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REDES SOCIAIS E COMUNICAÇÃO
TEMA 1
A internet tem sido tema de debate entre estudiosos de diferentes áreas, que se interessam principalmente pelas transformações que ela tem provocado na sociedade, na cultura e, no que interessa aqui, no uso da linguagem. No que diz respeito ao uso da língua, ela suscita questões sobre elementos importantes para a Linguística, como as relações entre sincronia e diacronia, modalidade escrita e oral, linguagem formal e informal; a relação entre autor e leitor, bem como o próprio conceito de autoria; a definição de texto e a prática da leitura. Se essas já eram questões complexas de serem respondidas, com a internet surge a necessidade de rever as teorias sobre a linguagem e criar novos modelos de análise que contemplem essa nova realidade linguística. Para começarmos a discutir essas questões, abordaremos, neste tema, a influência da internet sobre as práticas de leitura, o que exige por sua vez que tratemos também das noções de autoria e de hipertexto.
Práticas de Leitura: do Impresso ao Digital 
Um Percurso da Leitura: do Impresso ao Digital 
A chegada da internet, ao mesmo tempo em que foi comemorada, trouxe algumas inquietações, especialmente em relação às modificações que promoveu sobre algumas práticas humanas já consolidadas, como a leitura e a escrita. Apesar de já existir um certo volume de trabalhos que procuram compreender esse novo fenômeno, a internet ainda é cercada de muitos questionamentos, bem como de afirmações leigas, que sustentam certo preconceito em relação a ela. Em relação à produção e à leitura de textos digitais, inicialmente, pensava-se que o computador e a internet eram apenas um suporte diferente. O texto em papel era transportado para a tela, mas seguia sendo um texto. No entanto, logo se começou a perceber que não se tratava apenas de uma simples diferença de suporte, uma vez que essa diferença impacta nas práticas de escrita e de leitura de diversas formas.
Braga e Ricarte (2005) afirmam que a leitura na tela do computador tem implicações físicas, como o cansaço visual gerado pelo brilho da tela, pela necessidade de movimentos oculares mais amplos (devido à resolução da tela) e pela posição fixa para a leitura. Esses elementos à primeira vista podem parecer nada ter a ver com o texto em si ou com a leitura, porém os autores mostram que essas modificações têm impacto sobre a estruturação do texto, pois essas limitações fazem com que a informação seja disponibilizada de uma nova forma. O texto digital tem também um impacto na leitura no que diz respeito ao esforço cognitivo. Para Marcuschi (2001), o novo espaço de escrita propiciado pela internet pode ser entendido como um espaço cognitivo em que as estratégias que utilizamos hoje para lidar com o texto precisam ser revistas. Por serem fragmentários e não lineares, os textos digitais exigem um esforço maior do leitor, que precisa ter um conhecimento mais amplo sobre diferentes áreas para relacionar esses fragmentos e traçar rotas de leituras, o que provoca um stress cognitivo, definido por Marcuschi (2001, p. 85) como “a carga ou pressão cognitiva que o hipertexto põe a mais para o seu leitor em relação ao leitor de um texto impresso ou linear”. Dessa forma, percebemos que tratar o computador e a internet apenas como mais um suporte de leitura é uma visão ingênua, que desconsidera diversas implicações que esses novos meios têm tido não apenas sobre as nossas práticas de leitura mas também sobre a nossa maneira de se relacionar com o mundo. De acordo com Carr (2010 apud RAJAGOPALAN, 2013, p. 48), “a internet veio mudar as nossas formas de pensar, ler e lembrar as coisas”. Para compreender as transformações que a internet traz em relação à leitura, faremos um breve percurso sobre as práticas de leitura, do texto impresso ao digital, a partir dos trabalhos de Chartier (1994, 1999). Em seu livro A Aventura do Livro, Chartier delineia uma história da leitura a partir dos principais eventos que modificaram a produção e a circulação de livros ao longo dos séculos. Segundo o autor, a invenção da imprensa em meados do século XV é um marco importante nessa história, pois modificou os modos de reprodução de textos e de produção de livros. Ela propiciou a difusão do acesso à leitura que, com os manuscritos, estava restrito aos mosteiros medievais. No entanto, Chartier (1994) afirma que esse momento não pode ser tratado como aquele em que temos o aparecimento do livro, como defendem alguns autores, pois não houve uma ruptura tão grande entre o manuscrito e o livro: este continua a ser estruturado em papel dobrado e encadernado, com uma escrita linear, é percebido como uma obra em seu todo etc. Já o surgimento do livro digital promove grandes rupturas em relação ao livro impresso, justamente por alterar tanto a sua estrutura material como a textual. A materialidade do livro se perde, uma vez que no meio digital ele é virtual, não sendo mais um objeto manuseável como o livro impresso, e sua organização textual também se modifica, dispensando a linearidade, por exemplo. Com o monitor, que vem substituir o códice, a mudança é mais radical, posto que são os modos de organização de estruturação, de consulta do suporte do escrito que se acham modificados. Uma revolução desse porte necessita, portanto, outros termos de comparação. (CHARTIER, 1994, p. 187). Outra modificação importante trazida pelo texto digital é a revisão dos papéis dos agentes envolvidos na produção e na circulação dos livros: autor, editor, distribuidor, crítico e leitor. Como a internet tem como uma de suas características a liberdade para a produção e difusão da informação, o distribuidor do livro, por exemplo, perde força pela atuação dos sites de compartilhamento de arquivos. O editor também tem sua função enfraquecida, já que qualquer um pode editar seu livro (ou o de outros), bem como distribuí-lo na rede, juntando, assim, funções diferentes. E em relação ao crítico de texto, observamos que, em última instância, todos nós passamos a ser críticos, pois na internet há inúmeros espaços reservados aos internautas para que comentem os conteúdos que acessam. É evidente que esses agentes seguem atuando no mercado de produção e circulação de livros, mas não há como negar que a internet comprometeu a exclusividade de suas funções. Contudo, a transformação mais marcante diz respeito à relação autor-leitor e aos papéis que cada um desempenha na produção do texto digital. Os trabalhos que se debruçam sobre a leitura de textos digitais concordam que a internet propiciou mais espaço e maior liberdade ao leitor. Mais espaço porque na internet o leitor pode comentar os textos e intervir neles, recortando-os, reproduzindo-os e compartilhando-os. Maior liberdade porque, por meio dos links que permeiam os textos digitais, o leitor pode traçar rotas diferentes de leitura, o que não era permitido pelo livro impresso, cuja estrutura textual linear e limitada por margens e páginas predefinia esse percurso. Chartier (1994) observa duas mutações fundamentais na história da leitura. A primeira delas diz respeito à passagem da leitura oralizada para a leitura silenciosa e visual, ao longo da Idade Média, especialmente quando ela deixa de se restringir aos monastérios e passa a ser incorporada nas universidades, por volta do século XII, chegando mais tarde à aristocracia. A mudança de “lugar” da leitura é importante na medida em que ela modifica a própria maneira de ler: se nos monastérios ela tinha como função copiar um livro e conservar o saber, nas universidades ela passa a funcionar como um trabalho intelectual individual de deciframento (da letra, do sentido e da doutrina). Observamos, assim, que essa primeira revolução ampliou o alcance da leitura, bem como a sua função. Outra transformação importante, considerada por Chartier (1994) como uma revolução da leitura, é o surgimento do texto eletrônico, devido às grandes diferenças que ele traz em relação ao códice. O texto digital substitui a materialidade do texto impresso por sua virtualidade,é composto de fragmentos que podem ser lidos e combinados de diferentes formas – o que altera por sua vez a percepção de uma obra em sua totalidade –, e a leitura é definida como uma navegação – definida pelo próprio leitor e não mais pelo autor do texto. Se a invenção da imprensa no século XV e seu desenvolvimento ao longo dos séculos posteriores já tinham