Buscar

AULA 09 – A QUESTÃO INDÍGENA (1930 A 2013)

Prévia do material em texto

AULA 09 – A QUESTÃO INDÍGENA (1930 A 2013)
Ao final desta aula, você será capaz de:
1. Abordar a questão indígena na Era Vargas;
2. Entender o posicionamento da ditadura civil-militar diante dos índios;
3. Analisar os desdobramentos da questão indígena desde a promulgação da Constituição de 1988 até a era da informática.
https://www.youtube.com/watch?v=YgtC93oUfNU
Quem, quando criança, nunca teve o rosto pintado no Dia do Índio? Dependendo da idade, pode ter dançado ao som da marchinha: “Eu fui às touradas em Madri/ E quase não volto mais aqui/ Pra ver Peri beijar Ceci”. Ou, quem sabe, entoou junto com a Xuxa: “Vamos brincar de índio/ Mas sem mocinho/ Pra me pegar...”. Talvez tenha lido O guarani ou se encantado com a ópera de mesmo nome. Quase certamente já viu alguém fantasiado de índio no Carnaval. A não ser que você pertença a alguma nação indígena, é possível que se identifique com alguma situação descrita antes. Todos nós carregamos, na memória, um imaginário sobre os povos indígenas.
Esse imaginário está carregado de preconceitos, tanto positivos quanto negativos: sejam inocentes, valentes, selvagens ou preguiçosos, os “índios” com que nos relacionamos, na maioria das vezes, estão muito distantes do que são, de fato, os povos indígenas. Em nossa aula, vamos apresentar aspectos da construção deste imaginário e tentar entender um pouco mais o posicionamento dos povos indígenas na História contemporânea. O ideal seria que os tratássemos em sua diversidade, que falássemos de ticunas, bororós, guaranis e jurunas - entre muitos outros – e não de “índios”. Contudo, isso seria assunto para um curso inteiro. Como só temos uma aula, vamos nos contentar com a história dos índios em geral. E, ainda assim, temos muito do que tratar!
Antes de começarmos a entender como a questão indígena foi tratada ao longo da Era Vargas, seria interessante que você desse uma olhada nesta fotografia: A partir da observação da fotografia e das informações contidas na legenda, como você imagina que tenha sido a relação do governo Vargas com os povos indígenas?
A resposta é individual, mas é importante que você atente para as roupas que as crianças estão usando e para o próprio cerimonial, que fogem ao que comumente associamos às culturas indígenas.
 
