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Insuficiência Cardíaca

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FERREIRA - ATHENEU
FER-07 - 4ª Prova 26/08/99
ABREU’S SYSTEM
e-mail: abreussystem@uol.com.br
CONCEITO
Insuficiência cardíaca é síndrome clínica comple-
xa, classicamente definida como falência do coração
em propiciar suprimento adequado de sangue, em rela-
ção ao retorno venoso e às necessidades metabólicas
tissulares, ou fazê-lo somente com elevadas pressões
de enchimento1. Esse enunciado engloba as alterações
hemodinâmicas capitais da síndrome, ou seja, a respos-
ta inadequada do débito cardíaco (DC) e a elevação das
pressões pulmonar e venosa sistêmica.
CLASSIFICAÇÃO
Tradicionalmente, a insuficiência cardíaca (IC)
pode ser classificada: 1) em termos clínicos, em con-
gestiva/retrógrada (com sintomas e sinais relativos ao
aumento da pressão no sistema venoso) ou anterógra-
da (com sintomas e sinais dependentes de baixo débito
cardíaco); 2) em termos anatômicos, em IC direita ou
esquerda; 3) em termos temporais, em aguda ou crôni-
ca; e ainda 4) em IC de alto ou baixo débito ou 5) con-
forme a etapa do ciclo cardíaco predominantemente
atingida (sistólica ou diastólica)2.
FISIOPATOLOGIA
Há dois mecanismos fisiopatológicos básicos pe-
los quais o coração se torna insuficiente: comprometi-
mento miocárdico primário e sobrecarga excessiva. A
perda de células miocárdicas resulta principalmente de
doença aterosclerótica coronária ou cardiopatia isquê-
mica, cardiomiopatia e miocardites1, seguidas por um
grupo muito menos freqüente de causas infecciosas, tó-
xicas e deficitárias (Tabela 7.1).
As sobrecargas cardíacas podem ser divididas em
sobrecarga de pressão — hipertensão arterial, estenose
e coarctação da aorta, estenose pulmonar e hipertensão
pulmonar —, e sobrecarga de volume — regurgitação
valvular, shunts, ou fístulas arteriovenosas.
O desempenho, ou performance cardíaca, é depen-
dente da integração de quatro determinantes principais,
que regulam o volume sistólico e o débito cardíaco:
pré-carga, contratilidade, pós-carga e freqüência car-
díaca. A pré-carga relaciona-se com o comprimento
inicial da fibra miocárdica em repouso (diástole) e com
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Insuficiência Cardíaca
Iran Castro
Michel Batlouni
Rubem Rodrigues
Márcio Lerch Sturmer
Valquiria de Gallio
Tabela 7.1
Causas mais Raras de Disfunção Sistólica do Ventrículo
Esquerdo (Segundo ACC/AHA)
Agentes infecciosos: vírus, bactérias, fungos
Febre reumática aguda
Doenças infiltrativas: amiloidose, hemocromatose, sarcoidose
Tóxicas: heroína, cocaína, álcool, anfetaminas, adriamicina,
ciclofosfamida, sulfonamidas, ferro, arsênico, cobalto, fósforo,
etileno-glicol
Deficiências nutricionais: proteínas, tiamina, selênio
Distúrbio eletrolítico: hipocalcemia, hipofosfatemia, hiponatremia,
hipocalemia
Doenças do colágeno
Doenças endócrinas e metabólicas: diabetes, patologias
tireóideas, hipoparatireoidismo com hipocalcemia,
feocromocitoma, acromegalia
Induzida por taquicardia
Outras: síndrome hipereosinofílica, miocardiopatia periparto,
síndrome da apnéia do sono, doença de Whipple
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o volume diastólico final do ventrículo, e representa a
tensão parietal passiva no começo da contração. O esti-
ramento das fibras miocárdicas aumenta sua força de
contração e/ou a extensão do encurtamento (fenômeno
de Frank-Starling).
A contratilidade, ou o inotropismo, é a força da
contração ventricular, independente da pré-carga e
pós-carga e é refletida pelas curvas de relação for-
ça-velocidade-comprimento, que exprimem a relação
inversa entre a velocidade de encurtamento do miocár-
dio e o desenvolvimento de tensão na parede ventricu-
lar. A contratilidade depende essencialmente da intera-
ção qualitativa das proteínas contráteis, miosina e acti-
na, nos locais geradores de força. A redução da contra-
tilidade miocárdica manifesta-se por redução do desen-
volvimento de força, da velocidade de desenvolvimen-
to de força e da velocidade de encurtamento, além de
retardo no relaxamento.
A pós-carga é expressão da resistência à ejeção
ventricular. O aumento da resistência vascular periféri-
ca induz a aumento da pressão sistólica ventricular, ten-
são parietal e raio do ventrículo. Isto leva a aumento do
consumo de oxigênio miocárdico e redução da fração
de ejeção. Para uma mesma pré-carga e contratilidade,
o volume sistólico varia inversamente com a pós-carga.
Quando se impõe uma sobrecarga excessiva ao co-
ração e a função ventricular esquerda é comprometida e
o volume sistólico cai, são ativados diversos mecanis-
mos compensadores que permitem, dentro de limites
(reserva cardíaca), preservar o débito cardíaco e a pres-
são de perfusão tissular normais em repouso. Paralela-
mente, entram em jogo respostas neuro-hormonais
complexas, com a mesma finalidade. Embora inicial-
mente necessários e benéficos, tais mecanismos e res-
postas compensatórios podem tornar-se subseqüente-
mente deletérios.
Entre os mecanismos compensatórios cardíacos
propriamente ditos, incluem-se: taquicardia, mecanis-
mo de Frank-Starling e hipertrofia cardíaca.
Quando o débito cardíaco é limitado, ocorre redis-
tribuição do fluxo sangüíneo que visa manter a perfu-
são de órgãos vitais, como cérebro e coração, a expen-
sas do fluxo a áreas menos críticas, como pele, órgãos
esplâncnicos, musculoesqueléticos e mesmo rins, cujo
suprimento é reduzido desproporcionalmente à redu-
ção do débito cardíaco. Essa redistribuição ocorre em
condições de aumento do trabalho cardíaco, como
exercício, porém, à medida que a insuficiência cardíaca
progride, manifesta-se também em repouso. Essa redis-
tribuição é mediada pelo sistema nervoso simpático e
pela regulação vasomotora local, dependendo de fato-
res químicos e metabólicos.
A retenção de sal e água é um mecanismo compen-
satório subagudo. Em resposta à redução do débito car-
díaco e do fluxo sangüíneo renal, os rins retêm sódio e
água, para restaurar o volume sangüíneo arterial efeti-
vo e manter o débito cardíaco.
A redução do débito cardíaco e da perfusão tissular
acompanha-se de uma série de alterações e respostas
neuro-hormonais que afetam o aparelho cardiovascular
de forma complexa, tornando a insuficiência cardíaca
não apenas uma doença do coração, mas da circulação
como um todo. Tais alterações destinam-se a restaurar
o volume sangüíneo, o débito cardíaco e a homeostase
circulatória, e funcionam inicialmente como mecanis-
mos compensatórios úteis. Subseqüentemente, porém,
algumas respostas podem tornar-se deletérias, passan-
do a atuar como fatores patogenéticos que agravam o
estado hemodinâmico e clínico e afetam o prognóstico
desfavoravelmente.
