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Por uma economia política da cidade - capítulo 5

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MILTON SANTOS 
POR UMA-ECONOMIA 
POLÍTICA DA CibADE: / 
O Caso de São Paulo 
Profº Fábio Contei 
FLG565-Geografia Urbana 11 
Texto 
Ô I "( b Cópias 
· EDITORA HUCITEC 
_ eclu� 
- editoro do puc-sp 
São Paulo, 1994 
5 
, I 
Por uma !conoinia política da cidade 
ESPAÇO E ECONOMIA POLlTICA 
A expressão economia política comporta múltiplas defini­
ções. Podemos, entretanto, admitir, simplificadamente, para 
os fins que aqui nos interessam, que o seu objeto é o estudo. da 
produção, de suas condições de realização e de suas conse­
qüências diversas, como o resultado de um jogo complexo: 
em última análise, temos, de um lado, o funcionamento do 
capital e, do outro lado, o funcionamento do trabalho. Esse 
jogo tanto se dá de forma espontânea, quanto de forma regu­
lada, ainda que a ação do mercado e a do Estado raramente se 
excluam. 
A econonúa política não pode prescindir do dado espaçial. 
O espaço pode ser definido como o resultado de uma intera­
ção per�anente entre, de um lado, o trabalho acumulado, na 
forma de infra-estruturas e máquinas que se superpõem à na­
tureza e, de outro lado, o trabalho presente, distribuído sobre 
essas formas provenientes do passado. O trabalho inorto� sobre 
o qual se exerce o trabalho vivo, é a configuração geográfica e 
os dois, juntos, constituem, exatamente,' o espaço geográfico . 
Aliás·, a noção de uma economia política incapaz de ser 
feita sem o espaço estava bem presente nos séculos XVII e 
XVIII e era praticada por autores diversos, tanto fisjocratas 
quanto liberais. É o caso de Jean Bodin, Montchrétien, Wil­
liam Petty, Cantillon, Quesnay, Galiani, Steu�rt e o próprio 
Adam Smith, entre tantos outros. Todos eles, em sua Econo-
116 POR UMA ECONOMIÃPOLlTICA DA CIDADE 
mia, que -era, ao mesmo tempo, uma Economia Política, leva­
ram em conta o espaço. 
Adam Smith dedicou o seu tratado às causas de desigual­
dade entre nações, e Ricardo, ao comparar as vantagens da 
produção de vinho e de tecidos, em Portugal e na Inglaterra, 
oferecia o mais clássico �xemplo de vantagens comparativas 
ligadas à geografia. William Petty já se preocupava com o que 
hoje chamamos de "cinturão verde", áreas agrícolas em torno 
das cidndes d.estinadas a garantir um abastecimento mais 
seguro' às aglomerações. Vauban conhecia o valor das estra­
das no processo produtivo e, desse modo, foi um bom plane­
jador regional, ao decidir do traçado dos caminhos entre a 
França e os países vizinhos. Ele também se preocupava com a 
preserváção da população e a defesa de. Paris, em caso de 
guerra ou calamidade. A cidade, que desperta também o 
interesse de Condillac, vai permitir� Adam Smith a indaga­
ção de por que os salários, os lucros e a renda não são . os 
mesmos em todos os lugares; ele também se preocupou com o 
que hoje tratamos como sendo o sistema de cidades. É, de 
alguma forma, o cas·o.de William Petty, quando, a propósito 
de Londres e de seu tamanho, aventa as duas possibilidades 
seguintes: deixar que continue a crescer ou envidar meios 
' para a distribuição de sua força com outras localidades. 
Esse .enfoque antecede, pois,. a Geog.rafia como disciplinél 
independente. Então, os· economistas se preocupa:v�m, na 
análise das questões do .seu interesse, com a multiplicidade 
das causas. O espaço não podia.estar fora de su�s análises, do 
mesmo modo que outros aspectos da re�dade física e da 
vida social. Montchrétien e William Petty referiam-se ao con­
teúdo político explosivo das cidades injustas, onde o cidadão 
não era supremo. Todos esses àutores eram, desse modo, e 
avant la lettre, interdisciplinares, muito deles sendo, ao mes­
mo tempo, filós_ofos. Étienne Bonnot de Co�dillac, discípulo 
de Locke, publicou, em 1746, um livro intitulado Ensaio soLre 
a origem dos conhecimentos humanos (Essai sur 1' origine cot )­
naissances huiriaines ) . 
l 
. j 
POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 117 
Os economistas dos séculos XVII e XVIII tinham etn mente 
essa "natureza segunda", modificada pelo trabalho hunlano.-­
Essa busca, à qual Adam Sm.ith e Ricardo deram um impulso 
fundamental, culmina cóm Marx, cujo método procura tor­
nar explícitos para abarcar o movimento da sociedade como 
um �todd: a natureza como corpo orgânico do homem; o 
homem como resultado das suas relações com outros homens 
e com a natureza; a produção como um dado fundamental 
das funções exercidas conjuntamente pela natureza e pelo 
homem, em um dado momento. Tudo isso supõe que as 
coisas sejam co�hecidas não apenas por seu valor absoluto, 
mas por seu valor relaciona!. 
As condições históricas então presentes permitiram a Marx 
.elaborar as �uas teses, que eràm ao mesmo tempo uma teoria 
éconômica,uma teoria social e política, uma teoria da nature­
za e uma ontologia. Màs estas mesmas condições históricas 
que fizeram com que Marx se tornasse o último dos econo-
. mistas clássicos, levaram, com o reforço do capitalismo e sua 
racionalidade, a que se entronizasse uma econorrúa neoclás­
sica, um afa'stamento da velha tradição, com a busca de uma 
ciência da economia, separada dá política, mas também do 
Homem, tranSformado numa média- o Homo economicus. 
São as idéias tiradas da economia neodássica e suas fontes 
filosóficas que vão informar outras ciências, incluindo a sepa-. 
ração brutal entre homem e natureza, que marca· tnuitos 
estudos de história, que domina a geografia e vai, depois, 
comandar a elaboração das .disciplinas espaciais. -
CIDADE E EÓJNOMIA POLITICA 
A circulação do's produtos,, das mercadorias, dos hon1ens e 
das idéias ganhou uma totál expressão, dentro do processo 
global de produção, que a urbanização passou a ser um dado 
fundamental na compreensão da economia. Houve, mesmo, 
um geógrafo, Reger Lee, a afirmar que. o "sistema urbano é a 
economia". 
118 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 
Quanto mais os territórios �ão cortados por estradas, tanto 
mais a produção e os homens se concentram em poucos 
lugares. A cidade é um grande meio de produção material e 
imaterial, lugar de consumo, nó de comunicação. Por isso, o 
entendimento do processo global de produção não se conten­
ta com a mera economia política, nem se basta com a Econo­
mia Política da Urbanização, exigindo uma Economia Políti­
ca da Cidade. 
Umâ coisa é a economia política da urbanização, que leva­
ria em conta uma divisão social do trabalho, que dá, com a 
divisão territorial do trabalho, a repàrtição dos instrumentos 
de trabalho, do emprego e dos homens na superfície de um 
país. A economia política da cidade seria outra coisa diferen­
te, porque seria a forma como a cidade, ela própria, se organi­
za, em face da produção e como os diversos atores da vida 
urbana encontram seu lugar, em cada momento, dentro da 
I "d d . c1 a e. . 
A verdade é que, um� e outrª, a eco�omia política da 
urbanização �a economia política d�s cidades, são insepará­
veis. Elas se distinguem de um ponto de vista analítico, mas 
são, de fato, inseparáveis, porque a urbanização não é apenas 
um fenômeno social, ou econômico, ou político, mas também 
um fenômeno espacial. Como toda e qualquer outra forma de 
repartição no espaço, é dependente da maneira como os 
instrumentos de trabalho e os fatores de produção se distri­
buem. Há, portanto, uma-relação de causa e efeito recíprocos 
entre a cidade, como ela se organiza materialmente, e a urba­
nização, como ela se faz. 