promovido o aumento da produção e circulação de textos, o computador e a internet potencializaram esse processo. O computador permitiu que os textos fossem manipulados de modo mais ágil por qualquer pessoa que o tivesse, ao passo que a internet permitiu que eles fossem espalhados para todo o mundo, ampliando, assim, o alcance de textos que antes ficavam restritos a um determinado espaço. Essa oferta maior de textos que encontramos na internet nos leva a pensar sobre como lidamos com essa nova realidade e que impactos ela tem sobre a cultura impressa, com a qual o mundo estava acostumado anteriormente. Para compreender essa questão, Chartier (2002) afirma que é necessário avaliar três importantes rupturas trazidas pela revolução do texto digital, que são classificadas pelo autor como da ordem dos discursos, da ordem das razões e da ordem das propriedades. Vejamos como ele trata cada uma delas. A ordem dos discursos diz respeito ao modo pelo qual categorizamos os diferentes discursos na cultura impressa, a partir de suas diferentes materialidades (livro, jornal, revista), configurações textuais e formas de leituras. Ela foi estabelecida pela difusão do códice, pelo aparecimento do livro unitário e pela invenção da imprensa. O computador rompe com essa ordem na medida em que ele reúne diferentes tipos de textos que eram antes distribuídos em diferentes objetos materiais. A leitura que antes se daria de modo diferente a depender do objeto (livro, jornal, revista), no computador, passa a se dar da mesma forma, pois ela se realiza em um único suporte. Nesse sentido, há com a internet e o computador uma continuidade dos discursos, pois desaparecem os critérios para distingui-los, classificá-los e hierarquizá-los a partir de sua própria materialidade (CHARTIER, 2002, p. 23). Para o autor, o desaparecimento da categorização está atrelado ainda a outro problema: a perda da percepção da obra como obra, com uma identidade singular e uma coerência interna. Segundo Chartier, no meio eletrônico: O que se torna mais difícil, contudo, é a percepção da obra como obra. A leitura diante da tela é geralmente descontínua, e busca, a partir de palavras-chave ou rubricas temáticas, o fragmento textual do qual quer apoderar-se (um artigo em um periódico, um capítulo em um livro, uma informação em um web site), sem que necessariamente sejam percebidas a identidade e a coerência da totalidade textual que contém esse elemento.
Um exemplo interessante dessa perda da percepção da obra em sua totalidade é o que ocorreu com a figura do álbum de músicas (seja em CD, seja em LP). O álbum musical foi enfraquecido com a sua disponibilização na internet, pois hoje é possível comprar as músicas individualmente, deslocando-as da relação que têm com outras músicas do álbum, o que é fortemente determinado pela indústria da produção de sucessos/hits musicais. De fato, a transformação da forma como percebemos atualmente os produtos culturais, sejam eles textuais, musicais ou visuais, é um fenômeno promovido pela internet que parece ser irreversível, ainda que haja pontos de resistência para a apreciação e compreensão das obras em sua completude. No entanto, a afirmação de Chartier sobre o desaparecimento da categorização dos discursos deve ser recebida com ressalvas. É certo que essa categorização não se dá mais de acordo com a materialidade do objeto manuseável, já que houve mudanças no suporte de leitura, no entanto, podemos pensar que a internet tem sua própria materialidade (ainda que não física) e que é possível pensar a partir dela em novas classificações e hierarquizações, diante da pluralidade de tipos textuais que circulam na rede. A segunda das rupturas avaliadas por Chartier (2002) é a da ordem das razões. Segundo o autor, ela diz respeito à modificação da forma como a argumentação é construída em um texto. No texto digital, essa argumentação é aberta, uma vez que não é mais linear nem dedutiva, devido ao caráter fragmentário desse tipo de texto e à possibilidade de guiar a leitura acessando diferentes links. Além disso, a internet permite que o leitor comprove a validade de qualquer demonstração, consultando os materiais referenciados, caso estes estejam digitalizados. Isso transforma a leitura na medida em que se modifica a relação de confiança entre leitor e autor, já que este agora pode ser questionado ou refutado facilmente. Por fim, Chartier (2002) trata da ruptura da ordem das propriedades, que são de caráter textual (características da organização textual) e jurídico (copyright). No primeiro caso, temos as profundas transformações das propriedades textuais no texto digital, pois este se caracteriza por ser mais fragmentado, a fim de atender às necessidades do novo suporte, o que produz uma leitura descontínua e segmentada. Essa nova configuração nos leva a repensar, inclusive, a própria noção de texto que, na era digital, precisa ser compreendido a partir de certas particularidades. No segundo caso, temos uma ruptura na forma como se dava a relação entre autor e leitor, bem como nos papéis que cada um tem nesse processo. Enquanto a figura do autor perde força, o leitor ganha espaço, tornando-se mais participativo ao se apropriar do texto digital (recortando, deslocando e recompondo fragmentos de texto). Essas duas rupturas promovidas na ordem das propriedades transformaram as práticas de leitura de um modo bastante contundente, gerando a revisão do modo como compreendemos o processo de leitura e escrita, bem como as figuras de autor e leitor. A seguir, discutimos esses dois pontos de modo mais detalhado, pois a sua compreensão é de fundamental importância para avançarmos no nosso conhecimento sobre o impacto da internet em nossa cultura, bem como para construirmos novas práticas de ensino de leitura e escrita. O Hipertexto Como vimos no tópico anterior, a mudança do suporte impresso para o eletrônico alterou não apenas as práticas de leitura como também a própria textualidade, ou as propriedades do texto. Isso porque esse novo suporte, ao modificar os procedimentos de leitura, exige que se alterem também as formas de se construir um texto, de modo a contemplar as exigências do novo suporte, dando origem, assim, ao que chamamos de hipertexto. De acordo com as considerações de Marcuschi (2001), podemos definir o hipertexto como uma rede de segmentos textuais conectados que preveem uma leitura não linear. Dessas poucas palavras, podemos extrair as particularidades que diferenciam o hipertexto do texto. Ainda não está claramente definida a relação entre os dois conceitos, mas os utilizaremos aqui para nos referirmos ao texto eletrônico e ao texto tradicional ou impresso, respectivamente. O primeiro ponto que trazemos dessa definição é “rede de segmentos textuais”. Definir texto não é uma tarefa fácil, visto que diferentes teorias podem defini-lo preconizando aspectos diferentes; no entanto, uma ideia comum a essas definições é a de que o texto é uma unidade de sentido. Você poderia pensar que até aí não há diferença em relação ao hipertexto, mas a diferença está justamente no processo de produção: enquanto o texto é pensado como uma unidade fechada, em que cada “peça” do texto tem uma clara relação com as outras “peças”, o hipertexto é formulado como uma rede aberta, ou seja, que pode ser composta de diferentes maneiras. Nesse sentido, o hipertexto é fragmentado, em contraposição ao texto que tem uma unidade. Outra característica apontada na definição é a exigência de uma leitura não linear. O texto, enquanto uma unidade pensada por um único autor, define previamente o caminho que o leitor deverá seguir para lê-lo, pois há certos elementos nele que guiam essa leitura,como as margens, os parágrafos e a limitação em páginas, que por sua vez são numeradas. Já o hipertexto não tem esses elementos guiadores, deixando livre ao leitor as possibilidades de ordem da leitura. A leitura não linear é permitida pela existência dos links que permeiam o hipertexto e podem levar o leitor a outros hipertextos, em um movimento infinito. Marcuschi (2001) argumenta que nem todos os textos tradicionais preveem uma leitura linear, pois há materiais como as enciclopédias, as listas telefônicas e os dicionários, que são objetos de consulta e que permitem uma leitura não linear. No entanto, o hipertexto vai além da função de consulta, pois liga textos diversos, de diferentes gêneros, que são conectados por algum elemento comum, em uma rede infinita.
