: Abstratas: decoradas e passadas de pessoa para pessoa da forma mais clara possível; Numerosas: cada comunidade tinha seu próprio costume e vivia isolada no espaço e, muitas vezes, no tempo; Diversificação relativa: a distância (no tempo e no espaço) fazia com que cada comunidade produzisse mais dissemelhanças do que semelhanças em seus direitos; Impregnadas de religiosidade: como a maior parte dos fenômenos são explicados, por esses povos, através da religião, a regra jurídica não foge a esse contexto. Primeiras leis escritas Legislação mesopotâmica Código de Ur-Namú (fundador da terceira dinastia de Ur); Código de Hammurabi: coletânea de julgados e hipóteses; não especializado (contém todo o ordenamento jurídico da cidade); regido por sacerdote. Código de Hammurabi (c. 1700 a.C.) Museu do Louvre281 leis talhadas numa rocha de diorito de cor escura em caracteres cuneiformes. Outras leis antigas Direito Hebraico: base moral pode ser encontrada nos Dez Mandamentos (Lei mosaica). Código de Manu (Índia): A sociedade era dividida em castas, determinadas pelo nascimento e independia da riqueza. Para começar... Daremos início ao nosso curso buscando as raízes mais profundas do direito que você estudará nos próximos cinco anos, conhecendo o porquê de sermos vinculados a uma tradição denominada romano- germânica e o que isso representa. É importante observar como se estrutura o sistema jurídico português a partir dessa perspectiva romano- germânica (civil law), tendo por referência as Ordenações portuguesas (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas). Bases anteriores ao Direito brasileiro Direito grego: o Direito ocidental é filho das experiências das Cidades-Estado mediterrânicas antigas. Surge na polis grega. Em suas origens, não era escrito, sendo de conhecimento exclusivo de aristocratas-juízes, e só mais tarde foi codificado. Direito romano: é grande divisor entre os Direitos Antigos, sagrados, consuetudinários (costumes), de conhecimento exclusivo dos anciões e sacerdotes e o Direito Ciência, completamente separado da Religião e da Moral. Os romanos só adquiriram a supremacia no campo do Direito, por haverem criado uma ciência e uma arte do direito. Direito germânico: praticado pelas nações bárbaras de origem teutônica que se apossaram da Europa, após a queda do Império Romano do Ocidente, na Idade Média. Direito canônico: da comunidade religiosa dos cristãos, mais especialmente o direito da Igreja Católica Apostólica Romana. O termo cânon vem do termo grego Kanoon= regula, regra, empregado nos primeiros séculos da igreja para designar as decisões dos concílios. Direito muçulmano: influência ocorrida durante a dominação árabe na Península Ibérica (principalmente sul da Espanha e Portugal), que durou oito séculos, até 1492. Curiosidades Do período pré-romano ou ‘primitivo’: Lei do Ósculo: estabelecia que, por ocasião dos esponsais, os futuros cônjuges deveriam comprometer- se com um beijo público. Entrar às Varas: Lei que punha fim a um litígio, com umas varadas. HÁ RUPTURA OU PERMANÊNCIA EM NOSSO DIREITOE/OU NOSSOS COSTUMES EM RELAÇÃO A ESSAS DUAS LEIS? Ordálio ou ordália Sentença Divina em linguagem derivada do anglo-saxônico ordal = juízo. Este foi um processo usado na era medieval, em que se submetia os litigantes a provas duras e a testes de resistência terríveis, que hoje seriam considerados tortura. Exemplos de ordálias aplicadas: Exposição a animais ferozes; Ingestão de substância para produzir alterações físicas ou psíquicas; Combate corpo a corpo; Banho de água fervente; Marcação com ferro em brasa. A ordália tinha a finalidade de se averiguar a inocência ou culpa do acusado, esperando pela intervenção divina, favorecendo aquele que estivesse de posse da razão, resolvendo-se então o conflito. A parte inocente deveria sair ilesa dessa prova, pois o juízo teria sido aplicado por Deus e não pelos humanos. Ordálios utilizados em Portugal: Ferro em brasa - Consistia em um ferro que o juiz e um sacerdote aqueciam para que o acusado segurasse obrigatoriamente. Depois de fixado o ferro aquecido não mão do indivíduo, o juiz cobria-a com cera, e evolvia-a em um tecido de linho ou estopa. Se depois de três dias, a análise da mão não revelasse nenhuma chaga, o réu era considerado inocente, mas se apresentasse os ferimentos, seria considerado culpado e imediatamente condenado. Duelo judicial. O duelo judicial era realizado a cavalo ou a pé, conforme mandasse a origem social dos