Nos dias atuais se tom�u praticamente impossível realizar 
um estudo global· aprofundado, extensivo e detalhado de 
:uma cidade. Primeiro, pelo tamanho que .. �dquiriram· esses 
enormes objetos; segundo, pela multiplici�ade de variáveis 
que influem na sua vida (locais, extralocais, de diferentes 
origens e qualidades) e, também, pela rapidez das transfor-
mações que conhecem. · 
Que fazer? Devemos nos limitar a fazer,estudos locais ou 
PORUMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 119 
nos repetir na senda de estudos setoriais ou parcelizados, 
como o das habitações chamadas subnormais, ou do feijão 
comparado com as horas de salário? S�m dúvida, tais estudos 
são necessários, mas, à proporção que nos aprofundamos em 
detalhes ou aspectos, menos capazes nos .tornamos de enten­
der este detalhe ou aspecto, já que não dispomos da noção do 
todo. Também aqui :não se entendem as partes sem o entendi-· 
mento do todo, e esse entendimento do todo urbano passa, 
hoje, pela econonúa política. 
A urbanização passa a exigir como método do seu estudo 
esta economia política. Na' realidade, se compararmos o que o 
Brasil é hoje com o que era há vinte anos, veremos dois 
aspectos pelo menos. Primeiro: as quantidades produzidas o 
são cada vez mais nas cidades, em algumas cidades; segundo, 
a vida de relações que era muito mais difusa se torna cada yez 
mais concentrada, graças às novas condições da tecnologia, 
das ciências e da organização. O espaço produtivo, propria­
mente dito, é cada vez mais a cidade, onde também as popu­
lações humana� se concentram mais. A cidade se torna ainda 
o meio de trabalho para a maior parte da população ativa e o 
meio de existência para a maior parte das pessoas. 
Para compreender a economia de um país, é necessário, 
pois, dar uma enorme atenção aos estudos urbanos �.buscar a 
metodologia mais adequada para captar a real significação 
da cidade, da rede de cidades, do territ<)rio e da nação. Como 
a história é, tambétn, a história da sucessão de divisões do 
tr.abalho, cabe reconhecer os níveis da divisão atual do traba­
lho e os restos das divisões do trabalho anteriores� Por outro 
lado, a análise de uma cidade, do ponto de vista da economia 
política, ·supõe, também, que os fatores estratégicos sejam 
levados em conta, o que permite identificar melhor o ,lugar 
real que tem cada ag�nte ou grupo de agentes, cada ação ou 
grupo de ações, no processo de desenvolvimento urbano,· a 
cada momento da história. 
Como tradicionalmente feitos, a geografia urbana e os 
estudos urbanos se tornam insuficientes, razão por que é 
120 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 
proposta análise em que a geografia urbana, o urbanismo e 
outras disciplinas do espaço, incluindo o espaço urbano, 
sejam objetos de análise que passe pela economia política. 
Uma economia pol�tica da cidade deve trabalhar com n_o­
ções clássicas, como a divisão do trabalho, as relações entre 
capital e· trabalho,_entre capital constante e variável, entre 
natureza e sociedade, mas, nos dias de hoje, deve tatPbém. 
incorporar outras categorias, como a questão do meio am­
biente construído e da socialização capitalistas, que projetam 
uma nova luz sobre os temas clássicos e exige a inclusão de 
outras problemáticas, como a da convivência, na cidade, de 
diversos subsistemas "capitalistas", e a emergência de noyas 
contradições com a globalização das metrópoles. O debate 
sobre valores de uso e valores de troca gariha, também, desse 
modo, uma nova dimensão. E todos esses temas, generica­
mente válidos, mostram-se sistematicamente concretos, quan­
do tratados no âmbito de uma determinada cidade, como� o 
caso de São Paulo. 
URBANIZAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO 
. / . 
A cidade - sobretudo a grande cidade - constitui um 
meio material e um meio social adequados a uma maior 
socialização das forças produtivas e de consumo. A vida 
urbana inquz à criação de meios coletivos, ainda que essa 
forma de socialização possa ser consideradal como no caso de 
rios e várzeas de São Paulo, como uma socialização contra­
ditória (0. Seabra, 1987, p. 225-68). 
A própria cidade física é condição da produção, com a 
privatização do uso das benfeitorias coletivas,. através de sua 
apropriação seletiva e, afinal, excludente. 
A socialização propiciada por uma rede diferenciada de 
firmas eugentes à disposição dos processos produtivos com­
plexos da cidade facilita o consumo até nas camadas mais 
pobres, possibilitanto a inserção na economia urbana de um 
número crescente de pessoas. 
POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 121 
Conforme J. Baudrillard (1970, p. b� �já afirmara, "da mes­
ma forma que a concentração industrial resulta em uma 
produção sempre crescente de bens, a concentração urbana 
resulta no aparecimento ilimitado de nec�ssidades: Ora, se os 
dois tipos de concentração são contemporâneos, eles têm( ... ) 
sua dinâmicÇl própria e não coincidem em seus resultados. A 
concentração urbana (e, por isso, a diferenciação) dá-se mais 
depressa que a produtividade. É o fundamento da alienação 
urbana. Um equilíbrio neurótico acaba por se instalar, em 
benefício da ordem mais coerente da produção- a prolifera­
ção das necessidades vindo're�uir sobre a ordem dos produ­
tos para nela se integrar bem ou mal". 
Referindo-se à grande cidade moderna, Lapidus e Ostra­
vianov (1929, 1978, p. 86) acentuam o fato de que "nela não é 
possível encontrar um único homem que satisfaça por si 
mesmo todas as suas necessidades, sem ter que contar com a 
ajuda alheia; nen1 um único homem que construa uma casa 
cmn materiais ·que ele próprio tenha fabricado, que con­
feccione ·ele mesmo sua roupa e produza por si próprio seus 
alimentos". E e�emplificam, de modo simples, o fenômeno 
da cooperação, lembrando essa verdade cristalina: "Como 
pode cada um, trabalhando em sua estrita especialidade, não 
1norrer de fome ou de frio? O que ocorre é que vivem numa 
estreita dependência; trabalham uns para os outros: a tecelã 
só pode passar a vida no tear porque o padeiro amassa o pão 
e porque o pedreiro constrói. É evidente que o padeiro não 
faz o pão apenas para ele, também o faz para a tecelã, e o 
pedreiro constrói casas para milhares de homens ocupados 
em outros trabalhos. Se este laço não existisse, a vida seria . 
impossível na sociedade urbana. 
Um dos primeiros a dar ateDção para o papel das cidades 
no processo de cooperação, G. Simmel, lembra que as rela­
ções e os interesses do residente típico da metrópole são tão 
manifestos e complexos que, �especialmente como resultado 
da aglomeração de tantas pessoas, com interesses tão diferen­
tes, seus iilteresses e atividades se entrelaÇam em múltiplos 
122 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 
organismos./Assim e por esse motiyo, a ausência de uma 
exata pontualidade nos compromissos e atividades levaria o 
todo a cair em caos intolerável. Se todos os relógios de Berlim 
desandassem por mais de uma hora, sua ·vida econômica e 
comercial seria descarilhada por algum tempo. 
Mais próximo de nós, Claude Pottier (1975, p. 18) insiste 
em que "a urbanização acentua á socialização das forças 
produtivas e da própria produção" e se refere ao fato de o 
Estado se encarregar "dos custos de reprodução ampliada da 
força de trabalho relacionada com o desenvolvimento. urba­
no, ainda que ele se esforce para limitar essas despesas que 
constituem um salário indireto para os trabalhadores". 
Mas a cidade em si mesma é um fator insubstituível de 
socialização já que somente ela, no dizer de F. Uribe-Echeva­
rría, "pode oferecer uma matriz ecológica capaz de tornar 
·possível o desenvolvimento de uma economia de intercâm­
bio e a posterior monetarização". Para esse autor, a concen­
� tração reduz o custo dos investimentos em infra-estrutura, 
gera economias externas e de escala e diminui os custos de 
transporte e comunicações, tudo isso perrilitindo ampliar a 
· escala do mercado. 
