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Deseq. do adulto 4 (Pneumologia e Cardiologia) Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 CASO 7 - INSUFICIÊNCIA CARDÍACA A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa, na qual o coração é incapaz de bombear sangue de forma a atender às necessidades metabólicas tissulares, ou pode fazê-lo somente com elevadas pressões de enchimento. “Insuficiência cardíaca crônica” reflete a natureza progressiva e persistente da doença, enquanto “insuficiência cardíaca aguda” fica reservado para alterações rápidas ou graduais de sinais e sintomas resultando em necessidade de terapia urgente. Classificação de acordo com a fração de ejeção A principal terminologia usada para definir IC baseia-se na FEVE e compreende pacientes com FEVE normal (≥ 50%), denominada IC com fração de ejeção preservada (ICFEp), e aqueles com FEVE reduzida (< 40%), denominados IC com fração de ejeção reduzida (ICFEr). Pacientes com fração de ejeção entre 40 e 49% sempre foram considerados como “zona cinzenta da fração de ejeção”, no entanto, mais recentemente, passaram a ser definidos como IC de fração de ejeção intermediária (mid-range ou ICFEi). A diferenciação dos pacientes de acordo com a FEVE tem particular importância, uma vez que diferem em relação às etiologias, às comorbidades associadas e, principalmente, à resposta à terapêutica. Até o momento, somente pacientes com ICFEr têm demonstrado de fato redução consistente da morbimortalidade com o tratamento farmacológico instituído. ICFEr ICFEi ICFEp FEVE < 40% FEVE 40-49% FEVE 50%≥ + BNP > 35-50 pg/mL ou NT-proBNP > 125 pg/mL Classificação de acordo com a gravidade dos sintomas (NYHA) Esta classificação se baseia no grau de tolerância ao exercício e varia desde a ausência de sintomas até a presença de sintomas mesmo em repouso. Ela permite avaliar o paciente clinicamente, auxilia no manejo terapêutico e tem relação com o prognóstico. Pacientes em classe funcional da NYHA III a IV têm condições clínicas progressivamente piores, internações hospitalares mais frequentes e maior risco de mortalidade. Embora pacientes em NYHA II apresentem sintomas mais estáveis e internações menos frequentes, o processo da doença nem sempre é estável, e estes pacientes podem apresentar morte súbita sem piora dos sintomas. Tal risco pode ser reduzido pela otimização terapêutica. Classificação de acordo com a progressão da doença Enquanto a classificação segundo a NYHA valoriza a capacidade para o exercício e a gravidade dos sintomas, a classificação por estágios da IC proposta pela ACC/AHA enfatiza o desenvolvimento e a progressão da doença. Inclui desde o paciente com risco de desenvolver IC, cuja abordagem deve ser feita no sentido de prevenir seu desenvolvimento, quanto o paciente em estágio avançado da doença, que requer terapias específicas. EPIDEMIOLOGIA A incidência de IC vem aumentando nas últimas décadas, atingindo prevalência em torno de 2% da população geral; esse aumento é justificado por três fatores principais: envelhecimento populacional (até 10% dos > 80 anos têm IC); maior prevalência das doenças precursoras (HAS, obesidade, DM); e melhora no tratamento de doenças associadas que antes limitavam a sobrevida do paciente (como o IAM e as valvopatias). No Brasil, a principal etiologia de IC é a cardiopatia isquêmica crônica, com frequência associada à HAS. A despeito de avanços na terapêutica da IC, a síndrome mantém-se como patologia grave, afetando, no mundo, mais de 23 milhões de pessoas. A sobrevida após 5 anos de diagnóstico pode ser de apenas 35%, com prevalência que aumenta conforme a faixa etária. Dados recentes distinguem a mortalidade tardia (1 ano) entre portadores de IC crônica, de acordo com a classificação por fração de ejeção, atingindo maior taxa para portadores da ICFEr. ETIOLOGIA A IC pode ser resultado de uma doença intrínseca do coração (cardiomiopatia), ou mais comumente em virtude de outras doenças crônicas que causam um processo de alteração da função cardíaca. As principais causas de IC no Brasil são cardiopatia isquêmica, cardiopatia hipertensiva, cardiopatia secundária a valvopatias, cardiomiopatia dilatada (CMD), cardiomiopatia alcóolica e doença de Chagas. Nem sempre é fácil identificar uma etiologia para a IC, uma vez que muitos pacientes com doença arterial coronariana (DAC) são também hipertensos e etilistas, havendo sobreposição entre fatores de risco. Sempre que um paciente com IC não for hipertenso, não apresentar DAC, valvopatia ou outros fatores de risco, é importante pensar na possibilidade de CMD. No Brasil, especificamente, é importante levar em conta a Doença de Chagas que é endêmica principalmente no Nordeste e em Minas Gerais, além da doença valvar de etiologia reumática. Ambas podem causar IC em pacientes mais jovens e não acometidos por outras comorbidades. Entre os fatores de risco para IC, DAC se apresenta com aumento de risco relativo (RR) de 8,1; diabetes com RR 1,9; tabagismo com RR 1,6; valvopatias com RR 1,5; hipertensão arterial sistêmica (HAS) com RR 1,4; obesidade com RR 1,3. Deseq. do adulto 4 (Pneumologia e Cardiologia) Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 FISIOPATOLOGIA 1 - Função Sistólica e Diastólica Função Sistólica é a capacidade que o ventrículo possui de ejetar o sangue nas grandes artérias. A função sistólica pode ser estimada pela Fração de Ejeção (FE), definida como o percentual do volume diastólico final que é ejetado, ou seja: FE = DS/VDF x 100. OBS: Um ventrículo normal contém cerca de 100 ml de sangue no final da diástole – Volume Diastólico Final (VDF); faixa normal: 80-150 ml. Deste total, aproximadamente 60 ml são ejetados a cada batimento – é o Débito Sistólico (DS); faixa normal: 40-100 ml. Após ejetar o sangue, o que sobra na cavidade (em torno de 40 ml) é o Volume Sistólico Final (VSF); faixa normal: 30-60 ml. O fluxo total gerado pelo coração na unidade de tempo é o Débito Cardíaco (DC), determinado pelo produto do débito sistólico com a FC. O valor normal é de 4,5-6,5 L/min. O Índice Cardíaco (IC) é o DC corrigido pela área de superfície corporal. O valor normal do índice cardíaco é de 2,8-4,2 L/min/m2 . Função Diastólica é a capacidade do ventrículo de se encher com o sangue proveniente das grandes veias, sem aumentar significativamente sua pressão intracavitária. Isso ocorre através de um processo ativo, ou seja, que requer o gasto de energia por parte das células. Essa capacidade é determinada pelo grau de relaxamento atingido, de modo que o sangue proveniente do retorno venoso se acomode nos ventrículos. 