Isso é um indício de que Vargas queria integrar os povos indígenas à cultura ocidental, hegemônica no Brasil.
O ESTADO NOVO, O TRABALHISMO E OS POVOS INDÍGENAS
Esse processo não deveria ser obrigatório nem agressivo; pelo contrário: a assimilação era entendida como um dos motores do progresso da humanidade e aconteceria de qualquer forma, porém lenta e gradualmente. Essa postura pode ser bem detectada na trajetória do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), criado em 1907 e mantido durante a Era Vargas. O SPI ainda trabalhava com premissas coloniais, como a “conquista” dos índios através de doação de presentes para, em seguida, vesti-los e ensinar-lhes hábitos ocidentais. Tais ações eram embasadas em leis (anteriores a 1930) que haviam oficializado a tutela dos índios em relação ao Estado (representado pelo SPI). Deste modo, os índios eram considerados relativamente incapazes de se autogerir, necessitando do Estado para se sustentar e resolver conflitos.
Essa marcha, assim como influenciou na relação do governo com os trabalhadores rurais, também envolveu as políticas indigenistas. Para Vargas, os índios que habitavam as regiões Norte e Centro-Oeste, sendo a maioria da população dali, deveriam ser usados como aliados na ocupação do interior do Brasil. A melhor forma de colaborar seria através da assimilação à cultura ocidental e consequente transformação em um trabalhador rural. Aqui, esta nossa aula dialoga com a aula 8: os mesmos planos que Vargas tinha para os trabalhadores rurais, dedicava aos índios. Como vimos, ele deixaria o governo sem conseguir cumprir as promessas de extensão da legislação trabalhista ao campo.
Quer conhecer um pouco mais da atuação dos Villas-Bôas? Assista a este pequeno vídeo, gravado em 1953, quando eles travavam os primeiros contatos com os Txukarramãe: Expedição irmãos  Villa Bôas.
https://www.youtube.com/watch?v=626XZlhj324
A DITADURA CIVIL-MILITAR E A FUNAI: PROTEÇÃO OU EXTERMÍNIO?
Em termos filosóficos, a FUNAI não se distingue dos órgãos que lhe antecederam, também tendo em vista a ideia de que as nações indígenas deveriam ser integradas à sociedade brasileira de forma lenta e progressiva. Contudo, a perspectiva sobre a sua atuação durante a ditadura é ambígua. Há quem a defenda, sobretudo no que se refere ao atendimento de índios doentes e na prática da medicina preventiva. Outros, contudo, fazem denúncias graves que envolvem casos de escravidão e genocídio, como veremos mais adiante.
Antes de mais nada, precisamos comentar a criação do Estatuto do Índio em 1973. Este documento continuava a considerar o índio como tutelado (não se diferindo do SPI, do CNPI nem da FUNAI), mas apontava para alguns avanços. Foi o Estatuto que regulamentou o direito dos índios à posse das terras que tradicionalmente eram suas, assim como tinha sido feito com as terras do Xingu em 1961. No entanto, apesar de ter fixado um prazo de cinco anos para que este processo se realizasse, o Estatuto até hoje não garantiu que ele acontecesse. Além disso, a disputa pelas terras continuou causando inúmeras situações de agressão contra os índios. Também comentamos anteriormente que mesmo a FUNAI foi acusada de crimes contra os índios durante o período, lembra-se? Vamos conhecer um pouco mais do assunto? Sigamos!
A DITADURA ATACA NOVAMENTE: OS CRIMES CONTRA OS POVOS INDÍGENAS
Atualmente, por conta da instalação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), com a proposta de investigar crimes cometidos pelo Estado, sobretudo durante a ditadura civil-militar, surgiram depoimentos que denunciam prisões, torturas e humilhações sofridas por índios de diversas etnias. Sobre o tema, assista à reportagem investigativa da agência Publica:
https://apublica.org/2013/06/ditadura-criou-cadeias-para-indios-trabalhos-forcados-torturas/
1) Segundo os depoimentos, qual era o objetivo das cadeias dedicadas aos povos indígenas?
 A ideia era punir, humilhar e, em alguns casos, matar indivíduos de diversas etnias. Os depoimentos e documentos indicam que as causas das prisões eram injustificadas, o que aponta para a possibilidade de genocídio.
 
2) Cite três etnias que foram mandadas para essas prisões.
Você deve indicar três dentre os casos citados: xavantes, terenas, guaranis, urubus ka’apor, pankararu, pataxós hahahãe.
3) Você concorda em considerar tais crimes como “crimes políticos”, passíveis de indenização?
Reposta subjetiva. Você deve, a partir do que foi apresentado, defender uma resposta positiva ou negativa. No primeiro caso, considere que as prisões se configuravam, de fato, em tentativas de genocídio ou de punição devida a movimentos políticos pela posse da terra. Em caso de resposta negativa, considere que as prisões, embora exageradas, se deviam apenas aos pequenos delitos alegados.
FORMAÇÃO DA GUARDA INDÍGENA
Chocante, não? Principalmente quando atentamos para o fato de que não foram acontecimentos isolados, mas que se repetiram em outros lugares do país. Seja qual for a sua opinião sobre as denúncias, você não pode deixar de notar que a formação da Guarda Indígena, denunciada no vídeo, é uma perpetuação da política equivocada do SPI. Afinal, os índios eram vestidos e treinados como soldados ocidentais, sendo usados em prol da violência do Estado contra seus próprios familiares. A sequência em que desfilam com um homem carregado no pau de arara é bastante forte, não?
Antes de seguirmos, fica uma dica de reflexão:
 
