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Machado WCA, Figueiredo NMA, Miranda RS de et al. Violência doméstica contra idosos: reflexos... Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6936-41, dez., 2013 6936 DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201329 ISSN: 1981-8963 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA IDOSOS: REFLEXOS NA ASSISTÊNCIA E CUIDADOS DE ENFERMAGEM DOMESTIC VIOLENCE AGAINST THE ELDERLY: REFLECTIONS ON ASSISTANCE AND NURSING CARE VIOLENCIA INTRAFAMILIAR HACIA PERSONAS MAYORES: REFLEJOS SOBRE LA ATENCIÓN Y CUIDADOS DE ENFERMERÍA Wiliam César Alves Machado1, Nébia Maria de Almeida Figueiredo2, Rodrigo Sousa de Miranda3, Carla Oliveira Shubert4 RESUMO Objetivo: contribuir na discussão da temática maus tratos para com idosos e sua contextualização na agenda da enfermagem contemporânea. Metodologia: estudo reflexivo, realizado a partir da análise de artigos científicos, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Política Nacional de Saúde do Idoso, leis, portarias e documentos oficiais do Ministério da Saúde. Resultados: são apresentados os fundamentos legais acerca do aumento da violência contra idosos no Brasil, e suas implicações para a assistência e cuidados de enfermagem. Conclusão: a escalada de violência contra idosos em nosso país, pelo que representa em termos de comprometimento da saúde, bem estar e segurança deste segmento da população em acentuado crescimento, requer dos enfermeiros intervenções específicas nas esferas institucionais, unidades de saúde, associações comunitárias, bem como adequar os programas de formação profissional para atendimento a essa demanda contemporânea. Descritores: Maus Tratos ao Idoso; Violência Doméstica; Cuidado de Enfermagem; Enfermagem Geriátrica. ABSTRACT Objectives: to contribute to the thematic discussion about ill-treatment of the elderly and its contextualization in the contemporary nursing agenda. Methodology: this was a reflexive study conducted from the analysis of scientific articles and data from the Brazilian Institute of Geography and Statistics, National Health Policy for the Elderly, laws, ordinances, and official documents from the Ministry of Health. Results: the legal foundations about the increase in violence against the elderly in Brazil are presented with its implications for assistance and nursing care. Conclusion: the escalation of violence against the elderly in our country is reflected in the compromised health, well-being, and safety of this growing segment of the population and requires specific interventions of nurses in the realm of institutions, health units, community associations, and the adaptation of professional training programs to meet this demand. Descriptors: Ill- treatment to the elderly; Domestic Violence; Nursing Care; Geriatric Nursing. RESUMEN Objetivo: contribuir a la discusión respecto al tema de los malos tratos hacia las personas mayores y su contextualización en el programa de enfermería contemporánea. Metodología: estudio reflexivo, realizado desde los análisis de artículos científicos, con datos del Instituto de Geografia e Estatística, Política Nacional de Saúde do Idoso, leyes, porterías y documentos oficiales del Ministerio de Salud. Resultados: son presentados los fundamentos legales sobre el aumento de la violencia contra las personas mayores en Brasil, y sus implicaciones para la atención y cuidados de de enfermería. Conclusión: el aumento de la violencia contra las personas mayores en nuestro país, por lo que representa en términos de compromiso con la salud, bienestar y seguridad de este segmento de la población en acentuado crecimiento, requiero de los enfermeros intervenciones específicas en las esferas institucionales, unidades de salud, asociaciones comunitarias, así como adecuar los programas de formación profesional para la atención a esa demanda contemporánea. Descriptores: malos tratos a personas mayores; violencia intrafamiliar; cuidados de enfermería; enfermería geriátrica. 