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Mulheres: vítimas e autoras de crime no Juizado Especial Criminal em Belo

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1 
XIV SBS 2009 Sociologia: consenso e controvérsia 
28 a 31 de junho de 2009 – Rio de Janeiro 
31º GT – Violência e sociedade 
 
Mulheres: vítimas e autoras de crime no Juizado Especial Criminal em Belo 
Horizonte/2006. 
 
Santos, Andreia dos1 
Batitucci, Eduardo Cerqueira2 
Cruz, Marcus Vinicius Gonçalves da3 
 
Resumo 
Este artigo tem por finalidade analisar o perfil das mulheres nos processos julgados no ano de 
2006, no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte. Utilizou-se as informações do banco 
de dados da pesquisa “Fluxo de justiça para o Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte”, 
contendo dados dos processos que foram transitado em 2006. Foram analisados processos e 
coletadas informações sobre autores e vítimas desde o Boletim de Ocorrência até a sentença. 
Os resultados apontam para um número significativo de mulheres como vítimas nos processos 
que foram julgados em 2006; faixa etária das vítimas e das autoras no Juizado Especial 
Criminal variando entre 20 a 35 anos. Verificou-se que os processos de vitimização das 
mulheres é muito maior do que a de autoria em crimes presentes nos Juizados Especiais 
criminais da capital mineira. 
 
 
1
 Professora do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; 
Pesquisadora associada junto ao NESP - Núcleo de Estudo em Segurança Pública da Fundação João Pinheiro; 
Doutoranda em Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais. 
2
 Doutorando em Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais; pesquisador da Fundação João Pinheiro. 
3
 Doutor em Administração; pesquisador da Fundação João Pinheiro. 
 2 
 
1 Introdução 
As discussões que envolvem a questão da violência contra mulher têm 
apontado para uma interdisciplinaridade em relação a como tratar de um problema 
social e público que aflige a muitas sociedades. Profissionais da saúde, juristas, 
sociólogos procuram compreender o tema de estudo de diversas maneiras e sob 
ângulos diferentes. Alguns apontam para os efeitos sociais e discriminatórios em 
relação à mulher e outros para a questão da condição da sociedade capitalista. 
Profissionais da saúde de um modo geral – psicólogos, enfermeiros, médicos – tem 
uma preocupação diferenciada em relação ao tema, uma vez que recebem as 
mulheres que são vítimas de violência em plantões e atendimentos de saúde. 
Schraiber; D’Oliveira (1999) apontam que mesmo que haja uma discussão mais 
ampla em relação à violência contra mulher, ainda não há um canal de discussão 
que possa tomá-lo como próprio, reforçando com isso não apenas o caráter 
interdisciplinar desse problema social, como também um improvável percurso de 
ação sobre a questão. 
Esse é um problema que permeia as sociedades no mundo inteiro, já que 
mulheres de diversos lugares do mundo são vítimas de atitudes violenta 
normalmente perpetrada pelo marido ou companheiro. Heise (1994) aponta em seus 
estudos que tal situação é reconhecida como uma epidemia global e compromete 
não apenas a saúde, como também o desenvolvimento dos países, reconhecendo 
que são também produtoras - com as repetidas ações de violência. Segundo o autor 
essas ações encampam violência física, como a reconhecemos – estupro do marido, 
agressões físicas, assassinatos, prostituição forçado, mas também com violências 
psicológicas como maus tratos, agressões verbais e coerção física. 
 Esse tipo de violência também é reforçado por autores como Schraiber et all 
(2005), pois as mulheres são vítimas tanto de violência doméstica quanto da 
violência que acontece entre pessoas muito próximas da vítima feminina, e com 
idade entre 15 a 49 anos de idade. Ao questionarem sobre o porquê a violência 
doméstica, as respostas são sempre variadas, mas indicam uma constância de 
abuso do poder masculino, que muitas vezes “bate porque perdeu o controle”, ou 
“para ensinar a mulher a como se comportar”. 
 3 
Ao se tornar um problema social e da saúde pública, os estudos sobre a 
violência contra a mulher toma um novo rumo – a direção das ciências sociais e com 
elas uma discussão não apenas dos valores sociais e morais que envolvem a 
questão como também uma discussão sobre como a justiça atua no sentido de 
minimizar os efeitos sociais das agressões. Mas tanto a questão da saúde, quanto a 
das ciências sociais apontam para uma violência generalizada contra a mulher. No 
entanto ainda se pergunta: quem é a mulher agredida? Como acontece o seu 
acesso às instâncias que a protegem, como a Justiça, por exemplo? 
Nesse sentido a orientação desse artigo aponta em direção à Justiça, mais 
especificamente ao Juizado Especial Criminal da cidade de Belo Horizonte. Em 
recente pesquisa realizada no NESP – Núcleo de Estudos sobre Segurança 
Pública4, levantou-se informações sobre o fluxo de justiça criminal para os processos 
julgados nessa instância no ano de 2006. Chamou a atenção aos pesquisadores que 
dentre os tipos de crimes mais comuns percebeu-se que a agressão, conhecida 
como “vias de fato” foram os mais cometidos naquele ano. Em que pese que 
homens seja a maioria nas informações criminais encontradas nessa instância, 
como também nos estudos sobre a violência urbana, podemos destacar a presença 
feminina em práticas de violência consideradas de menor potencial ofensivo. 
Dessa forma, em relação ao tema – violência contra a mulher - nas ciências 
sociais, muito do que se tem discutido está relacionado ao processo de vitimização 
da mulher, bem como seus direitos e acesso à justiça. Nesse sentido, esse artigo 
pretende discutir aqui é a presença das mulheres no Juizado Especial Criminal – 
JECRIM - em Belo Horizonte. Essa presença será analisada tanto quanto a sua 
vitimização quanto a sua autoria nos conflitos sociais. Nota-se que discute-se aqui 
atitudes violentas promovidas por mulheres, por entender que muitas vezes as 
atividades criminais em que as mulheres são autoras não envolvem violência física. 
No caso especifico do JECRIM, os dados apresentados indicaram ser esse mesmo 
o caminho de discussão e análise. Procurando compreender, também, de que 
maneira elas estabelecem vínculos com a justiça criminal, qual a maior incidência de 
crimes tanto em que são vítimas quanto autoras nessa instância de justiça. 
 