intervenientes, o evento deveria durar três dias, após os quais o vencido perdia o processo. Se não houvesse vencedor, perdia o processo aquele que propôs o desafio. O direito romano Conjunto de normas vigentes em Roma, de sua fundação (século VIII a.C.) até Justiniano (século VI d.C.). Para os romanos, a definição de Direito passava por seus mandamentos: “viver honestamente, não lesar ninguém e dar a cada um o que é seu”. Na Idade Média O Direito Medieval nasceu da união do que restou do Império Romano, mais os povos bárbaros que invadiram a Europa romana,mais a Igreja Católica que sobreviveu à queda do Império e se fortaleceu durante o período medieval. Na Península Ibérica, o Reino Visigodo só será abalado no século VIII com a invasão árabe. Império Romano do Ocidente Invasão dos povos bárbaros Origem do Estado português A origem do Estado português está relacionada à Reconquista (séc. XI ao XV), processo que ocorreu na Península ibérica com o objetivo de expulsar os árabes que haviam se fixado na região, a partir do séc. VIII. Dois nobres franceses, Raimundo e Henrique de Borgonha receberam como recompensa de Afonso VI, rei de Leão, as mãos de suas filhas em casamento e uma porção de terra cada um. Henrique de Borgonha recebe a mão da princesa D. Teresa e o Condado Portucalense. É este território que dará origem a Portugal. Porém, foi somente o filho de D. Henrique de Borgonha, Afonso Henriques que, no ano de 1139 tornou o território independente do reino de Leão, após a morte de seu avô e de uma disputa com sua própria mãe. O confronto com as tropas de Leão e Castela ocorreram onde hoje temos a cidade de Guimarães. Durante a dinastia de Borgonha, Portugal deu continuidade às guerras de Reconquista, ampliando seu território. A economia portuguesa, no final desta dinastia (séc. XIV), sofreu impulso com o surgimento de uma nova rota comercial que ligava as cidades italianas à região da Flandres, fazendo escala em Lisboa. Isto, sem dúvida, fortaleceu o grupo mercantil português. Formação do Direito português “Pode ser caracterizado como um aspecto da evolução do direito ibérico. Deste participa em suas origens primitivas, na paralela dominação romana, na posterior influência visigótica, na subsequente invasão árabe, na recepção do direito romano justinianeu, apenas separando suas trajetórias históricas quando Portugal separou seu destino do das monarquias espanholas de então, seguindo, daí por diante, o seu direito, uma independente evolução nacional.” (Machado Neto) Período nacional do Direito português Portugal tornou-se independente das dinastias espanholas com a vitória na Batalha de Ourique (1139), liderada por Afonso Henriques. A partir desse marco histórico, dá-se início ao período nacional do direito português. A primeira grande fase desse período foi marcada pelas leis de caráter geral e pelos forais. As primeiras leis gerais foram decretadas em 1210, no reinado de Afonso II (buscavam a centralização do poder nas mãos da monarquia). Grandes sistemas do Direito Romano-Germânico ou Continental (Civil Law) Anglo-saxônico (Common Law) Sistema Romano-Germânico ou Continental (Civil Law) Notabiliza-se pela observância da lei, extraindo-se dela definições e princípios gerais de maior ou menor abstração que subsidiam a interpretação a ser dada para o caso concreto. O juiz também pode se valer da analogia. O costume é fonte legal, porém acessória de aplicação do direito. A doutrina não é propriamente considerada uma fonte de direito, mas é muito respeitada e suas teses são objetos de discussão em processos judiciais. A jurisprudência só possui a mesma força que uma norma legal quando oriunda do Tribunal Constitucional Federal. Predominância do direito escrito. O marco mais importante para a consolidação do Sistema Romano- Germânico foi o início da sistematização ordenada, unificando as normas em um código, garantindo a partir daí a segurança do Direito. Com a codificação napoleônica (Código Civil francês) em 1804 iniciou-se o movimento codificador europeu. Em 1° de janeiro de 1900 entrou em vigor o Código Civil alemão, conhecido pela sigla BGB. Abrangência do civil law Pertencem à família romano-germânica os direitos de toda a América Latina, de toda a Europa continental, de quase toda a Ásia (exceto partes do Oriente Médio) e de cerca de metade da África. Sistema Anglo-saxônico (Common Law) Elaborado na Inglaterra a partir do século XII, em que o Direito se desenvolveu por meio das decisões dos tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos como no Sistema Romano-Germânico. O Common Law é o Direito criado ou aperfeiçoado pelos juízes: uma decisão a ser tomada num caso depende das decisões adotadas para casos anteriores e afeta o direito a ser aplicado a casos futuros. Quando não existe um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito, estabelecendo um precedente. O conjunto de precedentes é chamado de common law e vincula todas as decisões futuras. O contexto das grandes navegações Para o estudo da história do Brasil, é necessário entender que o Brasil foi "descoberto" no contexto da chamada "Era das Navegações e Descobrimentos Marítimos", já que a América e a Oceania eram totalmente desconhecidas pelos europeus da época. Foram interesses econômicos (a necessidade de acessar as mercadorias orientais, dificultada em larga escala após a tomada de Constantinopla pelos turcos-otomanos), políticos (o interesse dos reis em ampliar seus domínios), e religiosos (a busca da Igreja por novos fiéis) que estimularam as explorações marítimas nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, no decorrer dos séculos XV e XVI, dando gênese ao fenômeno acima identificado como Era das Navegações e Descobrimentos. Nessa linha, há de se ressaltar o pioneirismo português, enfatizando as condições políticas e técnicas que levaram aquele pequeno reino a obter tanto êxito, projetando-se como potência europeia no decorrer dos séculos XV (principalmente) e XVI, ao alargar seus domínios por vários continentes. Tratado de Tordesilhas É importante analisar o contexto histórico no qual o Tratado de Tordesilhas (que substituiu os termos da Bula Papal Inter Coetera de 1493), ao dividir o mundo entre Espanha e Portugal (o que é fortemente contestado pelas outras nações europeias), acabou por demarcar os primeiros limites da América portuguesa, ou seja, estabeleceu o território inicial do que mais adiante seria denominado Brasil. Antes de Cabral tomar posse das terras, o nosso território já era alvo de uma grande disputa entre Portugal e Espanha que estavam iniciando o Ciclo das Grandes Navegações. O que resultou historicamente nos três primeiros documentos sobre o que mais tarde seria o Brasil. Antecedentes Tratado de Toledo De 6 de março de 1480, dava a Portugal a exclusividade de águas e terras ao sul das Canárias. Em 1492 Colombo realiza seu sonho de explorar os mares, com o consentimento dos Reis Católicos de Aragão e Castela – Fernando II e Isabel I, chegando às terras que hoje formam as Américas, o que levou a um sério estremecimento entre Portugal e Espanha. Bula Inter Coetera Isabel e Fernando, os Reis Católicos da Espanha, para se defenderem, recorreram ao papa Alexandre VI que, em 4 de maio de 1493, expediu a Bula Inter Coetera, dando domínio exclusivo de todas as ilhas e terras firmes, já descobertas ou que se viessem a descobrir, situadas a ocidente de uma linha meridiana traçada de polo a polo, que passasse cem léguas a oeste de qualquer das ilhas dos Açores e Cabo Verde, contanto que essas ilhas e terras não fossem possuídas por algum príncipe cristão antes do Natal de 1492. Tratado de Tordesilhas Embora a demarcação da bula Bula Inter Coetera tenha salvaguardado as rotas portuguesas do Atlântico Sul, D. João II recusou-se a aceitá-la e pressionou a Espanha, o que resultou no Tratado de Tordesilhas, de junho de 1494. O acordo deu fim a longas negociações entre as duas coroas. Conforme a principal cláusula do diploma, as duas monarquias estabeleciam o meridiano traçado a 370 léguas a oeste das Ilhas Cabo Verde, tudo o que estivesse a oeste seriaespanhol, e a leste de Portugal. Mapa do Tratado de Tordesilhas (http://penta2.ufrgs.br/rgs/historia/tordesilhas.html) Uma curiosidade... “A corrupção, especialmente nos países Ibéricos, teve início no Judiciário. Como você vai querer que o Executivo, o Legislativo e a sociedade sejam impolutas (sem máculas), se o órgão encarregado de estabelecer, fiscalizar e exercer a lei, é ele próprio corrupto? Não faltam provas de que o poder Judiciário em Portugal e Espanha, a partir de 1400, está repleto de casos de corrupção. Nesse sentido, o Pero Borges é exemplar, porque há provas documentais. Não basta dizer que o fulano é corrupto. A prova documental existe. Conto no meu livro que Pero Borges, quando era corregedor da Justiça, em Alvas, Portugal, foi encarregado de supervisionar a construção de um aqueduto. A obra parou pela metade, quando