1 Enfermeiro, Professor Doutor em Enfermagem, Departamento de Enfermagem Fundamental, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/EEAP. Niterói (RJ), Brasil. Email: wilmachado@uol.com.br; 2Enfermeira, Professora Titular, Doutora em Enfermagem, Departamento de Enfermagem Fundamental, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/EEAP. Niterói (RJ), Brasil. E-mail: nebia@unirio.br; 3Enfermeiro, Mestrando, Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Enfermagem, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/PPGENF/EEAP. Niterói (RJ), Brasil. E-mail: drigo_pan@yahoo.com.br; 4Enfermeira, Mestranda, Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Enfermagem, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/EEAP. Niterói (RJ), Brasil. Email: carlashubert@yahoo.com.br ARTIGO ANÁLISE REFLEXIVA Machado WCA, Figueiredo NMA, Miranda RS de et al. Violência doméstica contra idosos: reflexos... Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6936-41, dez., 2013 6937 DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201329 ISSN: 1981-8963 Mudanças na constituição familiar dos brasileiros trazem a reboque substantivos embates no plano dos valores de cada ente componente dessa importante célula do nosso organismo e sistema social – a família, cenário tradicionalmente considerado sagrado de respeitosas trocas de experiências de vida cotidiana, que podem se transformar em espaços para grandes embates e conflitos, no qual os mais frágeis – as pessoas acima de 60 anos – sempre ficam em desvantagem. É nesse contexto, que se colocam questões relevantes para a enfermagem contemporânea, considerando ser esta uma área de conhecimento voltada para a promoção da vida e saúde de cada membro da sociedade em que se esteja inserido, como por exemplo: Como interagir para cuidar dos membros das famílias que se desintegram em face da escalada de violência praticada dentro de casa contra pessoas idosas? Não há como desconsiderar que o processo de envelhecimento é uma realidade sem retrocesso, que preocupa países do mundo todo, em especial países em desenvolvimento, em que houve aumento do número de anos vividos pelas pessoas, sem que houvesse melhoria na qualidade de vida dos mesmos. 1 Perspectiva que sugere tomada de providências no âmbito da enfermagem para o planejamento de ações focadas na promoção da saúde e melhoria da qualidade de vida dessas pessoas, com atendimento da crescente demanda pela assistência e cuidados para idosos, neste caso, vítimas de maus tratos dentro de seus próprios lares. O papel do Enfermeiro e a Estratégia de Saúde da Família Presume-se, da competência dos enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família (ESF), o planejamento dos cuidados e assistência de enfermagem para todos os membros dessas famílias 2, inclusive, diagnosticando, planejando e executando estratégias intersetoriais voltadas para a eliminação gradativa dos elementos desencadeadores desses conflitos, atuando junto com demais membros da equipe de saúde na origem, no cerne dos impulsos que movem os eventuais agressores. Isto porque, em decorrência da complexidade inerente ao fenômeno em baila, há que se reconhecer que ele requer atuação de diversos profissionais com conhecimentos e respaldos legais específicos para lidar com seus múltiplos aspectos. Uma equipe multiprofissional empenhada na conjunção de esforços para o resgate de laços fraternos essenciais ao convívio saudável e harmonioso entre os atores sociais componentes desses núcleos familiares desintegrados. Independente da esfera em que atue, como ativo partícipe da equipe de saúde, o enfermeiro deve promover intervenções imediatasde cuidados para atender aos déficits e necessidades humanas básicas afetados no universo do idoso vitimado. 