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Neurofisiologia Felipe Franco da Graça - XLVIII Memória Apesar das diversas controvérsias históricas e da longa busca por um “centro da memória” no cérebro, hoje evidências experimentais levam a considerar a memória como um sistema múltiplo. Os primeiros experimentos que visavam explicar o fenômeno da memória foram realizados pelo psicólogo Karl Lashley. Esse pesquisador criou o conceito de engrama, que representa unidade da memória, ou seja, seu rastro biológico. Sua pesquisa então se concentrou em localizar o engrama através da realização de várias lesões nos córtices de animais. Os animais com lesões corticais apresentavam sempre um resultado pior nos testes quando comparado aos animais controle. Os resultados, porém, foram questionados uma vez que este déficit poderia se dever às perdas sensoriais ocasionadas pelas lesões corticais. Hebb, um aluno de Lashley, propôs que a memória seria ocasionada pela ativação de circuitos que representariam determinado evento. No processo de memorização haveria ‘fortificação’ destes circuitos (o surgimento de sinapses mais estáveis que ocorre durante a neuroplasticidade sináptica ficou conhecido como teoria de Hebb). Posteriormente outro pesquisador propôs a existência de uma região responsável pelo armazenamento temporário de algumas informações. Todas as teorias sofreram críticas e apresentavam falhas, mas contribuíram para o entendimento do que hoje se conhece sobre a memória. OS PROCESSOS ENVOLVIDOS NA MEMÓRIA Aquisição (entrada da informação por vias sensitivas) Seleção (dos eventos mais importantes a serem armazenados) Retenção (armazenamento por tempo que pode variar de poucos segundos a muitos anos) Esquecimento (pode ou não haver esquecimento de alguns ou de todos os aspectos daquela memória) ou Consolidação. Uma vez que a informação está armazenada podemos recuperá-la pelo processo de evocação. Para os diferentes tipos de memória temos capacidade de armazenamento que variam de cerca de 7 itens a até um número quase infinito de informações. Fatores distratores prejudicam a retenção e favorecem o esquecimento. Alterações nestes processos podem levar a quadros de esquecimento excessivo (amnésia), ou retenção excessiva sem esquecimento (hipermnésia). OS TIPOS E SUBTIPOS DE MEMÓRIA Quanto ao tempo de retenção Memória ultra-rápida: É retida apenas por poucos segundos Neurofisiologia Felipe Franco da Graça - XLVIII Memória de curta duração: Dura alguns minutos ou horas Memória de longa duração: Pode durar dias, semanas ou mesmo anos (engrama duradouro). Quanto a sua natureza Memória explicita: representa aquilo que podemos exprimir por meio de palavras. Pode ser episódica (quando se refere a fatos temporais – como ao pensar em seu aniversário do ano anterior) ou semântica (refere-se a conceitos atemporais - como ao aprender nomes dos países e das cidades). Memória implícita: do contrário, é aquela que não se exprime com palavras. Pode referir-se à aprendizagem de procedimentos (memória de procedimento), à identificação de imagens e eventos cujo significado se desconhece (memória de representação perceptual). . Dentro das memórias implícitas destacam-se ainda, as memórias associativa e não-associativa. A memória associativa relaciona-se ao condicionamento clássico em que um estímulo é associado a outro. A memória não- associativa, por sua vez, relaciona-se ao processo de sensibilização e tolerância do estímulo. Memória operacional: Armazenamento de informações que em certo tempo nos são úteis. Uma vez utilizadas podem ser esquecidas. (como guardar o número do estacionamento em que o carro está parado) APRESNDIZAGEM X MEMÓRIA Apesar de relacionadas, aprendizagem não é o mesmo que memória. A memória é uma capacidade que temos de armazenar informações para que estas sejam evocadas quando necessário. A aprendizagem, porém, refere-se apenas ao processo de aquisição destas informações. Também se diz que a aprendizagem pode ser associativa ou não-associativa (sensibilização e habituação). A aprendizagem associativa envolve os condicionamentos. O condicionamento clássico é aquele em que um estímulo inócuo é associado a outro estímulo incondicionado, ou seja, que causa resposta naturalmente, deste modo uma luz (inócua), pode