4
 Núcleo ligado a Fundação João Pinheiro, localizado na cidade de Belo Horizonte/MG, que tem por finalidade 
os estudos pertinentes a segurança pública bem como os estudos recentes sobre o Fluxo de Justiça Criminal que 
vem sendo realizados ao longo dos últimos anos. 
 4 
Ao buscar compreender esse perfil das mulheres – exclusivamente – enfoca-
se outro lado da violência e criminalidade, uma vez que esses estudos buscam 
sempre focalizar a violência masculina, ou seja, homens como autores de crime e 
uma responsabilização desses pelas atitudes violentas mais comuns em nosso 
cotidiano. Ao investigar a questão da violência em relação às mulheres, propõem-se 
um novo olhar em relação ao acesso dessas ao sistema de justiça criminal, bem 
como os preceitos da cidadania que prevê a participação de todos de maneiro igual 
incluído o acesso aos direitos sociais e de defesa. 
Os objetivos desse estudo são, portanto, analisar o perfil das mulheres que 
estiveram presentes no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, no ano de 
2006 e cujas informações foram constantes nos documentos dos processos 
analisados, quais sejam: Boletins de Ocorrência, Termos Circunstanciados de 
Ocorrência e atas de sentença. Mais especificamente, analisar o tipo mais comum 
de crimes em que as mulheres se envolvem e que é julgado nos Juizado Especial 
Criminal, analisar o perfil das mulheres que são vitimas de crimes e que esses 
crimes foram julgados pelo Juizado Especial Criminal; analisar o perfil das mulheresque são agressoras e cujos crimes tenham sido julgados por essa instância de 
justiça. 
Como suporte teórico apresenta-se a questões sobre a violência contra 
mulher, às discussões que envolvem os juizados especiais criminais e também 
sobre os crimes violentos mais comuns que são cometidos, bem como a maneira 
como a metodologia do trabalho foi organizada e por fim as análises dos dados e 
alcances das discussões. 
2 Metodologia 
Os dados que foram analisados nesse trabalho, fizeram parte de uma 
pesquisa realizada no ano de 2008, com os dados de processos criminais, 
transitados em julgado no ano de 2006. Os processos estavam arquivados no 
Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte – JECRIM/BH e a pesquisa foi 
realizada pela Fundação João Pinheiro5. 
O Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, funciona com três secretarias 
criminais que julgam em média 900 processos ao mês. No ano escolhido para a 
 