Para observarmos essa característica do hipertexto, podemos tomar como exemplo um jornal no suporte impresso e outro no suporte eletrônico. O jornal impresso define previamente a sequência com que seus cadernos são organizados: um caderno é colocado atrás do outro a partir de uma hierarquização dos diferentes temas, o que define previamente um percurso de leitura. O jornal eletrônico funciona de um modo diferente, pois, não sendo material, cada uma de suas seções, em vez de uma atrás da outra, está posta uma ao lado da outra (Figura 1.1), sem uma sequência de leitura definida. É claro que, por trazer os cadernos separadamente, o jornal impresso permite que o leitor selecione apenas aqueles que lhe interessam bem como os leia na ordem que quiser, o que, entretanto, não invalida o fato de que o jornal foi pensado e construído a partir de uma ordem prévia de leitura, uma ordem preferida estrategicamente pelo jornal.
Podemos ir além com esse exemplo, mostrando que o jornal impresso define um percurso de leitura organizado cronologicamente, ou seja, os textos são lidos de acordo com o dia em que o jornal foi publicado. Um percurso de leitura possível seria começar pela leitura da capa com as notícias principais, em seguida passar ao editorial e depois a uma notícia de política, todos publicados no mesmo dia. Já no jornal eletrônico poderíamos começar com o editorial que pode trazer na mesma página um link para uma notícia, publicada anteriormente, que se relaciona ao tema tratado nesse editorial. Nesse caso, o leitor pode optar por ler essa notícia publicada em outro dia, que por sua vez pode levá-lo a um artigo de opinião, e, assim, a rota de leitura deixa de ser determinada pela data para ser determinada pelo assunto. Essas duas características nos levam, por fim, a um terceiro aspecto que caracteriza o hipertexto: a liberdade do leitor. O hipertexto, por sua estrutura, prevê uma interatividade maior do que aquela com o texto impresso, pois na internet o leitor pode não apenas escolher seus percursos de leitura como também interferir na produção do texto e ainda comentá-lo.
Podemos encontrar, por exemplo, obras literárias abertas, que propõem mais de um desfecho, permitindo, assim, ao leitor que escolha o desfecho que desejar. Ou ainda obras produzidas por uma escrita colaborativa, ou seja, escrita por diferentes pessoas de maneira conjunta. Podemos sintetizar nossa discussão a partir da definição que Marcuschi (2001) faz de hipertexto: Retomando a definição de hipertexto e sugerindo uma caracterização mais sistemática, lembro que o termo hipertexto foi cunhado por Theodor Holm Nelson em 1964, para referir uma escritura eletrônica não sequencial e não linear, que se bifurca e permite ao leitor o acesso a um número praticamente ilimitado de outros textos a partir de escolhas locais e sucessivas, em tempo real. Assim o leitor tem condições de definir interativamente o fluxo de sua leitura a partir de assuntos tratados no texto sem se prender a uma sequência fixa ou a tópicos estabelecidos por um autor. Trata-se de uma forma de estruturação textual que faz do leitor simultaneamente coautor do texto final. O hipertexto se caracteriza, pois, como um processo de escritura/leitura eletrônica multilinearizado, multissequencial e indeterminado, realizado em um novo espaço de escrita. (MARCUSCHI, 2001, p. 86). Ainda que o hipertexto tenha particularidades, ele mantém algumas propriedades do texto impresso, como a coesão, a coerência e a referenciação. Nesse sentido, entendemos que as teorias do texto, desenvolvidas para se estudar o texto tradicional, aliadas aos novos estudos que trabalham as especificidades do texto digital, podem contribuir para a compreensão do hipertexto e seu impacto nas práticas de leitura. Cabe aqui ressaltarmos que todas essas transformações que temos tratado em relação ao hipertexto e às práticas de leitura estão intimamente relacionadas ao contexto social, histórico e cultural que estamos vivendo. Podemos perceber, por exemplo, como o caráter fragmentário do hipertexto responde à nossa necessidade de obtermos um número cada vez maior de informações em um espaço menor de tempo, bem como à especialização do conhecimento. Além disso, trazemos aqui apenas alguns pontos que envolvem o hipertexto, que é bastante complexo e exige maior aprofundamento. Os Papéis de Leitor e Autor nos Textos Digitais Como mostramos anteriormente, o hipertexto se caracteriza por uma nova textualidade que, consequentemente, irá alterar a relação do leitor com o autor e destes com o texto. Essa relação passa a ser mais próxima ao mesmo tempo em que começa a desparecer a dicotomia entre autor e leitor. Como vimos, a nova estrutura textual dá mais liberdade de participação ao leitor, já que ele pode escolher a maneira como deseja ler o texto, ao contrário do que ocorria com os textos impressos que previam uma única forma de leitura já definida e fechada. No entanto, a ampliação da participação do leitor vai além das possibilidades de leitura que ele pode criar, envolvendo outras três ações: o apoderamento de textos alheios, a difusão da produção textual e sua circulação, e a dialogia.
