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MILTON SANTOS POR UMA-ECONOMIA POLÍTICA DA CibADE: / O Caso de São Paulo Profº Fábio Contei FLG565-Geografia Urbana 11 Texto Ô I "( b Cópias · EDITORA HUCITEC _ eclu� - editoro do puc-sp São Paulo, 1994 5 , I Por uma !conoinia política da cidade ESPAÇO E ECONOMIA POLlTICA A expressão economia política comporta múltiplas defini ções. Podemos, entretanto, admitir, simplificadamente, para os fins que aqui nos interessam, que o seu objeto é o estudo. da produção, de suas condições de realização e de suas conse qüências diversas, como o resultado de um jogo complexo: em última análise, temos, de um lado, o funcionamento do capital e, do outro lado, o funcionamento do trabalho. Esse jogo tanto se dá de forma espontânea, quanto de forma regu lada, ainda que a ação do mercado e a do Estado raramente se excluam. A econonúa política não pode prescindir do dado espaçial. O espaço pode ser definido como o resultado de uma intera ção per�anente entre, de um lado, o trabalho acumulado, na forma de infra-estruturas e máquinas que se superpõem à na tureza e, de outro lado, o trabalho presente, distribuído sobre essas formas provenientes do passado. O trabalho inorto� sobre o qual se exerce o trabalho vivo, é a configuração geográfica e os dois, juntos, constituem, exatamente,' o espaço geográfico . Aliás·, a noção de uma economia política incapaz de ser feita sem o espaço estava bem presente nos séculos XVII e XVIII e era praticada por autores diversos, tanto fisjocratas quanto liberais. É o caso de Jean Bodin, Montchrétien, Wil liam Petty, Cantillon, Quesnay, Galiani, Steu�rt e o próprio Adam Smith, entre tantos outros. Todos eles, em sua Econo- 116 POR UMA ECONOMIÃPOLlTICA DA CIDADE mia, que -era, ao mesmo tempo, uma Economia Política, leva ram em conta o espaço. Adam Smith dedicou o seu tratado às causas de desigual dade entre nações, e Ricardo, ao comparar as vantagens da produção de vinho e de tecidos, em Portugal e na Inglaterra, oferecia o mais clássico �xemplo de vantagens comparativas ligadas à geografia. William Petty já se preocupava com o que hoje chamamos de "cinturão verde", áreas agrícolas em torno das cidndes d.estinadas a garantir um abastecimento mais seguro' às aglomerações. Vauban conhecia o valor das estra das no processo produtivo e, desse modo, foi um bom plane jador regional, ao decidir do traçado dos caminhos entre a França e os países vizinhos. Ele também se preocupava com a preserváção da população e a defesa de. Paris, em caso de guerra ou calamidade. A cidade, que desperta também o interesse de Condillac, vai permitir� Adam Smith a indaga ção de por que os salários, os lucros e a renda não são . os mesmos em todos os lugares; ele também se preocupou com o que hoje tratamos como sendo o sistema de cidades. É, de alguma forma, o cas·o.de William Petty, quando, a propósito de Londres e de seu tamanho, aventa as duas possibilidades seguintes: deixar que continue a crescer ou envidar meios ' para a distribuição de sua força com outras localidades. Esse .enfoque antecede, pois,. a Geog.rafia como disciplinél independente. Então, os· economistas se preocupa:v�m, na análise das questões do .seu interesse, com a multiplicidade das causas. O espaço não podia.estar fora de su�s análises, do mesmo modo que outros aspectos da re�dade física e da vida social. Montchrétien e William Petty referiam-se ao con teúdo político explosivo das cidades injustas, onde o cidadão não era supremo. Todos esses àutores eram, desse modo, e avant la lettre, interdisciplinares, muito deles sendo, ao mes mo tempo, filós_ofos. Étienne Bonnot de Co�dillac, discípulo de Locke, publicou, em 1746, um livro intitulado Ensaio soLre a origem dos conhecimentos humanos (Essai sur 1' origine cot ) naissances huiriaines ) . l . j POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 117 Os economistas dos séculos XVII e XVIII tinham etn mente essa "natureza segunda", modificada pelo trabalho hunlano.- Essa busca, à qual Adam Sm.ith e Ricardo deram um impulso fundamental, culmina cóm Marx, cujo método procura tor nar explícitos para abarcar o movimento da sociedade como um �todd: a natureza como corpo orgânico do homem; o homem como resultado das suas relações com outros homens e com a natureza; a produção como um dado fundamental das funções exercidas conjuntamente pela natureza e pelo homem, em um dado momento. Tudo isso supõe que as coisas sejam co�hecidas não apenas por seu valor absoluto, mas por seu valor relaciona!. As condições históricas então presentes permitiram a Marx .elaborar as �uas teses, que eràm ao mesmo tempo uma teoria éconômica,uma teoria social e política, uma teoria da nature za e uma ontologia. Màs estas mesmas condições históricas que fizeram com que Marx se tornasse o último dos econo- . mistas clássicos, levaram, com o reforço do capitalismo e sua racionalidade, a que se entronizasse uma econorrúa neoclás sica, um afa'stamento da velha tradição, com a busca de uma ciência da economia, separada dá política, mas também do Homem, tranSformado numa média- o Homo economicus. São as idéias tiradas da economia neodássica e suas fontes filosóficas que vão informar outras ciências, incluindo a sepa-. ração brutal entre homem e natureza, que marca· tnuitos estudos de história, que domina a geografia e vai, depois, comandar a elaboração das .disciplinas espaciais. - CIDADE E EÓJNOMIA POLITICA A circulação do's produtos,, das mercadorias, dos hon1ens e das idéias ganhou uma totál expressão, dentro do processo global de produção, que a urbanização passou a ser um dado fundamental na compreensão da economia. Houve, mesmo, um geógrafo, Reger Lee, a afirmar que. o "sistema urbano é a economia". 118 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE Quanto mais os territórios �ão cortados por estradas, tanto mais a produção e os homens se concentram em poucos lugares. A cidade é um grande meio de produção material e imaterial, lugar de consumo, nó de comunicação. Por isso, o entendimento do processo global de produção não se conten ta com a mera economia política, nem se basta com a Econo mia Política da Urbanização, exigindo uma Economia Políti ca da Cidade. Umâ coisa é a economia política da urbanização, que leva ria em conta uma divisão social do trabalho, que dá, com a divisão territorial do trabalho, a repàrtição dos instrumentos de trabalho, do emprego e dos homens na superfície de um país. A economia política da cidade seria outra coisa diferen te, porque seria a forma como a cidade, ela própria, se organi za, em face da produção e como os diversos atores da vida urbana encontram seu lugar, em cada momento, dentro da I "d d . c1 a e. . A verdade é que, um� e outrª, a eco�omia política da urbanização �a economia política d�s cidades, são insepará veis. Elas se distinguem de um ponto de vista analítico, mas são, de fato, inseparáveis, porque a urbanização não é apenas um fenômeno social, ou econômico, ou político, mas também um fenômeno espacial. Como toda e qualquer outra forma de repartição no espaço, é dependente da maneira como os instrumentos de trabalho e os fatores de produção se distri buem. Há, portanto, uma-relação de causa e efeito recíprocos entre a cidade, como ela se organiza materialmente, e a urba nização, como ela se faz. Nos dias atuais se tom�u praticamente impossível realizar um estudo global· aprofundado, extensivo e detalhado de :uma cidade. Primeiro, pelo tamanho que .. �dquiriram· esses enormes objetos; segundo, pela multiplici�ade de variáveis que influem na sua vida (locais, extralocais, de diferentes origens e qualidades) e, também, pela rapidez das transfor- mações que conhecem. · Que fazer? Devemos nos