3 Mais ainda, deve planejar assistência e respectivos cuidados a serem prestados e orientados aos cuidadores domiciliares, em consonância com a Estratégia Saúde da Família 4, equipes que atuam em maior proximidade com entes familiares nas comunidades. Nesse aspecto, é primordial que seja estabelecida e preservada rede interligada de profissionais de enfermagem atenta para assegurar a prestação da assistência e cuidados aos idosos vítimas de maus tratos, inclusive, servindo-se dos registros de avaliação e acompanhamento dos casos, elaborados pelos enfermeiros das ESF. Profissionais diretamente envolvidos e responsáveis pela assistência e cuidados na atenção básica de saúde prestada às famílias da área geográfica de abrangência correspondente às Unidades Básicas de Saúde em que atuem. Sabe-se que os integrantes da equipe da ESF têm a responsabilidade ética e legal de identificar e relatar a suspeita de maus tratos às autoridades competentes, o que facilitaria a investigação e a ação dos serviços de proteção ao idoso onde estiver inserido. Entretanto, é importante ressaltar que há poucos registros dessa natureza no sistema de informação do SUS, talvez pela falta de percepção do profissional, que, ao prestar atendimento, direciona suas ações para os danos e não para as causas, mesmo porque, como geralmente abordado pela ESF, os idosos não expressam a violência sofrida. 4 No âmbito da atenção primária, espera-se que os cuidados de enfermagem prestados aos idosos vulneráveis substituam o modelo fragmentado e de demanda por uma perspectiva antecipatória, ou seja, cuidados pró-ativos, em que os idosos, seus familiares e enfermeiros busquem, em conjunto, as soluções para os problemas, com vistas na melhoria da qualidade de vida, da saúde física, mental, emocional e ao apoio social a esses idosos. 5,6 A adoção de estratégias pautadas na perspectiva antecipatória de cuidados pró-ativos, enquanto se apuram elementos das denúncias de maus tratos contra idosos, possibilita, efetivamente, ao enfermeiro investir no fortalecimento dos INTRODUÇÃO Machado WCA, Figueiredo NMA, Miranda RS de et al. Violência doméstica contra idosos: reflexos... Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6936-41, dez., 2013 6938 DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201329 ISSN: 1981-8963 laços fraternos entre os entes familiares em conflito, atuando com profissionalismo, respeito e sabedoria no resgate dos vínculos, responsabilidades e competências de cada um de seus membros na reconstrução do bem estar e harmonia familiar perdidos. 7 A atuação em Unidade Básica de Saúde, por conseguinte, permite aos enfermeiros verificar grande incidência de idosos que procuram esse serviço, devido à vulnerabilidade que os envolve, e faz com que sejam identificados como pessoas com inúmeros problemas que demandam assistência adequada.1 A esse respeito, reiteram-se dados que se destacam na avaliação quantitativa dos milhares de atendimentos prestados na Secretaria Municipal do Idoso e da Pessoa com Deficiência de Três Rios, Região Centro Sul do Estado do Rio de Janeiro, aos idosos com queixas de maus tratos, no período janeiro a dezembro de 2010 7, seja intercedendo junto ao Ministério Público Estadual como forma de chamar atenção e esclarecer aos agressores aspectos legais envolvidos na ocorrência, seja na visita realizada pela equipe ao domicílio das famílias, momento em que o enfermeiro tem oportunidade de elaborar estratégias para uma assistência e cuidados mais adequados a cada caso. A experiência na gestão pública do Planeta Vida O bem sucedido conjunto de serviços focados na inclusão, saúde, reabilitação e resgate da cidadania dos idosos atendidos pela equipe transdisciplinar do Planeta Vida, demonstra que as ocorrências de maus tratos a essas pessoas podem ser conduzidas de forma integrada, objetivando a minimização ou a resolução dos conflitos entre idosos, seus familiares ou cuidadores domiciliares. Unidade de gestão pública municipal localizada na região Centro Sul Fluminense, que, apenas em 2010, registrou 2.363 encaminhamentos de relatórios com sistemática descrição das ocorrências de queixas de maus tratos contra idosos para que agentes do Ministério Público tomassem devidas providências, inclusive, convocando as partes para apuração dos fatos com o indiciamento de familiares, vizinhos e demais pessoas que exerçam maus tratos para com seus semelhantes vulneráveis aos abusos de autoridade. 