O apoderamento diz respeito ao conjunto de ações que o leitor pode fazer sobre um texto que não é de sua autoria, entre elas recortar e recompor fragmentos de textos diversos, construindo, assim, um novo texto, do qual seria o autor. Essa ação só é possível devido ao caráter fragmentário dos textos digitais que, ao permitir a leitura não linear, permite também diferentes combinações de segmentos textuais. Um exemplo desse apoderamento são as fanfics que se espalharam recentemente na internet. Outro aspecto que mostra o enfraquecimento da noção de autoria é a possibilidade, trazida pela internet, de produzir e divulgar textos por conta própria, sem a validação de um editor. Ou seja, para os textos digitais, a autoridade não é um fator determinante, não é necessário mais que uma editora convide alguém para escrever sobre algo ou valide uma obra, uma vez que qualquer pessoa pode escrever sobre um assunto que lhe interesse e divulgar o seu trabalho na rede. Poderíamos nos perguntar se esse tipo de texto teria leitores, já que partiriam de pessoas desconhecidas, muitas vezes com pouco conhecimento sobre o que escrevem. A resposta seria sim, há leitores para esses textos, pois, nesse caso, há um marketing no sentido de se pedir que um leitor siga o outro, como ocorre com muitos blogueiros. Outra ação que caracteriza o papel ativo do leitor, possibilitado pelo texto digital, é a dialogia, pois, por meio dela, ele pode ter contato direto com o autor dos textos que lê. Observamos, assim, que a possibilidade de diálogo entre leitor e autor evidencia uma nova forma de leitura, possivelmente mais crítica, já que o leitor tem agora a oportunidade de se expressar sobre o que leu. Além disso, o diálogo se dá não só entre leitor e autor mas, principalmente, entre os próprios leitores, que podem agora trocar ideias acerca do texto. O próprio texto digital já prevê a participação do leitor, pois em geral tem em sua estrutura um espaço para comentários, algo que não faz parte da estrutura do texto impresso. Tudo o que tratamos aqui caminha para um ponto comum: o enfraquecimento da autoria.Isso não quer dizer que ela tenha desaparecido, conforme afirmam (ou desejam) alguns autores. Ela continua presente em muitos espaços de escrita, como o jornalístico e o acadêmico, e envolve aspectos para além das questões textuais: entre eles uma forte determinação ideológica que divide os saberes a partir de uma hierarquia produzida politicamente. Nesse sentido, entendemos que podemos pensar a relação autor-leitor nas práticas de leitura na era digital sob dois pontos de vista. Um em que o hipertexto promove o surgimento de um leitor ativo e o enfraquecimento da noção de autoria, embaralhando assim os papéis dessas duas figuras já estabilizadas na história da leitura. Outro em que vemos surgir a difusão da autoria e o nascimento de um leitor crítico que se posiciona, o que pode promover a democratização do acesso ao conhecimento e à informação. Um exemplo dessa última perspectiva é o surgimento das mídias alternativas que fazem um contraponto à mídia de massa, controlada geralmente por uma elite.
Percebemos, assim, que essa é uma questão complexa, que deve ser pensada com cautela. Devemos considerar as implicações teóricas dessa fluidez entre os conceitos, a fim de refletirmos sobre novas práticas de ensino de leitura e escrita, mas também as suas implicações práticas, como o impasse que se tem hoje quanto à questão dos direitos autorais. Dessa forma, conseguiremos avançar na compreensão desse fenômeno recente que tem transformado a sociedade, a produção e a leitura dos textos digitais.
Neste tema, mostramos como a internet tem transformado as práticas de linguagem, especificamente as práticas de leitura e escrita. Para isso, traçamos um percurso da história da leitura, mostrando como a mudança do texto impresso para o digital traz implicações não só ao suporte mas também ao modo de estruturar o texto, bem como à relação entre autor e leitor. Para compreendermos essas novas formas de se estruturar o texto, apresentamos a noção de hipertexto como um novo espaço de escrita promovido pela internet, mostrando as suas diferenças em relação ao texto impresso. Quanto à relação entre autor e leitor, discutimos como estes papéis são reestruturados pelo texto digital, fazendo com que, muitas vezes, eles se confundam, permitindo, assim, novas relações entre eles. Concluímos, assim, que a internet e o texto digital provocaram muitas mudanças nas práticas de leitura e escrita, o que nos leva a pensar em novas formas para compreender essas mudanças e adequar as práticas de ensino-aprendizagem a esta nova realidade.
TEMA 2
Neste tema trataremos do funcionamento da linguagem e da comunicação na internet. Para isso, abordaremos alguns conceitos das teorias clássicas da comunicação, bem como a relação entre fala e escrita, uma vez que, na internet, boa parte da comunicação se dá através da escrita, carregando, porém, muitos elementos da fala. Outra questão que iremos trabalhar é a interação, mostrando como na internet ela é potencializada, além de ser realizada, muitas vezes, de modo diferente das situações de comunicação face a face. Ao final da leitura, você terá conhecido alguns conceitos importantes para o estudo da comunicação e será capaz de compreender como a comunicação funciona na internet. Principalmente, você será capaz de refletir sobre as transformações que os meios digitais produziram na comunicação humana, bem como sobre o funcionamento da linguagem nesse tipo de comunicação.
Linguagem e Comunicação nas Mídias Digitais 
Comunicação e Interação 
É inegável o impacto que as mídias digitais tiveram e continuam tendo sobre a comunicação. Graças a essas mídias, hoje podemos nos comunicar com pessoas em qualquer lugar do mundo. Entretanto, elas não apenas trouxeram inovações materiais, mas também promoveram mudanças na maneira com a qual nos comunicamos. Essas mudanças suscitam a curiosidade de estudiosos de diversas áreas, que procuram compreender o funcionamento da comunicação na internet. Nos estudos clássicos da comunicação, quando se fala em interação, observa-se o delineamento de quatro pontos centrais: transmissor, receptor, mensagem e canal. Nesses estudos, para cada ato comunicativo, há alguém (transmissor) que transmite um conteúdo (mensagem) à outra pessoa (receptor) por meio de um canal. Por exemplo, em um telejornal o transmissor seria o jornalista, a mensagem seria a notícia, o receptor seria o telespectador e o canal seria a televisão, ou seja, o meio pelo qual se propaga a notícia. Bakhtin (1997 apud JUNGBLUT, 2004), ao tratar dos gêneros do discurso, propõe um modelo diferente para os atos comunicativos. Para ele, o processo da interlocução é dinâmico e os interlocutores têm um papel ativo na comunicação. Enquanto o locutor está transmitindo sua mensagem, o interlocutor não está apenas ouvindo, mas já elaborando a resposta a essa mensagem, o que Bakhtin chama de “compreensão responsiva ativa”. Observa-se assim que, ao contrário do modelo anterior, na abordagem enunciativa da interação proposta por Bakhtin, os interlocutores têm um papel mais ativo, alternando-se neste processo de enunciar. Alguns autores, como Charadeau (2006 apud CARVALHO; KRAMER, 2013) e Ducrot (1987) tratam esse atos comunicativos como cenas enunciativas, nas quais os interlocutores seriam os atores na realização da comunicação. Ainda sobre o modelo de Bakhtin, cabe destacar que o autor aborda não só as situações comunicativas orais, mas também as escritas. No caso da escrita, o autor irá dizer que ela pressupõe uma compreensão ativa responsiva retardada, pois o leitor não interage diretamente com o autor e não tem a obrigação de dar uma resposta. Segundo Jungblut (2004), com a internet isso muda, pois, em geral, as páginas da internet têm um espaço destinado aos comentários dos internautas, permitindo, assim, uma resposta síncrona à publicação do texto, e não mais retardada, como falava Bakhtin. Um exemplo dessa mudança nas práticas interativas é o funcionamento das grandes mídias. Antes do computador e da internet, os jornais e revistas tinham maior controle sobre a informação, o que lhes conferia um grande poder na difusão de fatos e notícias, bem como na formação da opinião pública. A interatividade trazida pela internet enfraquece esse poderio na medida em que os internautas podem postar nos comentários contra-argumentos aos textos publicados, críticas e fatos/dados que refutem as informações dos meios de comunicação. Dessa forma, o interlocutor das situações comunicativas nas mídias digitais é ativo, ele não apenas lê a informação, como dialoga com o jornal e com outros leitores. Por mais que essa interação seja moderada pelo jornal, ela tem um impacto sobre o próprio fazer jornalístico, ou ainda sobre a linguagem que a mídia utiliza. Afinal, não é possível ignorar o feedback dado pelos leitores, que, em última instância, são os consumidores do jornal. Carvalho e Kramer (2013) afirmam que a interação entre os leitores e os meios de comunicação permite um relaxamento da linguagem utilizada por estes meios, no entanto, há ainda a imagem de que estes veículos de comunicação devam seguir a norma padrão da língua, mesmo na internet. Observe o exemplo de uma interação na página da Folha de S.Paulo no Facebook, apresentado pelas autoras:
Folha de S.Paulo 
Todos comemora! HTTP://bit.ly/ltZoM7U Veja fotos de Santos 3 x 1 Kashiwa Reysol. ;) 
João: Ainda tem gente que diz: “Esse pessoal que não entende gíria de internet... Me polpe de comentários idiotas!!! E gíria possuí acento agudo no primeiro “i” ....rsrsrs 
Victor: É meme proposital seus BURROS 
Lúcia: Todos “comemora” ....pronto, sem stress... 