2 - Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) Se refere à principal consequência clínica da insuficiência cardíaca: o fenômeno da congestão venocapilar. Se o coração não bombeia o sangue adequadamente, uma parte fica estagnada na circulação venosa (incluindo a rede capilar). O consequente aumento na pressão venocapilar provoca extravasamento de líquido para o interstício, determinando seu acúmulo (edema). A congestão explica boa parte dos sinais e sintomas da insuficiência cardíaca. 3 - Tipos de Insuficiência Cardíaca Quanto ao ladodo coração afetado - IC Esquerda: Maioria dos casos. Decorrente da disfunção do “coração esquerdo”, geralmente por Insuficiência Ventricular Esquerda (IVE). Cursa com congestão pulmonar (dispneia, ortopneia, dispneia paroxística noturna). São exemplos: IAM, cardiopatia hipertensiva (por “sobrecarga” ventricular), miocardiopatia idiopática. Também pode ser causada por doença valvar. - IC Direita: Decorrente da disfunção do “coração direito”, geralmente por Insuficiência Ventricular Direita (IVD). Cursa com congestão sistêmica (turgência jugular, hepatomegalia, ascite, edema de MMII). São exemplos: cor pulmonale (relacionado à DPOC, obesidade mórbida, pneumopatias, TEP ou hipertensão arterial pulmonar primária), infarto do ventrículo direito e miocardiopatias. - IC Biventricular: Cursa com congestão pulmonar e sistêmica. A maioria das cardiopatias que levam à insuficiência cardíaca inicia-se como IVE e posteriormente evolui com comprometimento do VD. Quanto ao mecanismo fisiopatológico - IC Sistólica: 50-60%. Perda da capacidade contrátil do miocárdio. Na maioria das vezes, provoca dilatação ventricular (cardiopatia dilatada) e tem como marco a redução significativa da fração de ejeção (≤ 50%). Há 2 consequências principais: (1) baixo DC; e (2) aumento do volume de enchimento (VDF) e, portanto, da pressão de enchimento ventricular, a qual será transmitida aos átrios e sistema venocapilar (congestão). IAM, isquemia miocárdica, fase dilatada da cardiopatia hipertensiva e miocardiomiopatia dilatada idiopática são exemplos. - IC Diastólica: A contração miocárdica está normal (FE > 50%), mas existe restrição patológica ao enchimento diastólico, causando elevação nas pressões de enchimento e, consequentemente, aumento da pressão venocapilar. O mecanismo pode ser uma alteração no relaxamento muscular e/ou uma redução na complacência ventricular (“ventrículo duro” por excesso de tecido conjuntivo). Na maioria das vezes existe hipertrofia muscular concêntrica, com redução da cavidade. A fase hipertrófica da cardiopatia hipertensiva e a cardiomiopatia hipertrófica são os principais exemplos. Quanto ao Débito Cardíaco - IC de Baixo Débito: maioria dos casos. A disfunção sistólica do VE reduz o débito cardíaco, causando hipoperfusão tecidual. Nas fases iniciais o DC pode se manter normal no repouso, mas durante o esforço físico o aumento fisiológico do DC não acontece. Na fase avançada, por sua vez, o DC estará reduzido mesmo em repouso, trazendo constantes limitações ao paciente. Já na IC diastólica também se observa limitação do DC, especialmente durante a atividade física: não há como elevá-lo sem aumentar a pressão de enchimento em demasia. Além disso, a taquicardia sinusal que acompanha o esforço físico encurta a diástole, comprometendo ainda mais a capacidade de enchimento ventricular. Todas as cardiopatias intrínsecas que promovem ICC o fazem gerando um quadro de IC de baixo débito. - IC de Alto Débito: ocorre nas condições que exigem um maior trabalho cardíaco, seja para atender a demanda metabólica (tireotoxicose, anemia grave) ou pelo desvio de sangue do leito arterial para o venoso, através de fístulas arteriovenosas (beribéri, sepse, cirrose, doença de Paget óssea, hemangiomas). Em todos esses casos, apesar do débito cardíaco estar alto, ele está abaixo do desejado em face da alta requisição da função cardíaca. 4 - Mecanismos Compensatórios Eventualmente, encontraremos o paciente totalmente assintomático apresentando cardiomegalia no RX de tórax, ou aumento nos diâmetros ventriculares e redução da fração de ejeção no ECO. Lei de Frank-Starling: por essa “lei fisiológica”, quanto maior for o Volume Diastólico Final (VDF = pré-carga), maior será o débito sistólico e a fração de ejeção. Um maior volume diastólico distende mais os sarcômeros (unidades contráteis dos miócitos), permitindo aos filamentos de actina e miosina um maior potencial para interação bioquímica e gasto energético. Por esse motivo, o ventrículo dilata, aumentando o VDF e evitando a queda do DC. Deseq. do adulto 4 (Pneumologia e Cardiologia) Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 Após um déficit de contratilidade miocárdica, a dilatação ventricular se instala progressivamente. São dois os mecanismos envolvidos: (1) esvaziamento incompleto do ventrículo; (2) hipervolemia decorrente da retenção de sódio e água pelos rins. O segundo depende da ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) (ativado pela hipoperfusão renal), que age aumentando a reabsorção hidrossalina dos rins. OBS: A lei de Frank-Starling possui uma importante limitação. Um aumento excessivo do volume diastólico final acabará dificultando a performance ventricular, com desestruturação da mecânica das fibras, levando ao aumento das pressões de enchimento e à redução do débito sistólico. A tendência é a evolução (após anos) para um estado de retenção volêmica exagerada, responsável pelos quadros de síndrome de insuficiência cardíaca congestiva. A partir de um certo ponto, nem mesmo os ventrículos com função normal conseguem melhorar seu débito cardíaco com a dilatação ventricular. Além disso, quanto pior a função ventricular, menor será o volume diastólico final em que o ventrículo atingirá seu débito cardíaco máximo. Contratilidade (inotropismo) dos miócitos remanescentes: modulada pelo sistema adrenérgico através da ação da noradrenalina e da adrenalina sobre receptores beta-1 e alfa-1, especialmente o primeiro. O baixo DC estimula barorreceptores arteriais, ativando o sistema nervoso simpático (adrenérgico) que age sobre os receptores e induz aumento na contratilidade dos miócitos que ainda não foram lesados gravemente. Assim, até certo ponto na evolução inicial da doença o débito cardíaco