limitar a fazer,estudos locais ou PORUMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 119 nos repetir na senda de estudos setoriais ou parcelizados, como o das habitações chamadas subnormais, ou do feijão comparado com as horas de salário? S�m dúvida, tais estudos são necessários, mas, à proporção que nos aprofundamos em detalhes ou aspectos, menos capazes nos .tornamos de enten der este detalhe ou aspecto, já que não dispomos da noção do todo. Também aqui :não se entendem as partes sem o entendi-· mento do todo, e esse entendimento do todo urbano passa, hoje, pela econonúa política. A urbanização passa a exigir como método do seu estudo esta economia política. Na' realidade, se compararmos o que o Brasil é hoje com o que era há vinte anos, veremos dois aspectos pelo menos. Primeiro: as quantidades produzidas o são cada vez mais nas cidades, em algumas cidades; segundo, a vida de relações que era muito mais difusa se torna cada yez mais concentrada, graças às novas condições da tecnologia, das ciências e da organização. O espaço produtivo, propria mente dito, é cada vez mais a cidade, onde também as popu lações humana� se concentram mais. A cidade se torna ainda o meio de trabalho para a maior parte da população ativa e o meio de existência para a maior parte das pessoas. Para compreender a economia de um país, é necessário, pois, dar uma enorme atenção aos estudos urbanos �.buscar a metodologia mais adequada para captar a real significação da cidade, da rede de cidades, do territ<)rio e da nação. Como a história é, tambétn, a história da sucessão de divisões do tr.abalho, cabe reconhecer os níveis da divisão atual do traba lho e os restos das divisões do trabalho anteriores� Por outro lado, a análise de uma cidade, do ponto de vista da economia política, ·supõe, também, que os fatores estratégicos sejam levados em conta, o que permite identificar melhor o ,lugar real que tem cada ag�nte ou grupo de agentes, cada ação ou grupo de ações, no processo de desenvolvimento urbano,· a cada momento da história. Como tradicionalmente feitos, a geografia urbana e os estudos urbanos se tornam insuficientes, razão por que é 120 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE proposta análise em que a geografia urbana, o urbanismo e outras disciplinas do espaço, incluindo o espaço urbano, sejam objetos de análise que passe pela economia política. Uma economia pol�tica da cidade deve trabalhar com n_o ções clássicas, como a divisão do trabalho, as relações entre capital e· trabalho,_entre capital constante e variável, entre natureza e sociedade, mas, nos dias de hoje, deve tatPbém. incorporar outras categorias, como a questão do meio am biente construído e da socialização capitalistas, que projetam uma nova luz sobre os temas clássicos e exige a inclusão de outras problemáticas, como a da convivência, na cidade, de diversos subsistemas "capitalistas", e a emergência de noyas contradições com a globalização das metrópoles. O debate sobre valores de uso e valores de troca gariha, também, desse modo, uma nova dimensão. E todos esses temas, generica mente válidos, mostram-se sistematicamente concretos, quan do tratados no âmbito de uma determinada cidade, como� o caso de São Paulo. URBANIZAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO . / . A cidade - sobretudo a grande cidade - constitui um meio material e um meio social adequados a uma maior socialização das forças produtivas e de consumo. A vida urbana inquz à criação de meios coletivos, ainda que essa forma de socialização possa ser consideradal como no caso de rios e várzeas de São Paulo, como uma socialização contra ditória (0. Seabra, 1987, p. 225-68). A própria cidade física é condição da produção, com a privatização do uso das benfeitorias coletivas,. através de sua apropriação seletiva e, afinal, excludente. A socialização propiciada por uma rede diferenciada de firmas eugentes à disposição dos processos produtivos com plexos da cidade facilita o consumo até nas camadas mais pobres, possibilitanto a inserção na economia urbana de um número crescente de pessoas. POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 121 Conforme J. Baudrillard (1970, p. b� �já afirmara, "da mes ma forma que a concentração industrial resulta em uma produção sempre crescente de bens, a concentração urbana resulta no aparecimento ilimitado de nec�ssidades: Ora, se os dois tipos de concentração são contemporâneos, eles têm( ... ) sua dinâmicÇl própria e não coincidem em seus resultados. A concentração urbana (e, por isso, a diferenciação) dá-se mais depressa que a produtividade. É o fundamento da alienação urbana. Um equilíbrio neurótico acaba por se instalar, em benefício da ordem mais coerente da produção- a prolifera ção das necessidades vindo're�uir sobre a ordem dos produ tos para nela se integrar bem ou mal". Referindo-se à grande cidade moderna, Lapidus e Ostra vianov (1929, 1978, p. 86) acentuam o fato de que "nela não é possível encontrar um único homem que satisfaça por si mesmo todas as suas necessidades, sem ter que contar com a ajuda alheia; nen1 um único homem que construa uma casa cmn materiais ·que ele próprio tenha fabricado, que con feccione ·ele mesmo sua roupa e produza por si próprio seus alimentos". E e�emplificam, de modo simples, o fenômeno da cooperação, lembrando essa verdade cristalina: "Como pode cada um, trabalhando em sua estrita especialidade, não 1norrer de fome ou de frio? O que ocorre é que vivem numa estreita dependência; trabalham uns para os outros: a tecelã só pode passar a vida no tear porque o padeiro amassa o pão e porque o pedreiro constrói. É evidente que o padeiro não faz o pão apenas para ele, também o faz para a tecelã, e o pedreiro constrói casas para milhares de homens ocupados em outros trabalhos. Se este laço não existisse, a vida seria . impossível na sociedade urbana. Um dos primeiros a dar ateDção para o papel das cidades no processo de cooperação, G. Simmel, lembra que as rela ções e os interesses do residente típico da metrópole são tão manifestos e complexos que, �especialmente como resultado da aglomeração de tantas pessoas, com interesses tão diferen tes, seus iilteresses e atividades se entrelaÇam em múltiplos 122 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE organismos./Assim e por esse motiyo, a ausência de uma exata pontualidade nos compromissos e atividades levaria o todo a cair em caos intolerável. Se todos os relógios de Berlim desandassem por mais de uma hora, sua ·vida econômica e comercial seria descarilhada por algum tempo. Mais próximo de nós, Claude Pottier (1975, p. 18) insiste em que "a urbanização acentua á socialização das forças produtivas e da própria produção" e se refere ao fato de o Estado se encarregar "dos custos de reprodução ampliada da força de trabalho relacionada com o desenvolvimento. urba no, ainda que ele se esforce para limitar essas despesas que constituem um salário indireto para os trabalhadores". Mas a cidade em si mesma é um fator insubstituível de socialização já que somente ela, no dizer de F. Uribe-Echeva rría, "pode oferecer uma matriz ecológica capaz de tornar ·possível o desenvolvimento de uma economia de intercâm bio e a posterior monetarização". Para esse autor, a concen � tração reduz o custo dos investimentos em infra-estrutura, gera economias externas e de escala e diminui os custos de transporte e comunicações, tudo isso perrilitindo ampliar a · escala do mercado. CIDADE E SOC:IALIZAÇAO CAPITALISTA Entenda-se por socialização capitalista a criação de capitais comuns, de meios coletivos à disposição do proce_sso produti vo. É sociajização pelo fato de que não são os capitais indivi duais que a devem empreender