Folha de S.Paulo: É uma expressão comum nas redes sociais 
Luis Ricardo. Veja: HTTP://twitter.com/#!search/%22todos%20comemora%22. Obrigado pelo contato! 
Maria: Gíria eh uma coisa: falar errado eh outra bem diferente..... e, antes que falem, Eu não tenho acentos, cedilhas e outras cositas aqui no meu laptop [...] 
(CARVALHO; KRAMER, 2013, p. 86)
Por meio deste exemplo é possível perceber que os leitoresreagem mal ao uso de gírias ou expressões da oralidade quando veiculadas por um jornal de renome nacional como a Folha de S.Paulo. Essa reação é importante para mostrar ao jornal como ele é visto pelos leitores ou pelos internautas, o que pode guiar a sua prática jornalística ainda que em pequena escala. Neste caso, diante da polêmica, a Folha de S.Paulo fez posteriormente uma enquete com a seguinte pergunta: Após polêmica, queremos saber: “a Folha pode usar termos como ‘todos comemora’? [Leia nosso post anterior.]” (CARVALHO; KRAMER, 2013, p. 87). Outro meio importante de comunicação na internet são os blogs. Os blogs são espaços de interação por excelência, pois preveem em sua estrutura o par post-comentário. Mas essa interação se dá de maneiras diferentes a depender da função do blog. Em blogs de moda e maquiagem, por exemplo, essa interação entre o blogueiro e os seguidores parece ser mais intensa, já que é a audiência do blog que confere status e até mesmo retorno financeiro ao blogueiro. Já nos j-blogs, ou blogs jornalísticos, Oliveira (2013) observou um funcionamento distinto. Nestes blogs, o jornalista posta um texto, mas não responde aos comentários dos leitores. A interação nestes espaços se dá na verdade entre os próprios internautas. Oliveira (2013) observou ainda que o que ocorre nos comentários nos blogs não é exatamente um diálogo entre os internautas, ou seja, não há necessariamente discussões de ideias ou retomadas e referências aos comentários dos outros, mas apenas a expressão da própria opinião. Ou seja, esses espaços acabam funcionando mais como um mural de desabafos do que propriamente como um espaço de interação.
Outra opção de interação ou de reação/resposta a um conteúdo na internet são os botões “curtir” e “compartilhar” que aparecem nas redes sociais. Esta última ferramenta é mais do que um meio de reagir a um conteúdo, ela dinamiza a alternância de papéis entre receptor e transmissor pensando nos termos clássicos da teoria da comunicação, pois o leitor transmite o conteúdo a outros internautas, mostrando assim que a comunicação nas mídias digitais é mais complexa e exige novos métodos e postulados teóricos para que possa ser compreendida. Uma discussão que se faz em torno da comunicação na internet é se ela seria mais ou menos eficiente que a comunicação face a face. De um lado, há autores que julgam a comunicação na internet como menos eficiente, pois ela carece de recursos não verbais, como o tom de voz e as expressões faciais. De outro lado, há autores que pensam o contrário, que esse tipo de comunicação é mais eficiente, pois, apesar de não ter esses recursos por ser essencialmente escrita, permite que o locutor diga somente aquilo que quer dizer, uma vez que pode revisar e editar a mensagem que escreve antes de enviá-la. Além disso, a falta de recursos extralinguísticos é suprida com alguns recursos criados na própria internet, como os emoticons e o uso de caixa alta. 
Comunicação nas Mídias Digitais: Características 
Quando se fala em comunicação nas mídias digitais, além de pensarmos no funcionamento da interlocução, devemos pensar também sobre os aspectos que a caracteriza: como se estrutura a interação nesse tipo de situação comunicativa e qual seria a linguagem utilizada. Essas questões são importantes, pois o que se observa é que as interações na internet são similares às conversas face a face (FAF), mas se dão por meio da escrita. Diante desse hibridismo, uma questão recorrente é se a comunicação mediada por computador (CMC)1 estaria mais próxima da fala ou da escrita. Nesse sentido, para se compreender a linguagem utilizada na internet, os estudiosos que se debruçam sobre o tema trabalham com alguns conceitos da Teoria da conversação, entre eles, a noção de turno e piso conversacional. O turno em uma interação FAF corresponde à tomada de palavra pelo locutor. Em uma conversa FAF, quando um sujeito A termina de falar ou é interrompido, o sujeito B, com quem A conversa, toma a palavra, ou seja, toma o turno de fala. É essa troca de turnos que sustenta um diálogo entre duas ou mais pessoas. É evidente que a conversação não se dá de forma organizada e constante sempre; a depender do contexto da interação, ela ocorre de maneiras diferentes, por exemplo, com mais interrupções, com troca de turnos organizada ou desorganizada, com um sujeito que fala mais do que outros, etc. O que Herring (2013) nos mostra é que a CMC também funciona por meio da troca de turnos, que correspondem às postagens realizadas pelos internautas. Por exemplo, em um fórum de discussão, cada postagem é a tomada de turno pelo locutor para discutir a questão proposta no fórum. 