5
 Pesquisa realizada pelo NESP – Núcleo de Estudos em Segurança Pública da Fundação João Pinheiro – em 
Belo Horizonte em parceria com o NUFEP da Universidade Federal Fluminense, que obteve recursos – Núcleo 
Fluminense de Estudos e Pesquisas junto ao FINEP- Financiadora de Estudos e Projetos 
 5 
pesquisa – 2006, havia em torno de 17 mil processos, que permitiu o cálculo da 
amostra com 95% de confiança. Assim obtivemos uma amostra de 610 processos, 
distribuídos aleatoriamente pelas três secretarias criminais do JECRIM/BH. 
Os dados iniciais do trabalho apontaram para um grande volume de 
processos concentrados em alguns tipos principais de crimes que são julgados nos 
Juizados Especiais Criminais, são eles: contravenção penal, crime contra o 
patrimônio, crime contra pessoa e por fim crimes de trânsito. Esses tipos são 
distribuídos de forma aleatória pelas três secretarias criminais, mas foram 
encontrados números muito próximos entre uma secretaria e outra. 
Para as informações foi elaborado um instrumento de coleta de dados, a partir 
de outros trabalhos já realizados no NESP (Ribeiro; Cruz; Batitucci (2004); Batitucci; 
Cruz; Silva (2006)). O instrumento de coleta de dados considerou pelo menos três 
aspectos: o fluxo de justiça criminal, o fluxo de justiça para autores de crime e 
informações sobre vítimas de crimes. O levantamento de dados foi realizado desde 
a primeira notificação do crime, isto é, do Boletim de Ocorrência produzido pela 
Polícia Militar. Normalmente os Policiais Militares são os primeiros a chegar ao 
atendimento e tomar as providências cabíveis, inclusive encaminhar o caso para a 
Polícia Civil, onde as partes na contenda serão ouvidas, gerando um Termo 
Circunstanciado de Ocorrência – TCO. Então, a polícia judiciária encaminha ao 
JECRIM os TCO’s que promove as audiências de conciliação, gerando dados do 
sistema judiciário que informam a pena oferecida ao réu. Basicamente esse é rito 
aplicado a qualquer instância do sistema de justiça criminal brasileiro, e não é 
diferente no JECRIM/BH. 
As audiências do JECRIM/BH funcionam em turnos de doze horas, com uma 
média de oito audiências por hora, atendidas por conciliadores que são alunos dos 
cursos de direito, psicologia e serviço social até terceiro período que são 
selecionados e treinados para esse fim. Os juízes, promotores e defensores públicos 
cumprem plantão e auxiliam em conciliações de difícil discussão entre as partes, 
atendem pessoas que necessitam expor suas questões a um desses atores do 
judiciário. 
Também foram realizadas três entrevistas com o juiz, promotor e defensor 
público que trabalham no JECRIM/BH, para delineamento da lógica de 
funcionamento dessa justiça e ainda discutir qual o entendimento de justiça que é 
realizada pelo Juizado Especial Criminal. 
 6 
3 Os Juizados Especiais Criminais 
Os Juizados Especiais Criminais foram criados com o propósito de atender a 
uma nova demanda social – acesso a justiça para casos que não demandariam do 
sistema de Justiça muito tempo. Isso porque o sistema judiciário chegou a conclusão 
que alguns crimes ficavam sem resposta por muitos anos e que poderiam ser 
conciliados de uma maneira que atendesse anseios e demandas sociais de maneira 
mais ágil. Criou-se, então uma nova categoria criminal – considerada de crimes de 
menor potencial ofensivo, que seriam julgados por essa nova instância de justiça. 
Segundo Azevedo (2001) a criação de um sistema formal que possa dar conta de 
controle social e ao mesmo tempo dar respostas a sensação de impunidade e de 
aumento de crime foi adotada como uma estratégia de Estado na redução de 
criminalidade. Assim, os controles informais enfraquecidos da sociedade tiveram que 
ser restaurados pelo Estado de maneira a criar instâncias de arbitragem para 
familiares e vizinhança. 
O autor ainda nos apresenta que além dos mecanismos convencionais de 
controle do Estado, novos mecanismos foram criados com o intuito de tornar a 
resolução de conflitos mais ágil e “menos onerosas, de modo a maximizar o acesso 
aos serviços, diminuir a morosidade judicial e equacionar os conflitos por meio da 
mediação” (Azevedo, 2001: p. 99). Nesse sentido é que foram criados os Juizados 
Especiais Cíveis e Criminais. 
O marco dessa transformação foi a Lei 9.099/95, que permitiu a 
informalização da justiça e dos serviços prestados. Essa lei propôs que os delitos 
julgados sob sua égide tivessem algumas características, entre elas a de que os 
delitos não ultrapassassem um ano de pena e que os acusados não fossem 
reincidentes. 
Em Belo Horizonte o Juizado Especial Criminal foi criado em 1995 com o 
mesmo propósito de informalização da justiça, ampliar o acesso da população a 
justiça, aplicação de penas alternativas em detrimento as restrições de liberdade e 
tendo a conciliação como proposta. No ano da pesquisa – 2006 – o JECRIM 
funciona com oito salas de audiência, três secretarias criminais e a presença de 
promotores, juízes e defensores públicos, que ficam a disposição para o auxílio aos 
conciliadores, caso não cheguem a um bom termo na conciliação. O horário de 
funcionamento é bastante extenso, pois o atendimento começa às 7 da manhã e vai 
 7 
até a meia noite. O trabalho da conciliação, com base na oralidade, consiste em 
acompanhar as audiências e dirimir conflitos trazidos pela população. 
Os conflitos julgados em 2006 foram os mais variados possíveis, tendo uma 
predominância de crimes de trânsito, representados por 29,95%. Seguido dos 
crimes de lesão corporal (com 16,16% dos casos) e ameaça (com 24,93% dos 
casos). Por fim, e seguindo a tendência de crimes contra a pessoa, temos o artigo 
21 da Lei das Contravenções penais, que são as vias de fato, ou seja, briga ou luta 
(com 11,84% do total dos processos), que há dois autores e duas vítimas por não 
ser possível determinar quem começou as agressões. Todos os crimes envolvem 
pares sociais, indicando que os conflitos que mais incidiram no ano de estudo 
podem ter envolvido pessoas com algum grau de proximidade (pais e filhos, por 
exemplo) e que não havendo solução ou diálogo entre as partes, o conflito é 
intermediado pela Justiça por meio do JECRIM. 
Os outros crimes que aparecem com menor intensidade nessa instância 
chamam a atenção em relação à infração cometida, pois indicam que os conflitos 
praticados pelas mulheres não tem caráter de violência ou não são cometidos com 
violência, mas estão relacionados ao atrito verbal que culminam em difamação, 
calunia, injúria e ainda destruir objeto de outra pessoa. 
3.1 – Discussões sobre mulheres e Juizados Especiais Criminais: a violência contra a 
mulher 
Em relação às mulheres poucos são os trabalhos que tratam da questão 
como Izumino (2000 e 2004); Campos e Carvalho (2006) que discutem o trabalho da 
justiça e sua aplicação voltada para as mulheres. 
Nesse sentido, Izumino (2000; 2004)aponta que o problema da violência 
contra a mulher vem sendo discutido teoricamente desde a década de 1980, em que 
campanhas e denúncias começaram a ganhar destaque na sociedade brasileira. E 
que, ainda nessa época, os debates iam em direção a formulação de políticas 
públicas, como a criação das Delegacias de Defesa da Mulher - DMM, para que o 
debate social fosse iniciado de maneira a permitir maior visibilidade do problema que 
afligia as mulheres. Nesse momento a preocupação dos autores que estudavam a 
questão era a de compreender os registros oficiais de violência para detectar um 
padrão de regularidade das agressões e também conhecer o perfil de vítimas e 
agressores. Assim, de acordo com Izumino (2004), a violência contra mulher 
 8 
acontecia dentro do espaço doméstico, nos finais de semana, período noturno. As 
mulheres eram jovens, com baixa escolaridade. Foi associado como uma violência 
cometida pela população de baixa renda, com baixa qualificação profissional em 
função da baixa escolaridade. Esse perfil traçado pelas Delegacias de Defesa da 
Mulher, segundo a autora, reforçava o estereótipo em relação à violência contra as 
mulheres e mascarava a possibilidade desse tipo de conflito e agressão acontecer 
em classes mais altas da população, além de trazer o espectro da violência contra o 
segmento mais baixo da população. 
Ao dar seqüência às discussões históricas que envolvem a violência contra a 
mulher, Izumino (2004), aponta que já na década de 1990, o debate ganha novos 
contornos e avanços. Entre eles, no Brasil, destaca-se a criação de novas 
possibilidades de acesso a justiça, como os Juizados Especiais Criminais – 
JECRIM’s e a criação da Lei 9.099/95, que entre outros ganhos permitiu que as 
mulheres pudessem denunciar os autores de agressões e processá-los a partir das 
denuncias ao Ministério Público. Muitas são as críticas em relação à criação desse 
tipo de justiça, principalmente quando “questionava-se porque, a despeito do 
crescente número de registros verificados nas delegacias, a atuação do judiciário 
mantinha-se inalterada com decisões que, na maior parte das vezes, garantiam a 
absolvição dos acusados, especialmente nos casos de violências nas relações 
conjugais” (Izumino 2004; p. 04 - grifo nosso). 
Ainda acompanhando as críticas, em relação a criação dos JECRIM’s, 
apontou-se que as mulheres procuravam as delegacias não para denunciarem um 
crime e sim, esperando que a policia resolvesse/mediasse o conflito (Muniz, 1996; 
Soares, 1996). Por isso, podemos dizer que a criação de acesso é bem vinda, mas a 
aplicação desse tipo de justiça para o caso das mulheres, segundo Izumino (2004), 
não se tornou adequado para resolver os casos de violência contra a mulher. 
O período mais recente que envolvem as discussões sobre violência contra a 
mulher, de acordo com a autora, data da segunda metade da década de 90 e 
concentra as discussões de criação dos Juizados Especiais Criminais, com estudos 
sobre a legislação e, também, como essa não é um aparato legal exclusivo para 
tratar a questão da violência contra mulheres. Apesar de se celebrar a criação de 
uma instância que possa julgar e/ou conciliar conflitos de agressão contra mulher, 
essas se virão em uma situação em que contar de forma segura, pois a nova 
legislação ( Lei 9.099) apóia-se nas idéias de direito penal mínimo que acabam por 
 9 
descaracterizar as ocorrências de crimes contra as mulheres. Dessa maneira, 
aponta a autora, 
 