pode ser “compensado” pelo maior trabalho desses miócitos remanescentes “sobrecarregados”. Hipertrofia Ventricular Esquerda (HVE): a HVE é definida como um aumento da massa de miocárdio ventricular. Representa o principal mecanismo compensatório inicial nos casos de sobrecarga de pressão ou volume ventriculares. Na sobrecarga de pressão (HAS, estenose aórtica), ocorre hipertrofia concêntrica, isto é, aumento da espessura da parede ventricular, sem aumentar a cavidade. Na sobrecarga de volume (regurgitações valvares), ocorre hipertrofia excêntrica, isto é, aumento da cavidade predominando sobre o aumento da espessura da parede ventricular. A hipertrofia, além de aumentar o número de sarcômeros e, portanto, a capacidade contrátil total, também reduz a tensão ou estresse da parede ventricular, melhorando a performance cardíaca. Quando o processo inicial é a perda de miócitos, a hipertrofia compensatória pode ocorrer nos miócitos remanescentes, que ficam maiores e mais espessos, apresentando maior número de fibrilas. A angiotensina II é um dos principais indutores de hipertrofia ventricular na insuficiência cardíaca. Embora seja um mecanismo compensatório, a HVE traz sérios problemas: arritmogênese, piora da função diastólica, além de ser um fator de risco independente para eventos cardiovasculares. Aumento da FC: o que não pode ser compensadopelo aumento do débito sistólico em si pode ser alcançado pelo aumento da frequência cardíaca, mantendo, assim, o DC estável. O sistema adrenérgico se encarrega de aumentar o cronotropismo, agindo sobre os receptores beta-1 no nódulo sinusal. 5 - Remodelamento cardíaco (Ação Deletéria do Sistema Neuro-Humoral) Inicialmente, a queda no DC é percebida pelos barorreceptores periféricos que estimulam um aumento no tônus adrenérgico. A elevação da noradrenalina, além de seus efeitos cardiotrópicos, estimula diretamente a liberação renal de renina; contudo, o principal estímulo à ativação do sistema SRAA é a hipoperfusão renal, devido à diminuição do sódio filtrado que alcança a mácula densa e à hipodistensão da arteríola aferente glomerular. A angiotensina e a aldosterona, também possuem o efeito de estimular a produção (ou inibir a recaptação) de noradrenalina. OBS: A progressão da doença miocárdica leva a um paradoxo. Os mesmos mediadores neuro-humorais que inicialmente mantêm o paciente compensado (sistema adrenérgico, SRAA) passam a exercer efeito deletério sobre a própria função miocárdica. Esta é a base para o fenômeno do remodelamento cardíaco. Noradrenalina: age sobre os receptores beta-1 e beta-2 desencadeando a injúria do miócito (efeito “miocardiotóxico” das catecolaminas). O miócito se torna alongado e hipofuncionante, podendo evoluir com apoptose. Como uma espécie de “defesa”, o número de receptores beta-adrenérgicos é reduzido na insuficiência cardíaca avançada (downregulation). Angiotensina II: age sobre os receptores AT1 e promove efeitos danosos: apoptose do miócito, proliferação de fibroblastos, liberação local de noradrenalina e da própria angiotensina. A ação pelos receptores AT2 ainda é desconhecida. Aldosterona: age sobre receptores citoplasmáticos, levando à hiperproliferação de fibroblastos. A ação desses 3 mediadores, acrescida de algumas citocinas (ex: TNF- ), contribui para a piora progressiva da disfunção ventricular.α A alteração na forma e função do miócito, sua degeneração e a fibrose intersticial resultam no “remodelamento cardíaco”. A parede ventricular será alongada, e sua espessura será reduzida. A forma elipsóide da cavidade é substituída por um formato esférico. 6 - Pós-Carga Cardíaca Pós-carga é a “dificuldade” imposta ao esvaziamento ventricular. Se expressa na tensão da parede miocárdica na sístole. O aumento da pós-carga reduz o débito sistólico, e eleva o consumo miocárdico de oxigênio. O principal fator é o tônus arteriolar periférico. A vasoconstrição arteriolar aumenta a pós-carga, enquanto a vasodilatação a reduz. O aumento na impedância aórtica (por calcificação) e a estenose da valva aórtica são outros possíveis mecanismos de aumento da pós-carga. Finalmente, o fator relacionado à própria geometria ventricular tem um papel de extrema importância, através da lei de Laplace. Lei de Laplace: o “estresse” na parede ventricular (E) é diretamente proporcional ao raio cavitário (R) e à pressão intracavitária (P), sendo inversamente proporcional à espessura da parede (h). E = P x R/h. O termo “estresse da parede ventricular” pode ser entendido como análogo à tensão superficial da parede. Deseq. do adulto 4 (Pneumologia e Cardiologia) Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 Esquecendo a interpretação matemática, podemos entender a Lei de Laplace de outra forma: um ventrículo que apresenta diâmetro cavitário muito grande e parede fina precisa fazer um esforço muito maior para ejetar o sangue do que um ventrículo de cavidade menor e maior espessura de parede. Se precisa fazer um esforço maior, é porque sua pós-carga é maior. OBS: Na fase sintomática da insuficiência cardíaca o ventrículo trabalha com pós-carga elevada, devido a 3 fatores: vasoconstrição arteriolar periférica; retenção hídrica, levando ao aumento do volume diastólico ventricular; remodelamento cardíaco – maior relação R/h. A redução medicamentosa da pós-carga exerce efeito benéfico sobre a performance cardíaca. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O paciente com IC em geral permanece assintomático durante vários anos, devido aos mecanismos adaptativos que mantêm o DC normal ou próximo ao normal. Porém, após um tempo variável e imprevisível, surgem os primeiros sintomas. Síndrome Congestiva Pulmonar: na maioria das vezes, a IC se inicia por um comprometimento isolado do VE. Como resultado, os pulmões se tornam congestos, com acúmulo de líquido intersticial e intra-alveolar. A congestão aumenta o trabalho respiratório e estimula os receptores J pulmonares, provocando a dispneia. Como as pressões de enchimento inicialmente se elevam durante o esforço, o sintoma clássico inicial é a dispneia aos esforços. Alguns pacientes com congestão mais acentuada se queixam de dispneia ao decúbito dorsal, denominada ortopneia. O mecanismo envolve redistribuição de líquido, pelo decúbito, da circulação esplâncnica e dos membros inferiores para a circulação central. Algumas vezes, o paciente é acordado no meio da madrugada por uma crise de franca dispneia, que melhora após alguns minutos em