ALTERAÇÕES NEURO-HORMONAIS
As alterações ou respostas neuro-hormonais de-
sencadeadas pela queda do débito cardíaco podem ser
consideradas em dois grupos antagônicos: 1) altera-
ções que provocam vasoconstrição e retenção de sódio
e água: hiperatividade do sistema nervoso simpático,
estimulação do sistema renina-angiotensina-aldoste-
rona e liberação da arginina vasopressina; 2) alterações
que causam vasodilatação, natriurese e diurese: peptí-
deos natriuréticos, algumas prostaglandinas, bradicini-
na e dopamina. Embora influenciando-se mutuamente,
as ações vasoconstritoras e retentoras de sódio sobre-
pujam as ações vasodilatadoras e natriuréticas, resul-
tando aumento da resistência vascular periférica e re-
tenção de sódio e água.
A hiperatividade simpática aumenta os níveis cir-
culantes de noradrenalina. Resultam aumento da fre-
qüência cardíaca e da contratilidade, vasoconstrição
periférica e aumento da pré e pós-carga, com o conse-
qüente incremento do trabalho cardíaco e do consumo
de oxigênio miocárdico. O fluxo sangüíneo renal dimi-
nui e a reabsorção de sódio aumenta. A noradrenalina
exerce efeitos tóxicos diretos no miocárdio, favorecen-
do a arritmogênese. O estado de estimulação simpática
persistenteinduz à redução do número (densidade) e à
dessensibilização dos receptores beta-adrenérgicos mi-
ocárdicos (regulação inferior), reduzindo a resposta do
coração ao estímulo adrenérgico. Ademais, ativa o sis-
tema renina-angiotensina. O nível plasmático de nora-
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drenalina na ICC correlaciona diretamente com a taxa
de mortalidade e é utilizado como indicador prognósti-
co da síndrome.
Aativação do sistema renina-angiotensina (SRA),
tanto circulante como local (tissular) promove altera-
ções hemodinâmicas, da função renal e da estrutura
cardiovascular. A vasoconstrição, por ação direta da
angiotensina II, e pela estimulação do sistema nervoso
simpático e da arginina vasopressina, aumenta a resis-
tência vascular periférica e a pós-carga. As ações dire-
tas da angiotensina II na hemodinâmica renal e a hiper-
secreção de aldosterona levam à retenção de sódio e
água. Ademais, a angiotensina II estimula a expressão
de proto-oncogenes e fatores de crescimento, promove
o crescimento dos miócitos e ativa a proliferação dos
fibroblastos e a síntese da matriz intersticial (papel pre-
ponderante da aldosterona), constituindo-se em poten-
te promotor da hipertrofia miocárdica e do remodela-
mento cardíaco e vascular.
A arginina vasopressina (AVP), conhecida como
hormônio antidiurético secretado pela pituitária, é po-
tente vasoconstritor e causa retenção seletiva de água
nos túbulos coletores renais, favorecendo a hiponatre-
mia dilucional. Seus níveis plasmáticos estão aumenta-
dos na ICC.
De outra parte, os peptídeos natriuréticos, secreta-
dos principalmente pelos átrios (PNA), exercem ações
vasodilatadora e natriurética, além de antagonizarem
os efeitos da noradrenalina, da AVP, do SRA e da aldos-
terona. Inibem, ademais, a hipertrofia miocítica e a fi-
brose intersticial.
Algumas prostaglandinas, E2 e I2 (prostaciclina) e
a bradicinina são vasodilatadores sistêmicos e renais,
que se contrapõem à tendência vasoconstritora domi-
nante na IC.
ALTERAÇÕES AUTÓCRINAS E PARÁCRINAS
A disfunção endotelial participa também da fisio-
patologia da ICC, por diversos mecanismos: 1) Redu-
ção da geração do fator de relaxamento dependente do
endotélio (EDRF/NO) e da síntese de prostaciclina,
comprometendo a vasodilatação, tanto periférica como
coronária, em repouso e durante o exercício. 2) De ou-
tra parte, a secreção de endotelinas está aumentada na
ICC. Essas substâncias exercem potente ação vaso-
constritora, promovem retenção de sódio e água, ati-
vam o sistema nervoso simpático e o SRA, além de es-
timularem a proliferação da musculatura lisa vascular,
miócitos cardíacos e fibroblastos.
As citocinas compreendem um grupo heterogêneo
de proteínas, que se caracteriza por exercer seus efeitos
localmente, por ação autócrina ou parácrina. Duas clas-
ses de citocinas foram implicadas na fisiopatologia da
ICC: a) citocinas vasoconstritoras e inotrópicas positi-
vas, entre as quais se inclui a endotelina; b) citocinas
pró-inflamatórias vasodepressoras, entre as quais se in-
cluem o fator alfa de necrose tumoral (TNF-α), a inter-
leucina-6 e a interleucina 1b. Estas citocinas atuam so-
bre o endotélio, fibroblastos cardíacos e miócitos. De-
pletam as reservas intracelulares de antioxidantes, pro-
movem a formação de radicais livres de oxigênio, ati-
vam proto-oncogenes envolvidos na hipertrofia miocí-
tica e na regulação da síntese da matriz colágena e in-
duzem à apoptose.
Na Fig. 7.1 estão representadas as alterações neu-
ro-hormonais e autócrinas/parácrinas que induzem à
vasoconstrição, retenção de sódio e água e proliferação
celular de um lado, e à vasodilatação, natriurese/diure-
se e antiproliferação, de outro.
SEMIOLOGIA
As manifestações clínicas de insuficiência cardía-
ca dependem, entre outros fatores, das cavidades com-
prometidas. O sintomas de dispnéia e seus equivalentes
de cansaço, fadiga, rouquidão, culminando em asma
cardíaca e edema agudo de pulmão correspondem, na
maioria das situações, ao envolvimento do ventrículo
esquerdo, embora possam ser manifestações de com-
prometimento ventricular direito ou biventricular. O
edema e os demais sinais de congestão sistêmica são
manifestações mais evidentes de comprometimento
ventricular direito. Os sinais de hipóxia, como o baque-
teamento digital e a cianose, assim como a hemoptise,
podem ser manifestações de insuficiência cardíaca tan-
to direita como esquerda3.
A presença de dois critérios maiores da Tabela 7.2
ou um maior e dois menores são sugestivos da presença
de insuficiência cardíaca.
Dispnéia é uma sensação desagradável de dificul-
dade respiratória. Em muitas formas de cardiopatia, as
manifestações clínicas de insuficiência cardíaca podem
refletir comprometimento tanto do ventrículo esquerdo
quanto do ventrículo direito. Com a insuficiência do
ventrículo esquerdo, o débito cardíaco declina e a pres-
são venosa pulmonar aumenta. Sinais clínicos são fadi-
ga e dispnéia aos esforços. Elevação da pressão capilar
pulmonar em níveis que excedem a pressão oncótica
das proteínas plasmáticas (aproximadamente
24mmHg) leva a aumento da água pulmonar, compla-
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cência pulmonar diminuída e elevação do consumo de
O2 ou trabalho da respiração. A insuficiência do VE ca-
racteristicamente se desenvolve na valvulopatia aórti-
ca, coronariopatia, hipertensão e alguns defeitos con-
gênitos, como defeito de septo ventricular ou persistên-
cia do canal arterial.
Efeitos Pulmonares. A hipertensão venosa e o
edema pulmonar resultantes de insuficiência ventricu-
lar esquerda (VE) alteram significativamente a mecâni-
ca pulmonar e, assim, as relações ventilação-perfusão.