7 Diz-se bem sucedido pelo caráter inovador de incluir o enfermeiro como elemento fundamental no processo de avaliação para elaboração do diagnóstico e respectivas intervenções de enfermagem, no sentido de atuar conjunta e concomitantemente com demais membros da equipe na resolução dos problemas decorrentes dos quadros de violência doméstica praticada contra idosos. A violência contra o idoso e a perspectiva do nosso país A violência e maus tratos para com idosos eram vistos como uma questão estritamente familiar, permanecendo encoberta até a metade do século XX. Representa, hoje, um grande desafio para a sociedade em geral, e particularmente para o setor de saúde. Provoca, além de óbitos, traumas físicos e emocionais, o que redunda no aumento da demanda por serviços e programas de saúde específicos. Em 2000, o Brasil teve 34.132 internações hospitalares geradas por violência, dos quais 4% representaram violência contra pessoas com 60 anos ou mais. 8 Nesse ritmo, imprescindível se torna a criação de políticas públicas para o enfrentamento de suas causas e que assegurem atendimento aos familiares envolvidos no conflito, proporcionando meios para que os profissionais possam atender a essas pessoas e aos idosos com prioridade na agenda de diagnósticos situacionais, no âmbito da saúde do idoso. 9 A violência contra idosos é um fenômeno de notificação recente no mundo e no Brasil. A vitimização desse grupo social, no entanto, é um problema cultural de raízes seculares e suas manifestações são facilmente reconhecidas desde as mais antigas estatísticas epidemiológicas. 10 A quantidade crescente de idosos oferece um clima de publicidade e de politização das informações sobre maus tratos de que são vitimas, tornando o problema uma prioridade na pauta de questões sociais. No Brasil, a questão começou a ganhar visibilidade na década de 90, depois que a preocupação com a qualidade de vida dos idosos entrou na agenda da Saúde Pública. 11 Além disso, a violência intrafamiliar é caracterizada pela ação ou omissão que prejudique o bem estar, a integridade física e psicológica, ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de um integrante do núcleo familiar. 4 A violência contra o idoso pode assumir várias formas e ocorrer em diferentes situações 12, e, por diferentes motivos, é subdiagnosticada e subnotificada. Entre as causas para o difícil diagnóstico estão: sentimentos, da vítima, de culpa e vergonha, medo de retaliação ou represália por parte do agressor, ou ainda receio de ser internada em asilo. A maioria dos casos de violência contra Machado WCA, Figueiredo NMA, Miranda RS de et al. Violência doméstica contra idosos: reflexos... Português/InglêsRev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6936-41, dez., 2013 6939 DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201329 ISSN: 1981-8963 idosos é devido à autonegligência ou é perpetrado por um membro da família, o que pode explicar por que as vítimas tendem a minimizar a gravidade da agressão e se mostrarem leais a seu agressor, frequentemente negando-se a adotar medidas legais contra membros da família ou a discutir sobre esse assunto com terceiros. Elas preferem conviver com maus tratos a abrir mão de um relacionamento pessoal em suas vidas. 13 Nesse aspecto, vale reiterar a importância do papel exercido pelos profissionais de saúde na busca de estratégias conciliadoras para harmonia do conflito intrafamiliar, em particular os enfermeiros das equipes da ESF e aqueles que atuam em unidades voltadas para a oferta de serviços consoantes com as diretrizes da Política Nacional de Saúde do Idoso, uma vez que esses estão na linha de frente e são os que interagem mais precocemente junto aos casos de violência contra os idosos. Agir com prudência e sabedoria, sobretudo cônscios de que o convívio familiar harmonioso é fator fundamental para o bem estar, saúde e qualidade de vida das pessoas que vivenciam o envelhecimento. No plano legal é imperativo ressaltar que, em 2003, o Congresso Nacional aprovou, e o Presidente da República sancionou, o Estatuto do Idoso,14 elaborado com intensa participação de entidades de defesa dos interesses dos idosos. O Estatuto do Idoso amplia a resposta do Estado e da sociedade às necessidades da população idosa, mas não traz consigo meios para financiar as ações