ortostatismo (dispneia paroxística noturna), geralmente relacionada à congestão pulmonar grave. Outro sintoma pode ser a tosse seca, pela congestão da mucosa brônquica. Caracteristicamente, é uma tosse noturna, muitas vezes associada à DPN. Congestão brônquica mais acentuada pode levar a um quadro semelhante ao broncoespasmo – a “asma cardíaca”. Edema Agudo de Pulmão (EAP): o extremo da congestão pulmonar é o EAP. Neste caso, o paciente apresenta intensa crise de taquidispneia e ortopneia, associada à insuficiência respiratória, às vezes com cianose central (hipoxemia grave). Por vezes o paciente expectora um líquido róseo, proveniente do edema alveolar abundante. O exame físico revela estertoração pulmonar audível acima da metade inferior dos hemitórax. Pode haver sibilos difusos (“asma cardíaca”). Se não tratado, leva a óbito. O EAP costuma ocorrer quando a pressão capilar pulmonar ultrapassa 25 mmHg (normal até 12 mmHg). A radiografia de tórax mostra dilatação vascular nos ápices e infiltrado bilateral em “asa de borboleta” ou “de morcego”. Síndrome Congestiva Sistêmica: com o avançar da disfunção de VE, há surgimento progressivo de hipertensão arterial pulmonar secundária. Com o tempo, o VD sobrecarregado acaba entrando em falência, instalando-se o quadro da insuficiência biventricular. A própria doença primária também pode acometer diretamente o VD. Neste momento aparece a síndrome de congestão sistêmica, podendo haver melhora da congestão pulmonar, pois chega menos sangue ao pulmão quando o VD está insuficiente. Os sintomas predominantes serão causados pela síndrome edemigênica e de congestão orgânica: edema de membros inferiores, bolsa escrotal, ascite, dispneia por derrame pleural, dor abdominal em hipocôndrio direito por hepatomegalia congestiva. A congestão da mucosa intestinal pode levar à saciedade precoce, dor abdominal difusa, náuseas, diarreia e, em raros casos, enteropatia perdedora de proteína. A IVD reduz ainda mais o débito cardíaco, explicando o fato comum de haverpiora dos sintomas de baixo débito na insuficiência cardíaca biventricular. Síndrome de Baixo Débito: é mais comum e mais acentuada na IC sistólica. Aparece inicialmente aos esforços, devido à incapacidade do coração em aumentar o débito durante o esforço ou qualquer situação de estresse. Os sintomas se confundem com os de uma síndrome “geral”: fadiga muscular, indisposição, mialgia, cansaço, lipotímia. A maioria dos sintomas é secundária à inadequada perfusão muscular durante o esforço físico. Emagrecimento e “Caquexia Cardíaca”: o paciente com IC tende a perder massa muscular, pois há um desbalanço entre o débito cardíaco e a demanda metabólica da musculatura esquelética. Além disso, pode haver redução na absorção intestinal de nutrientes (congestão da mucosa). Alguns indivíduos só não emagrecem porque acumulam muito líquido (edema), enquanto outros chegam a emagrecer e até mesmo entrar num estado de “caquexia” (devido ao efeito catabólico de mediadores como TNF- exageradamente α aumentado na insuficiência cardíaca avançada). Choque Cardiogênico: extremo da IC, comum nas formas agudas graves ou como fenômeno terminal da forma crônica de ICC. É definido clinicamente pelo choque (hipoperfusão orgânica generalizada), associado à hipotensão grave (PA sistólica < 80 mmHg) que não responde à reposição volêmica. EXAME FÍSICO Devemos sempre pesquisar sinais de aumento da pressão venosa jugular e presença de B3 na ausculta cardíaca, importantíssimos para o prognóstico. O sinal mais fidedigno para detectar a presença de retenção de volume é a turgência de jugular. Pulso Arterial: no início do processo o pulso arterial é normal. Em fases avançadas pode ser de baixa amplitude, devido ao baixo débito. O chamado pulso alternans (alternância de um pulso forte com um pulso fraco) é um sinal de débito sistólico extremamente baixo que reflete péssimo prognóstico. Após uma contração eficaz o miocárdio doente demora para se recuperar, logo, o próximo batimento será fraco. Quando este fenômeno é extremo, teremos o pulso total alternans, isto é, só percebemos o pulso mais forte, o que reduz falsamente a frequência cardíaca para a metade, quando contada no pulso arterial. Pulso Venoso e Turgência Jugular: a turgência jugular patológica a 45º (TJP) é um sinal fidedigno e precoce de IVD. O pulso venoso pode apresentar alterações em seu aspecto: aumento da onda A, devido às elevadas pressões de enchimento no VD, ou a presença da onda V gigante, consequente à insuficiência tricúspide secundária à dilatação do VD. Uma manobra muito importante no diagnóstico da congestão sistêmica é a pesquisa do refluxo hepatojugular, muitas vezes presente antes mesmo da TJP. Nessa manobra faz-se pressão sobre o QSD do abdome observando se haverá aumento na altura do pulso jugular > 1 cm. Deseq. do adulto 4 (Pneumologia e Cardiologia) Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 Precórdio: Na cardiopatia dilatada o ictus de VE costuma ser difuso (> 2 polpas digitais) e fraco e, algumas vezes, desviado para a esquerda (lateral à linha hemiclavicular) e para baixo (inferior ao 5º EIC). O ictus de VD pode ser palpável e proeminente. Um batimento protodiastólico e/ou pré-sistólico podem ser palpáveis e até visíveis no ápex (corresponde à B3 e B4, respectivamente, na ausculta). Na cardiopatia hipertrófica o ictus de VE costuma estar na posição normal, porém é “sustentado” (pico sistólico “forte” e duradouro). Na cardiopatia restritiva o ictus de VE geralmente não se altera. Ausculta Cardíaca: B1 pode ser hipofonética (hipocontratilidade do VE), e a B2 hiperfonética (hipertensão arterial pulmonar). A bulha acessória da insuficiência cardíaca é a terceira bulha (B3). Este som é produzido pela desaceleração do fluxo de sangue no final da fase de enchimento rápido da diástole. A B3 pode ser audível nas sobrecargas de volume, mesmo na ausência de IC. A quarta bulha (B4) é mais comum na doença isquêmica e na cardiopatia hipertensiva. Um sopro sistólico pode ser audível no foco mitral, irradiando-se para a axila, causado por insuficiência mitral secundária à dilatação do VE. A dilatação do VD também pode causar insuficiência tricúspide secundária – o sopro sistólico é mais audível no foco tricúspide e aumenta à inspiração profunda (manobra de Rivero-Carvalho). Exame do Aparelho Respiratório: na IVE pode haver estertoração pulmonar nos terços inferiores dos hemitórax, predominando geralmente à