A dispnéia está correlacionada com a pressão venosa
pulmonar elevada e o resultante trabalho respiratório
aumentado. Com o aumento da pressão hidrostática
venosa pulmonar excedendo a pressão oncótica das pro-
teínas plasmáticas, o fluido extravaza para os capilares,
o espaço intersticial e os alvéolos. Derrames pleurais
da ICC caracteristicamente se acumulam primeiro no
hemitórax direito e, mais tarde, tornam-se bilaterais. A
drenagem linfática é gradualmente aumentada, mas
não pode mobilizar o aumento de água pulmonar. O
sangue arterial pulmonar não oxigenado passa por al-
véolos não aerados, reduzindo a PO2 capilar pulmonar
mista. Uma combinação de hiperventilação alveolar
devido ao aumento da rigidez pulmonar e à redução da
pressão parcial de O2 alveolar (PAO2) é característica
da insuficiência de VE. Portanto, a gasometria revela
um aumento do pH e uma pressão parcial arterial de O2
(PAO2) reduzida — alcalose respiratória — com a satu-
ração reduzida refletindo o aumento do shunt intrapul-
monar.
As primeiras manifestações de hipertensão venosa
pulmonar, decorrentes de insuficiência cardíaca, são ta-
quicardia indevida e fadiga aos esforços não habituais.
A progressão da dispnéia aos exercícios leves e a into-
lerância ao frio indicam a progressão da disfunção ven-
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Fig. 7.1 — Mecanismos neuro-hormonais e autócrino/parácrinos envolvidos na fisiopatologia da insuficiência cardíaca.
Tabela 7.2
Critérios para Diagnóstico Clínico de Insuficiência Cardíaca
Utilizados no Estudo de Framingham3
Critérios Maiores
Dispnéia paroxística noturna/ortopnéia
Turgência jugular
Crepitantes
Cardiomegalia
Edema agudo de pulmão
Ritmo de galope por B3
Pressão venosa central maior que 16cmH
2
O
Tempo de circulação maior que 25 segundos
Refluxo hepatojugular
Critérios Menores
Edema demembros inferiores
Tosse noturna
Dispnéia aos esforços
Hepatomegalia
Derrame pleural
Redução da capacidade vital em 1/3 do máximo
Freqüência cardíaca maior que 120bpm
Critério Maior ou Menor
Perda de mais de 4,5kg em cinco dias de tratamento
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tricular esquerda. Dispnéia paroxística noturna e tosse
refletem a redistribuição do excesso de fluido com a
posição deitada, quando os líquidos são reabsorvidos.
Ocasionalmente, a hipertensão venosa pulmonar e o
aumento de fluido pulmonar manifestam-se primaria-
mente como broncospasmo com chiado. A tosse pode
ser proeminente e o escarro róseo ou acastanhado, de-
vido ao sangue.
A hemoptise franca devida a varizes pulmonares
rotas é incomum, mas pode ocorrer com perda de gran-
des quantidades de sangue. Sinais de insuficiência crô-
nica do VE incluem icto difuso e deslocado lateralmen-
te, galope ventricular (B3) e atrial (B4) palpáveis e au-
díveis, segunda bulha pulmonar acentuada e estertores
crepitantes em bases. É comum o derrame pleural à di-
reita.
O edema pulmonar agudo é uma manifestação po-
tencialmente fatal da insuficiência do VE secundária ao
início súbito de hipertensão venosa pulmonar. Uma sú-
bita elevação na pressão de enchimento do VE resulta
em movimento rápido do fluido plasmático através dos
capilares pulmonares para os espaços intersticiais e os
alvéolos. O paciente apresenta-se com dispnéia ex-
trema, cianose, taquipnéia, hiperpnéia, inquietação e an-
siedade com sensação de sufocamento. Palidez e diafo-
rese são comuns. Pulso filiforme, hipofose de bulhas e
galope de soma são usualmente encontrados. A respira-
ção é difícil, existindo estertores amplamente dispersos
em ambos os campos pulmonares, anterior e posterior-
mente. Alguns pacientes manifestam broncoespasmo
acentuado ou sibilos (asma cardíaca). A hipoxemia é
grave e a cianose profunda. A retenção de CO2 é mani-
festação tardia e de mau prognóstico, secundária à hi-
poventilação.
A dispnéia periódica ou de Cheyne-Stokes caracte-
riza-se por períodos de apnéia seguidos de movimentos
respiratórios inicialmente superficiais que vão se am-
pliando em movimentos profundos, retornando paula-
tinamente com movimentos mais lentos a nova apnéia,
que pode durar de 10 a 30 segundos até 1 minuto. Cia-
nose pode aparecer na fase de apnéia. Além da ICC, a
dispnéia periódica é observada em pacientes com com-
prometimento neurológico do tronco cerebral, hiper-
tensão intracraniana, hemorragia cerebral, insuficiên-
cia renal grave, intoxicações por barbitúricos e opiáce-
os. Em idosos normais, podem ser observados ciclos
respiratórios semelhantes.
A fadiga pode corresponder a uma manifestação
incipiente de insuficiência cardíaca, que em alguns pa-
cientes ocorre também por astenia ou fraqueza. Na in-
suficiência cardíaca, a astenia é conseqüente à redução
de débito cardíaco e subseqüente redução de oxigena-
ção musculoesquelética. Pode ser consecutiva à atrofia
muscular por redução da atividade funcional dos cardi-
opatas, como também às alterações eletrolíticas, nota-
damente depleção de sódio, de potássio e de magnésio,
nos pacientes em prolongado uso de diuréticos.
O edema é resultante do excesso de líquido intersti-
cial; expressões de inchaço e “inchume” são relatadas
pelos pacientes ao referirem-se ao edema de membros
inferiores. Uma das formas mais fáceis de observar o au-
mento do líquido intersticial é a avaliação do peso diá-
rio; pode ocorrer aumento de 10% do peso sem que se
manifeste edema clinicamente identificável. Por outro
lado, edema pode aparecer tão somente pela estase, em
decorrência de parmanência na posição sentada por lon-
go período, sem que haja aumento do volume global.
O edema localiza-se mais freqüentemente nos
membros inferiores, mas pode ser pesquisado nas cos-
tas, quando os pacientes se encontram em posição de
decúbito. A gravidade pode ser aferida pelo compro-
metimento cada vez mais proximal do edema, caracte-
rizando anasarca o comprometimento de todo o corpo.
O edema é manifestação de insuficiência do ventrí-
culo direito (VD), a qual mais comumente é causada
por insuficiência do VE prévia (que aumenta a pressão
venosa pulmonar e eventualmente a pressão arterial
com hipertensão pulmonar), estenose mitral, hiperten-
são pulmonar primária, embolia pulmonar múltipla, es-
tenose pulmonar, insuficiência tricúspide, infarto do
ventrículo direito e defeito do septo atrial. Sobrecarga
de volume e aumento da pressão venosa sistêmica po-
dem ser vistos, por exemplo, na policitemia ou transfu-
são, insuficiência renal aguda com hiper-hidratação e
obstrução de veia cava. Nessas condições, a função
miocárdica pode estar preservada. Na insuficiência do
VD, a fadiga, DC inadequado e congestão venosa sistê-
mica, com distensão das veias do pescoço, congestão
hepática e edema periférico estão presentes.