“a nova legislação trouxe novos ares aos estudos e debates a respeito do tratamento 
judicial aos casos de violência de gênero, provocando o movimento de mulheres a 
refletir a respeito da violência denunciada, dos anseios das mulheres diante da 
queixa e das respostas judiciais que vêm sendo oferecidas” (Izumino, 2004; p.06). 
 
Por fim a autora aponta que é consenso acreditar que a chegada dessa 
legislação trouxe diversas desvantagens as discussões sobre a violência contra a 
mulher, entre elas destacam-se que a lei não contribuiu para a prevenção, punição e 
erradicação da violência, aumentou, por outro lado, a discriminação e o preconceito 
contra as mulheres. Esse argumento ainda é compartilhado com Hein e Carvalho 
(2006) quando discutem que a lei trouxe vantagens, mas também desvantagens, em 
relação ao discurso feminista que havia se consolidado ao longo dos últimos anos. 
4 Funcionamento da Justiça - o JECRIM/BH 
Ao analisar-se os crimes praticados por mulheres e também os crimes em 
que são vítimas, percebe-se que esses envolvem outra questão pertinente a análise 
dos dados aqui pretendida, o funcionamento da justiça. Nesse sentido quando se 
pensa na questão de violência de gênero aponta-se também para a violência 
doméstica, já que é nesse ambiente em que os conflitos acontecem com mais 
freqüência. Nota-se que as questões de violência contra pessoa propriamente dita 
não são avaliadas aqui, uma vez que esse tipo de violência não estava sendo 
tratada nos Juizados, mas outros conflitos sociais que representam essa violência. 
Quais seriam os crimes mais comuns cometidos pelas mulheres que foram 
atendidas pelo JECRIM/BH? Quais os crimes cometidos contras as mulheres? As 
mulheres que são vítimas de crimes em Belo Horizonte, levam adiante suas queixas 
contra os agressores? Essas questões irão permear as discussões aqui. 
Uma das primeiras informações que deixam claro a questão da violência 
doméstica é o horário de maior incidência das infrações cometidas pelas mulheres. 
Apesar de bem distribuída, o horário em que há maior queixa de conflito é à tarde, 
com 29,2% das ocorrências, seguido do período da noite com 24% das queixas e, 
por fim, 22,9% das ocorrências pela manhã.6 
 