ser associada à chegada do alimento, assim passa-se a salivar sempre que o estímulo luminoso é recebido. O condicionamento operacional, por outro lado, associa certo comportamento a punições ou recompensas. Cria-se, pois, um reforço positivo associado a comportamentos recompensados e um reforço negativo associado a comportamentos punidos. Neurofisiologia Felipe Franco da Graça - XLVIII OS DEFEITOS DA MEMÓRIA Amnésia retrógrada: perda da memória de eventos anteriores ao trauma. Comumente as memórias mais antigas costumam ser preservadas. Amnésia anterógrada: Perda da capacidade de formar novas memórias. O ARMAZENAMENTO DA MEMÓRIA Estudos realizados em macacos permitiram verificar que memórias cujas informações são baseadas em uma única modalidade sensória têm o seu engrama localizado na região do córtex que serve a esta modalidade (ou seja, memórias visuais estariam armazenadas no córtex visual). A IMPORTÂNCIA DO LOBO TEMPORAL NA MEMÓRIA DECLARATIVA O Caso HM: Sofreu excisão bilateral da amígdala, parte do córtex e 2/3 anteriores do hipocampo para tratamento de epilepsia. Essa remoção teve poço efeito sobre a percepção, inteligência e personalidade de HM. Apresentou porém uma amnésia retrógrada para alguns anos e uma amnésia anterógrada muito mais grave que não lhe permite lembrar-se de alguém que encontrou há 5 minutos. Ele, portanto apresenta uma grave incapacidade de formar novas memórias declarativas mas é capaz de aprender novas tarefas (memória de procedimentos). No lobo temporal medial encontramos estruturas como o hipocampo, o córtex entorrinal, perirranal e para-hipocampal. Esta região recebe aferências de áreas de associação com informações de modalidades sensoriais, ou seja, informações mais elaboradas e parece. Acredita-se que esta região seja importante na consolidação da memória. Uma eferência importante, neste caso, é o fórnix. Hoje se sabe que a amígdala pouco influencia na aquisição da memória de curta duração. Ao que parece as estruturas mais importantes neste processo são o hipocampo e o córtex perirrinal. Acredita-se na possibilidade de que o córtex temporal armazene informações antes que elas sejam transferidas para um armazenamento mais permanente no neocórtex. Estudos de lesões de estruturas diencefálicas observaram a ocorrência de amnésia após lesão de estruturas que recebem aferências do hipocampo (estruturas relacionadas ao circuito de Papez) como é o caso dos corpos mamilares e núcleos anteriores do tálamo. Além deles lesões do núcleo dorso-medial também resultaram em déficits semelhantes (o núcleo dorso- medial também faz conexões com a porção medial do lobo medial, além de fazer amplas conexões com o córtex frontal). Síndrome de Korsakoff: É causada por danos estruturais, comumente decorrentes do alcoolismo crônico e depleção do a.a. tiamina. Resulta em lesões no tálamo dorso-medial e corpos mamilares. Nesses casos são observadas amnésias anterógradas e também retrógradas. Neurofisiologia Felipe Franco da Graça - XLVIII Uma observação importante feita acerca do hipocampo é que, além de atuar na consolidação das memórias há células nesta região que disparam preferencialmente quando o animal se encontra em determinada posição no espaço. A estas células deu-se o nome de células de lugar. Estascélulas podem estar relacionadas à memória espacial. A existência destas células no encéfalo humano, entretanto, não é comprovada. O ESTRIADO E A MEMÓRIA DE PROCEDIMENTOS Experimentos realizados com roedores e humanos indicam que é de grande importância a relação entre o estriado e a formação de memórias de procedimentos. Por esse motivo o paciente HM, com ablação temporal, ainda possuía capacidade de reter novas memórias de procedimentos, mas não memórias declarativas. Essa proposição se baseia também no fato de o estriado receber informação sensorial altamente processada e enviar sinais relacionados à resposta motora. O CÓRTEX PRÉ-FRONTAL E A MEMÓRIA OPERACIONAL (de trabalho) A memória de trabalho relaciona-se com a solução de problemas e planejamento de procedimentos. Indivíduos com lesões pré-frontais mostraram dificuldades nessas tarefas. A área pré-frontal possui inúmeras conexões, incluindo conexões com as regiões diencefálicas relacionadas à memória. MECANISMOS MOLECULARES Como já