CIDADE E SOC:IALIZAÇAO CAPITALISTA 
Entenda-se por socialização capitalista a criação de capitais 
comuns, de meios coletivos à disposição do proce_sso produti­
vo. É sociajização pelo fato de que não são os capitais indivi­
duais que a devem empreender diretamente; é capitalista 
_ \ .. - porque os l?eneficiários são poucos, segundo uma hierarquia 
que' vem do seu_ poder enquanto capitalista, isto é, desua ca­
p acidade de utilizar produtiva e especulativarnente as ir:tfra­
estruturas financiadas por meio de impostos, com. o esforço 
coletivo, i? tO é, mediante a contribuição social. A socialização 
capitalista é, pois, e sobretudo, um processo de transferência 
de recursos da população como um todo para algumas pes­
soas e firmas. Trata-se, como dito antes, de um processo 
POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 123 
seletivo, que atinge diferentemente- os atores econômicos, o 
que faz do Estado um motor _de desigualdades, já que, por 
esse meio, favorece concentrações e marginalizações. 
Segundo Ch. Topalov 1974 "( ... ) a cidade constitui uma 
forma de socialização capitalista das forças produtivas. Ela 
mesma é o resultado da divisão-social do trabalho e é uma 
forma desenvolviçla de cooperação entre as urúdades de pro­
dução. Em outras palav�ras, para o capital, o valor de uso da 
cidade reside no fato de que é uma força produtiva, porque 
concentra as condições gerais da produção capitalista. Essas 
condições gerais, por sua vez, são condições da produção e da 
circulação do capital e da produção d,a força de trabalho". 
Lembra-nos Claude Pottier (1975, p. 42) que "a interdepen­
dência crescente das atividades e sua dependência acentuada 
em relação a fatores externos mostram, e� realidade, que a 
urb'ãrúzação reforça a socialização da produção, a qual, por 
sua vez, acentua a contradição entre as forças produtivas e a 
propriedade privada dos meios de produçã.o". 
A marcha do capitalismo é, também, a marcha para a 
socialização capitalista, graças à acentuação da divisão do 
trabalho e à necessidade, igualmente crescente, de coordena­
ção. A cooperação é a outra face da divisão d9 trabalho. 
-
As palavras cooperação e coordenação comparecem aqui como 
eufemismos.- O vocábulo exato-é controle, tornado necessário 
para que a máquina da produção continue trabalhando. 
As grandes cidades aceleram o processo, em virtude de, 
nelas, a divisão do tárbalho ser maior; e as grandes cidades 
dos países subdesenvolvidos o aceleram ainda mais, graças a 
diversos fatores. Entre eles está a rapidez. da expansão demo­
gráfica e da expansão territorial, ao tempo em que, no mesmo 
momento histórico, os capitais tendem a indivisibilidades 
ainda maiores. Essa tendêncià é agravada pela crise, facilitan­
do a formação de monopólios e oligopólios que se beneficiam 
da unificação do mercado, através da melhoria dos transpor­
tes e das comunicações. Esse território unificado é uma das 
condições da aceleração do processo migratório, que tange 
·-J 
v 
124 POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 
I 
milhares de pobres para as grandes cidades/Ás disparidades 
de renda_assim mantidas trazem, entre o}lttas, duas conse­
qüências . �··n prin1eiro lugar, ensejam a presença, nas gran­
des aglomeraç_ões, sobretudo dos mais diversos tipos de capi­
tal trabalhando juntos e, em segundo lugar, alimentam ·for­
mas de subemprego e desemprego, que contribuem para 
proiongar a presença de capitais nãohegemônicos, obrigados 
a conviver com formas mais avançadas de capital. É a respos­
ta, como socialização, ao processo de involução e fragtnenta-
ção da metrópole. , 
· Consideremos, também, um outro Jado importante: a crise, 
pelos seus componentes, como a inflação, a recessão, a intro­
dução de inovações tecnológicas e organizacionais, a seletivi­
dade do crédito e dos demais mecanismos financeiros, é 
instrumento de aceleração da socialização capitalista. 
O processo histórico conduziu a uma crescente centrali­
zação de decisões públicas, enfeixadas cada vez mais em 
mãos do poder federal, e a uma centralização das decisões 
privadas, enfeixadas cada vez mais em mãos dos grandes 
monopólios. 
As indivisibilidades aumentam, elevando pp.ralelamente a 
necessidade· de inversão pública para que se possam efetivar 
as diversas formas de sociabilidade metropolitana, e, ao mes.: 
mo tempo, as contradições entre capitais particulares e capi­
tais gerais e entre capitais individuais e capitais monopólicos 
se afirmam, exigindo ainda mais arbitragem entre interesses 
conflitantes. Foi desse modo que se tornou necessária uma 
participaçãó extremamente forte do Estado no processo de 
socialização cç:tpitalista. · · 
À proporção que a totalidade do território pode ser objeto 
do interesse especulativo de finnas nacionais· e transnacio­
nais implicadas na nova divisão internacional do trabalho e 
que o uso capitalista do território passa a exigir investimentos 
vultosos em capital fixo, os governos estaduais e municipais 
são raramente capazes de_ fazer face às despesas maciças 
assim requeridas. 
POR.UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 125 
O fato, evidente no Brasil, é, aliás, mais geral. A multina­
cionalização da economia consagrou, em todos os continen­
tes (e sobretudo nos sudesenvolvidos), uma participação cada 
vez maior dos estados federais ou centrais na coleta dos 
tributos e nas decisões concernentes à sua aplicação. Os esta­
dos federados pu províncias e os municípios to�nam-se cada 
vez menos capazes, seja de influenciar na formação dos "ca­
pitais fixos comuns" que possibilitam a instalação de novas 
atividades, seja de incentivá-las diretamente, segundo tuna 
lógica própr�a. Este é um aspecto pouco estudado (como tal) 
da divisão territorial do trabalho . 
. A DIVISÃO DO TRABALHO E O ESPAÇO CONSTRUÍDO 
A divisão do trabalho é uma das categorias fundamentais 
da economia política e é, também, uma das chaves para a 
explicação da distribuição, sobre a Terra, dos homens e das 
atividades. A história do mundo e de cada nação é, como já 
len1bramos, a história da _sucessão das formas de produção e 
da distribuição social e territorial das tarefas. As divisões 
sucessivas do trabalho ensejam uma deterriünada disposição 
dos objetos geográficos, dando-lhes, a cada momento, um 
valor novo. 
Toda análise uibana, para ser válida, deve apoiar-se em 
categorias que levem em conta, ao mesmo tempo, a generali­
dade das situaçõ�s e a especificidade. do caso que se deseja 
abordar. Julgamos que um instrumento adequado pode ser 
obtido através, de um lado, do estudo das· funções urbanas e 
sua redistribuição, em um dado momento, como resultado da 
• divisão social do trabalho e da divisão -territorial do trabalho 
e, de outro lado, do reconhecimento das condições preexis­
tentes, que incluem o espaço construído. 
As condições preexistentes, heranças de situações pas�a­
das, s·ão formas, isto é; resultam de divisões do trabalho preté­
ritas. As novas divisões do trabalho \Tão, sucessivamente, 
redistribuindo funções de tod� ordem sobre o território, n1u-
126 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 
dando as combinações que caracterizam cada lugar e exigin­
do um novo arranjo espacial. 
O prinápio da diferenciação entre os lugares, dentro de 
uma mesma formação social, é dado, sobretudo, pela força de 
inércia representada pelas heranças do passado, a começar 
pelo espaço construído, que acaba por ser um dado local, e 
pelos elementos de transformação, representados por uma 
divisão do trabalho que transcende os limites locais. 
Como a divisão social do trabalho e a divisão territorial do 
trabalho dependem, em proporção cr�scente, de decisões 
políticas, o presente e a evolução futura das cidades depen­
dem, em proporções semelhantes, do papel que, na econo­
mia, cabe ao atores do jogo político, segundo diferentes rú­
veis, e da forma como, respondendo a essas determinações, o 
espaço urbano é, a cada momento, reorganizado. 
Esse mecanismo é ainda mais sensível em grandes cidades 
como São Paulo, em virtude da importânCia que tem no 
volume global da produção do País. 