propostas. O Capítulo IV do Estatuto reza especificamente sobre o papel do SUS na garantia da atenção à saúde da pessoa idosa de forma integral, em todos os níveis de atenção. Assim, embora a legislação brasileira relativa aos cuidados da população idosa seja bastante avançada, a prática ainda é insatisfatória. A vigência do Estatuto do Idoso e seu uso como instrumento para a conquista de direitos dos idosos, a ampliação da Estratégia Saúde da Família que revela a presença de idosos e famílias frágeis e em situação de grande vulnerabilidade social e a inserção ainda incipiente das Redes Estaduais de Assistência à Saúde do Idoso tornaram imperiosa a readequação da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI). 15 A finalidade primordial da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa é recuperar, manter e promover a autonomia e a independência dos indivíduos idosos, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. É alvo dessa política todo cidadão e cidadã brasileiros com 60 anos ou mais de idade. Nas últimas décadas, o número absoluto de pessoas com 60 anos ou mais de idade aumentou nove vezes. Não só a população brasileira está envelhecendo, mas a proporção da população “mais idosa”, ou seja, a de 80 anos ou mais de idade, também está aumentando, alterando a composição etária dentro do próprio grupo. Significa dizer que a população idosa também está envelhecendo. Em 2000, esse segmento representou 12,6% do total da população idosa brasileira. Isso leva a uma heterogeneidade do segmento idoso brasileiro, havendo no grupo pessoas em pleno vigor físico e mental e outras em situações de maior vulnerabilidade.11 O Brasil é considerado um país de população envelhecida16, uma vez que os dados do censo de 2010 retratavam que o número de idosos na população já representava 11%, e, a população de um país é dita envelhecida quando a proporção de idosos alcança 7%, com tendência a aumentar. Outro fato relevante é a longevidade, que também vem elevando-se progressivamente, conforme observado através do crescimento dos grupos etários mais elevados, ressaltando- se que, da década de 90 para 2000, a população de idosos total cresceu 36,5% e a de idosos com mais de 75 anos, 49,3%.5 Reforçando o já pontuado, destacam-se preocupantes as estimativas para os próximos 20 anos, de acordo com as quais os idosos excederão 30 milhões de indivíduos, chegando a representar 13% dos brasileiros, e que, em 2050, a população de idosos poderá somar 18% da população total, o que corresponderá a aproximadamente 47 milhões de indivíduos17. Prenúncios de substantivos aumentos da população idosa no Brasil que impõem o enfrentamento de maiores desafios para a enfermagem em termos da previsão e provisão de assistência e cuidados para essas pessoas. Assim como na maioria dos países, o sistema de saúde brasileiro não está estruturado para atender à demanda crescente de idosos. É fato que os idosos consomem mais dos serviços de saúde, suas taxas de internação são bem mais elevadas e o tempo médio de ocupação do leito é muito maior quando comparados a qualquer outro grupo etário. A falta de serviços domiciliares e/ou ambulatoriais faz com que o primeiro atendimento ocorra em estágio avançado, no hospital, aumentando os custos e diminuindo as chances de prognóstico favorável. Em outras palavras, consomem-se mais recursos do que seria preciso, elevam-se os custos, sem Machado WCA, Figueiredo NMA, Miranda RS de et al. Violência doméstica contra idosos: reflexos... Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6936-41, dez., 2013 6940 DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201329 ISSN: 1981-8963 que, necessariamente, se obtenham os resultados esperados em termos de recuperação da saúde e melhoria da qualidade de vida.18 Dados do Censo 2010 19 revelaram que o envelhecimento é também uma questão de gênero. Posto que, cinquenta e cinco por cento da população idosa são formados por mulheres. A proporção do contingente feminino é tanto mais expressiva quanto mais idoso for o segmento. Essa predominância feminina se dá em zonas urbanas. Nas rurais, predominam os homens, o que pode resultar