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1 XIV SBS 2009 Sociologia: consenso e controvérsia 28 a 31 de junho de 2009 – Rio de Janeiro 31º GT – Violência e sociedade Mulheres: vítimas e autoras de crime no Juizado Especial Criminal em Belo Horizonte/2006. Santos, Andreia dos1 Batitucci, Eduardo Cerqueira2 Cruz, Marcus Vinicius Gonçalves da3 Resumo Este artigo tem por finalidade analisar o perfil das mulheres nos processos julgados no ano de 2006, no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte. Utilizou-se as informações do banco de dados da pesquisa “Fluxo de justiça para o Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte”, contendo dados dos processos que foram transitado em 2006. Foram analisados processos e coletadas informações sobre autores e vítimas desde o Boletim de Ocorrência até a sentença. Os resultados apontam para um número significativo de mulheres como vítimas nos processos que foram julgados em 2006; faixa etária das vítimas e das autoras no Juizado Especial Criminal variando entre 20 a 35 anos. Verificou-se que os processos de vitimização das mulheres é muito maior do que a de autoria em crimes presentes nos Juizados Especiais criminais da capital mineira. 1 Professora do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Pesquisadora associada junto ao NESP - Núcleo de Estudo em Segurança Pública da Fundação João Pinheiro; Doutoranda em Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais. 2 Doutorando em Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais; pesquisador da Fundação João Pinheiro. 3 Doutor em Administração; pesquisador da Fundação João Pinheiro. 2 1 Introdução As discussões que envolvem a questão da violência contra mulher têm apontado para uma interdisciplinaridade em relação a como tratar de um problema social e público que aflige a muitas sociedades. Profissionais da saúde, juristas, sociólogos procuram compreender o tema de estudo de diversas maneiras e sob ângulos diferentes. Alguns apontam para os efeitos sociais e discriminatórios em relação à mulher e outros para a questão da condição da sociedade capitalista. Profissionais da saúde de um modo geral – psicólogos, enfermeiros, médicos – tem uma preocupação diferenciada em relação ao tema, uma vez que recebem as mulheres que são vítimas de violência em plantões e atendimentos de saúde. Schraiber; D’Oliveira (1999) apontam que mesmo que haja uma discussão mais ampla em relação à violência contra mulher, ainda não há um canal de discussão que possa tomá-lo como próprio, reforçando com isso não apenas o caráter interdisciplinar desse problema social, como também um improvável percurso de ação sobre a questão. Esse é um problema que permeia as sociedades no mundo inteiro, já que mulheres de diversos lugares do mundo são vítimas de atitudes violenta normalmente perpetrada pelo marido ou companheiro. Heise (1994) aponta em seus estudos que tal situação é reconhecida como uma epidemia global e compromete não apenas a saúde, como também o desenvolvimento dos países, reconhecendo que são também produtoras - com as repetidas ações de violência. Segundo o autor essas ações encampam violência física, como a reconhecemos – estupro do marido, agressões físicas, assassinatos, prostituição forçado, mas também com violências psicológicas como maus tratos, agressões verbais e coerção física. Esse tipo de violência também é reforçado por autores como Schraiber et all (2005), pois as mulheres são vítimas tanto de violência doméstica quanto da violência que acontece entre pessoas muito próximas da vítima feminina, e com idade entre 15 a 49 anos de idade. Ao questionarem sobre o porquê a violência doméstica, as respostas são sempre variadas, mas indicam uma constância de abuso do poder masculino, que muitas vezes “bate porque perdeu o controle”, ou “para ensinar a mulher a como se comportar”. 3 Ao se tornar um problema social e da saúde pública, os estudos sobre a violência contra a mulher toma um novo rumo – a direção das ciências sociais e com elas uma discussão não apenas dos valores sociais e morais que envolvem a questão como também uma discussão sobre como a justiça atua no sentido de minimizar os efeitos sociais das agressões. Mas tanto a questão da saúde, quanto a das ciências sociais apontam para uma violência generalizada contra a mulher. No entanto ainda se pergunta: quem é a mulher agredida? Como acontece o seu acesso às instâncias que a protegem, como a Justiça, por exemplo? Nesse sentido a orientação desse artigo aponta em direção à Justiça, mais especificamente ao Juizado Especial Criminal da cidade de Belo Horizonte. Em recente pesquisa realizada no NESP – Núcleo de Estudos sobre Segurança Pública4, levantou-se informações sobre o fluxo de justiça criminal para os processos julgados nessa instância no ano de 2006. Chamou a atenção aos pesquisadores que dentre os tipos de crimes mais comuns percebeu-se que a agressão, conhecida como “vias de fato” foram os mais cometidos naquele ano. Em que pese que homens seja a maioria nas informações criminais encontradas nessa instância, como também nos estudos sobre a violência urbana, podemos destacar a presença feminina em práticas de violência consideradas de menor potencial ofensivo. Dessa forma, em relação ao tema – violência contra a mulher - nas ciências sociais, muito do que se tem discutido está relacionado ao processo de vitimização da mulher, bem como seus direitos e acesso à justiça. Nesse sentido, esse artigo pretende discutir aqui é a presença das mulheres no Juizado Especial Criminal – JECRIM - em Belo Horizonte. Essa presença será analisada tanto quanto a sua vitimização quanto a sua autoria nos conflitos sociais. Nota-se que discute-se aqui atitudes violentas promovidas por mulheres, por entender que muitas vezes as atividades criminais em que as mulheres são autoras não envolvem violência física. No caso especifico do JECRIM, os dados apresentados indicaram ser esse mesmo o caminho de discussão e análise. Procurando compreender, também, de que maneira elas estabelecem vínculos com a justiça criminal, qual a maior incidência de crimes tanto em que são vítimas quanto autoras nessa instância de justiça. 