diretamente; é capitalista _ \ .. - porque os l?eneficiários são poucos, segundo uma hierarquia que' vem do seu_ poder enquanto capitalista, isto é, desua ca p acidade de utilizar produtiva e especulativarnente as ir:tfra estruturas financiadas por meio de impostos, com. o esforço coletivo, i? tO é, mediante a contribuição social. A socialização capitalista é, pois, e sobretudo, um processo de transferência de recursos da população como um todo para algumas pes soas e firmas. Trata-se, como dito antes, de um processo POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 123 seletivo, que atinge diferentemente- os atores econômicos, o que faz do Estado um motor _de desigualdades, já que, por esse meio, favorece concentrações e marginalizações. Segundo Ch. Topalov 1974 "( ... ) a cidade constitui uma forma de socialização capitalista das forças produtivas. Ela mesma é o resultado da divisão-social do trabalho e é uma forma desenvolviçla de cooperação entre as urúdades de pro dução. Em outras palav�ras, para o capital, o valor de uso da cidade reside no fato de que é uma força produtiva, porque concentra as condições gerais da produção capitalista. Essas condições gerais, por sua vez, são condições da produção e da circulação do capital e da produção d,a força de trabalho". Lembra-nos Claude Pottier (1975, p. 42) que "a interdepen dência crescente das atividades e sua dependência acentuada em relação a fatores externos mostram, e� realidade, que a urb'ãrúzação reforça a socialização da produção, a qual, por sua vez, acentua a contradição entre as forças produtivas e a propriedade privada dos meios de produçã.o". A marcha do capitalismo é, também, a marcha para a socialização capitalista, graças à acentuação da divisão do trabalho e à necessidade, igualmente crescente, de coordena ção. A cooperação é a outra face da divisão d9 trabalho. - As palavras cooperação e coordenação comparecem aqui como eufemismos.- O vocábulo exato-é controle, tornado necessário para que a máquina da produção continue trabalhando. As grandes cidades aceleram o processo, em virtude de, nelas, a divisão do tárbalho ser maior; e as grandes cidades dos países subdesenvolvidos o aceleram ainda mais, graças a diversos fatores. Entre eles está a rapidez. da expansão demo gráfica e da expansão territorial, ao tempo em que, no mesmo momento histórico, os capitais tendem a indivisibilidades ainda maiores. Essa tendêncià é agravada pela crise, facilitan do a formação de monopólios e oligopólios que se beneficiam da unificação do mercado, através da melhoria dos transpor tes e das comunicações. Esse território unificado é uma das condições da aceleração do processo migratório, que tange ·-J v 124 POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE I milhares de pobres para as grandes cidades/Ás disparidades de renda_assim mantidas trazem, entre o}lttas, duas conse qüências . �··n prin1eiro lugar, ensejam a presença, nas gran des aglomeraç_ões, sobretudo dos mais diversos tipos de capi tal trabalhando juntos e, em segundo lugar, alimentam ·for mas de subemprego e desemprego, que contribuem para proiongar a presença de capitais nãohegemônicos, obrigados a conviver com formas mais avançadas de capital. É a respos ta, como socialização, ao processo de involução e fragtnenta- ção da metrópole. , · Consideremos, também, um outro Jado importante: a crise, pelos seus componentes, como a inflação, a recessão, a intro dução de inovações tecnológicas e organizacionais, a seletivi dade do crédito e dos demais mecanismos financeiros, é instrumento de aceleração da socialização capitalista. O processo histórico conduziu a uma crescente centrali zação de decisões públicas, enfeixadas cada vez mais em mãos do poder federal, e a uma centralização das decisões privadas, enfeixadas cada vez mais em mãos dos grandes monopólios. As indivisibilidades aumentam, elevando pp.ralelamente a necessidade· de inversão pública para que se possam efetivar as diversas formas de sociabilidade metropolitana, e, ao mes.: mo tempo, as contradições entre capitais particulares e capi tais gerais e entre capitais individuais e capitais monopólicos se afirmam, exigindo ainda mais arbitragem entre interesses conflitantes. Foi desse modo que se tornou necessária uma participaçãó extremamente forte do Estado no processo de socialização cç:tpitalista. · · À proporção que a totalidade do território pode ser objeto do interesse especulativo de finnas nacionais· e transnacio nais implicadas na nova divisão internacional do trabalho e que o uso capitalista do território passa a exigir investimentos vultosos em capital fixo, os governos estaduais e municipais são raramente capazes de_ fazer face às despesas maciças assim requeridas. POR.UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 125 O fato, evidente no Brasil, é, aliás, mais geral. A multina cionalização da economia consagrou, em todos os continen tes (e sobretudo nos sudesenvolvidos), uma participação cada vez maior dos estados federais ou centrais na coleta dos tributos e nas decisões concernentes à sua aplicação. Os esta dos federados pu províncias e os municípios to�nam-se cada vez menos capazes, seja de influenciar na formação dos "ca pitais fixos comuns" que possibilitam a instalação de novas atividades, seja de incentivá-las diretamente, segundo tuna lógica própr�a. Este é um aspecto pouco estudado (como tal) da divisão territorial do trabalho . . A DIVISÃO DO TRABALHO E O ESPAÇO CONSTRUÍDO A divisão do trabalho é uma das categorias fundamentais da economia política e é, também, uma das chaves para a explicação da distribuição, sobre a Terra, dos homens e das atividades. A história do mundo e de cada nação é, como já len1bramos, a história da _sucessão das formas de produção e da distribuição social e territorial das tarefas. As divisões sucessivas do trabalho ensejam uma deterriünada disposição dos objetos geográficos, dando-lhes, a cada momento, um valor novo. Toda análise uibana, para ser válida, deve apoiar-se em categorias que levem em conta, ao mesmo tempo, a generali dade das situaçõ�s e a especificidade. do caso que se deseja abordar. Julgamos que um instrumento adequado pode ser obtido através, de um lado, do estudo das· funções urbanas e sua redistribuição, em um dado momento, como resultado da • divisão social do trabalho e da divisão -territorial do trabalho e, de outro lado, do reconhecimento das condições preexis tentes, que incluem o espaço construído. As condições preexistentes, heranças de situações pas�a das, s·ão formas, isto é; resultam de divisões do trabalho preté ritas. As novas divisões do trabalho \Tão, sucessivamente, redistribuindo funções de tod� ordem sobre o território, n1u- 126 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE dando as combinações que caracterizam cada lugar e exigin do um novo arranjo espacial. O prinápio da diferenciação entre os lugares, dentro de uma mesma formação social, é dado, sobretudo, pela força de inércia representada pelas heranças do passado, a começar pelo espaço construído, que acaba por ser um dado local, e pelos elementos de transformação, representados por uma divisão do trabalho que transcende os limites locais. Como a divisão social do trabalho e a divisão territorial do trabalho dependem, em proporção cr�scente, de decisões políticas, o presente e a evolução futura das cidades depen dem, em proporções semelhantes, do papel que, na econo mia, cabe ao atores do jogo político, segundo diferentes rú veis, e da forma como, respondendo a essas determinações, o espaço urbano é, a cada momento, reorganizado. Esse mecanismo é ainda mais sensível em grandes cidades como São Paulo, em virtude da importânCia que tem no volume