6
 Poucos são os eventos da madrugada, representando apenas 3,1% das ocorrências. Ainda se destaca o problema 
com os registros de informações, já que 20,8% dos boletins não continham informação da hora do ocorrido. 
 10 
Nesse sentido, dos crimes mais comuns contra as mulheres que foram 
julgados no ano de 2006 no JECRIM/BH indicam que mais da metade dos crimes 
contra as mulheres envolveram algum tipo de violência (53,7%). Essa violência 
utilizada pode ser caracterizada pelos instrumentos utilizados para o cometimento da 
agressão, pois 64,8% dos crimes foram cometidos com algum tipo de instrumento, 
seja barra de ferro, objetos perfuro cortantes ou mesmo as mão do agressor. Esse é 
um dado que chama a atenção, primeiro porque os crimes cometidos com as mãos 
do agente ou com seu corpo representam 54,9% dos casos, indicando que as 
mulheres podem estar em luta com seus agressores sejam outras mulheres ou 
mesmo seus cônjuges. Em segundo lugar porque as mulheres podem ser indiciadas 
ao mesmo tempo como co-autoras desse tipo de crime, ou seja, elas agridem e são 
agredidas, não explicitando quem realmente começa o litígio. 
Em relação ao local de acontecimento desses crimes pode-se destacar a via 
pública como o local de maior freqüência - mesmo porque se inclui nessa análise os 
crimes de trânsito. Por isso, quando avaliamos essa categoria, 42,7% dos crimes 
aconteceram nesse tipo de local, enquanto 26,1% em algum outro tipo como, por 
exemplo, residência (do indiciado ou da vítima ou ainda, nas imediações desses dois 
locais). 
Ao avaliar os Códigos de Leis que foram mais acionados no JECRIM/BH em 
2006 para as mulheres, nota-se que há uma prevalência do Código Penal Brasileiro, 
que incidiu em 54,1% do total válidos dos conflitos, em seguida o Código de Trânsito 
Brasileiro com 22,4% e por fim a Lei das Contravenções Penais com 21,4% dos 
conflitos. Mesmo tendo um número expressivo de infrações de trânsito os conflitos 
que envolvem os outros códigos foram mais abundantes dentro do JECRIM/BH, 
reforçando a atuação dessa instância na solução dos conflitos sociais e domésticos.Ao detalhar-se os artigos dos Códigos verifica-se maior incidência de alguns 
tipos de crimes. Entre eles o artigo 21 da Lei de Contravenções Penais, que são as 
vias de fato – brigas, com 20% do total válido dos conflitos. Na sequência, o artigo 
129 do Código Penal Brasileiro, reconhecido como lesão corporal com 21% do total 
de crimes, além da ameaça (artigo 147 do Código de Processo Penal Brasileiro) 
com 18% o crime de trânsito de lesão corporal culposa (leve) ou o artigo 303 do 
Código Brasileiro de Trânsito com 19% do percentual válido. Todas essas infrações 
revelam que as mulheres incidem em crimes de natureza violenta em seus conflitos 
sociais, ainda que não tenha sido possível indicar a maneira como os incidentes 
 11 
acontecem. Mas pelas informações obtidas, os crimes mais comuns (ameaças, 
brigas e lesão corporal) são igualmente tratadas tanto para mulheres quanto para 
homens no JECRIM. 
Ao analisar mais profundamente as questões em torno do funcionamento 
dessa instância de justiça uma questão chamou a atenção – acesso a justiça. 
Porque as pessoas procuram uma instância judicial para resolução de conflitos 
sociais? No caso especifico desse artigo, como as mulheres em Belo Horizonte, 
resolvem seus conflitos? Essa questão tem correspondência em pelo menos duas 
respostas obtidas com as entrevistas realizadas com os atores do Judiciário. Na 
opinião da juíza é o atendimento rápido do judiciário7 que atrai as mulheres na busca 
de solução dos conflitos, 
À prestação jurisdicional rápida. É lógico que tem alguns casos que não vão ter, que 
agarram, que têm algum motivo que segura o processo, mas a grande maioria é 
resolvido. Então a pessoa procura a Justiça, seja ela na área civil ou criminal e ela 
vê uma resposta. Pode até não ser aquela resposta inicial que ela foi buscar, mas 
ela vê uma resposta. E como o Juizado tem o caráter da conciliação, da mediação, 
daquela conversa, até a pessoas às vezes vai procurar uma outra coisa, acha uma 
coisa diferente, mas chega à conclusão que aquele diferente foi bom também. Não 
obrigatoriamente ela acha o que ela procura, mas ela acha alguma resposta. Acho 
que é isso que a parte quer. Ela quer ser ouvida, não interessa o que vai vir depois, 
mas eu quero que me ouçam. E na Justiça Comum é o que não acontece. (Juíza do 
JECRIM/BH, 2008) 
 
Por outro lado, a Juíza explicita que a Polícia ao atender primeiro a chamada 
também faz um papel importante para o sistema de justiça criminal, que é ouvir no 
“calor dos acontecimentos” os fatos. Isso gera um apaziguamento da situação, que 
em última instância leva a um desinteresse pelo atendimento e mediação realizada 
no JECRIM. E ainda, que ter o nome vinculado à Justiça não é um desejo da 
população como um todo, mesmo que seja para a solução de conflitos familiares, 
que não tiveram resolução privada. 
No entanto, uma questão chamou muito a atenção nas discussões sobre o 
JECRIM/BH, pois quase a totalidade das audiências entre as partes resultou em 
desinteresse por parte da vítima em representar contra os autores (Santos, Batitucci 
2008). As indicações nesse primeiro estudo apontam para 90% dos processos com 
desistência/desinteresse da vítima. Em relação às mulheres essa realidade não é 
diferente, é até maior o desinteresse entre as mulheres do que entre os homens, 
quando comparados os dois gêneros, já que 88,2% dos homens manifestaram 
 
7
 A pergunta foi referente à aceitação do Jecrim pela sociedade de um modo geral. 
 12 
desinteresse, enquanto 91,6% das mulheres desistiram de continuar com o processo 
no JECRIM. 
Por um lado, esse resultado pode estar relacionado ao que a Juíza percebe 
em sua atividade profissional, ou seja, a atuação da polícia em ouvir as partes no 
momento em que o conflito social acontece pode ser mais eficiente em termos de 
resolutividade de conflitos do que a ação do Judiciário. Por outro lado, as discussões 
teóricas (IZUMINO, 2004) em relação às mulheres já apontam para uma outra linha 
de argumento, que a Lei 9.099/95 não serviu ao propósito de proteger e prevenir 
crimes contra as mulheres, pois “destacam-se neste debate a trivialização da 
violência contra a mulher e a sua categorização como crime de menor potencial 
ofensivo; as penas aplicadas e o papel das vítimas na condução das queixas e do 
processo” (Izumino, 2004; p.07). 
Quando analisados os tipos criminais que mais se destacaram na pesquisa, e 
se observa a desistência da vítima mulher em representar, fica evidente a 
trivialização da violência, destacada acima. Os tipos penais mais comum que 
encontrados na pesquisa, em relação às mulheres, foram ameaça, vias de fato e 
agressão. Coincidentemente são esses que oferecem maior percentual de 
desinteresse das vítimas. Nesse sentido o trabalho nessa instância do judiciário 
limita-se ao atendimento burocrático previsto em lei, não tendo o papel de 
conciliador que é lhe delegado e não cumprindo sua função de prevenir e diminuir o 
preconceito em relação a violência contra as mulheres. 
 