De fato, esses relatos depõem contra a atuação da FUNAI durante a ditadura militar. Contudo, saiba que um mesmo órgão pode passar por fases distintas, de acordo com sua direção e com os grupos que estão no comando do país. O fato de ter cometido erros durante a ditadura não faz com que aFUNAI os continue cometendo hoje, não é mesmo?
A CONSTITUIÇÃO DE 1988: ÍNDIOS CIDADÃOS
Como você certamente se lembra, em 1988 foi promulgada a nossa atual Constituição, que ficou conhecida como “cidadã”. Veja uma fotografia tirada durante o período em que a Carta ainda estava sendo concebida:
Interessante, não? Em vez de continuar nas aldeias, esperando pela decisão que os outros tomassem sobre suas vidas, muitos grupos de diversas etnias se organizaram e foram a Brasília garantir que seus direitos fossem assegurados. Podemos dizer que parte destas reivindicações foi atendida. Afinal, a Constituição de 1988 considera que os índios têm direito a sua cultura, podendo permanecer como índios, em vez de serem “integrados” à força na sociedade brasileira.
Ainda cabe ao Estado zelar pelo cumprimento destes benefícios (o direito à cultura e às terras), o que perpetua a relação de dependência. Agora, porém, a tutela não se dá mais sobre os indivíduos – considerados capazes de se autogerir –, mas sobre os direitos. Como vimos até agora, estas eram as facetas mais problemáticas dos órgãos e decretos que regiam a questão indígena. Logo, a Constituição se confirma como um avanço, certo? Contudo, como o Estatuto do Índio continuou a existir, e vimos que ele contraria muitos dos aspectos da Constituição, seria necessário reformulá-lo ou substituí-lo. Além disto, reforça a parte positiva do Estatuto do Índio, que garantia aos povos indígenas o direito de posse de suas terras.
Você deve se lembrar de que é o Estatuto que rege a FUNAI. Embora haja projetos de reformulação, até agora nada foi efetivado. Já que estamos falando da década de 1980, que tal darmos uma olhada em outros eventos que também se relacionavam com os povos indígenas e que marcaram a época? Outro destaque do fim da década de 1980, consequência direta das lutas pelo reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, foi o sucesso internacional alcançado pelo líder caiapó Raoni Metuktire. Lutando pela preservação da floresta amazônica e pelo direito à demarcação de terras indígenas, Raoni angariou apoio de figuras internacionalmente conhecidas, entre políticos, intelectuais e artistas.
A relação mais estreita se deu com o cantor Sting, que fazia sucesso internacional nos anos 1980. A parceria entre o cantor e o líder indígena gerou muitos frutos, como o cancelamento da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte – que, atualmente, foi retomada, apesar de inúmeros protestos no Brasil e no mundo. Você já ouviu falar de Belo Monte? Não? Procure se informar! As pessoas que se colocam contra a obra denunciam que ela ocasionará desastres ambientais, além de isolar populações ribeirinhas, entre as quais algumas são indígenas.
Vale lembrar que, embora a luta de Raoni tenha sido parcialmente vitoriosa, há muitos casos de derrota daqueles que lutam pela preservação da floresta e dos povos indígenas. Vale citar o caso de Chico Mendes, assassinado justamente no ano em que a Constituição foi promulgada. Motivo? A sua luta, também internacionalmente reconhecida, pela preservação da floresta Amazônica, procurando unir todos que dela precisam para sobreviver – e não para explorar de forma predatória – como os seringueiros e os povos indígenas. Nesse caso, porém, talvez nem fosse certo chamarmos de “derrota”. Afinal, o corpo de Chico Mendes foi morto, mas seu nome e suas lutas continuam.
A QUESTÃO INDÍGENA HOJE
Até agora, conversamos sobre avanços e retrocessos na luta dos povos indígenas pelo reconhecimento de seus direitos ao longo do século XX. E sobre o século XXI, o que será que temos a dizer? Para tentarmos responder a esta questão, leia um trecho da reportagem Sobrenome: ‘Guarani Kaiowa’, de Eliane Brum, publicada em 26/11/2012:
 