global da produção do País. A importância desse tipo de enfoque sobressai tanto mais quando o Estado intervém, direta ou indiretamente, nas rela ções de trabalho, estimula de forma seletiva e freqüentemen te discriminatóriaas diversas atividades, estabelece os usos do solo, impondo regalias e interdições, e cria, até mesmo, zonas especiais, como os distritos industriais ou �s próprias Regiões Metropolitanas. Cada parcela do território urbano é valorizada (ou desvalorizada) em virtude de um jogo de poder exercido ou consentido pelo Estado. Uma análise urbana supõe, desse niodo, que todos esses fatores sejam levados em conta e deve permitir que se identi fique melhor o lugar real que ocupa cada agente ou grupo de agentes no processo de desenvolvimento urbano, a cada mo mento histórico. Nesse particular, deve ser corretamente ·considerado opa pel dos agentes internos e exterDos, ligados aos setores eco nômicos hegemônieos, bem como a capacidade maior ou menor de reivindicação das massas de trabalhadores. Por sua POR UMA ECONOMIA POlÍTICA DA CIDADE 127 vez, esta capacidade também depende das condições em que se dá a divisão do trabalho e é, igualmente, função da sua localização no espaço urbano. Será uma simples coincidência que a fiscalidade haja favorecido, sobretudo nos anos 70, alguns murúcípios periféricos da cidade de São Paulo, onde se aglomera urna população trabalhadora estrategicamente colocada no espectro produtivo? Em São Bernardo do Cam po, Sa�to André e São Caetano, municípios contíguos, os níveis de atendiínento quanto aos serviços urbanos essen ciais tornaram-se elevados e, em certos casos, o eram ainda mais que no resto da aglomeração. Na Grande Rio, a disper são, em vários municípios, dos operários metalúrgicos e de outras categorias, parece anular sua capacidade de reclama ção eficaz, e o "centro" da aglomeração abocanha o essencial dos recursos públicos. Desse modo, todo perigo de uma análise simplista deve ser exorcizado. Dizer, por exemplo, que as cidades se põem sobretudo, ao serviço do capital é, apenas, um discurso. É indispensável chegar a uma classificação emrque os capitais presentes sejam distinguidos por suas qualidades e utili�a ções e os seus detentores sejam vistos em função do poder de que desfrutam. A proporção dos capitais fixados à terra se gundo sua idade técnica e características funcionais é, por sua vez, um dado indispensável à própria caracterização do espa ço urbano. E a população presente deve, igualmente, ser analisada por intermédio de uma classificação pertinente, que privilegie as relações com as características do espaço, como acima indicadas. Todas essas relações terminam por se defirúr como relações políticas, ainda que revistam formas econômicas, culturais ou outras. Por meio do estudo exclusivo da divisão social qo trabalho e, mesmo, da divisão territorial do trabalho, alcançamos ape nas uma economia política da urbanização. Mas esta é insuficien te para as tarefas de análise e do planejamento urbano e metropolitano. Uma economia política da cidade deve associar o conhecimento dos efeitos da divisão do trabalho sobre as 128 POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE condições locais do mercado - ton1ado em todos os seus aspectos- de modo a permitir a compreensão do que signi ficam o espaço construído e suas características, como dados concrétos da realização social e econômica e, também, como uma realidade em transformação. VALORES DE USO, VALORES DE TROCA, VALOR DIFERENCIAL DO ESPAÇO O uso da cidade pelos agentes econônucos e a disputa entre agentes para se assenhorearem de certas frações do espaço urbano ilustram, de um modo novo, o antigo debate acerca dos valores de uso e dos valores de troca. Interpretando o Marx da Contribuição (A Contribution, p. 36), podemos entender o valor de uso a partir de cada ativida de distinta, aplicada a um material dado, para criar um uso; e o valor de troca �comó produzido pelo trabalho universal abstrato, realizado num quadro social não controlado pelo trabalhador (" labour which creates exchange-value is thus abs tract general labour", p. 29) e, t�cresccnte7se hoje, no Cílso de uma cidade como São Paulo, não controlado pela maioria das empresas. Ainda, segundo Marx, "embora os valores de uso sirvam às necessidades sociais e, assim, existam dentro de um qua·:. dro social (social framework), eles não expressam as relações sociais de produção", p. 28. Como valor de uso, utna mercadoria presta un1 serviço. Mas, como valor de troca, o que importa é o resultado alcan çado. Como valor de uso, uma mercadoria não é divisível à nossa vontade; essa é uma propriedade que os valores de troca podem ter (Marx, A Contribution, 1970, Progress, p. 37 e 51). - Pode-se pensar a terra urbana, o produto urbano do trabalho social, o espaço urbano como um valor de uso indivisível, criador de um valor de troca para as tnáquinas, os escritórios, as mútiplas atividades nele situadas? Ou, em outras palavras, j POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE 129 haver;:1 un1 valor de troca atribuído a uma máquina, un1 escritório ou outra atividade, em função de sua localização sobre um locus que, em si mesmo, é um valor de uso? Nos dias atuais, ainda que sua teoria do valor continue inspiradora, torna-se impossível repetir, a respeito da cidade assim vista, a idéia de Marx, segundo a qual "( . . . ) o valor é independente do valor do uso particular do qual nasceu e pode ser incorporado em valor de uso da mesma natureza" (O capital, livro I, 3." parte, cap. 7, sec. 2). Com base na noção de valor de uso, a questão do envelhe cimento técnico de certas áreas do território urbano põe-se com ainda mais acuidade nas fases de rápida evolução tecno lógica. É o caso atual, agravado pela mundialização da econo mia. As exigências, quanto ao entorno geográfico, das gran des empresas transnacionais levam as cidades que as aco lhem à criação de novos espaços (valores de uso) indispensá veis à sua operação, desvalorizando, do mesmo golpe, outros subespaços prematuramente envelhecidos. O raciocínio de vários autores quanto à obsolescência das n1;.íquiníls pelo progresso té�nico, é 3plic;:1vel ao espaço ur bano. A cidade de São Paulo conheceu, desse modo, vários ciclos de renovação desde o início do século (Santos, 1990), adaptando-se, a cada modernização, aos novos reclamos do processo produtivo. Na verdade, porém, lembra Magaline (1975, p. 96-7), "o valor de uso dos equipamentos significa que o ritmo de obsolescência física ou moral? moral não depende apenas do ritmo autônomo do progresso técnico, n1as das condições diferenciais da 1 u ta de classe na pro� duÇão, segundo os ramos, as regiões, os países ou as fases da conjuntura" . A obsolescência é, pois, sócio-geográfica e não técnica. A cidade constitui, em si mesma, o lugar de um processo de valorização seletivo. Sua materialidade é formada pela justaposição de áreas dife�ntemente equipadas, desde as realizações mais recentes, aptas aos usos mais eficazes de atividades n1odernas, até o que resta do passado mais remo- 130 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE to, onde s� instalam usos menos rentáveis, portadores de técnicas e de capitais menos exigentes. Cada lugar, dentro da cidade, t�m uma voc_ação diferente, do ponto de vista capita lista, e a divisão interna do trabalho a cada aglomeração não lhe é indiferente. Assim, às diversas combinações infra-estru turais correspondem diversas combinações supra-estruturais específicas. Quanto mais intenso o processo de divisão do trabaiho de que uma cidade é teatro, tanto maior será a sua subdivisão em subespaços particulares, organizados 'para servir como su porte às atividades correspondentes. Cada