4 Núcleo ligado a Fundação João Pinheiro, localizado na cidade de Belo Horizonte/MG, que tem por finalidade os estudos pertinentes a segurança pública bem como os estudos recentes sobre o Fluxo de Justiça Criminal que vem sendo realizados ao longo dos últimos anos. 4 Ao buscar compreender esse perfil das mulheres – exclusivamente – enfoca- se outro lado da violência e criminalidade, uma vez que esses estudos buscam sempre focalizar a violência masculina, ou seja, homens como autores de crime e uma responsabilização desses pelas atitudes violentas mais comuns em nosso cotidiano. Ao investigar a questão da violência em relação às mulheres, propõem-se um novo olhar em relação ao acesso dessas ao sistema de justiça criminal, bem como os preceitos da cidadania que prevê a participação de todos de maneiro igual incluído o acesso aos direitos sociais e de defesa. Os objetivos desse estudo são, portanto, analisar o perfil das mulheres que estiveram presentes no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, no ano de 2006 e cujas informações foram constantes nos documentos dos processos analisados, quais sejam: Boletins de Ocorrência, Termos Circunstanciados de Ocorrência e atas de sentença. Mais especificamente, analisar o tipo mais comum de crimes em que as mulheres se envolvem e que é julgado nos Juizado Especial Criminal, analisar o perfil das mulheres que são vitimas de crimes e que esses crimes foram julgados pelo Juizado Especial Criminal; analisar o perfil das mulheresque são agressoras e cujos crimes tenham sido julgados por essa instância de justiça. Como suporte teórico apresenta-se a questões sobre a violência contra mulher, às discussões que envolvem os juizados especiais criminais e também sobre os crimes violentos mais comuns que são cometidos, bem como a maneira como a metodologia do trabalho foi organizada e por fim as análises dos dados e alcances das discussões. 2 Metodologia Os dados que foram analisados nesse trabalho, fizeram parte de uma pesquisa realizada no ano de 2008, com os dados de processos criminais, transitados em julgado no ano de 2006. Os processos estavam arquivados no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte – JECRIM/BH e a pesquisa foi realizada pela Fundação João Pinheiro5. O Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, funciona com três secretarias criminais que julgam em média 900 processos ao mês. No ano escolhido para a 5 Pesquisa realizada pelo NESP – Núcleo de Estudos em Segurança Pública da Fundação João Pinheiro – em Belo Horizonte em parceria com o NUFEP da Universidade Federal Fluminense, que obteve recursos – Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas junto ao FINEP- Financiadora de Estudos e Projetos 5 pesquisa – 2006, havia em torno de 17 mil processos, que permitiu o cálculo da amostra com 95% de confiança. Assim obtivemos uma amostra de 610 processos, distribuídos aleatoriamente pelas três secretarias criminais do JECRIM/BH. Os dados iniciais do trabalho apontaram para um grande volume de processos concentrados em alguns tipos principais de crimes que são julgados nos Juizados Especiais Criminais, são eles: contravenção penal, crime contra o patrimônio, crime contra pessoa e por fim crimes de trânsito. Esses tipos são distribuídos de forma aleatória pelas três secretarias criminais, mas foram encontrados números muito próximos entre uma secretaria e outra. Para as informações foi elaborado um instrumento de coleta de dados, a partir de outros trabalhos já realizados no NESP (Ribeiro; Cruz; Batitucci (2004); Batitucci; Cruz; Silva (2006)). O instrumento de coleta de dados considerou pelo menos três aspectos: o fluxo de justiça criminal, o fluxo de justiça para autores de crime e informações sobre vítimas de crimes. O levantamento de dados foi realizado desde a primeira notificação do crime, isto é, do Boletim de Ocorrência produzido pela Polícia Militar. Normalmente os Policiais Militares são os primeiros a chegar ao atendimento e tomar as providências cabíveis, inclusive encaminhar o caso para a Polícia Civil, onde as partes na contenda serão ouvidas, gerando um Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO. Então, a polícia judiciária encaminha ao JECRIM os TCO’s que promove as audiências de conciliação, gerando dados do sistema judiciário que informam a pena oferecida ao réu. Basicamente esse é rito aplicado a qualquer instância do sistema de justiça criminal brasileiro, e não é diferente no JECRIM/BH. As audiências do JECRIM/BH funcionam em turnos de doze horas, com uma média de oito audiências por hora, atendidas por conciliadores que são alunos dos cursos de direito, psicologia e serviço social até terceiro período que são selecionados e treinados para esse fim. Os juízes, promotores e defensores públicos cumprem plantão e auxiliam em conciliações de difícil discussão entre as partes, atendem pessoas que necessitam expor suas questões a um desses atores do judiciário. Também foram realizadas três entrevistas com o juiz, promotor e defensor público que trabalham no JECRIM/BH, para delineamento da lógica de funcionamento dessa justiça e ainda discutir qual o entendimento de justiça que é realizada pelo Juizado Especial Criminal. 