“No início de outubro, a carta de um grupo de guaranis caiovás de Mato Grosso do Sul provocou uma mobilização, em vários aspectos inédita, na sociedade brasileira. No texto [...], os índios, ameaçados de despejo por ordem judicial, declaravam: ‘Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui’. A carta foi divulgada pelo Twitter e pelo Facebook, gerando uma rede de solidariedade e de denúncia das violências enfrentadas por essa etnia indígena. Desta rede, participaram – e participam – milhares de brasileiros urbanos. [...]
De repente, pessoas de diferentes idades, profissões e regiões geográficas passaram a falar diretamente com as lideranças indígenas, no espaço das redes sociais, sem precisar de nenhum tipo de mediação. E de imediato passaram a ampliar suas vozes. A partir dessa rede de pressão, as instituições – governo federal, congresso, judiciário etc. – foram obrigadas a colocar a questão na pauta. Depois de dias, em alguns casos semanas, a imprensa repercutiu o que ecoava nas redes. Alguns dos grandes jornais enviaram repórteres para a região, colunistas escreveram artigos com diferentes pontos de vista. O movimento de adesão à causa guarani caiová nas redes sociais – sua articulação, significados e consequências – é um fenômeno fascinante. E, por sua força e novidade, traz com ele uma série de questões que possivelmente precisem de muito tempo para serem respondidas – e que não têm uma resposta só.”
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/11/sobrenome-guarani-kaiowa.html
1- A qual acontecimento o texto se refere?
Ao fato de muitas pessoas terem adotado o sobrenome “Guarani Kaiwoa” em seus perfis no Facebook, como forma de protesto contra o despejo desta nação de suas terras.
2- O que você pensa sobre a eficiência deste tipo de ação?
Reposta subjetiva. Dependendo de sua perspectiva, pode achar que a manifestação é válida e que gerou um saldo positivo para a nação envolvida, que contou com mais atenção da mídia e defensores na política institucional. Ou pode considerar que se trata apenas de “moda” e que a atenção aos kaiowa se dissipará assim que a “onda” acabar; talvez você prefira o equilíbrio entre as duas posturas: apesar do “modismo”, as manifestações geraram um saldo positivo.
SITUAÇÃO ATUAL DOS POVOS INDÍGENAS
Após a leitura do texto e as reflexões possibilitadas pelas questões, você deve ter mais dúvidas que respostas, não é mesmo? Assim como a autora do artigo, deve estar se perguntando sobre o que este fenômeno das redes sociais significou e o que ele pode nos dizer sobre a situação atual dos povos indígenas no Brasil do século XXI. A boa notícia é que você não é a única pessoa a se sentir um pouco aturdida por estes acontecimentos. Todos nós estamos tentando entender como funciona o mundo hoje em dia, que ganhos e perdas ele pode nos trazer. Como em todos os setores da sociedade, a questão indígena também está envolvida nisto.
Ainda seguindo o trecho da matéria de Eliane Brum, podemos tirar algumas conclusões. Em primeiro lugar, percebemos que, apesar de toda proteção legal, os povos indígenas continuam a sofrer ataques, muitas vezes com o apoio de parte do governo. Como estamos falando de internet, o texto de Brum nos aponta para outro fenômeno: os índios têm acesso à tecnologia; também estão conectados! Isto pode causar espanto em alguns e mesmo desconfiança. Alguns disseram que não eram os índios que estariam publicando os textos nas redes sociais, pois não dominariam a tecnologia a este ponto. Outros achavam que, se tinham acesso à tecnologia, já não poderiam mais ser considerados índios.
Você se lembra da “bancada ruralista” sobre a qual conversamos na aula 8? Sim, aquela mesma que votava contra todos os esforços pela reforma agrária. Ela é a mesma que atua contra a demarcação de terras indígenas, pelos mesmos motivos: manter os privilégios de latifundiários.
 As posições da bancada e dos agentes da violência que ela sustenta são apoiadas por alguns meios de comunicação conservadores. Por esse motivo, a divulgação da campanha pelas redes sociais foi tão importante: as notícias foram divulgadas com mais liberdade, permitindo que aspessoas se informassem sem precisar passar pelas mídias tradicionais.
 