sublocalidade é mais bem utilizada quando há correspondência entre, de um lado, a forma física e a sua localização relativa dentro da cidade e, '""de outro lado, o seu uso possível. A cada nova divisão do trabalho corresponderá uma nova funcionaliza ção das atividadese dos lugares, com a disfuncionalização de alguns lugares e atividades. Quanto mais intensas e mais rápidas as mudanças (tecnológicas, organizacionais etc.), maiores os riscos de disfuncionamento. O processo de internacionalização das cidades ora em marcha acelera essa evolução, já que a vocação mundial das cidades as envolve num movimento cujo ritmo não é da do apenas pela própria· cidade, oq · seu próprio país, mas pelas exigências de uma competitividade cuja escala é pla netária. A mundialização das cidades, sobretudo nos países subde senvolvidos, deve levar ao agravamento da distância entre níveis de atividade: distância el)tre níveis-de capital, de pro dutividade, de .exigências quanto ao "entorno" materjal, de poder. Atrair ou manter atividades de ponta pode significar a utilização ainda mais disparatada e desig�al dos recursos públicos na criação ou reabilitação das chamadas condições gerais de produção. À propo�ção que as respectivas empresas produziram proporcionalmente mais emprego e mais recur sos fiscais, sua força política, ainda que baseada na chanta- d , I gem, te� era a crescer. POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 131 SISTEMAS HEGEMÓNICOS E HEGEMO�ÍZADOS, INTERDEPEND�NCIA E HIERARQUIA Ao risco de grande simplificação, a história do mundo capitalista poderá, talvez, ser resumida em três momentos decisivos. O primeiro é o da substituição da propriedade coletiva pela propriedade individual, baseada no trabalho-do seu proprietário; o segundo é o da dissolução da propriedade individual, baseada no trabalho do proprietário, e a amplia ção do número de empregados assalariados; e 0 terceiro é o da redução progressiva do número de verdadeiros proprietá rio§ privados dos meios de produção e do aumento da pro priedade socialr da· socialização dos -meios de trabalho, com r�dução progressiva do número de verdadeiros proprietários privados e do número relativo de assalariados. "Um capitalista sempre mata muitós�' (Marx, O Capital, livro I, parte VIII, cap. XXXII), ou, assim como se lê em Quem são os amigos do povo, de Lenin (1984, edição argentina da Livraria Anteo, Buenos Aires, 1972, p. 55): "Um capitalista elimina muitos outros". Para Marx, "paralelamente a essa concentração ou expropriação de muitos capitalistas por uns poucos, desenvolvem-se; cada vez em escala maior, a forma cooperativa do processo de trabalho, a aplicação tecnológica consciente da cjência, a transformação dos instrumentos de trab�tlho em meios que só podem ser utilizados em comum, a economia de todos os meios de produção, porque se utilizam como m�ios de produção do trabalho social combinado". Esse tema é, de algum modo, retomado por J. K. Galbraith (1973; p. 3), ao dizer que "na realidade, o modelo neoclássico não explica os mais importantes problemas de microecono mia de n<?.sso tempo. Esse poblema é o da explicação de por que temos um altamente desigual desenvolvimento entre in dústrias de grande poder de mercado e ind1Jstrias cujo poder de mercado é linútado, com o desenvolvinlento, que desafia toda doutrina, favorecendo grandemente as primeiras. · 132 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE "O erro 1nacroeconônúco tem sido, por seu turno, n1ais embaraçoso. Exceto em sua manifestação estritamente místi ca em um ramo da teoria monetária, a política macroeconô mica depende, para sva validade e exeqüibilidade, do merca do neoclássico. Este mercado, seja ele competitivo, monopo lístico ou oligopolístico, é a referência derradeira e autoritária / ppra a maxinúzação do lucro da firma". Na verdade, conforme nos repete L. A. Navarro de Britto (1986, p. 9), "cada setor da atividade humana comporta rela ções de poder". Essa relação de depençiência sugere que "a existência de uma parte é condicionada por uma outra parte" (Angryal, 1961). É isso o que se dá na economia de mercado,' em que �o poder (no contexto das organizações) pode ser definido como a capacidáde-de uma organização para contro lar os recursos necessários...ao funcionamento de uma outra organização ( . . . ), ·es-ses recursos incluindo fatores tais como capital, finanças, materiais, terra ou trabq.lho ( . . . ), e isso leva algumas empresaª a empreender ações que de outra forma não realizariam" (M. J. Taylor e N. J. Thrift, 1982, p. 1.604). Esse é outro aspecto da socialização capitalista, tanto mais realçado na cidade quanto maior a concentração da econo núa em certos ramos, como no caso de São Paulo. Nessas grandes cidade$, a atividade social e econômica é formada por sistemas interdependentes. Esse ''trabalho com binado e dividido", a que Marx já aludia ao falar da coopera ção, forma o que Lorenzo Calabi chamará de "ciclos totais de produção cada vez mais fntegrados entre si e·tnais distri buídos". A vida urbana, e sobretudo metropolitana, teria de ser analisada como o resultado da interação desses sis temas de ação deliberada. Isso suporia, em cada caso, reconhecer quais são e como são tais sistemas, reconstituindo séu processo de formação, sua metodologia de ação prática, a hierarquia exis tente entre eles e as repercussões dessa hierarquia, .isto é, desse sistema de interdependência assimét_rico sobre o pró prio funcionamento da cidade - da economia urbana, mas POR UMA ECONOMIA POLfTICA DA CIDADE 133 tan1bén1 da economia regional e nacional . Há, no dizer de Lojkine (1977, p. 145), uma cooperação interna às firmas e uma cooperação externa situada no corpo social, nas cidades e espaços mais amplos, como um resultado da "necessidade técnica da socialização" e da "necessidade social da con corrência" . É evidente que tais sistemas não são do mesmo nível. Há, para cada caso, e segundo os momentos, sistemas hegenzônicos e sistemas suba! ternos. Os primeiros são condições externas de funcionamento dos segundos. Segundo C . Pottier (1975, p. 4) e Delilez (1970, p. 14), "a socialização da produção e das fqrças produtivas provoca novas condições de desvaloriza ção do . capital. Controlando as redes interdependentes de negócios, os monopólios podem obrigar o pequeno capital a se integrar em sua esfera, apesar de apenas obterem uma pequena remuneração. Mesmo se as condições internas de rentabilidade são reunidas, o pequeno capital não pode dis pensar as relações externas que. tendem·a se combinar em un1 único sistema (relações de mercado, crédito, financiamento) ligado aos grupos financeiros" . . Os sistemas públicos de ação deliberada agem em· conju gação com os sistemas privados de ação deliberada. Assim, a despeito de sua autonomia nominal, eles se confundem no resultado alcançado. Mas sua interação é raramente si- métrica. - · Engels (Anti-Dühring, p. 323) falava da anarquia da pro dução socializada, resultado da organização própria a cada firma em particular. Prevalecerá, ainda hoje, essa noção de anarquia da produção, mediante a concorrência desenfreada e capitalisticamente necessária entre capitalistas individuais? Não se trataria, agora, de uma interdependência assimétrica, unilateralmente ordenada pelo subsistema mais hegemôní co? E os capitalistas não-hegemônicos não recriariam, por sua vez, essa anarquia? Nesse quadro de interdependência, os subsistemas econô micos presentes na cidade são igualmente sistemas de poder, 134 POR UMA ECONOM�A POLfTICA DA CIDADE ainda que não sejam assim considerados na sistemática .com a qual se produzem as leis e regulamentos que regem a evolu ção e a vida urbanas. Nas Regiões Metropolitanas se trabalha