6 3 Os Juizados Especiais Criminais Os Juizados Especiais Criminais foram criados com o propósito de atender a uma nova demanda social – acesso a justiça para casos que não demandariam do sistema de Justiça muito tempo. Isso porque o sistema judiciário chegou a conclusão que alguns crimes ficavam sem resposta por muitos anos e que poderiam ser conciliados de uma maneira que atendesse anseios e demandas sociais de maneira mais ágil. Criou-se, então uma nova categoria criminal – considerada de crimes de menor potencial ofensivo, que seriam julgados por essa nova instância de justiça. Segundo Azevedo (2001) a criação de um sistema formal que possa dar conta de controle social e ao mesmo tempo dar respostas a sensação de impunidade e de aumento de crime foi adotada como uma estratégia de Estado na redução de criminalidade. Assim, os controles informais enfraquecidos da sociedade tiveram que ser restaurados pelo Estado de maneira a criar instâncias de arbitragem para familiares e vizinhança. O autor ainda nos apresenta que além dos mecanismos convencionais de controle do Estado, novos mecanismos foram criados com o intuito de tornar a resolução de conflitos mais ágil e “menos onerosas, de modo a maximizar o acesso aos serviços, diminuir a morosidade judicial e equacionar os conflitos por meio da mediação” (Azevedo, 2001: p. 99). Nesse sentido é que foram criados os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. O marco dessa transformação foi a Lei 9.099/95, que permitiu a informalização da justiça e dos serviços prestados. Essa lei propôs que os delitos julgados sob sua égide tivessem algumas características, entre elas a de que os delitos não ultrapassassem um ano de pena e que os acusados não fossem reincidentes. Em Belo Horizonte o Juizado Especial Criminal foi criado em 1995 com o mesmo propósito de informalização da justiça, ampliar o acesso da população a justiça, aplicação de penas alternativas em detrimento as restrições de liberdade e tendo a conciliação como proposta. No ano da pesquisa – 2006 – o JECRIM funciona com oito salas de audiência, três secretarias criminais e a presença de promotores, juízes e defensores públicos, que ficam a disposição para o auxílio aos conciliadores, caso não cheguem a um bom termo na conciliação. O horário de funcionamento é bastante extenso, pois o atendimento começa às 7 da manhã e vai 7 até a meia noite. O trabalho da conciliação, com base na oralidade, consiste em acompanhar as audiências e dirimir conflitos trazidos pela população. Os conflitos julgados em 2006 foram os mais variados possíveis, tendo uma predominância de crimes de trânsito, representados por 29,95%. Seguido dos crimes de lesão corporal (com 16,16% dos casos) e ameaça (com 24,93% dos casos). Por fim, e seguindo a tendência de crimes contra a pessoa, temos o artigo 21 da Lei das Contravenções penais, que são as vias de fato, ou seja, briga ou luta (com 11,84% do total dos processos), que há dois autores e duas vítimas por não ser possível determinar quem começou as agressões. Todos os crimes envolvem pares sociais, indicando que os conflitos que mais incidiram no ano de estudo podem ter envolvido pessoas com algum grau de proximidade (pais e filhos, por exemplo) e que não havendo solução ou diálogo entre as partes, o conflito é intermediado pela Justiça por meio do JECRIM. Os outros crimes que aparecem com menor intensidade nessa instância chamam a atenção em relação à infração cometida, pois indicam que os conflitos praticados pelas mulheres não tem caráter de violência ou não são cometidos com violência, mas estão relacionados ao atrito verbal que culminam em difamação, calunia, injúria e ainda destruir objeto de outra pessoa. 3.1 – Discussões sobre mulheres e Juizados Especiais Criminais: a violência contra a mulher Em relação às mulheres poucos são os trabalhos que tratam da questão como Izumino (2000 e 2004); Campos e Carvalho (2006) que discutem o trabalho da justiça e sua aplicação voltada para as mulheres. Nesse sentido, Izumino (2000; 2004)aponta que o problema da violência contra a mulher vem sendo discutido teoricamente desde a década de 1980, em que campanhas e denúncias começaram a ganhar destaque na sociedade brasileira. E que, ainda nessa época, os debates iam em direção a formulação de políticas públicas, como a criação das Delegacias de Defesa da Mulher - DMM, para que o debate social fosse iniciado de maneira a permitir maior visibilidade do problema que afligia as mulheres. Nesse momento a preocupação dos autores que estudavam a questão era a de compreender os registros oficiais de violência para detectar um padrão de regularidade das agressões e também conhecer o perfil de vítimas e agressores. Assim, de acordo com Izumino (2004), a violência contra mulher 8 acontecia dentro do espaço doméstico, nos finais de semana, período noturno. As mulheres eram jovens, com baixa escolaridade. Foi associado como uma violência cometida pela população de baixa renda, com baixa qualificação profissional em função da baixa escolaridade. Esse perfil traçado pelas Delegacias de Defesa da Mulher, segundo a autora, reforçava o estereótipo em relação à violência contra as mulheres e mascarava a possibilidade desse tipo de conflito e agressão acontecer em classes mais altas da população, além de trazer o espectro da violência contra o segmento mais baixo da população. Ao