4.1 O perfil de vítimas no JECRIM/BH 
Ao analisar o perfil das mulheres autoras e vítimas de crime no JECRIM/BH 
em 2006, deve-se, inicialmente, indicar a proporção de autoras e vítimas. Nesse 
sentido, o gráfico abaixo, apresenta a proporção de mulheres que são vítimas de 
alguma violência e as que provocaram algum crime, sendo que o percentual de 
autoras é menor do que a de vítimas, como indica a discussão teórica apresentada 
aqui, (Izumino, 2000; 2004). Na pesquisa sobre o JECRIM/BH, também, fica 
evidente esse processo de vitimização das mulheres. Essa perspectiva fica ainda 
mais evidente se compara os dados de autores homens e mulheres, em que os 
percentuais válidos indicam que 79,9% dos autores são do sexo masculino e 18,6% 
do sexo feminino. 
 13 
Percentual de Mulheres Vítimas e Autoras no JECRIM 2006.
Vítimas
71%
Autoras
29%
 
Gráfico 1 – Percentual de mulheres vítimas e autoras no JECRIM/BH -2006. 
Fonte: Fundação João Pinheiro – Núcleo de Estudos em Segurança Pública, 2009. 
 
 
 
No entanto, a proposta desse trabalho é discussão do perfil de mulheres que 
estiveram presentes no JECRIM de Belo Horizonte no ano de 2006, tanto as 
mulheres que foram vítimas nos processos quanto as que foram autoras, para 
compreender a participação das mesmas em ações criminais. As mulheres que são 
vítimas de crime e que dão entrada com queixas ou processos no JECRIM/BH, 
chamou a atenção, logo que começamos a nos debruçar sobre os dados obtidos 
com a pesquisa, o percentual de mulheres que foram vítimas de algum tipo de crime 
no JECRIM/BH. Assim, enquanto 16,2 das mulheres cometeram algum tipo de 
crime, 52,5% eram vítimas de crime8. Curiosamente temos um percentual alto em 
relação a homens que foram vítimas de alguma ação criminal, uma vez que além de 
vítimas também podem ser co-autores em crimes previstos na Lei de Contravenções 
Penais, como, por exemplo – artigo 21 - vias de fato9. 
Em relação à idade das mulheres representadas no JECRIM/2006 tanto 
autoras de crimes quanto vítimas estão mais bem representadas na faixa etária 
 
8
 Enquanto a comparação a autores homens em que 81,9% cometeram algum tipo de crime. 
9
 Vias de fato - é a violência física contra pessoa que não deixam lesões ou marcas externas nem internas. 
Exige-se o contato físico. Exemplos: empurrões, socos e pontapés, bofetada, puxões de cabelos, cusparadas, 
briga, luta, sacudir a vítima, rasgar roupa, provocar dor, arremesso de objetos etc. 
 