como se o poder _ fosse somente o·Estado, o município ou as entidades regiona_is. Todavia, o poder efetivo que se realiza sobre a atividade e os cidadãos, que muda as posições dos atores da economia e altera as posições dos próprios cidadãos dentro da Região Metropolitana, vem, en1 grande parcela,das firmas dominan tes. Faltam, todavia, análises sobre o comportamento destes verdadeiros sistemas privados de poder, que agem como se fossem instituições públicas. A carência de conhecimento desses processos concretos reduz a possib,Jlidade de introdu ção desse dado na elaboraçãolegislativa e dos planos urbanos . QUESTÕES DE PLANEJAMENTO 1 : CAPITAL GERAL E CAPITAIS PARTICULARES É norm:al que tim enfoque de economia política sobre a problemática atual da cidade deva privilegiar a questã.o do capital geral e dos capitais particulares e a sua relação. · Conforme vimos, o Capital Geral, que é Capital Social representado pela cidade como um todo realmente indivisí vel, é cada vez mais. apropriado seletiva e privatisticarnente. Corno o acesso a este Capital Geral não é o mesmo, não apenas entre os que dispõem de capital e os que., não têm · nada, mas ta�bém entre as diversas frações de capital pre sentes na cidade, a seletividade de uso resultante implica uma agravação das desigualdades odginais. Esse mecanismo significa mais concentração em benefício de alguns e mais marginalização e, mesmo, exclusão para muitos. Trata-se de urn movimento cumulativo, reforçado pelas condições atuais da econonúa mundial . Afinal, através de fatores externos, como tecnologia, gerenciamento e marketing importados, in teresses -externos podem melhor utilizar o resultado acumu lado do trabalho coletivo das sociedades locais . POR UMA ECONOMIA POlÍTICA DA CI DA DE 135 Chegamos, assim, a uma era em que o produto acumulado do trabalho de todos, representado por esse Capital Social que é a cidade, é cada vez menos possível de ser u tilizado pelos membros da sociedade local, e cada vez mais por a teres forâneos, que não contribuíram para a formação desse C�pi tal Geral que_é o Espaço Urbano. Mesmo as firmas con1 acesso às manivelas de controle da gestão pública não utilizam da mesma forma esse Capital Geral . Aliás, a crise atual dos países subdesenvolvidos mais avançados também se explica pelo fato de que, com a exceção das empresas muito grandes, os chamados capitais nacionais têm menos possibilidades no uso desse recurso social que é a cidade, e desse Capital Geral extraem uma mais-valia menor. Como vemos, a relação entre capitais particulares e o Capital Geral não mais apenas se dá através das máquinas, como a seu tempo pensava M<trx, mas através do Espaço Urbano, a tecnoesfera, a natureza tecnici zada das cidades, o "meio ambiente construído", no dizer de D. Harvey e de outros . À proporção que a produção exige equipamentos urba nos especializados, isto é, espaços especificamente organiza dos, não apenas o uso, mas também a produção do Capital Geral se tornam cada vez mais inigualitários e tanto mais desiguais quanto mais um país adota uma política voltada para o mercado externo, cuja lei é estranha às necessidades reais do país. A competição em escala mundial introduz uma lógica internacional que exige um esforço maior de produti vidade. Esse esforço exige adequação ainda mais clara do espaço às necessidades das firmas dominantes. Como as gran des firmas baseiam sua atividade na previsão, a necessidade de planejar para atender aos seus reclamos torna-se impe rativa, o planejamento urbano sendo chamado a participar dessa tarefa. Em nome da estabilidade, do equilíbrio da balanç<t con1er cíal e de pagamentos, do crescimento e da competi tividade, o planejador é, cada dia, convidado a encontrar os meios e as formas de transformar o Espaço Urbano, de modo a permitir 1 36 POR UMA ECON01vliA POLÍTICA DA CIDADE que as fi rmas mais poderosas possan1 melhor utilizá-lo em seu próprio proveito. A alteração no valor específico das diversas frações do espaço tem um impacto sobre a economia moderna, aumen tando a concorrência e a distância entre as firmas, mas tam bém influi sobre o resto da sociedade e economia, pelo fato de que aqui lo que se tornou deseconomia urbana para uns é a própria economia para outros. Isso é evidente nàs grandes cidades. São as chamadas deseconomias que viabilizam a chegada e a permanência dos pobres e de atividades pobres nas grandes cidades. Entramos, assim, num círculo vicioso perverso, pois, desse modo, o Capital Geral será apropriado ainda mais seletivamente e ainda mais privatisticamente. Assim as desigualdades aumentarão e, por isso, se imporão novas necessidades de planejar, para eliminar dese'conomias. Por conseguinte, novas economias se criarão, alargando a cidade, o que; por sua vez, criará ' novas desigualdades e, conseqüentemente, novas necessidades de um planejamen to agora reclamado para conduzir a expansão e a reforma da cidade, a fim de viabilizar, outra vez, as grandes firmas: novas deseconomias, novos planejamentos, e assim por diante. É dentro desse quadro que se deve examinar, por exemplo, no caso do Brasil, a razão pela qual as chamadas Regiqes Metropolitanas não apresentam muito mais do que a amplia ção da escala administrativa indispensável para viabilizar urn capital que, por sua vez, ampliava sua escala. As Regiões Metropolitanas encarnaram as respostas da planificação às necessidades emergentes de um capital mais vasto, que ne cessitava de novas condições de produção e de uma circula ção mais rápida, isto ·é, da transformação ri).ais rápida do seu - produto em consumo, em mercadoria, em capital realizado. É assim que as chamadas Regiões Metropolitanas vão resólver alguns d os problemas das grandes firmas, mas habitualmen te são impotentes diante dos problemas da população. As entidades chamadas Regiões Metropolitanas surgem, POR Ulv(A ECONOtvfl A POlÍTICA DA ÇIDADE 1 37 pois, con10 solução para viabilizar um capital que ganhava uma enorme dimensão e necessitava prevalecer-se de regula mentações específicas, · além da criação de espaços exclusivos para certas atividades e de espaços exclusivos para certos ho mens, espaços adrede preparados para certas utilizações e não para outras; para certas classes de hornens � não pa ra outras. Dentro desse mesmo ponto de vista, podem,.se analisar realizações como os Projetos Cura e programas de viabiliza ç_ão de transportes, que desvalorizam prematuramente certos terrenos, enquanto revalorizam outros. Os Projetos Cura fize ram parte de um projeto mundial de revitalização urbana, que acaba por levar à expulsão dos pobres dos centros das · cidades, en1 benefício de camadas restritas da sociedade. Mais uma vez o capital social da cidade -é usado diferente mente pelos diversos capitais particulares. o· problema da habitação popular também se inclui nesta ótica, e, por isso, se submete, nas suas soluções, às oscilações de conjuntura e não às necessidades estruturais e permanentes da população; o comando fica com o mercado especulativo é não com a pro blemática da habitação. Desse modo, o·que impropriamente é chan1ado de equipa mento coletivo, consagra e impõe uma divisão do trabalho cada vez mais húqua, dentro da cidade. Há uma repartição desigual dos lucros, dos riscos e das perdas, ligada a diferen ças de poder político na dete�minação da escolha dos equipa n1entos públicos e de S\J.a localização, e a diferenças de poder econômico, levando a diferenças no uso efetivo desses equi pamentos. A distinção entre uma e ou tra forma de poder é · uma hipótese puramente didáticé\, - O papel do planejamento não pode ser ocultado en1 todo esse processo, sobretudo quando influem certas firmas con sultoras, de inthnidade notória com grandes