Claro que, como você já deve ter percebido, nem tudo que é divulgado pelo “Face” é confiável, tanto do ponto de vista da procedência quanto das ideias. Afinal, mesmo os conservadores estão conectados hoje em dia, não é mesmo? Logo, fica a dica: antes de compartilhar um conteúdo, procure pesquisar sobre o tema, compare com outras notícias e – principalmente – pense bem se é aquela ideia mesmo que pretende divulgar. Se você está em um dos grupos, vamos conversar! Afinal, o seu posicionamento pode ter sido influenciado pela falta de conhecimentos a respeito da forma como são considerados os índios pela Antropologia moderna e pela lei brasileira.  
Por um lado, sabemos que os índios, hoje, têm o direito de manter sua cultura. Isto, contudo, não significa que ela deva ser estática e permanecer imutável. Um índio que use a internet pode contribuir para preservar e divulgar sua cultura através de um meio de tecnologia contemporâneo. Por outro lado, um indivíduo que pertença a uma nação indígena é um ser humano como outro qualquer, capaz de dominar toda sorte de técnicas e tecnologias. Sim, eles continuam sendo índios mesmo que usem um computador, tenham celular ou assistam à TV. O caso dos Guarani Kaiwoa ainda está em aberto, mas outro tema recente que chamou a atenção da mídia é a destruição da Aldeia Maracanã, vizinha ao estádio de mesmo nome no Rio de Janeiro, onde moravam alguns índios. Essas pessoas foram obrigadas a deixar a sua casa por conta das obras preparatórias da região para abrigar a final da Copa de 2014, o que contou tanto com protestos quanto com defesas.
Imediatamente, a notícia ganhou o mundo, dividindo as opiniões. Agora, para finalizarmos nossa aula, vamos discutir um pouco sobre educação e História(s) indígena(s). Por enquanto, ficaremos só no comentário, poios teremos a oportunidade de falar mais sobre o assunto na aula 10, quando trataremos da visão sobre o Brasil no mundo.
A(S) HISTÓRIA(S) INDÍGENA(S) E A HISTÓRIA NACIONAL: O ESTADO E A EDUCAÇÃO
Começamos a nossa aula comentando as diversas imagens que temos dos índios em nossa cultura, lembra-se? Agora, você poderá realizar uma crítica deste imaginário, através da reflexão sobre o ensino das culturas e das histórias dos povos indígenas do Brasil. Embora uma visão idealizada dos povos indígenas já tenha sido construída pelo movimento romântico brasileiro no século XIX, foi principalmente durante a Era Vargas que muitas de nossos preconceitos se originaram. Apesar de a política varguista privilegiar a assimilação dos povos indígenas à sociedade brasileira – contribuindo, desta forma, para a destruição de seus traços culturais -, do ponto de vista intelectual o governo incentivava o conhecimento e registro destes povos.
Muitos intelectuais renomados investiram nesta área. Por exemplo: já vimos na aula 2 que Mário de Andrade atuou como folclorista. Embora o folclore não estivesse associado apenas aos povos indígenas, estes eram particularmente visados. Outro folclorista de destaque foi Câmara Cascudo, que escreveu inúmeras obras de referência sobre o tema. Contudo, nenhum pensador contribuiu tanto para a divulgação de uma “cultura indígena” vaga e difusa do que Gilberto Freyre. Suas ideias envolvendo a miscigenação como o traço fundamental da cultura brasileira fez com que as características originais das etnias que habitam o Brasil fossem apagadas em nome de uma “cultura nacional” mestiça e sintética.
Se você tem mais de 30 anos, deve se lembrar de que nos livros didáticos sempre líamos textos a respeito da “união das três raças”, de como os brancos, os índios e os negros haviam contribuído para nossa história e cultura. E isso já no fim da ditadura civil-militar... Ou seja, as ideias construídas nos anos 1930 praticamente atravessaram o século! Contudo, não estamos aqui “condenando” Gilberto Freyre por este processo. Trata-se de um intelectual sofisticado e criativo, cuja obra merece toda a reverência possível. No entanto, a apropriação e empobrecimento de suas ideias tiveram, de fato, consequências negativas para nossa apreensão das culturas e das histórias indígenas – tanto quanto dos negros.
Mas, e hoje, como anda essa situação? Para responder a esta pergunta, vamos ler um trecho do artigo Herói e trabalhador: o papel do índio no Estado Novo através da análise de fontes históricas, de Roberta Rosa: A abordagem da cultura indígena em sala de aula é defendida pela lei nº 11.645 de 10 de março de 2008, que estabelece a inclusão no currículo oficial da rede de ensino da obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Sendo assim, as escolas de todo território nacional têm a obrigatoriedade de abordar essa temática, e por isso se faz necessário pensar metodologias que possam orientar os docentes na abordagem de tais conteúdos. Desta forma, é possível mostrar aos discentes como se deu a participação de afro-brasileiros e indígenas na formação do nosso Estado, enfatizando o fato de que negros e índios eram agentes ativos, reagiam e enfrentavam os problemas que os cercavam.
http://pt.scribd.com/doc/173453203/Heroi-e-trabalhador-o-papel-do-indio-estado-Novo
Interessante essa perspectiva, não é? A autora nos informa sobre a existência de uma lei que exige o ensino, mas não determina como ele se dará. Ou seja: como ensinar a “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”? No trecho, já temos uma dica: devemos visualizar estes povos como ativos na construção de nossa história. Afinal, do jeito que se ensina hoje, parece que negros e, sobretudo, índios, eram figurantes em uma história em que tanto heróis quanto vilões eram brancos. Que tal pesquisar para saber como os povos indígenas e negros reagiam, resistiam, atuavam? A segunda dica é também uma crítica ao texto da lei: por que devemos ensinar “uma” história e “uma” cultura? Como temos falado desde o início, são muitas as nações indígenas que habitam o Brasil, assim como foram muitas as nações africanas. Por que não ao menos tentar – sabemos que a tarefa é difícil! – aprender e ensinar as histórias e as culturas dos povos indígenas? Se algum dia você estiver em sala de aula, lembre-se disso!
Leia um trecho da reportagem A farra da antropologia oportunista, de Leonardo Coutinho, Igor Paulin e Júlia de Medeiros, publicada na revista Veja, em 5 de maio de 2010:
 