 14 
entre 25 e 30 anos, sendo que o percentual de autoras nessa faixa etária é de 
15,9% e de vítimas é de 19,1%. A pesquisa procurou saber qual a profissão das 
vitimas e das autoras, utilizando uma lista extensa de profissões para classificar anatureza das atividades das mulheres que cometem crimes de menor potencial 
ofensivo, obteve-se uma resposta maior entre as que são “prendas do lar” com 19% 
das autoras, indicando que as disputas sociais possam estar no âmbito doméstico, 
com seus maridos ou as comuns disputas na vizinhança, mas que dependendo da 
maneira como são discutidas podem chegar aos tribunais de conciliação. As vítimas 
também são melhor representadas nesse tipo de atividade, em que 27,9% das 
mulheres apontaram essa atividade. Continuando a observar os percentuais válidos 
dos dados em relação à profissão, um número representativo de mulheres que são 
vítimas apresentaram algum tipo de atividade remunerada. Excetuando as que são 
do lar e as que não possuem atividade remunerada, das informações obtidas e 
válidas 36,7% disseram desenvolver algum tipo de atividade, que supostamente 
rende remuneração ao final do mês. 
Quanto ao grau de instrução das vítimas que um número expressivo de 
mulheres possuem algum grau de instrução. Das informações obtidas nos Boletins 
de Ocorrência, 16,1% disseram que possuem curso superior completo ou 
incompleto, 35% informaram que possuem o ensino médio e 46,8% possuem o 
ensino fundamental (completo ou incompleto). Também chama a atenção a 
instrução das autoras de crimes de menor potencial ofensivo que se apresentaram 
no JECRIM, uma vez que do total válido das informações e somados os percentuais, 
indica-se que 46,5% possuem instrução compatível com o ensino fundamental, 
33,7% com o ensino médio e 17,4% com o ensino superior (completo e incompleto). 
Outra constatação fica evidente aqui: o percentual de dados sem informação. 
Em diversos trabalhos das ciências sociais tem sido apontada a dificuldade de 
trabalho com o preenchimento das informações que podem servir de base para 
estudos ou mesmo formulações de políticas públicas, para as agências de Estado 
que lidam diretamente com o problema. Não apenas essas informações vieram 
faltando como em outras variáveis do perfil de mulheres que são vítimas ou 
agressores no JECRIM. Entende-se que o atendimento ao conflito é prioritário, 
deixando-se de lado as convenções burocráticas. Por isso em muitas informações a 
ênfase são os percentuais válidos da questão. 
 15 
Uma informação que também é relevante em relação aos conflitos sociais que 
envolvem as mulheres é o grau de relação entre autor e vítima. Nos estudos sobre 
violência contra a mulher essa é sempre uma relação importante, apresentada na 
pesquisa como a relação da vítima com o autor ou autora do fato. As relações 
amorosas são uma prevalência nos conflitos do JECRIM/BH, para as mulheres, uma 
vez que somados as variações desse tipo de conflito doméstico foram encontrados 
48,1% das mulheres envolvidas em conflitos e infrações de menor potencial ofensivo 
se encaixam nessa categoria10. As relações familiares também chamam a atenção 
pela proximidade do conflito entre autores e vítimas, aqui também foram somadas às 
categorias em que se encaixavam algum grau de parentesco entre esses dois 
autores, sendo que 15% dos conflitos domésticos envolvem parentes próximos, que 
convivem ou na mesma casa ou na vizinhança (causando uma série de discussões 
e brigas) chamando a justiça a resolver suas contendas particulares. 
Nas entrevistas realizadas, quando questiona-se a juíza como se constituía o 
perfil de autores e vítimas no JECRIM, a percepção desse atores do juizado foi 
bastante apurada. Na opinião da Juíza muito dos conflitos trazidos pelas vítimas são 
resolvidos na Delegacia de Polícia, onde há um processo de pacificação das partes, 
ou mesmo quando a Polícia Militar comparece para atender uma chamada. A juíza 
descreve o perfil das pessoas que buscam o JECRIM/BH, de um modo geral como 
pessoas da classe baixa que cometem crimes de ameaça, lesão leve. Esse perfil da 
classe baixa, segundo ela, são os que mais acionam a polícia para a resolução dos 
conflitos sociais e por isso aparecem mais nas estatísticas e na percepção de quem 
trabalha com o público. 
A maioria do público criminal, como um todo, é de classe mais baixa. Não porque 
elas cometam mais crime, eu não acho isso, é porque elas chamam mais a polícia. 
As de classe mais alta não chamam a polícia com tanta freqüência. Então uma 
pessoa que está tendo uma agressão dentro de casa, um filho que está sendo 
agredido pelos pais, se ele tem um poder aquisitivo maior, o conselho tutelar não vai 
entrar lá dentro, porque a polícia não vai ser acionada. Num apartamento ali no 
Belvedere, se você vê que seu vizinho de baixo está ali brigando, está batendo em 
alguém, você vai ficar quietinho. O vizinho não vai chamar a polícia não, porque ele 
não quer a polícia na frente do prédio dele. O pobre não liga, então o pobre ta vendo 
o outro lá batendo em alguém, ele chama. Então o perfil nosso é na classe mais 
baixa, que chega aqui. É o que chega, não o que acontece. Aí está a diferença, 
porque a polícia é mais acionada. Agora, tem pessoas que não, quando a própria 
vítima procura, aí a gente vê muito. Principalmente em violência doméstica, você vê 
pessoas de nível médio e nível ate alto procurando. E nós temos um problema aqui 
na Justiça Criminal, no Juizado, que é advogado instruindo a vítima a fazer queixas 
na delegacia para fazer provas em processo de separação, de guarda de filho. 
Então é muito claro você ouvir, acontece de a pessoa falar que maltratou o filho, 
porque na realidade eles estão discutindo uma guarda de filho ali, aí o advogado já 
 
10
 Foram somadas as seguintes relações amorosas: ex em relação amorosa (15,6%); namorado(a) (2,8%); 
Cônjuge/companheiro(a)/amasiado(a) (29,7%) 
 16 
vai avisando para o dia que a pessoa fizer A, para chamar a polícia. Outro dia eu fiz 
uma audiência aqui, porque o pai chamou a polícia para a mãe porque estava 
transportando o filho no banco da frente. Eles têm uma disputa de guarda na Justiça 
comum. Será que ele chamou foi por isso mesmo, será que ele estava tão 
preocupado assim com a criança? Ou ele só quer elementos para poder tirar a 
guarda da mãe? Então, isso acontece demais aqui, infelizmente. (Juíza do JECRIM, 
2008) 
 
Diante dessas considerações observa-se que há pouca preocupação com 
questões especificas que envolvam a mulher seja como vítima ou como autora nos 
Juizado Especial Criminal. A juíza indica que muitos dos conflitos que envolvem a 
mulher de forma mais direta está relacionada aos conflitos com os companheiros ou 
ex-marido pela guarda dos filhos ou disputa judicial em relação à pensão alimentícia. 
Então a questão da mulher como autora de crimes está relacionada a disputas 
judiciais outras. Nesse sentido, ao compreender a presença das mulheres nas 
audiências nessa instância pode-se inferir que a solução dos conflitos sociais passa 
por outras instâncias que mesmo ligadas ao sistema de justiça criminal não se 
vincula a questão criminal e que esta não está preparada para lidar com problemas 
específicos que estão relacionados ao problema origem do conflito criminal. 
 
 
 
 
4.2 Conflito Social – mulheres que cometeram crimes no JECRIM 
Uma discussão pouco realizada em trabalhos acadêmicos, que é dizer da 
condição de mulheres que cometeram alguma prática ilícita e que tiveram seus 
nomes vinculados à justiça por meio do JECRIM. A novidade fica por conta de não 
tratá-las apenas como vítimas de situações que podem ocasionar lesões e 
incrementar as discussões sobre a violência de gênero. Também esse fato é 
importante, mas a discussão ultrapassa o limite dessa proposta e tende a 
compreender as mulheres em suas práticas de conflito social. Até porque as 
mulheres se mostram histórica e socialmente mais adeptas ao controle social do que 
homens. Nessa pesquisa realizada no JECRIM não é diferente, por isso trata-se a 
mulher não como praticantede crime, mesmo que legalmente seja assim definido, 
mas praticante de conflito social. Isso se reforça, quando observa-se que os 
percentuais de autores no Juizado Especial Criminal é maior entre homens do que 
mulheres. 
 