empresas es trangeiras e nacionais, chamadas a aconselhar os organismos estatais de planificação. O planejamento, por isso mesmo, tem sido uma atividade ·a reboque, quando utilizado ·para 138 POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE buscar uma sol ução casuística para as dificuldades do capital. Pode-se falar, assim, como resul tado, num enriquecimento planejado pelos que enriquecem, mas também planejado pe los planejadores do espaço? Nesse caso, poder-se-ia falar, também, num empobrecimento planejado. Mas aqui os po bres não têm voz no processo: são apenas as vítimas. A teoria subjacente a es te planejamento é toda ela, ou quase toda, muito mais uma ideologia que uma teoria. De teoria tem apenas a fórma, não é baseada na realidade vivida, . e- o resultado de sua aplicação é o oposto de suas protnessas. Sendo ideologia, porém, é responsável pela construção de novos espaços e pela reformulação do espaço urbano a tual. Fala-se muito, por exemplo, para explicar as localizações, que o princípio das relaçõ�s in terindustriais comanda a eficiên cia, reduzindÓ custos. Para isso, economistas e planificadores se esmeram no traçado de quadros de insumo-produto que apenas arranham o corpo da questão, tratando-a sem pro fundidade. Ora, o que hoje reahnente atribui maior possibilidad� de 1 ucros às empresas é a importância do seu acesso efetivo ao Capital Geral, que é, de um lado, a cidade como um todo e, de outro, as frações do território urbanó preparadas para seu uso: As teorias com que se trabalha âinda hoje, como essas famosas teorias das relações interindústriais, e tantas ou tras teo�ias de localização e de crescimento, olvidam esse fato essencial dos nossos di9-s: a verdade gue o lucro na produção é, em grande p arte, obtido graças às condições que se preparan1 e se entregam de mão beijada · às firmas interes sadas. Uma grande firn1a que s� localiza numa grande cidade servida por instalações que facilitam o seu trabalho está fada da a um lucro mu ito maior do que a que se dirige a u�a outra cidade que não dispõe desses equipamentos . E, na mesma cidade, as possibilidades de lucro - de realizar mais-valía são diferentes em função das diferenças de uso da cidade peÍas diferentes firmas. Pela sua localização, certas empresas fazem circular rapidamente sua produção, mas ou tras há que- POR UMA ECONOM IA POlÍTICA DA CI DADE 139 não podem, sequer, mudar de lugar e se sujei tam, por exem plo, aos engarrafamentos e outras restrições de uso, vendo reduzida a sua fluidez, indispensável num mundo em que a economia é sobretudo uma economia de fluxos. Daí os zoneamentos espe�iosos, a implantação generosa de infra-estruturas especializadas e sob medida, o aproveita mento da luta em defesa . do meiq. ambiente nun1 objetivo mercantil, a criação com o dinheiro público de Distri tos In- . dustriais que vão beneficiar certo tipo de indústrias e não outras. Há toda uma teoria de planejamento baseada em noções desse estofo, e a própria idéia de economias externás não lhe é estranha, apesar do fato de que, numa economia internacional mundializada, comandada por fatores políticos e largamente baseada no trabalho intelectual (ambos agindo freqüentemente de fora), as chamadas economias externas para as maiores firma.s perdem poder explicativo numa teo ria locacional, porque essas economias �xternas são preci puamente exógenas. As localizações são cada vez mais co mandadas, de um lado, pelas leis do Comércio Internacional e pela presença ·do Capital Geral ne_cessário, por outro. Pode-se, num mesmo pacote, incluir as noções de econo .. núas e de deseconomias de aglomeração, pois nas cidades atuais vivemos ciclos sucessivos de in viabilização e de revia bilização das infra-estruturas. Esses ciclos de inviabilização e de reviabilização são cada vez mais. rápidos - basta exami nar a história de qualquer grande cidade brasileira. Olhem se os três anéís que circundam hist()ricamente a cidade do Recife: veja-se que tempo levou para ser construído o primei ro dos anéis; e compare-se com o lapso, muito n1ais curto, para realizar o segundo; e que tempo curtíssimo para concluir o terceiro. Veja-se a expansão dos "centros" da cidade de São Paulo. . A verdade é que, hoje, esses ciclos sucessivos de viabil iza ção, de in viabilização e de reviabilização à tinge as estruturas produtivas propriamente ditas, as estruturas de transportes e comunicações, e mesmo as estruturas administrativas. Tam- 140 POR U MA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE bém as estruturas políticas passam por este processo de in viabilização e reviabilização. Tudo isso é feito em nome de ideologias como a do progresso; do crescimento, do desen volvimento, da modernização e da competitividade . E sem pre benefi cia muito mais a alguns do que à maioria. A atividade coletiva sempre supôs a criação de .um Capital Geral, ·suporte do esforço coletivo diferenciado. Mas, desde a irrupção do capitalismo, o processo conheceu uma evolução característica. De início, quando a natureza era pouco modi fica da pelo homem, ela era socialmente transformada, so ci almente possuíd a e socialmente apropriada� Hoje, diante da natureza artificializada das cidades, o Capital Geral pro- . duzido colet�v?-mente · é gerido em nome da coletividade que o produziu, mas nãõ é mais socialmente possuído, e , está exclusivamente a ser\riço de alguns. Sua apropriação efetiva e seu uso efetivamente produtivo são seletivos. Isso atribui, na cidade, uma signi ficação diferente, específica, di ferencia l a cada indivíduo, a cada grupo, a cada firma, a cada instituição e, ao mesmo tempo, a cada distrito, a cada bairro, a cada rua. · As infra-estruturas, as benfeitorias, enfim, o Capital são teoricamente de propriedade social, mas o solo. é de proprie dade privada. O valor do solo e do que ele contém é determi� nado, pela totali dade dos atores, para cada qual dessas infra estruturas . Estas, desigualmente distribuídas pelo território (seja quantitativa, seja qualitativamente), valem em função do que autorizam fazer ou não fazer, produzir ou não produ zir, produzir de uma forma ou de outra, produzir com tal ou qual lucro. O problema do solo criado, que apaixona a coleti vidade intelectual e de negócios no Brasil de hoje, ten1 que ser examinado nesta ótica. Pode-se imaginar que a instituição dessa figura, o solo criadd, mudará algo na dinâmica urbana, se o valor real do solo é função das benfeitorias especializa- . das que se implantam no território para viabilizar algumas atividades e, conseqüentemente, inviabilizar outras? Haverá u tna apropriação privada e al tamente seletiva do potencial POR UMA ECONOMIA POLÍTICA DA CIDADE 1 4 1 que tais acréscimos representam, e tal seletividade não é natural, mas artificial. No caso, isso vai muito além do sim ples jogo de mercado e da especulação, porque a seletividade é planejada. O valor de cada fração do esp aço, determinado em função do todo, em virtude da indivisibilidade real desse Capital Geral representado pela cidade - mercadoria indivi sível ...:.... é, na realidade, imposto pela fração da sociedade e da economia que dispõe de poder para indicar uma determina da escolha dos equipamentos a instalar, e tambén1 p ara indi car qual a melhor distribuição desse Capital fixo no território. Essa também é, de mui tos pontos de-vista, a posiçã9 de Mark Gottdiener, e1n The Social Production of Urban Space, Universi ty of Tex�s Press, Austin (�1985-1988). Os impropriamente cham�dos Bens de Consumo Coletivo são, sobretudo, esse Capital Geral apropriado legalmente, estatutária ou especulativamente, pelos capitais parti culares. Esses bens de consumo coletivo que são o Capital Geral são cada vez n1ais planejados, para que seu uso seja discrinünató rio: a água, os esgostos, a eletricidade, que existem abundan temente nas cidades, mas que não .estão ao alcance de todos; os telefones, as estradas, os transportes, mas tambén1 - e isso é cruel - a saúde e a educação. Esse movimento não é de nenhum modo espontâneo, mas baseado nup1a id eologia apresentada comose fosse uma teoria: a teoria da planifica: ção, como praticqda pelos feçnocratas. Mas, entre os que praticam essa ideologia perversa, podemos talve� distinguir duas categorias. Primeiro: os que estão conscientes do seu trabalho de manipulação das crenças, tanto populares quanto dos letrados, e pregam a criação, nas cidades, de uma Inate rialidade a serviço dos grandes interesses. Segund o: os que são vítimas ao mesmo tempo da ideologié\ e da materialidade que ajudan1 a criar. Pode-se, a respeito destes últimos, dizer, como Lenin, que "os piores culpados são os culpados de boa fé" . �1as, também, pode-se pensar que a sua prática é revela dora e que uma outra maneira de encarar a cid ade e seüs problemas é possível. 