dar seqüência às discussões históricas que envolvem a violência contra a mulher, Izumino (2004), aponta que já na década de 1990, o debate ganha novos contornos e avanços. Entre eles, no Brasil, destaca-se a criação de novas possibilidades de acesso a justiça, como os Juizados Especiais Criminais – JECRIM’s e a criação da Lei 9.099/95, que entre outros ganhos permitiu que as mulheres pudessem denunciar os autores de agressões e processá-los a partir das denuncias ao Ministério Público. Muitas são as críticas em relação à criação desse tipo de justiça, principalmente quando “questionava-se porque, a despeito do crescente número de registros verificados nas delegacias, a atuação do judiciário mantinha-se inalterada com decisões que, na maior parte das vezes, garantiam a absolvição dos acusados, especialmente nos casos de violências nas relações conjugais” (Izumino 2004; p. 04 - grifo nosso). Ainda acompanhando as críticas, em relação a criação dos JECRIM’s, apontou-se que as mulheres procuravam as delegacias não para denunciarem um crime e sim, esperando que a policia resolvesse/mediasse o conflito (Muniz, 1996; Soares, 1996). Por isso, podemos dizer que a criação de acesso é bem vinda, mas a aplicação desse tipo de justiça para o caso das mulheres, segundo Izumino (2004), não se tornou adequado para resolver os casos de violência contra a mulher. O período mais recente que envolvem as discussões sobre violência contra a mulher, de acordo com a autora, data da segunda metade da década de 90 e concentra as discussões de criação dos Juizados Especiais Criminais, com estudos sobre a legislação e, também, como essa não é um aparato legal exclusivo para tratar a questão da violência contra mulheres. Apesar de se celebrar a criação de uma instância que possa julgar e/ou conciliar conflitos de agressão contra mulher, essas se virão em uma situação em que contar de forma segura, pois a nova legislação ( Lei 9.099) apóia-se nas idéias de direito penal mínimo que acabam por 9 descaracterizar as ocorrências de crimes contra as mulheres. Dessa maneira, aponta a autora, “a nova legislação trouxe novos ares aos estudos e debates a respeito do tratamento judicial aos casos de violência de gênero, provocando o movimento de mulheres a refletir a respeito da violência denunciada, dos anseios das mulheres diante da queixa e das respostas judiciais que vêm sendo oferecidas” (Izumino, 2004; p.06). Por fim a autora aponta que é consenso acreditar que a chegada dessa legislação trouxe diversas desvantagens as discussões sobre a violência contra a mulher, entre elas destacam-se que a lei não contribuiu para a prevenção, punição e erradicação da violência, aumentou, por outro lado, a discriminação e o preconceito contra as mulheres. Esse argumento ainda é compartilhado com Hein e Carvalho (2006) quando discutem que a lei trouxe vantagens, mas também desvantagens, em relação ao discurso feminista que havia se consolidado ao longo dos últimos anos. 4 Funcionamento da Justiça - o JECRIM/BH Ao analisar-se os crimes praticados por mulheres e também os crimes em que são vítimas, percebe-se que esses envolvem outra questão pertinente a análise dos dados aqui pretendida, o funcionamento da justiça. Nesse sentido quando se pensa na questão de violência de gênero aponta-se também para a violência doméstica, já que é nesse ambiente em que os conflitos acontecem com mais freqüência. Nota-se que as questões de violência contra pessoa propriamente dita não são avaliadas aqui, uma vez que esse tipo de violência não estava sendo tratada nos Juizados, mas outros conflitos sociais que representam essa violência. Quais seriam os crimes mais comuns cometidos pelas mulheres que foram atendidas pelo JECRIM/BH? Quais os crimes cometidos contras as mulheres? As mulheres que são vítimas de crimes em Belo Horizonte, levam adiante suas queixas contra os agressores? Essas questões irão permear as discussões aqui. Uma das primeiras informações que deixam claro a questão da violência doméstica é o horário de maior incidência das infrações cometidas pelas mulheres. Apesar de bem distribuída, o horário em que há maior queixa de conflito é à tarde, com 29,2% das ocorrências, seguido do período da noite com 24% das queixas e, por fim, 22,9% das ocorrências pela manhã.6 6 Poucos são os eventos da madrugada, representando apenas 3,1% das ocorrências. Ainda se destaca o problema com os registros de informações, já que 20,8% dos boletins não continham informação da hora do ocorrido. 10 Nesse sentido, dos crimes mais comuns contra as mulheres que foram julgados no ano de 2006 no JECRIM/BH indicam que mais da metade dos crimes contra as mulheres envolveram algum tipo de violência (53,7%). Essa violência utilizada pode ser caracterizada pelos instrumentos utilizados para o cometimento da agressão, pois 64,8% dos crimes foram cometidos com algum tipo de instrumento, seja barra de ferro, objetos perfuro cortantes ou mesmo as mão do agressor. Esse é um dado que chama a atenção, primeiro porque os crimes cometidos com as mãos do agente ou com seu corpo representam 54,9% dos casos, indicando que as mulheres podem estar em luta com seus agressores sejam outras mulheres ou mesmo seus cônjuges. Em segundo lugar porque as mulheres podem ser indiciadas ao mesmo tempo como co-autoras desse tipo de crime, ou seja, elas agridem e são agredidas, não explicitando quem realmente começa o litígio. Em relação ao local de acontecimento desses crimes pode-se destacar a via pública como o local de maior freqüência - mesmo porque se inclui nessa análise os crimes de trânsito. Por