A importância desse tipo de enfoque sobressai tanto mais 
quando o Estado intervém, direta ou indiretamente, nas rela­
ções de trabalho, estimula de forma seletiva e freqüentemen­
te discriminatóriaas diversas atividades, estabelece os usos 
do solo, impondo regalias e interdições, e cria, até mesmo, 
zonas especiais, como os distritos industriais ou �s próprias 
Regiões Metropolitanas. Cada parcela do território urbano é 
valorizada (ou desvalorizada) em virtude de um jogo de 
poder exercido ou consentido pelo Estado. 
Uma análise urbana supõe, desse niodo, que todos esses 
fatores sejam levados em conta e deve permitir que se identi­
fique melhor o lugar real que ocupa cada agente ou grupo de 
agentes no processo de desenvolvimento urbano, a cada mo­
mento histórico. 
Nesse particular, deve ser corretamente ·considerado opa­
pel dos agentes internos e exterDos, ligados aos setores eco­
nômicos hegemônieos, bem como a capacidade maior ou 
menor de reivindicação das massas de trabalhadores. Por sua 
POR UMA ECONOMIA POlÍTICA DA CIDADE 127 
vez, esta capacidade também depende das condições em que 
se dá a divisão do trabalho e é, igualmente, função da sua 
localização no espaço urbano. Será uma simples coincidência 
que a fiscalidade haja favorecido, sobretudo nos anos 70, 
alguns murúcípios periféricos da cidade de São Paulo, onde 
se aglomera urna população trabalhadora estrategicamente 
colocada no espectro produtivo? Em São Bernardo do Cam­
po, Sa�to André e São Caetano, municípios contíguos, os 
níveis de atendiínento quanto aos serviços urbanos essen­
ciais tornaram-se elevados e, em certos casos, o eram ainda 
mais que no resto da aglomeração. Na Grande Rio, a disper­
são, em vários municípios, dos operários metalúrgicos e de 
outras categorias, parece anular sua capacidade de reclama­
ção eficaz, e o "centro" da aglomeração abocanha o essencial 
dos recursos públicos. 
Desse modo, todo perigo de uma análise simplista deve ser 
exorcizado. Dizer, por exemplo, que as cidades se põem 
sobretudo, ao serviço do capital é, apenas, um discurso. É 
indispensável chegar a uma classificação emrque os capitais 
presentes sejam distinguidos por suas qualidades e utili�a­
ções e os seus detentores sejam vistos em função do poder de 
que desfrutam. A proporção dos capitais fixados à terra se­
gundo sua idade técnica e características funcionais é, por sua 
vez, um dado indispensável à própria caracterização do espa­
ço urbano. E a população presente deve, igualmente, ser 
analisada por intermédio de uma classificação pertinente, 
que privilegie as relações com as características do espaço, 
como acima indicadas. Todas essas relações terminam por se 
defirúr como relações políticas, ainda que revistam formas 
econômicas, culturais ou outras. 
Por meio do estudo exclusivo da divisão social qo trabalho 
e, mesmo, da divisão territorial do trabalho, alcançamos ape­
nas uma economia política da urbanização. Mas esta é insuficien­
te para as tarefas de análise e do planejamento urbano e 
metropolitano. Uma economia política da cidade deve associar o 
conhecimento dos efeitos da divisão do trabalho sobre as 
128 POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 
condições locais do mercado - ton1ado em todos os seus 
aspectos- de modo a permitir a compreensão do que signi­
ficam o espaço construído e suas características, como dados 
concrétos da realização social e econômica e, também, como 
uma realidade em transformação. 
VALORES DE USO, VALORES DE TROCA, VALOR DIFERENCIAL 
DO ESPAÇO 
O uso da cidade pelos agentes econônucos e a disputa 
entre agentes para se assenhorearem de certas frações do 
espaço urbano ilustram, de um modo novo, o antigo debate 
acerca dos valores de uso e dos valores de troca. 
Interpretando o Marx da Contribuição (A Contribution, p. 
36), podemos entender o valor de uso a partir de cada ativida­
de distinta, aplicada a um material dado, para criar um uso; e 
o valor de troca �comó produzido pelo trabalho universal 
abstrato, realizado num quadro social não controlado pelo 
trabalhador (" labour which creates exchange-value is thus abs­
tract general labour", p. 29) e, t�cresccnte7se hoje, no Cílso de 
uma cidade como São Paulo, não controlado pela maioria 
das empresas. 
Ainda, segundo Marx, "embora os valores de uso sirvam 
às necessidades sociais e, assim, existam dentro de um qua·:. 
dro social (social framework), eles não expressam as relações 
sociais de produção", p. 28. 
Como valor de uso, utna mercadoria presta un1 serviço. 
Mas, como valor de troca, o que importa é o resultado alcan­
çado. Como valor de uso, uma mercadoria não é divisível à 
nossa vontade; essa é uma propriedade que os valores de 
troca podem ter (Marx, A Contribution, 1970, Progress, p. 37 
e 51). -
Pode-se pensar a terra urbana, o produto urbano do trabalho 
social, o espaço urbano como um valor de uso indivisível, 
criador de um valor de troca para as tnáquinas, os escritórios, 
as mútiplas atividades nele situadas? Ou, em outras palavras, j 
POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 129 
haver;:1 un1 valor de troca atribuído a uma máquina, un1 
escritório ou outra atividade, em função de sua localização 
sobre um locus que, em si mesmo, é um valor de uso? 
Nos dias atuais, ainda que sua teoria do valor continue 
inspiradora, torna-se impossível repetir, a respeito da cidade 
assim vista, a idéia de Marx, segundo a qual "( . . . ) o valor é 
independente do valor do uso particular do qual nasceu e 
pode ser incorporado em valor de uso da mesma natureza" 
(O capital, livro I, 3." parte, cap. 7, sec. 2). 
Com base na noção de valor de uso, a questão do envelhe­
cimento técnico de certas áreas do território urbano põe-se 
com ainda mais acuidade nas fases de rápida evolução tecno­
lógica. É o caso atual, agravado pela mundialização da econo­
mia. As exigências, quanto ao entorno geográfico, das gran­
des empresas transnacionais levam as cidades que as aco­
lhem à criação de novos espaços (valores de uso) indispensá­
veis à sua operação, desvalorizando, do mesmo golpe, outros 
subespaços prematuramente envelhecidos. 
O raciocínio de vários autores quanto à obsolescência das 
n1;.íquiníls pelo progresso té�nico, é 3plic;:1vel ao espaço ur­
bano. A cidade de São Paulo conheceu, desse modo, vários 
ciclos de renovação desde o início do século (Santos, 1990), 
adaptando-se, a cada modernização, aos novos reclamos do 
processo produtivo. Na verdade, porém, lembra Magaline 
(1975, p. 96-7), "o valor de uso dos equipamentos significa 
que o ritmo de obsolescência física ou moral? moral não 
depende apenas do ritmo autônomo do progresso técnico, 
n1as das condições diferenciais da 1 u ta de classe na pro� 
duÇão, segundo os ramos, as regiões, os países ou as fases da 
conjuntura" . A obsolescência é, pois, sócio-geográfica e não 
técnica. 
A cidade constitui, em si mesma, o lugar de um processo 
de valorização seletivo. Sua materialidade é formada pela 
justaposição de áreas dife�ntemente equipadas, desde as 
realizações mais recentes, aptas aos usos mais eficazes de 
atividades n1odernas, até o que resta do passado mais remo-
130 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 
to, onde s� instalam usos menos rentáveis, portadores de 
técnicas e de capitais menos exigentes. Cada lugar, dentro da 
cidade, t�m uma voc_ação diferente, do ponto de vista capita­
lista, e a divisão interna do trabalho a cada aglomeração não 
lhe é indiferente. Assim, às diversas combinações infra-estru­
turais correspondem diversas combinações supra-estruturais 
específicas. 
