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FUNDAMENTACAO JURIDICA

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A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Como já fora elucidado, o discurso jurídico, principalmente na redação das peças, possui dois pilares argumentativos: 1) o relato dos fatos e a 2) fundamentação jurídica. 
No artigo anterior, tratamos especificamente da narrativa (relato dos fatos), neste momento, abordaremos as orientações para redação da fundamentação jurídica, que se trata de uma etapa de fundamental importância, pois coaduna o direito ao fato, mas não pode ser resumida a uma mera referência à legislação, daí porque não se utilizar a expressão fundamentação “legal”. Vamos às orientações:
a) Interpretação da lei – não somente citar ou mencionar a lei, mas comentá-la e interpretá-la à luz do caso concreto, ou seja, dos fatos narrados, os quais deram origem à ação. Como cediço, uma lei dá margem a mais de uma interpretação, sendo assim, é necessário dar sentido à legislação a partir de um processo hermenêutico, em que se revela o raciocínio jurídico mais pertinente com as particularidades dos fatos e com o pedido da ação. Não raras vezes, encontramos petições em que o advogado apenas mencionou o dispositivo no qual o pedido se baseia, abrindo uma verdadeira lacuna interpretativa, que pode trazer prejuízo para o convencimento do juiz e, por conseguinte, para o alcance do pedido.[1: Sobre isto, trataremos num outro momento de forma detalhada.]
b) Recorrer a princípios – não utilizar somente a lei expressa, mas recorrer também aos princípios, os quais vêm ganhando cada vez mais força normativa, e constituem o alicerce maior da hermenêutica jurídica, mormente os constitucionais, que norteiam todo o ordenamento. Assim, o advogado deve buscar e interpretar os princípios inerentes ao tipo de ação, e que dão base ao pedido, tratando-os como diretrizes.
c) Recorrer primeiro à Constituição Federal – normalmente, o advogado cita mais de uma legislação. Nesse sentido, é importante manter uma ordem lógica para não “embaralhar” o discurso. Não raras vezes, ao ler uma exordial no âmbito, a exemplo, do direito consumerista, verificamos que o advogado cita o Código Civil (CC), depois a Constituição Federal (CF), e em seguida o Código de Defesa do Consumidor (CDC), não seguindo uma sequência lógica de interpretação. Assim, o indicado seria citar primeiro a CF, que é o pilar maior do ordenamento, a partir da qual toda legislação infraconstitucional deve ser interpretada, e aí, sim, partir para as normas mais específicas: CF CC CDC. Esse cuidado, aparentemente tolo, pode fazer toda a diferença para a análise do mérito, além de garantir uma peça mais organizada e coerente.
d) Citar a doutrina – independente do tipo da ação e de sua complexidade, é importante recorrer à citação, direta e/ou indireta, da doutrina especialista no assunto. É o que se denomina, nos estudos retóricos, de “argumento de autoridade”, o qual é concebido como um instrumento de reforço. A ideia é lógica: recorre-se a um autor renomado e reconhecido como uma autoridade no assunto como forma de mostrar que o que se defende não é aleatório, mas, ao contrário, tem fundamento jurídico. Ademais, com a citação doutrinária, o advogado garante a base teórica que dá alicerce ao pedido, principalmente em relação a conceitos inerentes ao mérito, como concepção de dano moral, nexo causal etc., a depender do tipo de ação. Em regra, o advogado deve recorrer a, pelo menos, dois doutrinadores, mas, obviamente, esse número está relacionado às necessidades do caso, podendo aumentar. [2: É importante lembrar que o advogado, ao fazer uma citação, deve seguir as regras para tal procedimento estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), garantindo, à peça jurídica, o rigor técnico. ][3: Como o direito não está ilhado ou distanciado dos demais ramos do conhecimento, é normal o advogado recorrer não somente a especialistas jurídicos, mas de outras áreas, a depender das especificidades da ação. ]
e) Citação da jurisprudência – além da legislação e da doutrina, é importante também que o advogado cite no mínimo uma jurisprudência favorável à causa. Isso porque, sendo esse instrumento uma análise de magistrados em relação a ações similares – com o mesmo pedido, não há dúvida de que funciona como uma força de convencimento e ao mesmo tempo persuasiva, atuando sobre a mente do julgador, oferecendo-lhe um norte, um caminho a ser seguido.
f) Emprego dos conectivos – enquanto no relato dos fatos, como foi visto, o adjetivo é uma classe gramatical que deve ser utilizada como ferramenta argumentativa, na fundamentação jurídica, o conectivo assume essa função, garantindo a coesão textual, que é imprescindível, mas principalmente trazendo, para o discurso, mais lógica, enfatizando a linha de raciocínio utilizada. Dessa forma, a exemplo, ao concluir um raciocínio, deve-se recorrer a conectivos como “nesse sentido”, “portanto”, “destarte”, “isso posto” etc.; e ao confrontar ideias ou informações que se contrapõem, ou mesmo na contra-argumentação, deve-se utilizar conectivos como “todavia”, “no entanto”, “porém” etc. Além de deixar o texto mais hialino e coerente, o emprego de tais expressões traz mais força argumentativa.[4: Numa outra oportunidade, falaremos de forma mais pormenorizada sobre os conectivos.]
g) Conexão com o pedido – é preciso que o advogado compreenda que toda a argumentatividade da peça gira em torno do pedido, isto é, todo esforço é feito para o alcance do que se pede, pois é a meta maior da ação, é o que a move. Assim, ao concluir a fundamentação jurídica, é necessário que o advogado mais uma vez faça alusão ao pedido, e ao mesmo tempo retome os fatos, fechando a pirâmide argumentativa: fatos + direito = pedido. Lógico que isso não pode ser concebido como uma simples equação matemática, é apenas uma forma de deixar mais didática a lógica jurídica em relação à redação das peças, mostrando que a narrativa dos fatos e a fundamentação jurídica não estão ali aleatoriamente, mas para dar base ao pedido.
Ana Luiza Fireman

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