 17 
 Freqüência Percentual 
Percentual 
Válido 
Percentual 
Acumulado 
 
Vias de fato 20 19,6 20 20 
 
Outros de Lei de Contravenção Penal 5 4,9 5 25 
 
Lesão Corporal 21 20,6 21 46 
 
Calúnia 4 3,9 4 50 
 
Ameaça 18 17,6 18 68 
 
Outros do Código Penal 8 7,8 8 76 
 
Lesão Corporal no Trânsito 19 18,6 19 95 
 
Outros Crimes de Trânsito 3 2,9 3 98 
 
Outros 2 2,0 2 100 
 
Total Válido 100 98,0 100 
 
Sem Informações 2 2,0 
 
Total 102 100,0 
TABELA 1 - Distribuição de freqüência e percentual das infrações penais cometidas por Mulheres – 
JECRIM BH 2006. 
Fonte: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP) – NÚCLEO DE ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA 
(NESP), 2008 
 
Então, mesmo tratando da mulher que comete violência doméstica, fica pouco 
evidenciado que essa mulher tenha um perfil de agressão igual ao dos homens. 
Ainda que, seja tratada a questão dos mesmos atributos legais, esses devem ser 
olhados com bastante atenção, pois como indicado, boa parte das penalidades 
cometidas pelas mulheres no JECRIM/BH foram crimes com conotação de violência 
doméstica. Nesse sentido a Tabela 1 representa as penalidades mais comuns, 
presentes nos processos transitados em julgado no ano de 2006, cometidas por 
mulheres no JECRIM/BH. 
O crime de lesão corporal é o mais representativo, já que 21% das mulheres 
cometeram esse tipo de crime. Além desse tipo, os crimes de lesão corporal no 
trânsito chamam a atenção, pois representam 19% dos crimes, e as vias de fato, 
que são as brigas com 20% dos crimes julgados nessa instância de justiça. Ameaça 
representa 18% dos crimes que foram cometidos por mulheres em nossa amostra. 
 
6. Considerações Finais 
Este trabalho procurou discutir a questão de acesso à justiça de mulheres, 
pela análise do perfil das que foram vítimas de algum tipo penal tratado pelo 
JECRIM/BH. Nesse sentido ainda permanece a questão da submissão das mulheres 
 18 
às situações de violência doméstica em que a desistência em relação as audiência é 
mais constante do que a audiência dos problemas e efetividade de solução para tais 
conflitos. Assim, sempre fica a impressão de que elas não são ouvidas e que a 
justiça não se realiza quando o gênero é feminino. 
Ao analisar o perfil de mulheres tanto vítimas quanto agressoras no ano de 
2006, os conflitos domésticos que causam tantos transtornos a vida comum das 
pessoas, mostraram-se evidentes, tanto quando as mulheres causam algum tipo de 
problemas com seus cônjuges ou outro tipo de convivência familiar e vizinhos, 
quanto elas são vítimas desses conflitos. Isso pode demonstrar que não se dá 
crédito a problemas do cotidiano ou demonstrar que as pessoas ainda têm medo da 
justiça, ou melhor, de estarem envolvidos com a justiça. Por um lado isso fica 
evidente não apenas no número espantoso de desinteresse das vítimas, 
principalmente, mulheres que deixam de representar contra os autores. Por outro a 
fala da juíza demonstrando que a Polícia Militar ao atender a chamada transforma-
se em mediadora do conflito, “tomando para si, uma responsabilidade que deveria 
ser da justiça em mediar e dirimir o conflito”. 
Uma coisa chamou a atenção nos resultados da pesquisa, que foi a 
desistência uma vez que boa parte dos processos que foram analisados resulta em 
desinteresse da vítima em dar prosseguimento judicial, mesmo tendo acessado o 
Juizado e a polícia num momento em que o conflito foi estabelecido. 
Dessa forma o trabalho da justiça fica aquém daquele que se propõe em 
relação aos Juizados Especiais Criminais, pois estudos já realizados com a temática 
da justiça voltados para as mulheres (Izumino, 2004) apontam para a necessidade 
de se rever a atuação dessa instância na solução de conflitos e de oferecer uma real 
proteção as mulheres, principalmente em relação à aplicação da Lei 9.099, pois 
essa minimiza os efeitos dos conflitos sociais provocados pelas mulheres e, 
também, em que são vítimas. 
Quanto ao perfil dessas mulheres que estiverem envolvidas em conflitos no 
JECRIM/BH, no ano pesquisado, ele não destoa de outros perfis analisados em 
pesquisas realizadas no país, seja em relação à escolaridade e idade, seja em torno 
das profissões desempenhadas por essas mulheres. Em relação à idade se destaca 
a inclusão de alguns casos voltados para a terceira idade, mesmo sendo pouco 
representados, fica evidente que pode ser um problema em breve para essa 
 19 
instância de justiça, uma vez que a Lei Maria da Penha foi proposta para minimizar 
as distorções causadas por outras intervenções legais que não foram eficientes. 
No entanto não foi possível verificar das questões de forma mais detida nesse 
trabalho: uma é a questão dos crimes de trânsito que são a maioria dos processos 
que são tratados no Juizado Especial Criminal. s crimes de trânsito tem sido ponto 
de discussão em nossa sociedade, sabemos muito pouco sobre a sua prevalência e 
muito menos como a justiça tem trabalhado na resolução desse tipo de conflito 
social. Mesmo entendendo que os crimes de trânsito que vão para o JECRIM 
tenham o caráter de serem de menor potencial ofensivo, a ciência social ainda não 
trabalhou com essa categoria. Outro ponto é que nesse tipo de trabalho não forma 
ouvidas as mulheres que são atendidas no JECRIM, ou seja, o usuário do Sistema 
de Justiça. Com certeza o entendimento dos usuários é de natureza diversa daquela 
apresentada, por exemplo, da Juíza, principalmente, em relação ao fazer justiça. 
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