1 Utilizamos aqui o termo CMC para se referir à comunicação nas mídias digitais em geral ou na internet.
Assim, percebemos uma primeira similaridade entre as interações CMC e FAF: a organização da comunicação em turnos que se alternam na interação. No entanto, a autora nos mostra que essa troca de turnos se dá de modo diferente na internet. A primeira diferença está na relação temporal dessa troca, pois enquanto nas interações FAF a troca de turnos se dá sempre de modo síncrono (quando A termina de falar, B responde imediatamente, ainda que com elementos não verbais, como gestos), na CMC essa troca pode se dar tanto de modo síncrono (mensagens instantâneas), como de modo assíncrono (A envia uma mensagem a B no Facebook, mas pode receber a resposta apenas depois de alguns dias). Outra diferença em relação à questão temporal na CMC diz respeito à possibilidade de duas pessoas enunciarem ao mesmo tempo, ou seja, duas pessoas postarem uma mensagem no mesmo instante, sem que haja interrupção, como ocorre na interação FAF (se duas pessoas falam ao mesmo tempo, uma delas se interrompe ou é interrompida para que apenas uma pessoa fale). Existe também uma diferença evidente quanto ao espaço, uma vez que nas interações FAF os interlocutores estão presentes no mesmo espaço, um diante do outro; já na internet, cada interlocutor pode estar em um lugar diferente. Nesse sentido, observamos que a CMC transformou as práticas comunicativas quanto a dois elementos importantes: o tempo e o espaço. Outro ponto importante refere-se aos participantes da CMC. Assim, como nas interações FAF, podemos ter situações comunicativas que envolvem apenas duas pessoas, ou seja, uma comunicação de um para um, e aquelas que envolvem mais de duas pessoas, que pressupõem uma interação de muitos para muitos. A diferença é que na CMC a audiência é muito maior, pois não se restringe às comunidades que são criadas em espaços físicos comuns, como o trabalho, a escola, o bairro, a família, etc. Na CMC, podemos pensar que a audiência seria constituída por todos os internautas do país, pois uma postagem de alguém que mora em Belém pode ser lida e comentada por pessoas de Porto Alegre, Recife, São Paulo, Jaboticabal, etc. Essa audiência pode ser ainda mundial se pensarmos que a língua inglesa se constituiu como a língua franca na internet, permitindo que internautas de diferentes nacionalidades, com línguas nativas distintas, se comuniquem. Segundo Herring (2013), autores como Flores (1990 apud HERRING, 2013) acreditam que essa ampliação da audiência, bem como a possibilidade de que qualquer pessoa tome o turno por meio das postagens, caracteriza a internet como um espaço de diálogo mais democrático, pois qualquer um pode dirigir sua fala a qualquer pessoa e a qualquer momento. No entanto, Herring mostra que essa democratização é ilusória, pois a internet não está desconectada do mundo social, logo, as relações de poder que caracterizam a nossa sociedade também estão presentes na CMC.
Sobre isso, cabe aqui fazermos um breve desvio para lembrarmos que, ao contrário do que se pensa, a virtualização do mundo não significa a sua desrealização, ou seja, a internet não se contrapõe à realidade, como algo pertencente ao imaginário, não é um simulacro dela. Ela é mais um dos elementos que compõem a nossa realidade, produzindo e sofrendo os efeitos das relações sociaisque organizam a nossa sociedade (JUNGBLUT, 2004). O ciberespaço não é um mundo à parte, mas um dos espaços de sociabilização propiciados pelo computador e pela internet. Para mostrar que esse caráter democrático da CMC é ilusório, Herring (2013) investiga se as interações na CMC seriam determinadas por relações de gênero, tal como ocorre nas interações FAF, ou seja, se na internet também haveria diferenças nas conversas entre homens e mulheres. Para isso, ela trabalha com o conceito de piso conversacional, que é a tomada de turno, dividindo-o em dois tipos: piso individual (F1) e piso colaborativo (F2). No primeiro caso há uma regulação em que um participante fala de cada vez, os turnos são mais longos e poucos controlam a interação; já no segundo há liberdade total, a conversa é simultânea, os turnos são mais curtos e mais democráticos. O que a autora observou é que na CMC, tal como nas interações FAF, a interações do tipo F1 são mais frequentes entre os homens, enquanto as interações do tipo F2 são mais frequentes entre as mulheres. Dessa forma, Herring (2013) afirma que a CMC não é democrática, pois houve transferência dos padrões interacionais FAF para a CMC. Na comunicação na internet, permanece a percepção de que falar em público é algo próprio ao universo masculino, e o sexo que predomina numericamente nos fóruns estudados por ela determina o volume da participação e o estilo do discurso. Ainda comparando as interações nas mídias digitais com as conversas FAF, quando se pensa sobre as práticas de comunicação na internet, surgem também questionamentos quanto ao modo como essa comunicação se estrutura, ou seja, os enunciados na CMC teriam a mesma estrutura que nas interações FAF? Baron (2013) nos mostra que não há diferenças na estruturação da comunicação nas mídias digitais. A partir da análise de um corpus constituído com mensagens instantâneas (MIs) de alunos universitários americanos, ela se pergunta se a CMC estaria mais próxima da fala ou da escrita. Retomando Chafe (1980, 1984), que diz que a fala é segmentada de acordo com o tom, Baron procura avaliar se a segmentação das mensagens na CMC seria similar à da interação FAF. A partir da análise do corpus, a autora mostra que as transmissões médias de MIs (segmentos de texto escritos e enviados por um membro da díade conversacional) são relativamente curtas, têm 5,4 palavras por transmissão, diferentemente das unidades de entonação da fala, que têm 6,2 palavras, e da unidade de pontuação em trabalhos acadêmicos escritos, que tem 9,3 palavras. Nesse sentido, a unidade de transmissão média da CMC, segundo a autora, está mais próxima do discurso FAF do que da escrita.
Quanto ao modo como se dá a segmentação na CMC, Baron (2013) mostra que, diferentemente do que ocorre na conversação em que a segmentação se dá a partir da tonalidade, essa segmentação é feita a partir da estrutura sintática do enunciado. Por meio da análise de seus dados, ela demonstra que a conjunção é o elemento predominante como base para a segmentação, ou seja, as MIs sofrem segmentação majoritariamente no ponto em que há coordenação ou subordinação entre duas orações (sendo a maior parte coordenação – 82%). A segunda estrutura predominante são as orações independentes. A autora também percebeu que não é natural segmentar os enunciados em sintagmas nominais e sintagmas verbais, pois há baixa ocorrência desse tipo de segmentação.
A partir desse resultado, Baron corrobora a afirmação anterior de que a CMC está mais próxima da fala do que da escrita, mas com uma ressalva: a de que essa proximidade tem diferença na comunicação entre homens e mulheres. Inserindo em sua investigação o fator gênero, a autora percebe que as mensagens enviadas por mulheres têm elementos mais próximos da escrita (as mulheres agrupam mais enunciados em uma transmissão, fazem fechamentos de conversa mais longos e usam menos contrações), enquanto as mensagens enviadas por homens têm mais proximidade com a fala (os homens segmentam mais as transmissões, fazem fechamentos de conversa mais curtos e usam mais contrações). Este resultado, na verdade, não invalida o achado de Baron quanto à proximidade da CMC à fala, apenas marca que essa proximidade tem graus diferentes a depender do gênero.
A partir dos estudos apresentados percebemos que a comunicação nas mídias digitais caracteriza-se por uma relação espaço-temporal distinta da comunicação FAF, pois os interlocutores não precisam estar presentes no mesmo espaço físico, nem precisam interagir em um mesmo tempo. Ainda que se realize por meio da escrita, a comunicação nas mídias digitais se caracteriza também por ser mais próxima da fala nas interações comunicativas – uma vez que também se organiza em turnos, é segmentada, incorpora elementos linguísticos da oralidade, bem como elementos paralinguísticos (emoticons) – e por envolver a interlocução direta entre dois ou mais interlocutores.