142 POR UMA ECONOMIA POLfTICA DA CIDADE QUESTÕES DE PLANEJAMENTO u: ESTADO NEOLIBERAL E POLfTICA SOCIAL DA CIDADE A questão da política social das cidades deve tornar-se, nos próximos anos, uma questão crucial, à proporção que se afirmem as tendências à instalação de· um Estado Central neoliberal e aumentem as pressões das populações empobre cidas por melhor atenção do poder público. Um primeiro problema seria o de saber a quem incum be essa "política social", se ap�nas às respectivas cidades ou se, também, aos J.1Íveis mais elevados da jurisdição territo rial: Região Metropolitana, Estado federado, União. Um se gundo problema é o da definição do que se pretende dizer com ess� expressão, se o caso mais amplo que envolve todo o espectro de necessidades mínimas da vida social a que os indivíduos mais pobres não podem, por eles próprios, res ponder, ou o quadro mais restrito dos chamados serviços sociais. Cabe, em primeiro lugru, mesmo se não pod�mos quan ti ficar a si tuação, fazer o registro das carências existentes, localizar-lh�s as causas mais próxi�as �- tentar a discussão de sua problemática, no nível de suas causas mais gerais. ' Numa" metrópole como São Paulo, a mais dinânúca do Brasil, em que os recursos próprios dos 38 municípios que a forman1 são relativamente elevados (o município de São Paulo tem o terceiro orçamento público da Nação, somente precedido pela União e pelo Estado de São Paulo), questões como a moradia, o saneamento, o transporte, a educação, a saúde e a segurança estão, ainda, muito longe de ser resol yidas, para não falar de outros problemas como os da ali mentação e do lazer. A chamada "dívida social", quanti ficada pelos "déficits", é imensa e o horizonte para sua so lução é longínquo, pfaticamente inalcançável, nas condi ções atuais. A questão é estrut�ral. Seu entendimento passa pela histó ria social, política e territorial recente da sociedade brasileira POR UMA ECONOMIA POLíTICA DA C I D A D E 143 c.omo um todo e as formas de inserção do País na economia mundial e suas conseqüências internas. A vontade de desenvolvimento implantada nos anos 60 foi acompanhada de um n_:l.odelo político centralista e au toritá· rio, de um modelo econômico extravertido- e de urn modelo social i'negalitário, servidos por um modelo terri torial (im plantação de infra-estruturas e sistemas de engenharia), arti culado com esses três outros modelos. Esses quatro modelos se integram e .retroalimentam, criando novas configurações sóCio-espaciais e contribuindo para ampliar as desigualda des· sócio-econômicas, tanto do ponto de vista da produção, quanto do consumo. · A partir de um equipamento seletivo d� território, dá-se uma. urbanização corporatíva rapidamente crescente e des pontam metrópoles e cidades corporativas, onde, de um lado, a modernização do meio ambiente construíd o fa vorece as grandes empresas e, de outro, o êxito das reivindicações dos grupos soCiais vai depender de pressões corporativas. Nessas condições, parcela importante dos recursos públicos se dirige a um equipamento urbano seletivo, do interesse _d., economia hégemônica e das camadas sociais hegemônicas. Como o processo de modernização é rápido, acompanhan do o processo também rápido de crescimento urbano (demo gráfico e espacial) e de inserção na economia interna cional, os custos são elevados e devem ser incor!idos em prazo curto, de modo que os problemas sociais passam a ser tra tados de modo residual. A crise econômica, redu zindo a chegad a qe recursos externos e atrofiando as receitas internas, leva ao agravamento da questão social, à qual, entretanto, fal ta uma política. · O problema nã.o pode, entretanto, ser en tendido com ape nas eEses dados da economia. Um outro dado fund amental é a ampliação de uma classe média "privatista" sob a pressão de um modelo de produção-consumo exclusivista, enquanto se alarga a pobreza em condições de não cidadania agravada pela duração do regime autoritário. Assim, no período do 1 44 POR U M A ECONOMIA POLíTICA DA CIDADE "milagre econômico" (isto é; até meados ou fins dos anos 70), a classe média se contenta com a solução /lprivada'' de pro blemas básicos como a educação e a saúde, revigorando a ideologia do usuário e do consumidor em detrimento da idéia de cidadania e passando para as camadas mais pobres essa 1nes1na · ideologia consumista, que iria robustecer boa parte dos tnovimentos sociais. A pressão sobre o poder público para a implantação de um p lanejamento social autêntico era, desse modo, enfraquecida, abrindo ca mpo ao revigoramento de formas diversas de as sistencialisrno, a l i lnentado, ironicamente, através do eleito ro l ismo. Como �l redemocratização (incompleta) do PaJs é acotnpanhada pela pregação do modelo político neoliberal e o início de sua instalcH:- �h: P fetiva, ao mesmo tempo em que a crise econôtnica se ag1 d v ,1., cabe perguntar de que mogo e com que possibil idades e recursos pode ser tentado um pla- . nejamen to social abr<i :· : No caso particular dt.. ...>ctJ Paulo, e sobret�do com a presen ça de uma administração progressista, algo tem sido tentado, .· os principais esforç·os orientados para a con5tTução de casas populares, da melhoria do transporte públi�o, da subvenção direta ou indireta à alin1entação (a chamada merenda escplar nas escolas municipais · e a venda de alimentos a preços mais bara tos) e na saúde, com o equipamento dos · hospitais e postos de assistência exist�ntes e a instalação de .novos . Boa parte dos recursos vem do Governo Federal, o que é causa de constantes trans tornos. na execução dos programas, quando há descontinuidade no fluxo das verbas da União. Esse qu0dro coloca duas questões graves: a primeira é a da relação entre uma política neoliberal no plano federal e a possibilidade de uma política social rio plano municipal; a segunda é a redi stribuição dos poderes e recursos e das prerrogativas e tarefas, entre as diversas escala� territoriàis de poder, is�o �' as bases da própria reformulação da Federa ção, ambas charnando a a tenção para a revisão cons �it1;1cional prev ista para o ano de 1993 . . . . POR UMA ECONOtvllA ,roLfTIC A DA CiDADE 145 BmuOGRAFIA ANGRYAL, A. A Logic of Systems, Fowzdat i01zs for Scie1 1cc of Personality. Mass., Harvard Univers ity Press, 1961 . BR AUDRILLARD, Jean. La société de consolm1la t io1l, ses mytlles! scs stn tclt1 res. Paris, Denoel, 1 970. CHESN EAUX, Jean. De lll modcmilé. Par i:;, La Décou.verte, 1983. DELILEZ, J .P. Lcs l ltonopoles. Paris, Éd i tion s Socia les, 1 970. ENGELS, F. Anti- Oiihring. Paris, .Édi tions Socia les, 1960. GALBRAitH, John K. 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