foi previsto por Hebb muitos anos antes, a criação de memórias, em especial as de longa duração, envolve o surgimento de sinapses mais estáveis. Atualmente acredita-se que estes processos envolvam fenômenos neuroplásticos como a potenciação de longa duração (LTP). Nela estímulos glutamatérgicos recorrentes resultam na entrada de cálcio nos neurônios, que atua como segundo mensageiro. Esse fator resulta de uma síntese protéica aumentada nesses neurônios que possuem, também, grande síntese de RNAm. Essa síntese elevada se deve a fatores como a ativação de cinases e ativação dos fatores de transcrição CREBS . Como observa-se maior adesividade entre os terminais pré e pós- sináptico. Um outro processo relacionado é a depressão de longa duração em que há redução do Ca++ intracelular após estímulos contínuos (devido à internalização de receptores AMPA), resultando em efeitos contrários. Nesse reforço sináptico que ocorre na consolidação da memória, é tão importante a síntese protéica que se observou grandes falhas na consolidação de memórias de maior duração em animais que receberam inibidores da síntese de proteínas. Relembrando: Os estudos de Kandel sobre plasticidade sináptica na Aplísia. Estes estudos resultaram da observação das alterações observadas após estímulos distintos Neurofisiologia Felipe Franco da Graça - XLVIII quanto à intensidade e freqüência e conseqüente variação das respostas. Observou-se, por exemplo, que após repetição de estímulos sutis havia desaparecimento do reflexo (HABITUAÇÃO). Isso ocorre pelo fato de que, apesar de o PA do estímulo continuar a existir, o potencial pós-sináptico excitatório (PPSE) declina por diminuição da liberação de gluatamato por motivos ainda pouco esclarecidos, mas que, provavelmente, se relacionam à inativação de certos tipos de canais de cálcio e conseqüente diminuição da fusão de vesículas sinápticas. Do mesmo modo, uma estimulação muito forte gerava uma resposta mais intensa. Uma nova estimulação, mesmo que fraca, após o estímulo intenso, por sua vez, resultava em uma contração ainda mais acentuada (SENSIBILIZAÇÃO). Esse processo, mais complexo que o anterior, decorre da ativação de interneurônios liberadores de serotonina. A serotonina é um neurotransmissor com ações metabotrópicas que acionam as vias da adenilato ciclase (AMPc) e a da PLC (DAG). Ambas as vias resultam em uma excitabilidade aumentada do neurônio pelo fechamento de canais de K+ e abertura de canais de Ca++ o que aumenta a fusão de vesículas pré-sinapticas mesmo quando o estímulo subseqüente é muito reduzido em relação à estimulação prévia. Por fim, a aplicação de um estímulo forte com exposição a um estímulo inócuo prévio (estímulo pouco importante) por tempo prolongado leva a resposta reflexa mesmo após a retirada do estímulo forte e apenas com a aplicação do estímulo inócuo (CONDICIONAMENTO CLÁSSICO). Este tipo de condicionamento associativo tem componentes moleculares semelhantes àqueles observados na SENSIBILIZAÇÃO, mas neste caso é demasiado importante que haja regularidade na aplicação dos estímulos que se pretende associar. Além dos fatores já citados no item anterior (como o aumento do AMPc) temos que após a liberação de glutamato pelas fibras sensitivas há influxo de Ca++ no neurônio motor que por sua vez libera um neurotransmissor atípico, o NO(óxido nítrico) que atua retrogradamente no terminal pré- sináptico e estimula uma liberação ainda maior de glutamato. A síntese de óxido nítrico por ação do glutamato pode ser compreendida de maneira mais simples se recordarmos que o glutamato se liga a receptores do tipo NMDA, que geram entrada intracelular de Ca++. Este íon por sua vez é necessário para a ativação da óxido nítrico sintase (neste caso a nNOS, que sendo uma NOS constitutiva é dependente do influxo de cálcio) que garante a síntese do NO a partir da arginina. A ação retrógrada do NO é possível graças a sua grande permeabilidade nas membranas celulares. O estudo dos mecanismos em animais mais simples, como a aplísia, permitiu compreender que a memória é conservada ao longo da evolução e garantiu a compreensão de suas bases moleculares para melhor entender sistemas nervosos bem mais complexos, como é o caso dos mamíferos.
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