Neste tema, apresentamos algumas questões que envolvem a comunicação na internet. Inicialmente discutimos o funcionamento da interlocução, passando da teoria clássica da comunicação para a teoria enunciativa de Bakhtin, mostrando alguns exemplos de como se efetiva a comunicação na internet, bem como a sua eficiência. Procuramos também mostrar, por meio de alguns estudos linguísticos que analisam dados de comunicação na internet, como ela se aproxima das conversas face a face, mesmo se realizando por meio da escrita. Dessa forma, você pôde conhecer alguns termos pertencentes ao estudo da comunicação, especificamente da comunicação na internet, e também refletir sobre questões que ainda não estão fechadas e que suscitam muitos debates. Nesse sentido, você pôde perceber que, apesar de a comunicação nas mídias digitais utilizar a boa e velha linguagem conhecida de todos nós, na internet essa linguagem se complexifica, provoca questionamentos e nos leva a pensar sobre a necessidade de se desenvolver novos mecanismos de análise.
Ciberespaço: de acordo com Lévy (apud JUNGBLUT, 2004, p. 112), é “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”. Está em constante mutação e, por isso, caracteriza-se por ser amorfo. Um dos exemplos dados por Lévy é o e-mail, pois seu uso por si só não configura a ocupação do espaço cibernético, uma vez que ele funciona como o correio, só que de modo mais rápido. Já as listas de e-mails e fóruns de discussão permitem a ocupação deste espaço, pois constituem comunidades criadas em torno de interesses comuns, nascidas com este espaço. 
Díade: grupo de dois, par. Em comunicação, refere-se ao par de interlocutores. 
Feedback: palavra do inglês, incorporada ao português, especialmente em situações de trabalho, que significa resposta ou retorno sobre o resultado de uma ação, de uma atividade, de uma mensagem, etc. 
Simulacro: simulação ou representação de algo. Pode significar ainda aparência enganosa ou cópia malfeita.
Tom: em Linguística, é o traço prosódico que representa a variação da altura do som de um fonema. Ele pode marcar diferenças de expressão, ou ainda de significado em algumas línguas, como o chinês. 
Veículos de comunicação: todo e qualquer meio que possibilite a comunicação, que transmita informação, como, por exemplo, rádio, jornal, televisão, etc.
TEMA 3
Neste tema, vamos abordar as inovações discursivas promovidas pelas redes sociais na linguagem. Para isso, inicialmente fazemos uma breve discussão em torno do que são as redes sociais na internet e de como elas promovem a interação entre os sujeitos. Em seguida, discutimos a relação entre fala e escrita, uma vez que, nas redes sociais, a comunicação se dá por meio da escrita, mas com marcas da oralidade, para, por fim, abordar o uso do internetês, que provoca muita polêmica. Assim, ao final deste tema, você terá compreendido o funcionamento das redes sociais e como elas influenciam nas práticas de linguagem e terá refletido sobre a relação entre fala e escrita, a partir de diferentes abordagens. Você também teráconhecido um pouco mais do internetês, a linguagem utilizada na internet, a partir do olhar de linguistas, gramáticos e dos próprios falantes da língua.
Redes Sociais e as Inovações Discursivas 
Redes Sociais: Interação e Linguagem 
Quando falamos em redes sociais, logo nos vêm à mente as redes que conectam pessoas na internet, como Facebook, Twitter, LinkedIn, MySpace etc. No entanto, a organização da humanidade em redes existe há séculos, sendo uma característica peculiar ao ser humano. Nós estabelecemos redes sociais em diferentes esferas, como a esfera do trabalho, a do lazer, a da família, entre outras. A questão é que a globalização e, principalmente, a conexão do mundo por meio da internet potencializaram esse tipo de organização, modificando-a. As redes sociais podem ser definidas como espaços na internet que reúnem ou conectam pessoas em torno de interesses ou objetivos comuns. O Facebook, por exemplo, é uma rede que se propõe a conectar pessoas que queiram compartilhar atividades pessoais e informações em geral; o LinkedIn, por sua vez, reúne aqueles que têm o objetivo de estabelecer conexões profissionais e que estão, muitas vezes, em busca de uma colocação no mercado.
Segundo Tomaél, Alcará e Di Chiara (2005, p. 94), a rede caracteriza-se por ser “uma estrutura não linear, descentralizada, flexível, dinâmica, sem limites definidos e auto-organizável, estabelece-se por relações horizontais de cooperação”, ou seja, é uma estrutura sem hierarquia. Sobre as redes sociais da internet especificamente, elas são caracterizadas também por criarem vínculos que, apesar de não se delimitarem a fronteiras (AGUIAR, 2007), são determinados por interesses comuns. São espaços em que as pessoas se conectam para trocar informações e para se relacionar com outras pessoas. Segundo Aguiar (2007), as redes sociais da internet podem ser criadas de maneira espontânea (redes informais que conectam pessoas que se conhecem fora da internet) ou de maneira intencional, cuja motivação é conectar pessoas que não se conhecem em torno de interesses e objetivos comuns. Tomando o Facebook como exemplo, Fusca, Komesu e Tenani (2011) falam da ênfase dada por essa rede à conexão: não importa o modo como as amizades se dão na rede mas a quantidade de amigos, tratados agora como conexões, que cada pessoa tem. Nesse sentido, critica-se a qualidade dessas conexões, uma vez que, segundo Bauman (2004, 2005 apud FUSCA, KOMESU; TENANI, 2011, p. 217), a conexão, diferentemente da amizade, não prevê um compromisso, possibilitando que o sujeito se desconecte de outro na rede apenas clicando no botão “desconectar”. Ainda sobre a relação que se estabelece entre os sujeitos nas redes sociais, Dias e Couto (2011) afirmam que o que mobiliza o ingresso do sujeito nessas redes é a alteridade, ou seja, a necessidade de se relacionar com o outro para a construção de sua própria identidade. Para as autoras, não há subjetividade sem alteridade e é a partir dessa identificação do sujeito com o outro que ele se subjetiva e se posiciona no mundo (DIAS, COUTO, 2011, p. 637). Além disso, segundo as autoras, o sujeito que não se diz neste espaço passa a não existir nele, pois é aquilo que o sujeito sabe que o define na rede diante do outro. Pensando a questão da alteridade como a grande motivação do estabelecimento de redes sociais na internet, percebemos que a interatividade entre os sujeitos é o pressuposto-base dessas redes. Nesse sentido, entendemos que as redes sociais têm implicações nas maneiras de comunicar, bem como na configuração da linguagem, transformando-a, já que interagir em uma conversa face a face ou por telefone é diferente de interagir na internet. Essas transformações suscitam inúmeras questões quanto à linguagem característica das interações na internet, que, inclusive, colocam em xeque certos pressupostos teóricos da Linguística. Estaríamos diante de uma linguagem mais próxima da fala ou da escrita? Podemos dizer que essa linguagem mantém as características atribuídas à linguagem escrita? Quais elementos ela carrega da oralidade? E o internetês, é uma nova língua que pode ameaçar a língua que conhecemos? São essas questões que discutimos a seguir.