Quanto mais intenso o processo de divisão do trabaiho de 
que uma cidade é teatro, tanto maior será a sua subdivisão em 
subespaços particulares, organizados 'para servir como su­
porte às atividades correspondentes. Cada sublocalidade é 
mais bem utilizada quando há correspondência entre, de 
um lado, a forma física e a sua localização relativa dentro da 
cidade e, '""de outro lado, o seu uso possível. A cada nova 
divisão do trabalho corresponderá uma nova funcionaliza­
ção das atividadese dos lugares, com a disfuncionalização de 
alguns lugares e atividades. Quanto mais intensas e mais 
rápidas as mudanças (tecnológicas, organizacionais etc.), 
maiores os riscos de disfuncionamento. 
O processo de internacionalização das cidades ora em 
marcha acelera essa evolução, já que a vocação mundial das 
cidades as envolve num movimento cujo ritmo não é da­
do apenas pela própria· cidade, oq · seu próprio país, mas 
pelas exigências de uma competitividade cuja escala é pla­
netária. 
A mundialização das cidades, sobretudo nos países subde­
senvolvidos, deve levar ao agravamento da distância entre 
níveis de atividade: distância el)tre níveis-de capital, de pro­
dutividade, de .exigências quanto ao "entorno" materjal, de 
poder. Atrair ou manter atividades de ponta pode significar a 
utilização ainda mais disparatada e desig�al dos recursos 
públicos na criação ou reabilitação das chamadas condições 
gerais de produção. À propo�ção que as respectivas empresas 
produziram proporcionalmente mais emprego e mais recur­
sos fiscais, sua força política, ainda que baseada na chanta-
d , I gem, te� era a crescer. 
POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 131 
SISTEMAS HEGEMÓNICOS E HEGEMO�ÍZADOS, INTERDEPEND�NCIA E 
HIERARQUIA 
Ao risco de grande simplificação, a história do mundo 
capitalista poderá, talvez, ser resumida em três momentos 
decisivos. O primeiro é o da substituição da propriedade 
coletiva pela propriedade individual, baseada no trabalho-do 
seu proprietário; o segundo é o da dissolução da propriedade 
individual, baseada no trabalho do proprietário, e a amplia­
ção do número de empregados assalariados; e 0 terceiro é o 
da redução progressiva do número de verdadeiros proprietá­
rio§ privados dos meios de produção e do aumento da pro­
priedade socialr da· socialização dos -meios de trabalho, com 
r�dução progressiva do número de verdadeiros proprietários 
privados e do número relativo de assalariados. 
"Um capitalista sempre mata muitós�' (Marx, O Capital, 
livro I, parte VIII, cap. XXXII), ou, assim como se lê em Quem 
são os amigos do povo, de Lenin (1984, edição argentina da 
Livraria Anteo, Buenos Aires, 1972, p. 55): "Um capitalista 
elimina muitos outros". Para Marx, "paralelamente a essa 
concentração ou expropriação de muitos capitalistas por uns 
poucos, desenvolvem-se; cada vez em escala maior, a forma 
cooperativa do processo de trabalho, a aplicação tecnológica 
consciente da cjência, a transformação dos instrumentos de 
trab�tlho em meios que só podem ser utilizados em comum, a 
economia de todos os meios de produção, porque se utilizam 
como m�ios de produção do trabalho social combinado". 
Esse tema é, de algum modo, retomado por J. K. Galbraith 
(1973; p. 3), ao dizer que "na realidade, o modelo neoclássico 
não explica os mais importantes problemas de microecono­
mia de n<?.sso tempo. Esse poblema é o da explicação de por 
que temos um altamente desigual desenvolvimento entre in­
dústrias de grande poder de mercado e ind1Jstrias cujo poder 
de mercado é linútado, com o desenvolvinlento, que desafia 
toda doutrina, favorecendo grandemente as primeiras. · 
132 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 
"O erro 1nacroeconônúco tem sido, por seu turno, n1ais 
embaraçoso. Exceto em sua manifestação estritamente místi­
ca em um ramo da teoria monetária, a política macroeconô­
mica depende, para sva validade e exeqüibilidade, do merca­
do neoclássico. Este mercado, seja ele competitivo, monopo­
lístico ou oligopolístico, é a referência derradeira e autoritária 
/ ppra a maxinúzação do lucro da firma". 
Na verdade, conforme nos repete L. A. Navarro de Britto 
(1986, p. 9), "cada setor da atividade humana comporta rela­
ções de poder". Essa relação de depençiência sugere que "a 
existência de uma parte é condicionada por uma outra parte" 
(Angryal, 1961). É isso o que se dá na economia de mercado,' 
em que �o poder (no contexto das organizações) pode ser 
definido como a capacidáde-de uma organização para contro­
lar os recursos necessários...ao funcionamento de uma outra 
organização ( . . . ), ·es-ses recursos incluindo fatores tais como 
capital, finanças, materiais, terra ou trabq.lho ( . . . ), e isso leva 
algumas empresaª a empreender ações que de outra forma 
não realizariam" (M. J. Taylor e N. J. Thrift, 1982, p. 1.604). 
Esse é outro aspecto da socialização capitalista, tanto mais 
realçado na cidade quanto maior a concentração da econo­
núa em certos ramos, como no caso de São Paulo. 
Nessas grandes cidade$, a atividade social e econômica é 
formada por sistemas interdependentes. Esse ''trabalho com­
binado e dividido", a que Marx já aludia ao falar da coopera­
ção, forma o que Lorenzo Calabi chamará de "ciclos totais 
de produção cada vez mais fntegrados entre si e·tnais distri­
buídos". 
A vida urbana, e sobretudo metropolitana, teria de ser 
analisada como o resultado da interação desses sis temas de 
ação deliberada. Isso suporia, em cada caso, reconhecer quais 
são e como são tais sistemas, reconstituindo séu processo de 
formação, sua metodologia de ação prática, a hierarquia exis­
tente entre eles e as repercussões dessa hierarquia, .isto é, 
desse sistema de interdependência assimét_rico sobre o pró­
prio funcionamento da cidade - da economia urbana, mas 
POR UMA ECONOMIA POLfTICA DA CIDADE 133 
tan1bén1 da economia regional e nacional . Há, no dizer de 
Lojkine (1977, p. 145), uma cooperação interna às firmas e 
uma cooperação externa situada no corpo social, nas cidades 
e espaços mais amplos, como um resultado da "necessidade 
técnica da socialização" e da "necessidade social da con­
corrência" . 
É evidente que tais sistemas não são do mesmo nível. Há, 
para cada caso, e segundo os momentos, sistemas hegenzônicos 
e sistemas suba! ternos. Os primeiros são condições externas de 
funcionamento dos segundos. Segundo C . Pottier (1975, p. 4) 
e Delilez (1970, p. 14), "a socialização da produção e das 
fqrças produtivas provoca novas condições de desvaloriza­
ção do . capital. Controlando as redes interdependentes de 
negócios, os monopólios podem obrigar o pequeno capital a 
se integrar em sua esfera, apesar de apenas obterem uma 
pequena remuneração. Mesmo se as condições internas de 
rentabilidade são reunidas, o pequeno capital não pode dis­
pensar as relações externas que. tendem·a se combinar em un1 
único sistema (relações de mercado, crédito, financiamento) 
ligado aos grupos financeiros" . 
. Os sistemas públicos de ação deliberada agem em· conju­
gação com os sistemas privados de ação deliberada. Assim, 
a despeito de sua autonomia nominal, eles se confundem 
no resultado alcançado. Mas sua interação é raramente si-
métrica. -
· 
Engels (Anti-Dühring, p. 323) falava da anarquia da pro­
dução socializada, resultado da organização própria a cada 
firma em particular. Prevalecerá, ainda hoje, essa noção de 
anarquia da produção, mediante a concorrência desenfreada e 
capitalisticamente necessária entre capitalistas individuais? 
Não se trataria, agora, de uma interdependência assimétrica, 
unilateralmente ordenada pelo subsistema mais hegemôní­
co? E os capitalistas não-hegemônicos não recriariam, por 
sua vez, essa anarquia? 
Nesse quadro de interdependência, os subsistemas econô­
micos presentes na cidade são igualmente sistemas de poder, 
134 POR UMA ECONOM�A POLfTICA DA CIDADE 
ainda que não sejam assim considerados na sistemática .com a 
qual se produzem as leis e regulamentos que regem a evolu­
ção e a vida urbanas. 