direita, devido à congestão e edema pulmonar. Os sibilos podem ser encontrados na “asma cardíaca”. A síndrome de derrame pleural é frequente na IVE e na IC biventricular, pois a drenagem pleural é dependente do sistema venoso pulmonar e sistêmico. Geralmente, o derrame é do lado direito ou bilateral (maior à direita). Um derrame isolado à esquerda deve suscitar outros diagnósticos, o que indica a toracocentese daquele lado. Anasarca: nas fases avançadas, com IC biventricular, o paciente apresenta edema generalizado, com predomínio nas regiões dependentes de gravidade. O edema crônico de MMII leva a alterações de pele e fâneros, como hiperpigmentação, perda de pelos e ictiose. Todas as serosas podem estar comprometidas: ascite, derrame pleural e derrame pericárdico. Hepatopatia Congestiva: a hepatomegalia congestiva é muito comum, frequentemente dolorosa, pela distensão aguda da cápsula hepática. Casos muito agudos descompensados de IVD podem levar à congestão hepática grave, manifestando-se como hepatite aguda: icterícia, hiperbilirrubinemia, aumento das transaminases e, eventualmente, insuficiência hepática. Cirrose hepática cardiogênica é rara, pois a gravidade da cardiopatia costuma levar o paciente a óbito antes. Nos casos de pericardite constritiva, entretanto, a cirrose pode ser mais frequente. Respiração de Cheynes-Stokes: caracterizada por períodos de apneia alternando-se com períodos de hiperpneia, este padrão respiratório ocorre em até 30% dos pacientes com insuficiência cardíaca sintomática, geralmente durante o sono. De acordo com a apresentação da IC, ela pode ser classificada em diferentes perfis. O perfil A é caracterizado pelo paciente “quente e seco”, ou seja, bem perfundido e sem congestão. Esse perfil é o alvo terapêutico do paciente com IC. Perfil B: apresentação mais comum dos pacientes hospitalizados com IC, o paciente se apresenta “quente e úmido”, ou seja, apresenta-se bem perfundido, porém congesto. Perfil L: apresenta-se “frio e seco”, ou seja, com hipoperfusão tecidual, no entanto sem congestão. Esse é o perfil mais incomum de apresentação. Perfil C: descreve o paciente “frio e úmido”, tratando-se do paciente com maior mortalidade na IC, pois apresenta ao mesmo tempo hipoperfusão e congestão. DIAGNÓSTICO Critérios de Framingham: 1 critério maior e 2 critérios menores ou 2 critérios maiores indica o diagnóstico de insuficiência cardíaca. Radiografia de Tórax: cardiomegalia (índice cardiotorácico > 50%) é um achado comum na cardiopatia dilatada, sendo critério maior de Framingham. Há sinais que indicam o ventrículo aumentado: Na incidência PA, quando o coração“mergulha” no diafragma, temos aumento predominante do VE; quando a ponta do coração se eleva (aspecto “em bota”), o predomínio é do VD. Deseq. do adulto 4 (Pneumologia e Cardiologia) Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 Na incidência em perfil, aumento de VE é visto pelo distanciamento da borda cardíaca posterior do ponto de entrada da veia cava inferior (> 2 cm). O aumento de VD, nesta incidência, é visto pelo aumento da borda anterior cardíaca, ocupando > 1/3 do espaço retroesternal. O aumento dos átrios também pode ser visto. Os campos pulmonares podem apresentar sinais de congestão: - inversão do padrão vascular, as veias ficam mais proeminentes nos ápices pulmonares do que nos lobos inferiores (pois o edema intersticial, maior nos lobos inferiores, as comprime); - linhas B de Kerley, paralelas ao diafragma, visualizadas nas regiões laterais dos hemitórax inferiores. Representam o ingurgitamento linfático, relacionado ao edema pulmonar; - infiltrados intersticiais bi ou unilaterais (em geral peri-hilares), devido ao edema intersticial, ou até infiltrado alveolar (no EAP); - derrame pleural e “tumor fantasma”: o derrame geralmente é bilateral, predominando à direita (pior drenagem linfática). Pode haver derrame intercisural. O “tumor fantasma” nada mais é do que um derrame intercisural arredondado, que some após o tratamento diurético. RX de tórax normal não descarta cardiopatia, mesmo a dilatada. Eletrocardiograma: A realização de eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações é recomendada na avaliação inicial de todos os pacientes com IC, para avaliar sinais de cardiopatia estrutural como hipertrofia ventricular esquerda, isquemia miocárdica, áreas de fibrose, distúrbios da condução atrioventricular, bradicardia ou taquiarritmias, que podem demandar cuidados e tratamentos específicos. Vários destes aspectos são marcadores prognósticos em muitas cardiopatias, como na chagásica crônica. A detecção de bloqueio de ramo esquerdo (BRE), com alargamento pronunciado da duração do complexo QRS, auxilia na indicação da terapia de ressincronização cardíaca (TRC). As alterações são inespecíficas e dependem da doença subjacente (ex: coronariopatia, HAS). Entretanto, um ECG normal possui valor preditivo negativo > 90% para excluir disfunção sistólica, o que torna o diagnóstico improvável. Ecocardiograma-Doppler: é o método mais útil para a confirmação diagnóstica, avaliação da etiologia, do perfil hemodinâmico e do prognóstico. É o responsável por dividir a insuficiência cardíaca em sistólica e diastólica, o que é fundamental na decisão terapêutica. A fração de ejeção é o grande dado: FE < 50% indica disfunção sistólica. Outros dados sugestivos de disfunção sistólica são: diâmetro sistólico final > 3,7 cm e diâmetro diastólico final > 5,7 cm. Através do ECO, pode-se estimar os volumes ventriculares (especialmente do VE), a espessura da parede ventricular, o tamanho atrial, aórtico, do pericárdio, das valvas, a presença de trombos intracavitários e a existência de disfunção segmentar. O uso do Doppler permite avaliar o comprometimento diastólico (enchimento ventricular) e a função valvar. A principal limitação do método é a obtenção de uma boa imagem (“janela”), o que depende da constituição física e da idade do paciente. OBS: Não se recomenda a realização de ecocardiograma de forma rotineira nos pacientes com IC, mas sugere-se sua repetição naqueles pacientes que exibem mudança significativa de seu estado clínico, com descompensação ou perante progressão de sintomas. Também deve ser considerada a realização de novo ecocardiograma 3 a 6 meses após o tratamento com medicações que modificam o prognóstico, para avaliação do remodelamento reverso e estratificação. Esta reavaliação tem potencial impacto na implementação de estratégias de