Na insuficiência do ventrículo direito (com ou sem
hipertensão venosa pulmonar), além do edema, outros
sintomas incluem a fadiga, a sensação de distensão cer-
vical, a distensão abdominal com dor ocasional no qua-
drante superior direito do abdome (sobre o fígado), po-
rém o edema de tornozelos e, em estágios avançados,
aumento abdominal devido à ascite, são as principais
manifestações. Concomitantemente, também podem
estar presentes os sinais de hipertensão venosa sistêmi-
ca, ondas “a” ou “v” anormalmente grandes no pulso
jugular externo, aumento doloroso do fígado, sopro de
insuficiência tricúspide ao longo da borda esternal es-
querda, B3 e B4 do ventrículo direito.
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A cianose ocorre por aumento da hemoglobina, re-
duzida no sangue capilar, além de 5g% (normal em tor-
no de 2,6g%). A cianose não é detectável até que a
SaO2 seja menor que 85%. É menos prontamente de-
tectável se anemia estiver presente, e mais facilmente
vista na policitemia. Ocorre nas cardiopatias congêni-
tas, nas doenças que alteram a hemoglobina e em qual-
quer forma de insuficiência cardíaca. As causas de cia-
nose, conforme a fisiopatologia, podem ser central, pe-
riférica, mista e por alteração da hemoglobina.
Acianose central ocorre como resultado de hipoxe-
mia arterial e está presente nas membranas mucosas
quentes, bem como na pele mais fria, e não pode ser al-
terada aumentando o fluxo sangüíneo local. Portanto,
persiste quando se realiza massagem da extremidade.
Pode ocorrer por redução da tensão de O2 (altitudes ele-
vadas); transtorno da ventilação pulmonar (obstruções
neoplásicas, enfisema, atelectasia etc.); transtornos da
difusão por aumento da espessura da membrana alveo-
locapilar pulmonar, infeccões, fibrose pulmonar e con-
gestão pulmonar; transtornos da perfusão em conse-
qüência a insuficiência cardíaca grave, embolia pulmo-
nar, cardiopatias congênitas; curtos-circuitos direi-
ta-esquerda como na tetralogia de Fallot, tronco arteri-
oso, transposição das grandes artérias, doença de Ei-
senmenger, atresia tricúspide, comunicação interatrial
e comunicação interventricular com hipertensão pul-
monar e fístulas vasculares pulmonares. A presença de
cianose central é sempre indicação para realização de
gasometria e esforços diagnósticos para determinar se a
mesma é de origem pulmonar ou resulta de cardiopatia
ou anormalidades cardiovasculares. Se a hipoxemia ar-
terial resultar de doença pulmonar, o estudo poderá en-
volver medidas de fração de shunt pela gasometria em
ar ambiente e respirando O2 a 100%.
A cianose periférica está associada com estase,
porque a oxi-hemoglobina é reduzida mais do que o
normal pelo tempo de trânsito prolongado do sangue
periférico. A causa mais comum de cianose periférica é
vasoconstrição decorrente de exposição ao frio. Apare-
ce na insuficiênciacongestiva grave, por congestão pe-
riférica. A cianose por transtorno vasomotor ocorre na
doença de Raynaud e na acrocianose.
A hemoptise é uma expectoração sangüínea como
resultado de sangramento do trato respiratório.
AVALIAÇÃO DO PACIENTE COM
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
A avaliação do paciente que apresenta insuficiên-
cia cardíaca envolve o diagnóstico da síndrome, a de-
terminação de seus mecanismos e etiologia, sua gravi-
dade/prognóstico, a resposta ao tratamento empregado
e as razões para a descompensação do quadro4.
DIAGNÓSTICO DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
O diagnóstico de ICC pode ser feito de forma bas-
tante simples. A anamnese determina a existência de
dispnéia aos esforços, ortopnéia, dispnéia paroxística
noturna, nictúria, fadiga e tosse noturna. O exame físi-
co mostra sinais de cardiomegalia, derrame pleural,
turgência jugular, ritmo de galope (B3), estertores cre-
pitantes respiratórios, hepatomegalia, refluxo hepato-
jugular e edema de membros inferiores. A radiografia
de tórax evidencia cardiomegalia, derrame pleural e si-
nais de hipertensão venocapilar.
As formas mais precisas de definir o diagnóstico,
em especial nos quadros graves em que outras doenças
podem confundir a interpretação dos dados clínicos
(doença pulmonar obstrutiva crônica, infecções), são a
ecocardiografia, a ventriculografia radionuclear e mais
precisamente a determinação do débito cardíaco pela
cateterização da artéria pulmonar5.
DIAGNÓSTICO DO MECANISMO RESPONSÁVEL
PELA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Os mecanismos possíveis mais freqüentes são a
disfunção sistólica e a diastólica do ventrículo esquer-
do. Para definir a função ventricular, usam-se, prefe-
rencialmente, métodos não invasivos. O mais emprega-
do é a ecocardiografia5,6, que permite definir a função
global e regional. Na avaliação da contratilidade (fun-
ção sistólica), podemos utilizar os chamados índices da
fase de ejeção, sendo mais freqüente a estimativa da
fração de ejeção (porcentual ejetado do volume final da
diástole, considerado normal acima de 55%) e da fra-
ção de encurtamento (porcentual de encurtamento do
diâmetro do ventrículo no final da sístole). Dimensões
ventriculares esquerdas no fim da diástole maiores do
que 56mm representam sinal indireto de disfunção sis-
tólica. A função diastólica é verificada com o uso do
efeito Doppler, que permite determinar o tempo de de-
saceleração da onda E (que representa o enchimento
ventricular inicial rápido) e a relação entre a onda E e a
onda A (que representa o enchimento proporcionado
pela contração atrial), a partir da válvula mitral. A eco-
cardiografia permite, ainda, detectar hipertrofia ventri-
cular e alterações estruturais que possam orientar a etio-
logia da cardiopatia (como no caso das valvulopatias).
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Outro método utilizado com bastante freqüência
para detectar o mecanismo predominante da insuficiên-
cia ventricular é a ventriculografia radioisotópica com
tecnécio 99m6, principalmente na avaliação da fração
de ejeção em pacientes que apresentem dificuldades
técnicas na realização da ecocardiografia, ou quando a
função global do ventrículo esquerdo deve ser avaliada
com precisão na presença de disfunção regional da con-
tratilidade (pós-IAM, por exemplo).
Por fim, o outro método que permite a determina-
ção da contratilidade global e segmentar ventricular es-
querda, além de possibilitar a quantificação do grau de
hipertrofia ventricular, é a ventriculografia por meio de
cateterismo cardíaco esquerdo. Este exame, por ser
mais invasivo e ter complicações mais freqüentes, deve
ser utilizado apenas na impossibilidade de realização
dos demais, ou quando tiver outra indicação específica,
como a necessidade de coronariografia.
AVALIAÇÃO DA GRAVIDADE DA ICC
As duas formas preconizadas para a aferição da
gravidade da insuficiência cardíaca são a limitação im-
posta pela doença detectada pela anamnese e o teste de
esforço.
Clinicamente, podemos enquadrar o paciente em
um dos grupos da classificação da New York Heart
Association, como classe I (com cardiopatia, mas sem
limitações ou sintomas com as atividades do cotidia-
no), classe II (atividades do cotidiano levam a fadiga,
dispnéia ou palpitação); classe III (atividades menores
do que as usuais levam aos sintomas de insuficiência
cardíaca); ou classe IV (sintomas aos mínimos esforços
ou até mesmo em repouso).