Nas Regiões Metropolitanas se trabalha como se o poder 
_ fosse somente o·Estado, o município ou as entidades regiona_is. 
Todavia, o poder efetivo que se realiza sobre a atividade e os 
cidadãos, que muda as posições dos atores da economia e 
altera as posições dos próprios cidadãos dentro da Região 
Metropolitana, vem, en1 grande parcela,das firmas dominan­
tes. Faltam, todavia, análises sobre o comportamento destes 
verdadeiros sistemas privados de poder, que agem como se 
fossem instituições públicas. A carência de conhecimento 
desses processos concretos reduz a possib,Jlidade de introdu­
ção desse dado na elaboraçãolegislativa e dos planos urbanos . 
QUESTÕES DE PLANEJAMENTO 1 : 
CAPITAL GERAL E CAPITAIS PARTICULARES 
É norm:al que tim enfoque de economia política sobre a 
problemática atual da cidade deva privilegiar a questã.o do 
capital geral e dos capitais particulares e a sua relação. 
· Conforme vimos, o Capital Geral, que é Capital Social 
representado pela cidade como um todo realmente indivisí­
vel, é cada vez mais. apropriado seletiva e privatisticarnente. 
Corno o acesso a este Capital Geral não é o mesmo, não 
apenas entre os que dispõem de capital e os que., não têm · 
nada, mas ta�bém entre as diversas frações de capital pre­
sentes na cidade, a seletividade de uso resultante implica 
uma agravação das desigualdades odginais. Esse mecanismo 
significa mais concentração em benefício de alguns e mais 
marginalização e, mesmo, exclusão para muitos. Trata-se de 
urn movimento cumulativo, reforçado pelas condições atuais 
da econonúa mundial . Afinal, através de fatores externos, 
como tecnologia, gerenciamento e marketing importados, in­
teresses -externos podem melhor utilizar o resultado acumu­
lado do trabalho coletivo das sociedades locais . 
POR UMA ECONOMIA POlÍTICA DA CI DA DE 135 
Chegamos, assim, a uma era em que o produto acumulado 
do trabalho de todos, representado por esse Capital Social 
que é a cidade, é cada vez menos possível de ser u tilizado 
pelos membros da sociedade local, e cada vez mais por a teres 
forâneos, que não contribuíram para a formação desse C�pi­
tal Geral que_é o Espaço Urbano. Mesmo as firmas con1 acesso 
às manivelas de controle da gestão pública não utilizam da 
mesma forma esse Capital Geral . Aliás, a crise atual dos 
países subdesenvolvidos mais avançados também se explica 
pelo fato de que, com a exceção das empresas muito grandes, 
os chamados capitais nacionais têm menos possibilidades no 
uso desse recurso social que é a cidade, e desse Capital Geral 
extraem uma mais-valia menor. Como vemos, a relação entre 
capitais particulares e o Capital Geral não mais apenas se dá 
através das máquinas, como a seu tempo pensava M<trx, mas 
através do Espaço Urbano, a tecnoesfera, a natureza tecnici­
zada das cidades, o "meio ambiente construído", no dizer de 
D. Harvey e de outros . 
À proporção que a produção exige equipamentos urba­
nos especializados, isto é, espaços especificamente organiza­
dos, não apenas o uso, mas também a produção do Capital 
Geral se tornam cada vez mais inigualitários e tanto mais 
desiguais quanto mais um país adota uma política voltada 
para o mercado externo, cuja lei é estranha às necessidades 
reais do país. A competição em escala mundial introduz uma 
lógica internacional que exige um esforço maior de produti­
vidade. Esse esforço exige adequação ainda mais clara do 
espaço às necessidades das firmas dominantes. Como as gran­
des firmas baseiam sua atividade na previsão, a necessidade 
de planejar para atender aos seus reclamos torna-se impe­
rativa, o planejamento urbano sendo chamado a participar 
dessa tarefa. 
Em nome da estabilidade, do equilíbrio da balanç<t con1er­
cíal e de pagamentos, do crescimento e da competi tividade, o 
planejador é, cada dia, convidado a encontrar os meios e as 
formas de transformar o Espaço Urbano, de modo a permitir 
1 36 POR UMA ECON01vliA POLÍTICA DA CIDADE 
que as fi rmas mais poderosas possan1 melhor utilizá-lo em 
seu próprio proveito. 
A alteração no valor específico das diversas frações do 
espaço tem um impacto sobre a economia moderna, aumen­
tando a concorrência e a distância entre as firmas, mas tam­
bém influi sobre o resto da sociedade e economia, pelo fato de 
que aqui lo que se tornou deseconomia urbana para uns é a 
própria economia para outros. Isso é evidente nàs grandes 
cidades. São as chamadas deseconomias que viabilizam a 
chegada e a permanência dos pobres e de atividades pobres 
nas grandes cidades. Entramos, assim, num círculo vicioso 
perverso, pois, desse modo, o Capital Geral será apropriado 
ainda mais seletivamente e ainda mais privatisticamente. 
Assim as desigualdades aumentarão e, por isso, se imporão 
novas necessidades de planejar, para eliminar dese'conomias. 
Por conseguinte, novas economias se criarão, alargando a 
cidade, o que; por sua vez, criará ' novas desigualdades e, 
conseqüentemente, novas necessidades de um planejamen­
to agora reclamado para conduzir a expansão e a reforma 
da cidade, a fim de viabilizar, outra vez, as grandes firmas: 
novas deseconomias, novos planejamentos, e assim por 
diante. 
É dentro desse quadro que se deve examinar, por exemplo, 
no caso do Brasil, a razão pela qual as chamadas Regiqes 
Metropolitanas não apresentam muito mais do que a amplia­
ção da escala administrativa indispensável para viabilizar 
urn capital que, por sua vez, ampliava sua escala. As Regiões 
Metropolitanas encarnaram as respostas da planificação às 
necessidades emergentes de um capital mais vasto, que ne­
cessitava de novas condições de produção e de uma circula­
ção mais rápida, isto ·é, da transformação ri).ais rápida do seu 
- produto em consumo, em mercadoria, em capital realizado. É 
assim que as chamadas Regiões Metropolitanas vão resólver 
alguns d os problemas das grandes firmas, mas habitualmen­
te são impotentes diante dos problemas da população. 
As entidades chamadas Regiões Metropolitanas surgem, 
POR Ulv(A ECONOtvfl A POlÍTICA DA ÇIDADE 1 37 
pois, con10 solução para viabilizar um capital que ganhava 
uma enorme dimensão e necessitava prevalecer-se de regula­
mentações específicas, · além da criação de espaços exclusivos 
para certas atividades e de espaços exclusivos para certos ho­
mens, espaços adrede preparados para certas utilizações e 
não para outras; para certas classes de hornens � não pa ra 
outras. 
Dentro desse mesmo ponto de vista, podem,.se analisar 
realizações como os Projetos Cura e programas de viabiliza­
ç_ão de transportes, que desvalorizam prematuramente certos 
terrenos, enquanto revalorizam outros. Os Projetos Cura fize­
ram parte de um projeto mundial de revitalização urbana, 
que acaba por levar à expulsão dos pobres dos centros das · 
cidades, en1 benefício de camadas restritas da sociedade. 
Mais uma vez o capital social da cidade -é usado diferente­
mente pelos diversos capitais particulares. o· problema da 
habitação popular também se inclui nesta ótica, e, por isso, se 
submete, nas suas soluções, às oscilações de conjuntura e não 
às necessidades estruturais e permanentes da população; o 
comando fica com o mercado especulativo é não com a pro­
blemática da habitação. 