isso, quando avaliamos essa categoria, 42,7% dos crimes aconteceram nesse tipo de local, enquanto 26,1% em algum outro tipo como, por exemplo, residência (do indiciado ou da vítima ou ainda, nas imediações desses dois locais). Ao avaliar os Códigos de Leis que foram mais acionados no JECRIM/BH em 2006 para as mulheres, nota-se que há uma prevalência do Código Penal Brasileiro, que incidiu em 54,1% do total válidos dos conflitos, em seguida o Código de Trânsito Brasileiro com 22,4% e por fim a Lei das Contravenções Penais com 21,4% dos conflitos. Mesmo tendo um número expressivo de infrações de trânsito os conflitos que envolvem os outros códigos foram mais abundantes dentro do JECRIM/BH, reforçando a atuação dessa instância na solução dos conflitos sociais e domésticos.Ao detalhar-se os artigos dos Códigos verifica-se maior incidência de alguns tipos de crimes. Entre eles o artigo 21 da Lei de Contravenções Penais, que são as vias de fato – brigas, com 20% do total válido dos conflitos. Na sequência, o artigo 129 do Código Penal Brasileiro, reconhecido como lesão corporal com 21% do total de crimes, além da ameaça (artigo 147 do Código de Processo Penal Brasileiro) com 18% o crime de trânsito de lesão corporal culposa (leve) ou o artigo 303 do Código Brasileiro de Trânsito com 19% do percentual válido. Todas essas infrações revelam que as mulheres incidem em crimes de natureza violenta em seus conflitos sociais, ainda que não tenha sido possível indicar a maneira como os incidentes 11 acontecem. Mas pelas informações obtidas, os crimes mais comuns (ameaças, brigas e lesão corporal) são igualmente tratadas tanto para mulheres quanto para homens no JECRIM. Ao analisar mais profundamente as questões em torno do funcionamento dessa instância de justiça uma questão chamou a atenção – acesso a justiça. Porque as pessoas procuram uma instância judicial para resolução de conflitos sociais? No caso especifico desse artigo, como as mulheres em Belo Horizonte, resolvem seus conflitos? Essa questão tem correspondência em pelo menos duas respostas obtidas com as entrevistas realizadas com os atores do Judiciário. Na opinião da juíza é o atendimento rápido do judiciário7 que atrai as mulheres na busca de solução dos conflitos, À prestação jurisdicional rápida. É lógico que tem alguns casos que não vão ter, que agarram, que têm algum motivo que segura o processo, mas a grande maioria é resolvido. Então a pessoa procura a Justiça, seja ela na área civil ou criminal e ela vê uma resposta. Pode até não ser aquela resposta inicial que ela foi buscar, mas ela vê uma resposta. E como o Juizado tem o caráter da conciliação, da mediação, daquela conversa, até a pessoas às vezes vai procurar uma outra coisa, acha uma coisa diferente, mas chega à conclusão que aquele diferente foi bom também. Não obrigatoriamente ela acha o que ela procura, mas ela acha alguma resposta. Acho que é isso que a parte quer. Ela quer ser ouvida, não interessa o que vai vir depois, mas eu quero que me ouçam. E na Justiça Comum é o que não acontece. (Juíza do JECRIM/BH, 2008) Por outro lado, a Juíza explicita que a Polícia ao atender primeiro a chamada também faz um papel importante para o sistema de justiça criminal, que é ouvir no “calor dos acontecimentos” os fatos. Isso gera um apaziguamento da situação, que em última instância leva a um desinteresse pelo atendimento e mediação realizada no JECRIM. E ainda, que ter o nome vinculado à Justiça não é um desejo da população como um todo, mesmo que seja para a solução de conflitos familiares, que não tiveram resolução privada. No entanto, uma questão chamou muito a atenção nas discussões sobre o JECRIM/BH, pois quase a totalidade das audiências entre as partes resultou em desinteresse por parte da vítima em representar contra os autores (Santos, Batitucci 2008). As indicações nesse primeiro estudo apontam para 90% dos processos com desistência/desinteresse da vítima. Em relação às mulheres essa realidade não é diferente, é até maior o desinteresse entre as mulheres do que entre os homens, quando comparados os dois gêneros, já que 88,2% dos homens manifestaram 7 A pergunta foi referente à aceitação do Jecrim pela sociedade de um modo geral. 12 desinteresse, enquanto 91,6% das mulheres desistiram de continuar com o processo no JECRIM. Por um lado, esse resultado pode estar relacionado ao que a Juíza percebe em sua atividade profissional, ou seja, a atuação da polícia em ouvir as partes no momento em que o conflito social acontece pode ser mais eficiente em termos de resolutividade de conflitos do que a ação do Judiciário. Por outro lado, as discussões teóricas (IZUMINO, 2004) em relação às mulheres já apontam para uma outra linha de argumento, que a Lei 9.099/95 não serviu ao propósito de proteger e prevenir crimes contra as mulheres, pois “destacam-se neste debate a trivialização da violência contra a mulher e a sua categorização como crime de menor potencial ofensivo; as penas aplicadas e o papel das vítimas na condução das queixas e do processo” (Izumino, 2004; p.07). Quando analisados os tipos criminais que mais se destacaram na pesquisa, e se observa a desistência da vítima mulher em representar, fica evidente a trivialização da violência, destacada acima. Os tipos penais mais comum que encontrados na pesquisa, em relação às mulheres, foram ameaça, vias de fato e agressão. Coincidentemente são esses que oferecem maior percentual de desinteresse das vítimas. Nesse sentido o trabalho nessa instância do judiciário limita-se ao atendimento burocrático previsto em lei, não tendo o papel de conciliador que é lhe delegado e não cumprindo sua função de prevenir e diminuir o preconceito em relação a violência contra as mulheres. 