se levantou um clamor popular para saber porque o aqueduto não havia sido concluído. Houve uma comissão de inquérito, praticamente uma CPI, e se chegou ao empreiteiro, porque as obras eram construídas em regime de empreitada. O empreiteiro informou que deu a metade do dinheiro para ele. Pero Borges foi julgado e condenado. Uma de suas condenações foi nunca mais exercer um cargo público. Isso se deu em 1546 e, em janeiro de 1547, foi escolhido primeiro ministro da Justiça do Brasil [ouvidor-mor].” Eduardo Bueno (escritor) <http://portalcontabilsc.com.br/noticias/com-humor-a-historia-da-corrupcao- no-brasil/> Mais uma curiosidade... De onde vem a ‘condução coercitiva do suspeito ou investigado’ ? Nas Ordenações Filipinas, os oficiais de justiça podiam conduzir testemunhas e réus recalcitrantes “debaixo de vara”, isto é, à força. No antigo direito português, a vara era a insígnia dos juízes ordinários e dos juízes de fora. Era o símbolo de sua autoridade. A condução coercitiva, ou debaixo de vara, é cabível sempre que vítimas, peritos, testemunhas ou declarantes, regularmente intimados (ou notificados), não comparecem ao ato (em geral, uma audiência) nem justificam sua ausência. Para sua efetivação, a condução coercitiva deve ser necessária para a conclusão das investigações, devendo a polícia observar as garantias constitucionais do custodiado, como o direito ao silêncio, o direito à assistência de advogado, o direito à integridade física e o direito à imagem, impedindo-se inclusive a exposição pública do suspeito. Aplicação: articulação teoria e prática Lembre-se que, para a resolução da questão abaixo, é necessário que você pesquise sobre as características da Common Law e da Civil Law (sistema romano-germânico). Flávio e Aline, dois alunos iniciantes do curso do nosso Direito, entusiasmados com os estudos jurídicos, discutiam sobre a forma como os diversos países organizavam suas justiças a fim de obterem solução para os conflitos sociais que, inevitavelmente, surgem todos os dias. Flávio defende a tese de que um sistema de direito tem que se basear na vontade de quem faz a lei (legisladores) prevendo situações futuras, sendo que ao juiz caberia tão somente aplicar as regras produzidas por estes, Já Aline, por outro lado, entende que só diante do caso concreto é possível construir as regras, ou seja, a posteriori, pois cada caso tem suas particularidades. Além do mais, Aline entende que os juízes são mais confiáveis, enquanto Flávio defende a tese de que o legislador democraticamente escolhido pelo povo é que deve produzir as normas. Vá ao Google e pesquise sobre o que vem a ser o sistema de Common Law e o que vem a ser o sistema de Civil Law (também chamado de sistema romano-germânico). Depois, responda: a) Quem defendeu a tese usada pelos adeptos da Common Law e quem defendeu a tese usada pelos adeptos da Civil Law? Por quê? b) Por que se usa a denominação "sistema romano-germânico"? c) Qual dos sistemas se vincula a tradição jurídica portuguesa e, por consequência, a tradição jurídica brasileira? Resolva a questão objetiva 1 do capítulo 1 de seu Livro Didático. Para enriquecer o seu conhecimento CASTRO, Flávia Lages. História do Direito Geral e Brasil. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2014. WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. Sugestão de filmes 1) "Desmundo" (2003, dirigido por Alain Fresnot, roteiro baseado no livro Desmundo, de Ana Miranda) - ambientado em 1570, época em que os portugueses enviavam órfãs ao Brasil para que casassem com os colonizadores, com a finalidade de minimizar o nascimento de filhos com índias. (http://www.youtube.com/watch?v=oxQe_BeRba0). 2) "Como era gostoso o meu francês" (1971, dirigido por Nelson Pereira dos Santos) - No Brasil de 1594, um aventureiro francês prisioneiro dos Tupinambás escapa da morte graças aos seus conhecimentos de artilharia. Segundo a cultura Tupinambá, é preciso devorar o inimigo para adquirir todos os seus poderes, no caso saber utilizar a pólvora e os canhões. Enquanto aguarda ser executado, o francês aprende os hábitos dos Tupinambás e se une a uma índia. Através dela toma conhecimento de um tesouro enterrado e decide fugir. A índia se recusa a segui-lo e, após a batalha com a tribo inimiga, o chefe Cunhambebe marca a data da execução: o ritual antropofágico será parte das comemorações pela vitória. (http://www.youtube.com/watch?v=MVoP4IxV10w).
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