Com teste de esforço (realizado em esteira ou bici-
cleta ergométrica) verificamos o nível de limitação ob-
jetiva ao exercício apresentado pelo paciente. Através
do número de METs atingido (equivalentes metabóli-
cos, que representam o nível mínimo de energia consu-
mido em repouso, equivalente a 3,5ml/kg/min de oxi-
gênio), ou mesmo pela mensuração direta da concen-
tração dos gases expirados, podemos calcular o consu-
mo de oxigênio atingido pelo paciente (pico de VO2), e,
por vezes, o limiar anaeróbio (nível de exercício a par-
tir do qual o metabolismo anaeróbio auxilia a adequa-
ção das necessidades energéticas com produção de lac-
tato) e o limiar aeróbio ou VO2 máximo (a partir do
qual não há aumento do consumo de oxigênio mesmo
com o aumento no esforço físico). Podemos enquadrar
o paciente em classe A (normal), com VO2 máximo
maior que 20ml/kg/min; classe B (comprometimento
leve a moderado) com VO2 máximo de 16 a
20ml/kg/min, classe C (moderado a grave) de 10 a
16ml/kg/min, classe D (grave) de 6 a 10ml/kg/min e
classe E (muito grave), com VO2 máximo menor que
6ml/kg/min. A grande limitação do método é que rara-
mente os pacientes atingem o limiar aeróbio6,7. O pico
do consumo de oxigênio atingido, apesar de ter impli-
cações prognósticas reais, é influenciado por outros fa-
tores, como doenças pulmonares e as motivações do
paciente e de seu médico na aplicação do teste.
ETIOLOGIA
Os consensos nacionais e internacionais (Socieda-
de Brasileira de Cardiologia, Sociedade Européia de
Cardiologia, American College of Cardiology e Ame-
rican Heart Association) sugerem que se tenha um bai-
xo limiar aeróbio para indicação de arteriografia coro-
nária para os pacientes com insuficiência cardíaca e
que apresentem angina, uma vez que estes podem, de-
pendendo da gravidade de seu comprometimento coro-
nário, beneficiar-se decisivamente de revascularização
miocárdica4. Persiste controvérsia em relação à indica-
ção rotineira de cateterismo no pós-infarto, mesmo na
presença de ICC, uma vez que a revascularização des-
ses pacientes, apesar de melhorar a função ventricular
regional, não demonstrou claro benefício em termos de
mortalidade. Nos pacientes após IAM e sem angina, é
necessária a estratificação de risco por métodos diag-
nósticos não invasivos, para identificação dos indiví-
duos que realmente possam ter benefícios com o catete-
rismo cardíaco.
Além da etiologia isquêmica, deve ser descartada a
valvular, principalmente em nosso meio, onde a febre re-
umática ainda é bastante prevalente. Usualmente, a eco-
cardiografia permite adequada avaliação anatômica.
As outras etiologias menos freqüentes de ICC de-
vem ser avaliadas quando a história do paciente sugere
maior probabilidade, sendo o diagnóstico de miocar-
diopatia dilatada idiopática considerado após exclusão
de causas mais prevalentes. Os exames sugeridos pelo
ACC/AHA como classe I (usualmente indicados, sem-
pre aceitáveis) são hemograma, exame comum de uri-
na, eletrólitos, provas de função renal, glicemia, fósfo-
ro, magnésio, cálcio, albumina, TSH (em pacientes
com fibrilação atrial associada), radiografia de tórax,
ecocardiografia transtorácica, avaliação não invasiva
de isquemia em pacientes sem angina com alta probabi-
lidadede apresentar doença isquêmica e arteriografia
coronária em pacientes com angina ou em pacientes
com indicação de cirurgia cardíaca não coronária.
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DETERMINAÇÃO DAS RAZÕES PARA
DESCOMPENSAÇÃO DO QUADRO DE ICC
São usualmente detectáveis na própria anamnese,
exame físico e eletrocardiograma, sendo as mais fre-
qüentes o não seguimento de dieta ou drogas prescritas,
hipertensão não controlada, arritmias cardíacas (com
aumento da freqüência ventricular e redução mais
acentuada do débito cardíaco), infecções respiratórias,
estresse emocional, infarto do miocárdio, embolia pul-
monar ou doenças tireoideanas. Freqüentemente, a as-
sociação de drogas antiinflamatórias (esteróides e
não-esteróides), por determinarem retenção de sódio e
líquidos, podem descompensar o quadro de ICC.
PROGNÓSTICO
À medida que aumenta a gravidade da disfunção
ventricular esquerda e dos sintomas clínicos (classe
funcional) aumentam os índices de mortalidade. No es-
tudo de Framingham, 62% dos homens e 43% das mu-
lheres com ICC faleceram em cinco anos7. Essa morta-
lidade foi quatro a oito vezes maior que a da população
geral da mesma idade. Com relação à classe funcional
(CF) estima-se que pacientes em CF IV da New York
Heart Association tenham mortalidade anual de até
50%, enquanto a mortalidade dos pacientes em CF II e
III se situa entre 10% a 15% ao ano. No estudo
VHeFT-1, pacientes com fração de ejeção menor que
28% tiveram mortalidade anual de 22%, enquanto nos
demais essa cifra foi 13%8.
São preditores de mau prognóstico: idade acima de
65 anos, intensidade dos sintomas, redução acentuada
da tolerância ao exercício, dilatação progressiva do
ventrículo esquerdo, cardiomiopatia acentuada, fração
de ejeção menor que 30%, fibrilação atrial, arritmias
ventriculares complexas, doença pulmonar e diabete
melito associados, sódio plasmático menor que
130mEq/l, marcadores de ativação neuro-hormonal
elevados9 e não observância do tratamento.
Pacientes com consumo de oxigênio menor que
10ml/kg/min têm prognóstico altamente desfavorável,
ao contrário dos que conseguem alcançar um consumo
de oxigênio acima de 15ml/min.
TRATAMENTO
A filosofia do tratamento da insuficiência cardíaca
deve considerar a situação clínica dos pacientes. Se as-
sintomáticos, a prevenção do remodelamento deletério
e do aparecimento de sintomas deve ser priorizada. Se
sintomáticos, a redução dos sintomas e o aumento da
sobrevida são as prioridades do tratamento.
MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS
Embora as novas abordagens medicamentosas e ci-
rúrgicas tenham mudado sobremaneira o manuseio e
prognóstico da ICC, as medidas não farmacológicas
ainda desempenham papel crucial, principalmente na
estabilização sintomática dos pacientes. Incluem prin-
cipalmente a redução na ingesta de sódio, restrição hí-
drica, redução de peso (nos obesos) e exercício.
Ingesta de Sódio. A restrição deve ser proporcio-
nal ao grau da insuficiência cardíaca, sendo de valor
mínimo na presença de sintomas leves10. Estudos re-
centes sugerem que em pacientes hiponatrêmicos a die-
ta hipossódica possa não ter papel relevante e que, nes-
tes, a dieta com teores normais de sal possa ser associa-
da à restrição hídrica com segurança na tentativa de
correção do sódio plasmático.
Restrição Hídrica. O aumento dos níveis séricos
de angiotensina estimula a liberação de hormônio anti-
diurético, reduz o fluxo plasmático renal e a taxa de fil-
tração glomerular, além de estimular a sede, sintoma
freqüente na ICC grave10. A restrição hídrica, associa-
da às demais modalidades terapêuticas, está indicada
na hiponatremia com sódio inferior a 130mEq/l.