tratamento adicionais, como TRC e implante de cardiodesfibriladores nos pacientes com FEVE ≤ 35%. BNP (Peptídeo Natriurético Cerebral): em muitas ocasiões nos deparamos com pacientes dispneicos mas não temos certeza quanto ao diagnóstico de ICC. O ecocardiograma pode estar indisponível no momento, mas a terapêutica tem que ser logo iniciada. Aí entra a dosagem de BNP! O BNP é produzido pelo miocárdio dos ventrículos, sempre em resposta ao estiramento miocárdico. Sua liberação está ligada ao aumento das pressões de enchimento ventricular. O BNP aumenta na insuficiência cardíaca congestiva, mas não na pneumopatia. Avaliação laboratorial inespecífica: anemia, hiponatremia e azotemia são importantes preditores prognósticos na ICC. Anemia, em particular, pode ser causa, agravante ou consequência da ICC. Estudos recentes a têm apontado modificador da sobrevida; alterações da função renal costumam ser multifatoriais. Cineangiocoronariografia: sua realização em todos os portadores de ICC é controversa. Entretanto, em indivíduos com quadro clínico de angina e disfunção ventricular sistólica, está sem dúvida indicada. Outras indicações incluem história prévia de IAM, fatores de risco de doença coronariana e pacientes com indicação cirúrgica para correção de valvulopatias primárias ou secundárias. SPECT e PET: o SPECT (Single Photon Emission Tomography) pode contribuir na avaliação da perfusão miocárdica e da função ventricular. Já a tomografia por emissão de pósitrons (PET) pode ser indicada na avaliação da viabilidade miocárdica, sendo considerada uma das técnicas de referência nesta utilização. Ressonância magnética cardíaca: fornece avaliação altamente acurada das estruturas e da função cardíaca, sendo considerada atualmente o método padrão-ouro para medidas dos volumes, da massa miocárdica e da fração de ejeção de ambas as cavidades ventriculares. A RMC pode ser empregada como método alternativo naqueles pacientes em que o ecocardiograma convencional se mostre inadequado pela pobre janela acústica. Pode ser empregada para a caracterização anatômica diagnóstica em pacientes com IC e cardiopatia congênita complexa. Adicionalmente, as imagens de realce tardio de contraste paramagnético podem fornecer informações sobre perfusão miocárdica, presença e extensão de fibrose miocárdica, e, portanto, extensão de viabilidade miocárdica, que podem contribuir para o diagnóstico da etiologia isquêmica da IC em pacientes com fenótipo de miocardiopatia dilatada. Além Deseq. do adulto 4 (Pneumologia e Cardiologia) Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 disso, é possível avaliar o prognóstico e guiar os procedimentos de revascularização em pacientes com anatomia coronária adequada. O custo e o número de aparelhos disponíveis para a população continuam sendo limitantes ao uso mais amplo da técnica. Angiotomografia coronária: método de imagem para a avaliação não invasiva da presença de DAC nos pacientes com IC com probabilidade baixa a intermediária da presença de DAC, ou que apresentem resultados inconclusivos em outros testes de imagem para avaliação de isquemia. Deve ser indicado após se considerar seu risco para pacientes específicos, principalmente relacionados à função renal e ao risco de toxicidade, devido ao contraste radiológico, além da necessidade de bradicardia paraa obtenção de imagens de boa qualidade. Holter: utilizado para documentação de arritmias ventriculares em pacientes com queixas de palpitação, lipotímia ou síncope. Estudo eletrofisiológico: não é feito de rotina; pode ser indicado em pacientes com ECG suspeito para bloqueio “trifascicular” e na suspeita de taquiarritmias supraventriculares ou ventriculares. TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO Dieta (restrição de sódio e de líquidos): Quanto maior o consumo de sal, maior será o acúmulo de líquido e a volemia. Por isso, recomenda-se uma ingestão de 4-6 gramas de sal (NaCl) ou 2-3g de sódio por dia. A restrição líquida (1-1,5L/dia) está indicada apenas nos pacientes com hiponatremia (< 130 mEq/L) ou com retenção de líquido não responsiva ao uso de diuréticos e restrição da ingesta de sal. Suplementos calóricos são recomendados para os pacientes com caquexia cardíaca e nos casos de IC avançada. Orienta-se ingestão calórica diária de 28 kcal/kg para pacientes com estado nutricional adequado e 32 kcal/kg para pacientes abaixo do peso ideal (sempre considerando o peso seco do paciente). Repouso: O paciente classe III ou IV ou descompensado deve ficar de repouso o máximo possível. O repouso muscular reduz a demanda metabólica, facilitando o trabalho cardíaco sem elevar muito as suas pressões de enchimento. Assim, melhora o débito para o cérebro, miocárdio, vísceras e, principalmente, para os rins. O aumento do fluxo renal aumenta a diurese e reduz a liberação de renina e, consequentemente, angiotensina II e aldosterona, diminuindo a retenção de líquido e a congestão. Por outro lado, pacientes com IC compensada devem procurar realizar atividades normais do dia a dia, de acordo com seu limite individual. Estudos avaliando treinamento físico monitorizado mostraram redução dos sintomas, aumento da capacidade de exercício e melhora na qualidade. Reabilitação Cardiovascular: O portador de IC controlada (classe II ou III) se beneficia de programas de reabilitação cardiovascular monitorada e programada, aumentando a tolerância ao exercício e a qualidade de vida, sem, contudo, reduzir a mortalidade por IC no longo prazo. Programas de exercício na IC promovem progressivo aumento da capacidade funcional, requerendo aumento gradual da carga de trabalho de 40 a 70% do esforço máximo, por 20 a 45 minutos, 3 a 5 vezes por semana, por 8 a 12 semanas Vacinação: Infecções nas vias aéreas são importantes fatores de descompensação de IC. Por isso, tais indivíduos devem receber vacinação anti-influenza e anti-pneumocócica. Cessar tabagismo e etilismo: Todos os pacientes com IC devem ser encorajados a parar de fumar, preferencialmente com o auxílio de serviços especializados, podendo utilizar terapias de reposição de nicotina e/ou fármacos moduladores. Pacientes com miocardiopatia dilatada alcoólica devem ser aconselhados a se abster completamente de bebidas alcoólicas. Naqueles que não conseguem abstinência completa, a redução na ingesta pode trazer benefícios parciais. Orientações para viagens: Recomenda-se profilaxia para TVP em pacientes com IC independentemente da classe funcional. Está indicado o uso de meia elástica de média compressão para viagens prolongadas, devendo-se avaliar o uso de heparina profilática subcutânea quando a viagem durar > 4 h. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Medicamentos que aumentam sobrevida: Muito importantes para o tratamento da IC a longo prazo. A maioria inibe a desregulação do sistema simpático e do SRAA. Esses medicamentos são os IECA, BRA, beta-bloqueadores, antagonistas da aldosterona, hidralazina e nitratos, valsartana-sacubitril e novas classes de anti-diabéticos. No caso dos IECA, ensaios clínicos randomizados indicaram redução da mortalidade com o uso do enalapril, estabelecendo a indicação de IECA em todos pacientes com IC que não apresentem contraindicações. Apesar de estudos indicarem eficácia semelhante entre BRA e IECA, normalmente os BRA são reservados aos pacientes com alguma intolerância ao IECA (como tosse seca). Mecanismo de ação dos IECA: ao inibirem a formação da angiotensina II, essas drogas possuem três propriedades importantes na insuficiência cardíaca: (1) arteriolodilatação, reduzindo a pós-carga; (2) venodilatação, reduzindo a pré-carga; (3) redução dos efeitos diretos da angiotensina II sobre o miocárdio. A melhora dos sintomas ocorre logo após o início do tratamento devido aos dois primeiros efeitos que, em conjunto, melhoram a performance ventricular. Os IECA também aumentam os níveis de bradicinina (vasodilatador endógeno). Ocorre ainda um acúmulo de prostaglandinas, além de maior produção de óxido nítrico (vasodilatador endógeno). Deseq. do adulto 4 (Pneumologia e Cardiologia) Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 Mecanismo de ação dos BRA: agem inibindo a ação da angiotensina II sobre os receptores AT1. Estes estão presentes na musculatura lisa vascular (daí o efeito vasodilatador), na suprarrenal (daí a redução dos níveis de aldosterona) e no miocárdio. Uma possibilidade terapêutica promissora é a combinação de valsartana/sacubitril. A valsartana é um BRA, que é combinado ao sacubitril, um inibidor da neprilisina. A neprilisina é uma enzima responsável pela degradação do BNP e ANP, que apresentam efeito natriurético benéfico. A combinação apresentou resultados superiores ao dos IECA em pacientes com IC, com redução de 16% da mortalidade, por isso o medicamento passou a ser indicado em pacientes com ICFEp que persistem sintomáticos apesar de tratamento otimizado. Valsartana-sacubitril deve ser prescrito substituindo os BRA ou iECA, na dose inicial de 49/51 mg em pacientes que mantém pressão sistólica acima de 100mmHg. Em pacientes com níveis mais baixos da PA a dose inicial deverá ser de 24/26 mg. É necessário ficar atento para a possibilidade de angioedema, um dos principais efeitos colaterais, e suspender os IECA 36h de iniciar o uso do valsartana-sacubitril, para evitar a sobreposição das drogas, o que aumentaria o risco de hipotensão e angioedema. Os beta-bloqueadores são indicados em todos os pacientes com IC apresentando disfunção sistólica, desde que não apresentem contraindicações como asma grave e bradicardias. Reduzem a mortalidade dos pacientes com IC, reduzem o mecanismo de remodelamento cardíaco e a demanda de O2 dos cardiomiócitos, sendo especialmente vantajosos nos pacientes que apresentam DAC associada. Os BB também são considerados fármacos de primeira linha no tratamento da ICFEr, pois determinam benefícios clínicos na mortalidade global, na morte por IC e por morte súbita, além de melhorarem sintomas e reduzirem re-hospitalizações. A experiência acumulada na literatura deixou claro que 3 beta-bloqueadores específicos (carvedilol, bisoprolol e succinato de metoprolol), se ministrados com cautela, podem ser bem tolerados e extremamente benéficos na IC sistólica, mesmo na classe funcional IV de NYHA. Mecanismo de ação dos BB: bloqueio da ação tóxica da noradrenalina sobre os miócitos cardíacos e a redução da liberação de noradrenalina nas sinapses cardíacas. O efeito pleno é tardio (3-6meses). Efeitos adicionais são a redução do consumo miocárdico de oxigênio, reduzindo a isquemia; reduz também a FC, facilitando a mecânica diastólica. O bloqueio dos receptores beta-3 pode contrabalançar o bloqueio dos receptores beta-1 e beta-2, pois os receptores beta-3 são inotrópicos negativos. O up regulation dos receptores beta-1 ocorre com o uso dos betabloqueadores na IC. Antagonistas da aldosterona (espironolactona) estão indicados em pacientes sintomáticos com disfunção sistólica do VE, classes funcionais II a IV, associados ao tratamento padrão, apresentando efeitos sobre mortalidade e taxas de re-hospitalização. também auxiliam na redução da pré-carga e são indicados nos pacientes com IC e disfunção sistólica na classe III e IV. Não se deve administrar a combinação de antagonista da aldosterona, IECA e BRA, pelo risco de efeitos colaterais, em especial de hipercalemia. Mecanismo de ação dos antagonistas da aldosterona: o provável mecanismo benéfico da espironolactona na insuficiência cardíaca é a inibição do efeito da aldosterona sobre o miocárdio; reduzindo, assim, a degeneração de fibras, a apoptose e a fibrose intersticial, ou seja, prevenindo o remodelamento ventricular. Outro possível efeito benéfico é a prevenção da hipocalemia pelos diuréticos de alça ou tiazídicos, com isso, reduzindo a chance de arritmias ventriculares e morte súbita. A combinação da hidralazina + nitrato (ex: isossorbida) apresentou redução de mortalidade em pacientes negros com IC classe II-IV. Há evidência de maior qualidade indicando o benefício do uso dos beta-bloqueadores, IECAs ou BRAs e antagonistas do receptor da aldosterona, dessa forma, eles não devem ser suspensos para a introdução da hidralazina associada ao nitrato, e sim associados. A associação pode ainda ser indicada para pacientes que apresentam piora da função renal e/ou hipercalemia com uso de IECA/BRA, para aqueles que não evoluem bem na vigência do tratamento medicamentoso otimizado ou que, em avaliação, documente-se que persistem com sinais de resistência periférica elevada. Mecanismo de ação da hidralazina: a hidralazina é um vasodilatador arteriolar direto, cujo mecanismo farmacodinâmico é desconhecido. Ao dilatar as arteríolas, reduz a pós-carga e melhora a performance ventricular. A taquicardia reflexa não parece ser um efeito adverso importante nos pacientes com IC. Porém, cefaleia, tonteira, lúpus farmacoinduzido podem ocorrer, especialmente