Desse modo, o·que impropriamente é chan1ado de equipa­
mento coletivo, consagra e impõe uma divisão do trabalho 
cada vez mais húqua, dentro da cidade. Há uma repartição 
desigual dos lucros, dos riscos e das perdas, ligada a diferen­
ças de poder político na dete�minação da escolha dos equipa­
n1entos públicos e de S\J.a localização, e a diferenças de poder 
econômico, levando a diferenças no uso efetivo desses equi­
pamentos. A distinção entre uma e ou tra forma de poder é · 
uma hipótese puramente didáticé\, -
O papel do planejamento não pode ser ocultado en1 todo 
esse processo, sobretudo quando influem certas firmas con­
sultoras, de inthnidade notória com grandes empresas es­
trangeiras e nacionais, chamadas a aconselhar os organismos 
estatais de planificação. O planejamento, por isso mesmo, 
tem sido uma atividade ·a reboque, quando utilizado ·para 
138 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 
buscar uma sol ução casuística para as dificuldades do capital. 
Pode-se falar, assim, como resul tado, num enriquecimento 
planejado pelos que enriquecem, mas também planejado pe­
los planejadores do espaço? Nesse caso, poder-se-ia falar, 
também, num empobrecimento planejado. Mas aqui os po­
bres não têm voz no processo: são apenas as vítimas. 
A teoria subjacente a es te planejamento é toda ela, ou 
quase toda, muito mais uma ideologia que uma teoria. De 
teoria tem apenas a fórma, não é baseada na realidade vivida, 
. e- o resultado de sua aplicação é o oposto de suas protnessas. 
Sendo ideologia, porém, é responsável pela construção de 
novos espaços e pela reformulação do espaço urbano a tual. 
Fala-se muito, por exemplo, para explicar as localizações, que 
o princípio das relaçõ�s in terindustriais comanda a eficiên­
cia, reduzindÓ custos. Para isso, economistas e planificadores 
se esmeram no traçado de quadros de insumo-produto que 
apenas arranham o corpo da questão, tratando-a sem pro­
fundidade. 
Ora, o que hoje reahnente atribui maior possibilidad� de 
1 ucros às empresas é a importância do seu acesso efetivo ao 
Capital Geral, que é, de um lado, a cidade como um todo 
e, de outro, as frações do território urbanó preparadas para 
seu uso: As teorias com que se trabalha âinda hoje, como 
essas famosas teorias das relações interindústriais, e tantas 
ou tras teo�ias de localização e de crescimento, olvidam esse 
fato essencial dos nossos di9-s: a verdade gue o lucro na 
produção é, em grande p arte, obtido graças às condições que 
se preparan1 e se entregam de mão beijada · às firmas interes­
sadas. Uma grande firn1a que s� localiza numa grande cidade 
servida por instalações que facilitam o seu trabalho está fada­
da a um lucro mu ito maior do que a que se dirige a u�a outra 
cidade que não dispõe desses equipamentos . E, na mesma 
cidade, as possibilidades de lucro - de realizar mais-valía ­
são diferentes em função das diferenças de uso da cidade 
peÍas diferentes firmas. Pela sua localização, certas empresas 
fazem circular rapidamente sua produção, mas ou tras há que-
POR UMA ECONOM IA POlÍTICA DA CI DADE 139 
não podem, sequer, mudar de lugar e se sujei tam, por exem­
plo, aos engarrafamentos e outras restrições de uso, vendo 
reduzida a sua fluidez, indispensável num mundo em que a 
economia é sobretudo uma economia de fluxos. 
Daí os zoneamentos espe�iosos, a implantação generosa 
de infra-estruturas especializadas e sob medida, o aproveita­
mento da luta em defesa . do meiq. ambiente nun1 objetivo 
mercantil, a criação com o dinheiro público de Distri tos In-
. dustriais que vão beneficiar certo tipo de indústrias e não 
outras. Há toda uma teoria de planejamento baseada em 
noções desse estofo, e a própria idéia de economias externás 
não lhe é estranha, apesar do fato de que, numa economia 
internacional mundializada, comandada por fatores políticos 
e largamente baseada no trabalho intelectual (ambos agindo 
freqüentemente de fora), as chamadas economias externas 
para as maiores firma.s perdem poder explicativo numa teo­
ria locacional, porque essas economias �xternas são preci­
puamente exógenas. As localizações são cada vez mais co­
mandadas, de um lado, pelas leis do Comércio Internacional 
e pela presença ·do Capital Geral ne_cessário, por outro. 
Pode-se, num mesmo pacote, incluir as noções de econo .. 
núas e de deseconomias de aglomeração, pois nas cidades 
atuais vivemos ciclos sucessivos de in viabilização e de revia­
bilização das infra-estruturas. Esses ciclos de inviabilização e 
de reviabilização são cada vez mais. rápidos - basta exami­
nar a história de qualquer grande cidade brasileira. Olhem­
se os três anéís que circundam hist()ricamente a cidade do 
Recife: veja-se que tempo levou para ser construído o primei­
ro dos anéis; e compare-se com o lapso, muito n1ais curto, 
para realizar o segundo; e que tempo curtíssimo para concluir 
o terceiro. Veja-se a expansão dos "centros" da cidade de São 
Paulo. 
. 
A verdade é que, hoje, esses ciclos sucessivos de viabil iza­
ção, de in viabilização e de reviabilização à tinge as estruturas 
produtivas propriamente ditas, as estruturas de transportes e 
comunicações, e mesmo as estruturas administrativas. Tam-
140 POR U MA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 
bém as estruturas políticas passam por este processo de in­
viabilização e reviabilização. Tudo isso é feito em nome de 
ideologias como a do progresso; do crescimento, do desen­
volvimento, da modernização e da competitividade . E sem­
pre benefi cia muito mais a alguns do que à maioria. 
A atividade coletiva sempre supôs a criação de .um Capital 
Geral, ·suporte do esforço coletivo diferenciado. Mas, desde a 
irrupção do capitalismo, o processo conheceu uma evolução 
característica. De início, quando a natureza era pouco modi­
fica da pelo homem, ela era socialmente transformada, so­
ci almente possuíd a e socialmente apropriada� Hoje, diante 
da natureza artificializada das cidades, o Capital Geral pro-
. duzido colet�v?-mente · é gerido em nome da coletividade 
que o produziu, mas nãõ é mais socialmente possuído, e , 
está exclusivamente a ser\riço de alguns. Sua apropriação 
efetiva e seu uso efetivamente produtivo são seletivos. Isso 
atribui, na cidade, uma signi ficação diferente, específica, di­
ferencia l a cada indivíduo, a cada grupo, a cada firma, a cada 
instituição e, ao mesmo tempo, a cada distrito, a cada bairro, 
a cada rua. 
· 
As infra-estruturas, as benfeitorias, enfim, o Capital são 
teoricamente de propriedade social, mas o solo. é de proprie­
dade privada. O valor do solo e do que ele contém é determi� 
nado, pela totali dade dos atores, para cada qual dessas infra­
estruturas . Estas, desigualmente distribuídas pelo território 
(seja quantitativa, seja qualitativamente), valem em função 
do que autorizam fazer ou não fazer, produzir ou não produ­
zir, produzir de uma forma ou de outra, produzir com tal ou 
qual lucro. O problema do solo criado, que apaixona a coleti­
vidade intelectual e de negócios no Brasil de hoje, ten1 que ser 
examinado nesta ótica. Pode-se imaginar que a instituição 
dessa figura, o solo criadd, mudará algo na dinâmica urbana, 
se o valor real do solo é função das benfeitorias especializa-
. das que se implantam no território para viabilizar algumas 
atividades e, conseqüentemente, inviabilizar outras? Haverá 
u tna apropriação privada e al tamente seletiva do potencial 
POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 1 4 1 
que tais acréscimos representam, e tal seletividade não é 
natural, mas artificial. No caso, isso vai muito além do sim­
ples jogo de mercado e da especulação, porque a seletividade 
é planejada. O valor de cada fração do esp aço, determinado 
em função do todo, em virtude da indivisibilidade real desse 
Capital Geral representado pela cidade - mercadoria indivi­
sível ...:.... é, na realidade, imposto pela fração da sociedade e da 
economia que dispõe de poder para indicar uma determina­
da escolha dos equipamentos a instalar, e tambén1 p ara indi­
car qual a melhor distribuição desse Capital fixo no território. 
Essa também é, de mui tos pontos de-vista, a posiçã9 de Mark 
Gottdiener, e1n The Social Production of Urban Space, Universi­
ty of Tex�s Press, Austin (�1985-1988). 