Condicionamento Físico. Não há estudos mos-
trando que o esforço físico seja deletério na ICC leve,
mas há a tendência intuitiva por parte do paciente à res-
trição física com a progressão da doença. A imobiliza-
ção pode levar à estase venosa e aumentar o risco de
trombose venosa e embolia pulmonar, além de provo-
car hipotrofia muscular, exacerbando sintomas de fadi-
ga, razões pelas quais deve ser evitada. Algumas publi-
cações destacam o benefício e a segurança do condicio-
namento físico em pacientes com ICC10, melhorando,
com isso, a tolerância ao exercício, o consumo de oxi-
gênio, o débito cardíaco e reduzindo a resistência vas-
cular periférica. Por outro lado, o nível de exercício
deve respeitar as limitações do paciente e as doenças
associadas. Ademais, o repouso é uma medida eficaz
no manejo do paciente com descompensação aguda de
sua cardiopatia.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
Inibidores da Enzima de Conversão da
Angiotensina
Entre as alterações neuro-hormonais associadas à
disfunção ventricular sistólica e a importância do con-
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trole adequado das mesmas na prevenção e tratamento
da insuficiência cardíaca, destaca-se, por sua relevân-
cia, a ativação do sistema renina-angiotensina. Em pa-
cientes com disfunção ventricular esquerda assintomá-
tica, a atividade do sistema renina-angiotensina encon-
tra-se apenas discretamente aumentada, mas se eleva
acentuadamente à medida que a insuficiência cardíaca
se manifesta e progride. Os níveis plasmáticos de reni-
na, angiotensina e aldosterona encontram-se elevados
em pacientes com insuficiência cardíaca.
Mecanismos de Ação. Os mecanismos de ação
dos inibidores da ECA na insuficiência cardíaca são
complexos. Esses compostos bloqueiam a conversão
enzímica da angiotensina I em angiotensina II e, conse-
qüentemente, a ativação do sistema. Resultam vasodi-
latação arteriolar e venosa, por declínio da ação da an-
giotensina II e da estimulação simpática na parede vas-
cular, e menor retenção de sódio e água, por diminuição
da produção de aldosterona. Bloqueando a cininase
plasmática, os inibidores da ECA inibem a degradação
da bradicinina, aumentando os níveis circulantes desse
vasodilatador. É provável, também, que provoquem
aumento de prostaglandinas (PGE2, PGI2), que contri-
buiriam para a ação vasodilatadora. Ademais, esses
agentes aumentam a atividade parassimpática e melho-
ram a função barorreflexa deprimida na insuficiência
cardíaca, ao reduzirem os efeitos inibitórios da angio-
tensina II na sensibilidade barorreceptora.
Os inibidores da ECAaumentam os níveis plasmáti-
cos de renina, potássio e magnésio e reduzem as concen-
trações circulantes de angiotensina II, aldosterona, argi-
nina-vasopressina e noradrenalina. São vasodilatadores
mistos, exercendo ação balanceada nos leitos arteriolar e
venoso. O efeito é especialmente acentuado nas arterío-
las altamente sensíveis à angiotensina II, como as renais.
Efeitos Clínicos. A introdução clínica dos inibi-
dores da ECA representou importante avanço no trata-
mento da insuficiência cardíaca. Sua eficácia clínica,
tanto nas formas leves como nas avançadas de insufi-
ciência cardíaca, é continuadamente confirmada por
estudos bem planejados. Esses agentes provocam me-
lhora dos sintomas e da classe funcional, aumento sus-
tentado da capacidade de exercício, melhora hemodi-
nâmica, redução radiológica da área cardíaca, redução
das dimensões ventriculares esquerdas e aumento da
fração de ejeção e do encurtamento porcentual da fibra
ao estudo ecocardiográfico. Ademais, observaram-se
melhora da qualidade de vida e menor deterioração clí-
nica a longo prazo. A melhora da capacidade de exercí-
cio com os inibidores da ECA ocorre, em geral, após al-
gumas semanas de tratamento, diferentemente da me-
lhora rápida observada com agentes inotrópicos
não-digitálicos.
Nos últimos anos, investigações clínicas têm avalia-
do, além dos benefícios clínico-hemodinâmicose da
melhora da qualidade de vida, a potencialidade dos ini-
bidores da ECA em prolongar a sobrevida dos pacien-
tes com insuficiência cardíaca.
O The Cooperative North Scandinavian Survival
Study (CONSENSUS I)11, que abrangeu 253 pacientes
com insuficiência cardíaca avançada (classe IV da
NYHA), mostrou redução de 40% da mortalidade
(p = 0,003), após seis meses de seguimento, no grupo
tratado com um inibidor da ECA, o enalapril, em com-
paração com o grupo que recebeu apenas o tratamento
convencional.
No estudo SOLVD Tratamento (Studies of Left
Ventricular Dysfunction), 2.569 pacientes com insufi-
ciência cardíaca classe funcional II e III e fração de eje-
ção ≤ 0,35, foram randomizados para receber placebo
ou enalapril (2,5 a 20mg/dia), associados a digital e diu-
réticos. Após 41,4 meses de seguimento médio, obser-
vou-se redução de 16% na mortalidade do grupo enala-
pril em comparação com o grupo placebo (p = 0,0036),
especialmente das mortes atribuídas à progressão da in-
suficiência cardíaca. Ademais, o tratamento com enala-
pril associou-se a significante redução do número de
hospitalizações devidas a agravamento da insuficiência
cardíaca e à tendência de redução da mortalidade atri-
buída a infarto do miocárdio.
O segundo Vasodilator-Heart Failure Trial (V-HeFT
II)12 comparou os efeitos de dois esquemas vasodilata-
dores — enalapril, 20mg/dia, e a associação de dinitrato
de isossorbida, 160 mg/dia, com hidralazina, 300mg/dia
— em 804 pacientes com insuficiência cardíaca leve a
moderada (classes II e III da NYHA), em uso de digoxi-
na e diurético. A mortalidade após dois anos foi signifi-
cantemente menor no grupo enalapril (18%) do que no
grupo DNI-hidralazina (25%) (redução de 28%, p =
0,016).
Os efeitos dos inibidores da ECAna disfunção ven-
tricular esquerda e insuficiência cardíaca pós-infarto
foram avaliados em grandes ensaios clínicos: SAVE13,
TRACE, AIRE14 e ISIS-415. Esses estudos mostraram
que o uso precoce de inibidores da ECA após infarto
agudo do miocárdio promove redução significante do
desenvolvimento de IC grave, de hospitalizações por
IC e da mortalidade.
Antagonistas dos Receptores de Angiotensina II
Embora não se disponham ainda dos resultados de
grandes ensaios com esses medicamentos — losartan,
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valsartan, irbesatan e candesartan — no tratamento da
IC, é muito provável que constituam boa opção para os
pacientes que não toleram os inibidores da ECA, prin-
cipalmente devido à tosse seca renitente. Seu real papel
nessa circunstância deverá ser melhor estabelecido
após a conclusão de alguns grandes estudos clínicos em
andamento.