4.1 O perfil de vítimas no JECRIM/BH Ao analisar o perfil das mulheres autoras e vítimas de crime no JECRIM/BH em 2006, deve-se, inicialmente, indicar a proporção de autoras e vítimas. Nesse sentido, o gráfico abaixo, apresenta a proporção de mulheres que são vítimas de alguma violência e as que provocaram algum crime, sendo que o percentual de autoras é menor do que a de vítimas, como indica a discussão teórica apresentada aqui, (Izumino, 2000; 2004). Na pesquisa sobre o JECRIM/BH, também, fica evidente esse processo de vitimização das mulheres. Essa perspectiva fica ainda mais evidente se compara os dados de autores homens e mulheres, em que os percentuais válidos indicam que 79,9% dos autores são do sexo masculino e 18,6% do sexo feminino. 13 Percentual de Mulheres Vítimas e Autoras no JECRIM 2006. Vítimas 71% Autoras 29% Gráfico 1 – Percentual de mulheres vítimas e autoras no JECRIM/BH -2006. Fonte: Fundação João Pinheiro – Núcleo de Estudos em Segurança Pública, 2009. No entanto, a proposta desse trabalho é discussão do perfil de mulheres que estiveram presentes no JECRIM de Belo Horizonte no ano de 2006, tanto as mulheres que foram vítimas nos processos quanto as que foram autoras, para compreender a participação das mesmas em ações criminais. As mulheres que são vítimas de crime e que dão entrada com queixas ou processos no JECRIM/BH, chamou a atenção, logo que começamos a nos debruçar sobre os dados obtidos com a pesquisa, o percentual de mulheres que foram vítimas de algum tipo de crime no JECRIM/BH. Assim, enquanto 16,2 das mulheres cometeram algum tipo de crime, 52,5% eram vítimas de crime8. Curiosamente temos um percentual alto em relação a homens que foram vítimas de alguma ação criminal, uma vez que além de vítimas também podem ser co-autores em crimes previstos na Lei de Contravenções Penais, como, por exemplo – artigo 21 - vias de fato9. Em relação à idade das mulheres representadas no JECRIM/2006 tanto autoras de crimes quanto vítimas estão mais bem representadas na faixa etária 8 Enquanto a comparação a autores homens em que 81,9% cometeram algum tipo de crime. 9 Vias de fato - é a violência física contra pessoa que não deixam lesões ou marcas externas nem internas. Exige-se o contato físico. Exemplos: empurrões, socos e pontapés, bofetada, puxões de cabelos, cusparadas, briga, luta, sacudir a vítima, rasgar roupa, provocar dor, arremesso de objetos etc. 14 entre 25 e 30 anos, sendo que o percentual de autoras nessa faixa etária é de 15,9% e de vítimas é de 19,1%. A pesquisa procurou saber qual a profissão das vitimas e das autoras, utilizando uma lista extensa de profissões para classificar anatureza das atividades das mulheres que cometem crimes de menor potencial ofensivo, obteve-se uma resposta maior entre as que são “prendas do lar” com 19% das autoras, indicando que as disputas sociais possam estar no âmbito doméstico, com seus maridos ou as comuns disputas na vizinhança, mas que dependendo da maneira como são discutidas podem chegar aos tribunais de conciliação. As vítimas também são melhor representadas nesse tipo de atividade, em que 27,9% das mulheres apontaram essa atividade. Continuando a observar os percentuais válidos dos dados em relação à profissão, um número representativo de mulheres que são vítimas apresentaram algum tipo de atividade remunerada. Excetuando as que são do lar e as que não possuem atividade remunerada, das informações obtidas e válidas 36,7% disseram desenvolver algum tipo de atividade, que supostamente rende remuneração ao final do mês. Quanto ao grau de instrução das vítimas que um número expressivo de mulheres possuem algum grau de instrução. Das informações obtidas nos Boletins de Ocorrência, 16,1% disseram que possuem curso superior completo ou incompleto, 35% informaram que possuem o ensino médio e 46,8% possuem o ensino fundamental (completo ou incompleto). Também chama a atenção a instrução das autoras de crimes de menor potencial ofensivo que se apresentaram no JECRIM, uma vez que do total válido das informações e somados os percentuais, indica-se que 46,5% possuem instrução compatível com o ensino fundamental, 33,7% com o ensino médio e 17,4% com o ensino superior (completo e incompleto). Outra constatação fica evidente aqui: o percentual de dados sem informação. Em diversos trabalhos das ciências sociais tem sido apontada a dificuldade de trabalho com o preenchimento das informações que podem servir de base para estudos ou mesmo formulações de políticas públicas, para as agências de Estado que lidam diretamente com o problema. Não apenas essas informações vieram faltando como em outras variáveis do perfil de mulheres que são vítimas ou agressores no JECRIM. Entende-se que o atendimento ao conflito é prioritário, deixando-se de lado as convenções burocráticas. Por isso em muitas informações a ênfase são os percentuais válidos da questão. 