Os impropriamente cham�dos Bens de Consumo Coletivo 
são, sobretudo, esse Capital Geral apropriado legalmente, 
estatutária ou especulativamente, pelos capitais parti culares. 
Esses bens de consumo coletivo que são o Capital Geral são 
cada vez n1ais planejados, para que seu uso seja discrinünató­
rio: a água, os esgostos, a eletricidade, que existem abundan­
temente nas cidades, mas que não .estão ao alcance de todos; 
os telefones, as estradas, os transportes, mas tambén1 - e isso 
é cruel - a saúde e a educação. Esse movimento não é de 
nenhum modo espontâneo, mas baseado nup1a id eologia 
apresentada comose fosse uma teoria: a teoria da planifica: 
ção, como praticqda pelos feçnocratas. Mas, entre os que 
praticam essa ideologia perversa, podemos talve� distinguir 
duas categorias. Primeiro: os que estão conscientes do seu 
trabalho de manipulação das crenças, tanto populares quanto 
dos letrados, e pregam a criação, nas cidades, de uma Inate­
rialidade a serviço dos grandes interesses. Segund o: os que 
são vítimas ao mesmo tempo da ideologié\ e da materialidade 
que ajudan1 a criar. Pode-se, a respeito destes últimos, dizer, 
como Lenin, que "os piores culpados são os culpados de boa 
fé" . �1as, também, pode-se pensar que a sua prática é revela­
dora e que uma outra maneira de encarar a cid ade e seüs 
problemas é possível. 
142 POR UMA ECONOMIA POLfTICA DA CIDADE 
QUESTÕES DE PLANEJAMENTO u: 
ESTADO NEOLIBERAL E POLfTICA SOCIAL DA CIDADE 
A questão da política social das cidades deve tornar-se, 
nos próximos anos, uma questão crucial, à proporção que se 
afirmem as tendências à instalação de· um Estado Central 
neoliberal e aumentem as pressões das populações empobre­
cidas por melhor atenção do poder público. 
Um primeiro problema seria o de saber a quem incum­
be essa "política social", se ap�nas às respectivas cidades ou 
se, também, aos J.1Íveis mais elevados da jurisdição territo­
rial: Região Metropolitana, Estado federado, União. Um se­
gundo problema é o da definição do que se pretende dizer 
com ess� expressão, se o caso mais amplo que envolve todo o 
espectro de necessidades mínimas da vida social a que os 
indivíduos mais pobres não podem, por eles próprios, res­
ponder, ou o quadro mais restrito dos chamados serviços 
sociais. 
Cabe, em primeiro lugru, mesmo se não pod�mos quan­
ti ficar a si tuação, fazer o registro das carências existentes, 
localizar-lh�s as causas mais próxi�as �- tentar a discussão de 
sua problemática, no nível de suas causas mais gerais. ' 
Numa" metrópole como São Paulo, a mais dinânúca do 
Brasil, em que os recursos próprios dos 38 municípios que 
a forman1 são relativamente elevados (o município de São 
Paulo tem o terceiro orçamento público da Nação, somente 
precedido pela União e pelo Estado de São Paulo), questões 
como a moradia, o saneamento, o transporte, a educação, a 
saúde e a segurança estão, ainda, muito longe de ser resol­
yidas, para não falar de outros problemas como os da ali­
mentação e do lazer. A chamada "dívida social", quanti­
ficada pelos "déficits", é imensa e o horizonte para sua so­
lução é longínquo, pfaticamente inalcançável, nas condi­
ções atuais. 
A questão é estrut�ral. Seu entendimento passa pela histó­
ria social, política e territorial recente da sociedade brasileira 
POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA C I D A D E 143 
c.omo um todo e as formas de inserção do País na economia 
mundial e suas conseqüências internas. 
A vontade de desenvolvimento implantada nos anos 60 foi 
acompanhada de um n_:l.odelo político centralista e au toritá· 
rio, de um modelo econômico extravertido- e de urn modelo 
social i'negalitário, servidos por um modelo terri torial (im­
plantação de infra-estruturas e sistemas de engenharia), arti­
culado com esses três outros modelos. Esses quatro modelos 
se integram e .retroalimentam, criando novas configurações 
sóCio-espaciais e contribuindo para ampliar as desigualda­
des· sócio-econômicas, tanto do ponto de vista da produção, 
quanto do consumo. · 
A partir de um equipamento seletivo d� território, dá-se 
uma. urbanização corporatíva rapidamente crescente e des­
pontam metrópoles e cidades corporativas, onde, de um lado, 
a modernização do meio ambiente construíd o fa vorece as 
grandes empresas e, de outro, o êxito das reivindicações dos 
grupos soCiais vai depender de pressões corporativas. Nessas 
condições, parcela importante dos recursos públicos se dirige 
a um equipamento urbano seletivo, do interesse _d., economia 
hégemônica e das camadas sociais hegemônicas. 
Como o processo de modernização é rápido, acompanhan­
do o processo também rápido de crescimento urbano (demo­
gráfico e espacial) e de inserção na economia interna cional, os 
custos são elevados e devem ser incor!idos em prazo curto, 
de modo que os problemas sociais passam a ser tra tados de 
modo residual. A crise econômica, redu zindo a chegad a qe 
recursos externos e atrofiando as receitas internas, leva ao 
agravamento da questão social, à qual, entretanto, fal ta uma 
política. · 
O problema nã.o pode, entretanto, ser en tendido com ape­
nas eEses dados da economia. Um outro dado fund amental é 
a ampliação de uma classe média "privatista" sob a pressão 
de um modelo de produção-consumo exclusivista, enquanto 
se alarga a pobreza em condições de não cidadania agravada 
pela duração do regime autoritário. Assim, no período do 
1 44 POR U M A ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 
"milagre econômico" (isto é; até meados ou fins dos anos 70), 
a classe média se contenta com a solução /lprivada'' de pro­
blemas básicos como a educação e a saúde, revigorando a 
ideologia do usuário e do consumidor em detrimento da 
idéia de cidadania e passando para as camadas mais pobres 
essa 1nes1na · ideologia consumista, que iria robustecer boa 
parte dos tnovimentos sociais. 
A pressão sobre o poder público para a implantação de um 
p lanejamento social autêntico era, desse modo, enfraquecida, 
abrindo ca mpo ao revigoramento de formas diversas de as­
sistencialisrno, a l i lnentado, ironicamente, através do eleito­
ro l ismo. Como �l redemocratização (incompleta) do PaJs é 
acotnpanhada pela pregação do modelo político neoliberal e 
o início de sua instalcH:- �h: P fetiva, ao mesmo tempo em que a 
crise econôtnica se ag1 d v ,1., cabe perguntar de que mogo e 
com que possibil idades e recursos pode ser tentado um pla- . 
nejamen to social abr<i :· : 
No caso particular dt.. ...>ctJ Paulo, e sobret�do com a presen­
ça de uma administração progressista, algo tem sido tentado, .· 
os principais esforç·os orientados para a con5tTução de casas 
populares, da melhoria do transporte públi�o, da subvenção 
direta ou indireta à alin1entação (a chamada merenda escplar ­
nas escolas municipais · e a venda de alimentos a preços mais 
bara tos) e na saúde, com o equipamento dos · hospitais e 
postos de assistência exist�ntes e a instalação de .novos . Boa 
parte dos recursos vem do Governo Federal, o que é causa de 
constantes trans tornos. na execução dos programas, quando 
há descontinuidade no fluxo das verbas da União. 
Esse qu0dro coloca duas questões graves: a primeira é a da 
relação entre uma política neoliberal no plano federal e a 
possibilidade de uma política social rio plano municipal; a 
segunda é a redi stribuição dos poderes e recursos e das 
prerrogativas e tarefas, entre as diversas escala� territoriàis 
de poder, is�o �' as bases da própria reformulação da Federa­
ção, ambas charnando a a tenção para a revisão cons �it1;1cional 
prev ista para o ano de 1993 . . . . 
POR UMA ECONOtvllA ,roLfTIC A DA CiDADE 145 
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