Vasodilatadores Diretos
A terapêutica destinada a diminuir a sobrecarga do
coração insuficiente objetiva melhorar a performance
cardíaca não por ação direta no miocárdio, mas pela re-
dução da pré-carga e/ou pós-carga, aumentando o débi-
to cardíaco, com igual ou menor trabalho16. O estudo
VHeFT-I17 mostrou que a associação dinitrato de isos-
sorbida (40mg de 6/6 horas) e hidralazina (75mg de 6/6
horas), em adição à digoxina e diurético, melhorou a
fração de ejeção e reduziu em 38% a mortalidade em
comparação ao grupo placebo, prevenindo 7,4 óbitos
em cada 100 pacientes tratados por um ano.
Os nitratos (dinitrato e mononitrato de isossorbida)
reduzem a pressão de enchimento de ambos os ventrí-
culos. Seu principal problema clínico é a tolerância à
droga, que pode ser reduzida com o espaçamento por
pelo menos oito horas entre duas doses diárias. Sabe-se
que o mononitrato de isossorbida atinge semelhante re-
dução na pressão capilar pulmonar18, com uma duração
de efeito maior que o dinitrato, mas seu efeito na morta-
lidade não está estabelecido. A hidralazina reduz a
pós-carga pela vasodilatação arterial. O mesmo efeito
em termos de mortalidade não foi demonstrado nem
em estudos com o uso isolado de hidralazina nem com
outros vasodilatadores, como minoxidil ou pinacidil.
Digitálicos
Os digitálicos permanecem como o principal agen-
te inotrópico cardíaco e o mais comumente prescrito.
Apresentam propriedades singulares que os distinguem
das outras drogas inotrópicas positivas. Modulam a ati-
vação neuro-hormonal, reduzem a atividade simpática
e estimulam a ação vagal, diminuindo a freqüência car-
díaca. Aumentam a sensibilidade dos reflexos barorre-
ceptores e cardiopulmonares. Ademais, por provável
ação antialdosterona, reduzem o depósito intersticial
de colágeno. Esses mecanismos levam à diminuição do
consumo de oxigênio, o que talvez explique o fato de os
digitálicos não agravarem a mortalidade quando utili-
zados cronicamente, ao contrário do observado com
outras drogas inotrópicas.
A controvérsia sobre a utilidade dos digitálicos em
pacientes com ICC e ritmo sinusal foi dirimida por al-
guns estudos da década de 90. O estudo PROVED19
mostrou deterioração clínica após a retirada de digoxi-
na, em pacientes com classes funcionais II e III, com
fração de ejeção menor que 35%, previamente tratados
com digoxina e diurético. O estudo RADIANCE20 re-
latou resultados similares em pacientes tratados previa-
mente com digoxina, diuréticos e inibidores da ECA.
Mais recentemente, o estudo DIG21 confirmou os acha-
dos de redução de piora da IC e de necessidade de hos-
pitalizações, nos pacientes tratados com digitálicos, em
comparação com o grupo placebo, embora sem redu-
ção da mortalidade.
À luz desses estudos, recomenda-se o emprego de
digitálicos em todos os pacientes sintomáticos com IC
sistólica predominante. Esses fármacos devem ser uti-
lizados nos pacientes com ritmo de fibrilação atrial e
freqüência ventricular elevada, mesmo assintomáticos.
Seu emprego na disfunção ventricular sistólica assinto-
mática, em ritmo sinusal, permanece controverso.
Inotrópicos Não Digitálicos
Os agentes inotrópicos não digitálicos incluem: 1)
agonistas beta-adrenérgicos, como a dobutamina (efeito
predominante B-1, menor B-2, além de atividade al-
fa-adrenérgica) e a dopamina (efeitos B1 e B2, além de
ação dopaminérgica); 2) inibidores da fosfodiesterase
(inodilatadores), como a amrinona e a milrinona, que au-
mentam a contratilidade por elevação do AMPc cardía-
co e induzem a vasodilatação, por aumento do AMPc
vascular; e os agonistas dopaminérgicos, como a ibopa-
mina, para uso oral. Seu emprego é limitado na IC pela
atenuação dos efeitos inotrópicos (tolerância), efeitos ar-
ritmogênicos e aumento da mortalidade em longo prazo.
Embora promovam melhora sintomática e hemodi-
nâmica, é consenso atual que o uso desses medicamen-
tos no tratamento da IC seja reservado à administração
intravenosa, a curto prazo, nos casos de insuficiência
cardíaca aguda, até que a causa da falência miocárdica
(p. ex., depressão pós-operatória do desempenho car-
díaco, infarto agudo do miocárdio), seja adequadamen-
te controlada, ou na IC avançada, como “ponte” para
um procedimento definitivo, como substituição valvar
ou transplante cardíaco.
Diuréticos
Não se dispõe de qualquer estudo controlado sobre
os efeitos dos diuréticos na mortalidade da IC, porém
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sua eficácia para a melhora dos sintomas congestivos
está bem estabelecida há décadas. Os diuréticos au-
mentam a natriurese e a diurese, reduzem o volume in-
travascular, a pré-carga, a congestão visceral e os con-
seqüentes sintomas da IC. Reduzindo o conteúdo de só-
dio da parede arteriolar induzem à vasodilatação, que-
da da resistência vascular sistêmica e da pós-carga.
Especialmente os diuréticos de alça podem também au-
mentar a produção renal de prostaglandinas, o que con-
tribui para antagonizar a retenção de sódio.Esses fár-
macos estimulam o sistema renina-angiotensina-aldos-
terona, provocam hipocalemia, hipomagnesemia e hi-
ponatremia (tiazídicos e de alça), sendo aconselhável
sua associação com inibidores da ECA. Os poupadores
de potássio podem causar hiperpotassemia.
Diuréticos têm indicações nas classes II a IV da IC.
Os tiazídicos isoladamente são pouco eficazes quando
empregados isoladamente; sua ação é limitada com ta-
xas de filtrado glomerular menores que 30ml/min. Os
de alça são mais potentes e eficazes, mesmo em presen-
ça de insuficiência renal. A associação de diuréticos de
alça, tiazídicos e poupadores de potássio resulta em
efeitos sinérgicos, pois seus locais e mecanismos de
ação no néfron são diferentes. As associações são por
vezes necessárias para o controle efetivo dos sintomas,
principalmente na IC classes III e IV.
O estudo RALES — Randomized Aldactone Eva-
luation Study — mostrou redução significante da mor-
talidade cardiovascular (26%), com a associação da es-
pironolactona, antagonista específico da aldosterona,
ao tratamento convencional, provavelmente por blo-
quear o hiperaldosteronismo secundário, prevenir os
distúrbios eletrolíticos e reduzir a fibrose miocárdica22.
Bloqueadores Beta-Adrenérgicos
Disfunção ventricular esquerda e IC foram consi-
deradas contra-indicação ao uso de beta-bloqueadores
durante muitos anos. Entretanto, os conhecimentos
mais precisos sobre os efeitos deletérios da ativação
simpática e dos níveis elevados de noradrenalina na
progressão da disfunção ventricular esquerda e no
prognóstico desfavorável da IC sugeriram a utilidade
potencial desses agentes no tratamento da síndrome.
Alguns ensaios clínicos controlados, realizados
com diversos beta-bloqueadores — metoprolol, bucin-
dolol, bisoprolol e carvedilol — em pacientes com IC
crônica, mostraram que esses fármacos melhoram os
sintomas, a capacidade funcional e a função ventricular
esquerda. O aumento da fração de ejeção após be-
ta-bloqueio é significante. Não obstante eventual piora
inicial dos sintomas, provavelmente pela inibição do
suporte adrenérgico, os estudos mostraram melhora
clínica a longo prazo na evolução da IC, com redução
dos episódios de agravamento da síndrome e da neces-
sidade de hospitalização, nos grupos tratados com be-
ta-bloqueadores em comparação com placebo.