15 Uma informação que também é relevante em relação aos conflitos sociais que envolvem as mulheres é o grau de relação entre autor e vítima. Nos estudos sobre violência contra a mulher essa é sempre uma relação importante, apresentada na pesquisa como a relação da vítima com o autor ou autora do fato. As relações amorosas são uma prevalência nos conflitos do JECRIM/BH, para as mulheres, uma vez que somados as variações desse tipo de conflito doméstico foram encontrados 48,1% das mulheres envolvidas em conflitos e infrações de menor potencial ofensivo se encaixam nessa categoria10. As relações familiares também chamam a atenção pela proximidade do conflito entre autores e vítimas, aqui também foram somadas às categorias em que se encaixavam algum grau de parentesco entre esses dois autores, sendo que 15% dos conflitos domésticos envolvem parentes próximos, que convivem ou na mesma casa ou na vizinhança (causando uma série de discussões e brigas) chamando a justiça a resolver suas contendas particulares. Nas entrevistas realizadas, quando questiona-se a juíza como se constituía o perfil de autores e vítimas no JECRIM, a percepção desse atores do juizado foi bastante apurada. Na opinião da Juíza muito dos conflitos trazidos pelas vítimas são resolvidos na Delegacia de Polícia, onde há um processo de pacificação das partes, ou mesmo quando a Polícia Militar comparece para atender uma chamada. A juíza descreve o perfil das pessoas que buscam o JECRIM/BH, de um modo geral como pessoas da classe baixa que cometem crimes de ameaça, lesão leve. Esse perfil da classe baixa, segundo ela, são os que mais acionam a polícia para a resolução dos conflitos sociais e por isso aparecem mais nas estatísticas e na percepção de quem trabalha com o público. A maioria do público criminal, como um todo, é de classe mais baixa. Não porque elas cometam mais crime, eu não acho isso, é porque elas chamam mais a polícia. As de classe mais alta não chamam a polícia com tanta freqüência. Então uma pessoa que está tendo uma agressão dentro de casa, um filho que está sendo agredido pelos pais, se ele tem um poder aquisitivo maior, o conselho tutelar não vai entrar lá dentro, porque a polícia não vai ser acionada. Num apartamento ali no Belvedere, se você vê que seu vizinho de baixo está ali brigando, está batendo em alguém, você vai ficar quietinho. O vizinho não vai chamar a polícia não, porque ele não quer a polícia na frente do prédio dele. O pobre não liga, então o pobre ta vendo o outro lá batendo em alguém, ele chama. Então o perfil nosso é na classe mais baixa, que chega aqui. É o que chega, não o que acontece. Aí está a diferença, porque a polícia é mais acionada. Agora, tem pessoas que não, quando a própria vítima procura, aí a gente vê muito. Principalmente em violência doméstica, você vê pessoas de nível médio e nível ate alto procurando. E nós temos um problema aqui na Justiça Criminal, no Juizado, que é advogado instruindo a vítima a fazer queixas na delegacia para fazer provas em processo de separação, de guarda de filho. Então é muito claro você ouvir, acontece de a pessoa falar que maltratou o filho, porque na realidade eles estão discutindo uma guarda de filho ali, aí o advogado já 10 Foram somadas as seguintes relações amorosas: ex em relação amorosa (15,6%); namorado(a) (2,8%); Cônjuge/companheiro(a)/amasiado(a) (29,7%) 16 vai avisando para o dia que a pessoa fizer A, para chamar a polícia. Outro dia eu fiz uma audiência aqui, porque o pai chamou a polícia para a mãe porque estava transportando o filho no banco da frente. Eles têm uma disputa de guarda na Justiça comum. Será que ele chamou foi por isso mesmo, será que ele estava tão preocupado assim com a criança? Ou ele só quer elementos para poder tirar a guarda da mãe? Então, isso acontece demais aqui, infelizmente. (Juíza do JECRIM, 2008) Diante dessas considerações observa-se que há pouca preocupação com questões especificas que envolvam a mulher seja como vítima ou como autora nos Juizado Especial Criminal. A juíza indica que muitos dos conflitos que envolvem a mulher de forma mais direta está relacionada aos conflitos com os companheiros ou ex-marido pela guarda dos filhos ou disputa judicial em relação à pensão alimentícia. Então a questão da mulher como autora de crimes está relacionada a disputas judiciais outras. Nesse sentido, ao compreender a presença das mulheres nas audiências nessa instância pode-se inferir que a solução dos conflitos sociais passa por outras instâncias que mesmo ligadas ao sistema de justiça criminal não se vincula a questão criminal e que esta não está preparada para lidar com problemas específicos que estão relacionados ao problema origem do conflito criminal. 4.2 Conflito Social – mulheres que cometeram crimes no JECRIM Uma discussão pouco realizada em trabalhos acadêmicos, que é dizer da condição de mulheres que cometeram alguma prática ilícita e que tiveram seus nomes vinculados à justiça por meio do JECRIM. A novidade fica por conta de não tratá-las apenas como vítimas de situações que podem ocasionar lesões e incrementar as discussões sobre a violência de gênero. Também esse fato é importante, mas a discussão ultrapassa o limite dessa proposta e tende a compreender as mulheres em suas práticas de conflito social. Até porque as mulheres se mostram histórica e socialmente mais adeptas ao controle social do que homens. Nessa pesquisa realizada no JECRIM não é diferente, por isso trata-se a mulher não como praticantede crime, mesmo que legalmente seja assim definido, mas praticante de conflito social. Isso se reforça, quando observa-se que os percentuais de autores no Juizado Especial Criminal é maior entre homens do que mulheres. 