“As dimensões continentais do Brasil costumam ser apontadas como um dos alicerces da prosperidade presente e futura do país. As vastidões férteis e inexploradas garantiriam a ampliação do agronegócio e do peso da nação no comércio mundial. Mas essas avaliações nunca levam em conta a parcela do território que não é nem será explorada, porque já foi demarcada para proteção ambiental ou de grupos específicos da população.
[...] O governo pretende criar outras 1.514 reservas e destinar mais 50.000 lotes para a reforma agrária. Juntos, eles consumirão uma área equivalente à de Pernambuco. A maior parte será entregue a índios e comunidades de remanescentes de quilombos. Com a intenção de proteger e preservar a cultura de povos nativos e expiar os pecados da escravatura, a legislação brasileira instaurou um rito sumário no processo de delimitação dessas áreas.
 
Os motivos, pretensamente nobres, abriram espaço para que surgisse uma verdadeira indústria de demarcação. Pelas leis atuais, uma comunidade depende apenas de duas coisas para ser considerada indígena ou quilombola: uma declaração de seus integrantes e um laudo antropológico. A maioria desses laudos é elaborada sem nenhum rigor científico e com claro teor ideológico de uma esquerda que ainda insiste em extinguir o capitalismo, imobilizando terras para a produção. Alguns relatórios ressuscitaram povos extintos há mais de 300 anos. Outros encontraram etnias em estados da federação nos quais não há registro histórico de que elas tenham vivido lá. Ou acharam quilombos em regiões que só vieram a abrigar negros depois que a escravatura havia sidoabolida.”
http://veja.abril.com.br/050510/farra-antropologia-oportunista-p-154.shtml
1- Em nossa aula, vimos que a mídia se divide em relação à questão indígena. De acordo com este debate, qual seria o posicionamento da revista Veja?
A revista se mostra conservadora, condenando as políticas de proteção aos territórios indígenas.
2- Segundo a matéria, as políticas de proteção ambiental, de demarcação de terras indígenas e de terras para reforma agrária acarretariam um prejuízo para o país. Comente.
A revista defende que tais políticas atrapalham o desenvolvimento econômico do país, pois estariam vinculadas à atuação das esquerdas, que não teriam interesse no desenvolvimento capitalista do país.
ROSA, Roberta. Herói e trabalhador: o papel do índio no Estado Novo através da análise de fontes históricas. Disponível aqui. Acesso em 13 mar. 2014.
CUNHA, Manuela Carneiro da. O futuro da questão indígena. In: Estudos Avançados. Vol. 8 nº 20. São Paulo Jan./Abr. 1994. Disponível aqui. Acesso em 13 mar. 2014.
Assista ao filme “Xingu” (Cao Hamburguer, 2012) e conheça um pouco da história dos irmãos Villas-Bôas.
Assista ao documentário “Raoni” (Jean-Pierre Dutilleux e Luiz Carlos Saldanha, 1978) e saiba mais sobre este líder indígena.
Visite o Museu do Índio e entenda melhor as culturas indígenas. Disponível aqui. Acesso em 13 mar. 2014.
Visite a página da Comissão Nacional da Verdade para conhecer melhor as violações dos Direitos Humanos contra os povos indígenas. Disponível aqui. Acesso em 13 mar. 2014.
Assista ao filme “Yndio do Brasil” (Silvio Back, 1995) e entenda como parte do cinema brasileiro retratou os índios. Acesse aqui(acesso em 13 mar. 2014).

Continue navegando