nas doses mais altas. Mecanismo de ação do nitrato: O dinitrato de isossorbida tem um importante efeito venodilatador, reduzindo assim a pré-carga e facilitando o trabalho ventricular. Em pacientes diabéticos, inibidores do SGLT-2 (dapagliflozina e empagliflozina), uma nova classe de anti-diabéticos que inibem a reabsorção da glicose nos túbulos proximais, apresentou redução da mortalidade por causas cardiovasculares e redução das internações hospitalares. Dessa forma, é uma possibilidade promissora para pacientes com DM2. No entanto, há estudos indicando associação a um maior risco de cetoacidose diabética. OBS: A ivabradina é o representante de uma nova classe de drogas, os inibidores específicos da corrente If. A corrente If é responsável pelo mecanismo de despolarização automático do nódulo sinoatrial. A ivabradina (5 mg VO 12/12h, máx 7,5 mg) consegue reduzir a frequência cardíaca no repouso e no exercício. Essa droga é formalmente indicada para pacientes com classe funcional II-IV da NYHA com disfunção sistólica e terapia otimizada (IECA ou BRA + BB), desde que FC 70 bpm e ritmo sinusal.≥ Medicamentos para alívio dos sintomas: Diuréticos tiazídicos, diuréticos de alça, drogas vasoativas e digitálicos também podem ser indicados nos pacientes com ICC, principalmente em episódios de descompensação, no entanto, apesar do efeito importante no alívio dos sintomas, não há redução comprovada da mortalidade. Os diuréticos de alça (furosemida) representam a classe mais efetiva para alívio do quadro de congestão nos pacientes com IC descompensada (perfil B ou C). A dose deve ser avaliada de acordo com o quadro clínico do paciente, e muitas vezes precisará de ajustes até atingir uma dose otimizada. É necessário avaliar a função renal dos pacientes, principalmente daqueles que já apresentam DRC, uma vez que os diuréticos de alça podem auxiliar a compensar o quadro de congestão do paciente, no entanto, piorar de forma concomitante a função renal. Deseq. do adulto 4 (Pneumologia e Cardiologia) Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 Os tiazídicos são muito menos eficientes que os diuréticos de alça, no entanto são uma alternativa terapêutica usada principalmente em associação com a furosemida nos pacientes que já fazem uso de altas doses dessa droga, no entanto, continuam congestos. No caso de diuréticos de alça e tiazídicos, é importante estar atento para o risco de desenvolvimento de hiponatremia, hipocalemia e outros distúrbios hidroeletrolíticos. A digoxina, da classe dos digitálicos, é usada principalmente para aumentar o inotropismo. Ela bloqueia a Na+/K+ ATPase, e de forma indireta, aumenta a concentração de cálcio no citoplasma, aumentando a força contrátil do cardiomiócito. No entanto, os digitálicos apresentam um importante potencial arritmogênico e uma ação anticolinérgica que reduz a excitabilidade do nó sinoatrial. Essa classe é considerada uma alternativa para o tratamento de pacientes com IC sintomáticos que não conseguiram atingir otimização clínica apesar de terapia com as drogas que reduzem mortalidade na IC. Os digitálicos reduzem o número de internações por descompensação cardíaca desses pacientes, apesar de não haver alteração da mortalidade. Os digitálicos apresentam uma janela terapêutica estreita e podem apresentar muitos efeitos colaterais, principalmente em pacientes hipocalêmicos ou com hipomagnesemia. Os sintomas da intoxicação digitálica são principalmente náuseas, vômitos, alterações visuais e arritmias cardíacas (taqui ou bradiarritmias). Drogas vasoativas: Em casos muito graves, pode ser necessário fazer uso de drogas vasoativas. A noradrenalina tem principalmente efeito vasoconstritor, e pode ser necessária em pacientes em choque cardiogênico. A dobutamina tem efeito inotrópico positivo, agindo em receptores adrenérgicos alfa-1, beta-1 e beta-2. Anticoagulantes: Nos pacientes que apresentam histórico pessoal ou familiar de 1º grau, pode ser avaliado o uso de anticoagulação com antagonistas da vitamina K (warfarin) ou novos anticoagulantes, e o uso de heparina ou enoxaparina é indicado para prevenção de TVP e TEP nos pacientes com ICC internados. ATENÇÃO A síndrome de ICFEp apresenta dois paradigmas fisiopatológicos: elevada pressão de enchimento do VE, associada ou não ao DC deprimido em repouso, ou aos exercícios somados a um contexto de FEVE assumida como preservada. Entretanto, a etiologia e a fisiopatologia subjacentes à síndrome, determinam um espectro fenotípico bastante variado, o que dificulta a uniformização dos critérios diagnósticos. Adicionalmente, comorbidades são altamente prevalentes nesses pacientes e estãorelacionadas à disfunção ventricular e vascular, bem como a prognóstico clínico, necessitando, muitas vezes, de tratamento específico. Isso ajuda a explicar porque os ensaios clínicos desenhados para o tratamento da ICFEp falharam em demonstrar os mesmos benefícios em desfechos clínicos alcançados pelos estudos da ICFEr. DISPOSITIVOS CARDÍACOS Nos pacientes refratários ao tratamento otimizado, com FE ≤ 35% e bloqueio de ramo completo (QRS ≥ 120ms), o ressincronizador biventricular ou terapia de ressincronização cardíaca, um tipo de marcapasso que sincroniza a sístole dos ventrículos, é indicado. Pacientes com IC apresentam risco maior de morte súbita por causa cardiovascular e de desenvolvimento de arritmias associadas a instabilidade hemodinâmica, como taquicardia ventricular (TV) e fibrilação ventricular (FV). Pacientes alto risco para morte súbita de causa cardiovascular podem fazer uso de cardiodesfibriladores implantáveis (CDI) como prevenção primária. Os pacientes que já apresentaram TV ou FV e sobreviveram, podem fazer uso do CDI como prevenção secundária. O dispositivo identifica arritmias e realiza cardioversão elétrica, reduzindo o risco de morte súbita. Nos pacientes com ICFEr estágio D da AHA, é possível fazer uso de dispositivos de assistência ventricular, uma bomba mecânica que é conectada no VE e à aorta ascendente, realizando a função de bomba que deveria ser desempenhada pelo coração. Esse dispositivo pode aumentar muito a qualidade de vida dos pacientes com ICFEr e reduzir muito ou até eliminar sintomas de baixo débito, no entanto são caros e pouco disponíveis no nosso meio. OBS: Em pacientes com indicações específicas, o transplante cardíaco é uma alternativa. TRATAMENTO DE ACORDO COM O PERFIL DA IC
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