Ademais, dois estudos recentes demonstraram que
carvedilol e bisoprolol, associados à terapêutica clássi-
ca, reduzem a mortalidade na IC.
O US Carvedilol Heart Failure Study23 abrangeu
1.094 pacientes com IC crônica, fração de ejeção ≤
35%, a maioria em CF II e III, em uso de digoxina, diu-
rético e inibidor da ECA, randomizados para tratamen-
to com carvedilol (bloqueador adrenérgico beta-1, be-
ta-2 e alfa, com propriedade antioxidante) ou placebo.
Após seis meses de seguimento (12 meses para o grupo
com IC leve), em comparação com o grupo placebo, o
grupo carvedilol apresentou significante redução da
mortalidade total (3,2% vs 7,8%), da necessidade de
hospitalizações (14,1% vs 19,6%) e do risco combina-
do de hospitalização e morte (15,8% vs 24,6%).
O estudo europeu CIBIS-II — The Cardiac Insuffi-
ciency Bisoprolol Study II —, arrolou 2.647 pacientes
com fração de ejeção ≤ 35% em classes III ou IV, ran-
domizados para receber bisoprolol, ou placebo, em adi-
ção ao tratamento convencional. Após seguimento mé-
dio de 1,3 ano, o grupo bisoprolol apresentou redução
significante da mortalidade total (11,8% vs 17,3%) e da
mortalidade súbita (3,6% vs 6,3%).
O tratamento beta-bloqueador deve ser iniciado em
dose baixa (p. ex., 3,125mg, duas vezes ao dia para o
carvedilol e 1,25mg/dia para o bisoprolol), monitori-
zando-se estreitamente a resposta inicial. As doses de-
vem ser aumentadas gradativamente, com intervalos de
duas semanas. Beta-bloqueadores devem ser utilizados
com cautela adicional em pacientes com pressão arterial
sistólica menor que 100mmHg ou freqüência cardíaca
abaixo de 65. Na IC classe IV é aconselhável que o tra-
tamento seja iniciado com o paciente internado.
Antiarrítmicos
O grau de disfunção ventricular esquerda é o de-
terminante prognóstico mais importante na IC. Entre-
tanto, as arritmias representam fator prognóstico ad-
verso independente nessa condição. A monitorização
eletrocardiográfica contínua demonstrou que 90% dos
pacientes com IC apresentam algum tipo de arritmia e
que extra-sistolia ventricular multifocal e mesmo ta-
quicardia ventricular não sustentada são relativamen-
te comuns. Entre os mecanismos predisponentes in-
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cluem-se a própria disfunção ventricular esquerda, a
isquemia miocárdica, a hiperatividade simpática, os
níveis elevados de catecolaminas circulantes, os efei-
tos arritmogênicos dos agentes inotrópicos, distúrbios
eletrolíticos, distensão miocárdica e hipotensão. Em
cerca de 40% dos pacientes com IC a morte é súbita,
presumivelmente por taquicardia ou fibrilação ventri-
cular. Em conseqüência, a importância da terapêutica
antiarrítmica tem sido considerada no manuseio da
síndrome.
Deve-se inicialmente atenuar ou eliminar todos os
fatores arritmogênicos identificados em cada caso.
Distúrbios eletrolíticos, especialmente hipopotassemia
e hipomagnesemia, devem ser sempre corrigidos. Diu-
réticos poupadores de potássio e inibidores da ECA
tendem a prevení-los. A posologia dos digitálicos deve
ser estabelecida criteriosamente, no sentido de manter
a concentração sanguínea dentro dos limites terapêuti-
cos. Hiperatividade simpática e altos níveis de cateco-
laminas circulantes são atenuados pelos inibidores da
ECA e betabloqueadores. Como a isquemia é impor-
tante fator predisponente a arritmias complexas, drogas
antiisquêmicas, sobretudo nitratos, são úteis. Este e ou-
tros vasodilatadores atuam favoravelmente, ainda, ao
reduzirem a distensão miocárdica excessiva.
O papel dos agentes antiarrítmicos no manuseio da
IC não está ainda definido, porém, a elevada incidência
de arritmias complexas e morte súbita nessa síndrome
sugere sua eventual utilidade.
A droga mais promissora é a amiodarona. No estu-
do argentino GESICA, amiodarona foi utilizada na
dose de 300mg/dia, em pacientes com IC crônica clas-
ses II a IV. Após dois anos de seguimento, a mortalida-
de no grupo tratado com o antiarrítmico foi 33% vs
48% no grupo que não recebeu o fármaco. Dois ensaios
clínicos mais recentes — CAMIAT e EMIAT — de-
monstraram que a amiodarona reduziu a morte cardíaca
súbita em pacientes com arritmias ventriculares com-
plexas e fração de ejeção diminuída. Entretanto, não
houve redução da mortalidade cardíaca global. Adicio-
nalmente, o estudo EMIAT concluiu que os melhores
resultados foram observados em pacientes que apre-
sentavam freqüência cardíaca basal mais elevada, tra-
duzindo maior atividade simpática.
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Fig. 7.2 — Algoritmo para a manipulação farmacológica da insuficiência cardíaca.
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Assim, pacientes sintomáticos ou com arritmias
ventriculares complexas, e hiperatividade simpática
evidente (freqüência cardíaca elevada), poderão bene-
ficiar-se com o uso de amiodarona, para diminuição do
risco de morte súbita cardíaca. Entretanto, não existem
ainda dados que justifiquem o uso rotineiro deste ou de
outro antiarrítmico, na IC crônica.
As Figs. 7.2 e 7.3 resumem, em forma de algorit-
mo, o tratamento da IC.
MEDIDAS ESPECIAIS
O uso do desfibrilador implantável com o objetivo
de reduzir a morte súbita em pacientes com IC encon-
tra-se em avaliação; resultados conclusivos somente
serão disponíveis nos próximos anos.
A cardiomioplastia e a cirurgia de remodelamento
ventricular(ventriculectomia) necessitam ainda de me-
lhor avaliação para definir sua real indicação no trata-
mento da IC.
O transplante cardíaco continua sendo o único pro-
cedimento cirúrgico comprovado para melhorar o
prognóstico dos pacientes com IC grave, refratária ao
tratamento medicamentoso. Entretanto, apresenta várias
limitações relacionadas sobretudo ao número de órgãos
doados, aos fenômenos de rejeição, aos riscos da imu-
nossupressão e à aterosclerose acelerada.
Em conclusão, a IC via final comum da maioria das
cardiopatias, apresenta elevada prevalência e prognós-
tico ainda reservado, sobretudo nas classes funcionais
III e IV. Entretanto, o melhor conhecimento sobre os
mecanismos fisiopatológicos da síndrome, a utilização
mais racional de antigos fármacos e a introdução de no-
vos medicamentos, como inibidores da ECA, be-
ta-bloqueadores e amiodarona, ensejaram grande pro-
gresso na melhora dos sintomas e da qualidade de vida,
na velocidade de progressão da síndrome, na redução
das hospitalizações por piora do quadro clínico e na
mortalidade total e súbita. E é possível afirmar que o
prognóstico melhorou sensivelmente nos últimos anos,
com a abordagem terapêutica atual.
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