em isolamento e abandono dessas pessoas. Motivos suficientes para que seja ampliada a ação das ESF nas zonas rurais, tornando acessíveis cuidados e assistência de enfermagem aos idosos que nelas residem. A Constituição Federal do Brasil20 reza que é obrigação dos filhos darem assistência aos pais. Contudo, esses direitos ficam no papel. Estudos feitos pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, com base nas ocorrências registradas pela Delegacia de Proteção ao Idoso de São Paulo em 2000, revelaram que 39,6% dos agressores eram filhos das vítimas, 20,30% seus vizinhos e 9,3% outros familiares. As ocorrências com maior frequência foram ameaças, seguidos de lesão corporal e de calunia e difamação.11 Levando-se em conta o aumento do número de idosos no Brasil e a ocorrência de vários problemas relacionados ao comprometimento da qualidade de vida e saúde desta população, são necessárias providências que viabilizem maior acesso a serviços de saúde e a cuidados de enfermagem nas áreas ambulatorial, comunitária e domiciliária. Nesse contexto, a assistência de enfermagem ao idoso deve prezar pela promoção da qualidade de vida, considerando os processos de perdas próprias do envelhecimento e as possibilidades de prevenção, manutenção e reabilitação de seu estado de saúde.21 Por mais difícil que possa parecer, não se deve emitir juízos de valores morais, culturais, éticos, nas situações de cuidar, no âmbito da enfermagem, que envolvam maus tratos a idosos ,embora, involuntariamente, eles se manifestem na forma de pensamentos prestes a se expressar em atos e palavras. Afinal, enfermeiros são humanos e, quando cuidam de pessoas com esse histórico, agem como se estivessem cuidando de seus pais, mães, avós, entre outros entes familiares e pessoas significativas. 22 Então, há que se buscar equilíbrio para não se abater e se deixar levar pela força do emocional, agindo com prudência, sabedoria, maturidade e imparcialidade, posto que para cuidar, nesses casos, é fundamental controle dos impulsos humanos. Cuidar de idosos vítimas de maus tratos requer do enfermeiro autocontrole suficiente para se manter imparcial e atender às necessidades da pessoa, em primeiro lugar. As outras dimensões da ocorrência devem ser enfrentadas com a mesma postura profissional, porém, cada qual em seu tempo. O planejamento da assistência e cuidados de enfermagem aos idosos que sofrem maus tratos em casa deve ser elaborado de forma a envolver efetiva rede de enfermeiros e equipes que atuam nas mais diversas esferas, priorizando seu dimensionamento nas comunidades, sobretudo, com ênfase na competência da Estratégia Saúde da Família (ESF), para que não ocorra ruptura das intervenções junto com os membros da família e que seja assegurada avaliação sistemática e monitoramento das atitudes do agressor. Como escudos dessa carga emocional desumana, recebemos idosos com as mais diversas histórias para justificar as lesões decorrentes dos maus tratos praticados por filhos, netos, noras, genros, cuidadores, entre outros, frequentemente, amedrontados de que a ocorrência ganhe dimensões legais por temer represálias ainda maiores no retorno ao convívio com seus agressores. A experiência e o significado que cada enfermeiro atribui a sua prática representam a sua individualidade, com expressão de valores éticos e morais que constituem o seu exercício profissional e que levam a desenvolver-se, a exercer a enfermagem por competência, a ter a consciência de si e do outro, a vencer os percalços que limitam a prática de cuidar para melhor lidar com as decisões e escolhas, a cercar-se de segurança e legalidade ética, e a assumir as novas exigências de atuação da enfermagem nos diversos campos de prática contemporâneos com alteridade. 1. Marin MJS, Amaral FS, Martins IB, Bertassi VC. Identificando os fatores relacionados ao diagnóstico de enfermagem "risco de quedas" entre idosos. Rev bras enferm [Internet]. 2004 Sept/Oct [cited 2012 Oct 10];57(5):560-4. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v57n5/a09v57n5. pdf 2. Parker C, Teel C, Leenerts MH, Macan A. 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