17 Freqüência Percentual Percentual Válido Percentual Acumulado Vias de fato 20 19,6 20 20 Outros de Lei de Contravenção Penal 5 4,9 5 25 Lesão Corporal 21 20,6 21 46 Calúnia 4 3,9 4 50 Ameaça 18 17,6 18 68 Outros do Código Penal 8 7,8 8 76 Lesão Corporal no Trânsito 19 18,6 19 95 Outros Crimes de Trânsito 3 2,9 3 98 Outros 2 2,0 2 100 Total Válido 100 98,0 100 Sem Informações 2 2,0 Total 102 100,0 TABELA 1 - Distribuição de freqüência e percentual das infrações penais cometidas por Mulheres – JECRIM BH 2006. Fonte: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP) – NÚCLEO DE ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA (NESP), 2008 Então, mesmo tratando da mulher que comete violência doméstica, fica pouco evidenciado que essa mulher tenha um perfil de agressão igual ao dos homens. Ainda que, seja tratada a questão dos mesmos atributos legais, esses devem ser olhados com bastante atenção, pois como indicado, boa parte das penalidades cometidas pelas mulheres no JECRIM/BH foram crimes com conotação de violência doméstica. Nesse sentido a Tabela 1 representa as penalidades mais comuns, presentes nos processos transitados em julgado no ano de 2006, cometidas por mulheres no JECRIM/BH. O crime de lesão corporal é o mais representativo, já que 21% das mulheres cometeram esse tipo de crime. Além desse tipo, os crimes de lesão corporal no trânsito chamam a atenção, pois representam 19% dos crimes, e as vias de fato, que são as brigas com 20% dos crimes julgados nessa instância de justiça. Ameaça representa 18% dos crimes que foram cometidos por mulheres em nossa amostra. 6. Considerações Finais Este trabalho procurou discutir a questão de acesso à justiça de mulheres, pela análise do perfil das que foram vítimas de algum tipo penal tratado pelo JECRIM/BH. Nesse sentido ainda permanece a questão da submissão das mulheres 18 às situações de violência doméstica em que a desistência em relação as audiência é mais constante do que a audiência dos problemas e efetividade de solução para tais conflitos. Assim, sempre fica a impressão de que elas não são ouvidas e que a justiça não se realiza quando o gênero é feminino. Ao analisar o perfil de mulheres tanto vítimas quanto agressoras no ano de 2006, os conflitos domésticos que causam tantos transtornos a vida comum das pessoas, mostraram-se evidentes, tanto quando as mulheres causam algum tipo de problemas com seus cônjuges ou outro tipo de convivência familiar e vizinhos, quanto elas são vítimas desses conflitos. Isso pode demonstrar que não se dá crédito a problemas do cotidiano ou demonstrar que as pessoas ainda têm medo da justiça, ou melhor, de estarem envolvidos com a justiça. Por um lado isso fica evidente não apenas no número espantoso de desinteresse das vítimas, principalmente, mulheres que deixam de representar contra os autores. Por outro a fala da juíza demonstrando que a Polícia Militar ao atender a chamada transforma- se em mediadora do conflito, “tomando para si, uma responsabilidade que deveria ser da justiça em mediar e dirimir o conflito”. Uma coisa chamou a atenção nos resultados da pesquisa, que foi a desistência uma vez que boa parte dos processos que foram analisados resulta em desinteresse da vítima em dar prosseguimento judicial, mesmo tendo acessado o Juizado e a polícia num momento em que o conflito foi estabelecido. Dessa forma o trabalho da justiça fica aquém daquele que se propõe em relação aos Juizados Especiais Criminais, pois estudos já realizados com a temática da justiça voltados para as mulheres (Izumino, 2004) apontam para a necessidade de se rever a atuação dessa instância na solução de conflitos e de oferecer uma real proteção as mulheres, principalmente em relação à aplicação da Lei 9.099, pois essa minimiza os efeitos dos conflitos sociais provocados pelas mulheres e, também, em que são vítimas. Quanto ao perfil dessas mulheres que estiverem envolvidas em conflitos no JECRIM/BH, no ano pesquisado, ele não destoa de outros perfis analisados em pesquisas realizadas no país, seja em relação à escolaridade e idade, seja em torno das profissões desempenhadas por essas mulheres. Em relação à idade se destaca a inclusão de alguns casos voltados para a terceira idade, mesmo sendo pouco representados, fica evidente que pode ser um problema em breve para essa 19 instância de justiça, uma vez que a Lei Maria da Penha foi proposta para minimizar as distorções causadas por outras intervenções legais que não foram eficientes. No entanto não foi possível verificar das questões de forma mais detida nesse trabalho: uma é a questão dos crimes de trânsito que são a maioria dos processos que são tratados no Juizado Especial Criminal. s crimes de trânsito tem sido ponto de discussão em nossa sociedade, sabemos muito pouco sobre a sua prevalência e muito menos como a justiça tem trabalhado na resolução desse tipo de conflito social. Mesmo entendendo que os crimes de trânsito que vão para o JECRIM tenham o caráter de serem de menor potencial ofensivo, a ciência social ainda não trabalhou com essa categoria. Outro ponto é que nesse tipo de trabalho não forma ouvidas as mulheres que são atendidas no JECRIM, ou seja, o usuário do Sistema de Justiça. Com certeza o entendimento dos usuários é de natureza diversa daquela apresentada, por exemplo, da Juíza, principalmente, em relação ao fazer justiça. Referências ADORNO, Sérgio; PASINATO, Wania. A justiça no tempo, o tempo da justiça. Tempo social: revista de sociologia da USP. V.19, n.2, 131-155, 2007. AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. Juizados Especiais Criminais: uma abordagem sociológica sobre a informalização da justiça penal no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 16, n. 47, p. 97-182, 2001. CAMPOS, Carmen Hein de. The theoretical deficit of Small Claims Criminal Courts. Rev. Estud. Fem. , Florianópolis, v. 11, n. 1, 2003 . Disponível em:http://www.scielo.br/scielo. Acesso em: 25 May 2008. CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. 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