A Linguagem na Internet: Oralidade ou Escrita? 
A linguagem utilizada na internet e, especialmente, nas redes sociais coloca em questão velhos pressupostos da Linguística, sendo o principal deles aquele que se refere à relação entre fala e escrita. As diferentes perspectivas teóricas tratam essa relação de maneiras diferentes. Há uma visão tradicional e já bastante questionada, porém ainda muito presente no imaginário coletivo, de que língua e fala são modalidades distintas, com características próprias, que se constituem de modo dicotômico. Segundo Marcuschi (1997, p. 127), de acordo com essa perspectiva dicotômica, a escrita seria descontextualizada, explícita, condensada, planejada, precisa e normatizada, enquanto a fala teria características opostas a essas, pois ela seria contextualizada, implícita, redundante, não planejada, imprecisa e não normatizada. É possível perceber, por meio de uma comparação superficial, que essa divisão nem sempre funciona, especialmente quando pensamos na escrita da internet, que não se encaixa nessa descrição, uma vez que ela pode ser não planejada e, sobretudo, não normatizada, por exemplo. Colocando-se em outra perspectiva, Marcuschi (1997) afirma que, ao invés de pensarmos em uma relação dicotômica entre fala e escrita, é mais interessante pensarmos em uma relação gradual, escalar, que se dá por meio de um contínuo em que fala e escrita podem se aproximar ou se afastar. Esse contínuo seria determinado pelos diferentes gêneros de discurso que utilizamos e que podem propiciar essa aproximação ou esse afastamento. Segundo o autor: O contínuo tipológico distingue e correlaciona os textos de cada modalidade quanto às estratégias de formulação textual que determinam o contínuo das características que distinguem as variações das estruturas, seleções lexicais etc. Tanto a fala como a escrita se dão num contínuo de variações, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de dois contínuos sobrepostos.
Nesse quadro, é possível perceber que há gêneros que, apesar de serem realizados por meio da fala, têm mais características da escrita, como, por exemplo, as exposições acadêmicas (planejadas e com linguagem formal). O contrário também ocorre, pois, os bilhetes e as cartas pessoais, por exemplo, apesar de serem escritos, têm muitas características da oralidade (estrutura dialogal e linguagem informal). Outros autores seguem também uma direção contrária à perspectiva dicotômica. Braga (1999) fala em “hibridismo entre fala e escrita”, especialmente ao analisar a linguagem utilizada nas salas de bate-papo e no hipertexto. Segundo a autora, a internet, ao trazer para a escrita uma prática oral, como a conversa informal, exige uma nova forma de escrever que seja mais ágil (por isso, muitas vezes, abreviada) que incorpore elementos paralinguísticos utilizando os recursos do computador (como a expressão de sentimentos por meio dos emoticons). Outra perspectiva nessa direção é aquela de Corrêa (2004 apud KOMESU; TENANI, 2009a) que fala em heterogeneidade constitutiva da escrita, ao invés de modalidade escrita. Segundo essa autora, o que existem são modos de enunciação fundados “no encontro entre práticas sociais do oral/falado e do letrado/escrito, considerada a dialogia com o já falado/ escrito e ouvido/lido” (KOMESU, TENANI, 2009b, p. 627). Essa perspectiva, ao não colocar em oposição a fala e a escrita, nos permite explicar e compreender o funcionamento da linguagem na internet, assim como as perspectivas de Marcuschi (1997) e de Braga (1999) que, ainda que mantenham o conceito de modalidade escrita e modalidade oral, trabalham essa relação pensando na possibilidade de gradação e hibridismo, respectivamente. Fizemos essa discussão em torno da relação entre fala e escrita pois a linguagem utilizada na internet traz características mais ou menos marcadastanto da escrita quanto da fala. Nas redes sociais, por estas serem iminentemente interativas, essa linguagem, apesar de escrita, carrega muitos elementos da oralidade, o que leva alguns autores a pensarem se a linguagem nas redes sociais seria uma nova linguagem. É certo que o suporte da escrita provoca mudanças no próprio processo de escrever. Segundo Dias (2011), o modo de escrita não está dissociado de seus elementos, pois as razões materiais sempre tiveram importância na mudança de procedimentos da escrita. No caso da escrita na internet, por exemplo, a necessidade de escrever de maneira rápida, a fim de manter a interação em um ritmo semelhante ao que temos em uma interação face a face, implica mudanças nessa escrita, como, por exemplo, o largo uso das abreviações, motivado também pela restrição de caracteres. Essas mudanças e novidades levam alguns autores a pensarem se a linguagem na internet seria uma nova linguagem e quais seriam as suas características. Nesse contexto, surge o internetês como a língua franca da internet no Brasil, que provoca amor e ódio entre internautas, estudiosos e professores. Trataremos, a seguir, das questões que envolvem essa nova linguagem amplamente utilizada nas interações nas redes sociais. O Internetês O internetês é o nome que se dá à linguagem utilizada na internet ou, mais especificamente, à forma grafolinguística utilizada para a comunicação nas redes sociais (KOMESU; TENANI, 2009b). Considerando o que dissemos anteriormente sobre o contínuo de gêneros proposto por Marcuschi (1997), devemos lembrar que o internetês não está presente em toda a internet, pois há espaços em que permanece a escrita formal, de acordo com a norma culta, como os jornais e revistas de alcance nacional, os sites institucionais etc. Ele é comumente utilizado nos espaços de interação entre os internautas, como os blogs, os bate-papos, as redes sociais, etc. O internetês é caracterizado por ser informal e por conter elementos próprios da oralidade, além de ter características específicas, requeridas pelo espaço em que ele circula, como a sinalização de elementos paralinguísticos (expressões de sentimento por meio dos emoticons e marcação de padrões rítmico-entoacionais). Entre essas características, destacam-se: • Abreviação de palavras (td , blz , vc , pq , q , etc.) ou reduções próprias da oralidade (tá ). • Ausência de acentuação gráfica ou acentuação marcada pela inserção de h ao final da palavra: eh, soh etc. • Acréscimo ou repetição de vogais para marcar a prosódia: muuuito, looonge etc. • Modificações do registro gráfico padrão com troca ou omissão de letras: htinha por a gatinha. • Uso de recursos gráficos para representar elementos paralinguísticos: :D ;-) :-(. Como dissemos anteriormente, essas características respondem à necessidade imposta pelas mídias digitais de se agilizar a comunicação, bem como à limitação de caracteres (em alguns casos), simplificando, assim, a escrita para atender a essas características. A questão é que essa simplificação é vista como algo negativo, capaz de contaminar a língua como um todo, levando ao que muitos anunciam como “a morte da língua”. Exageros à parte, Rajagopalan (2013) lembra que há uma resistência muito grande em aceitar o internetês, especialmente por parte dos gramáticos, que acreditam que a língua será deteriorada por causa das modificações trazidas pelo internetês. Isso ocorre porque a língua é entendida por eles como a gramática pura e normatizada dos intelectuais e literatos, e não como língua viva. O autor afirma que, quando esses gramáticos aceitam o internetês, defendem que este deve se restringir à internet. O caráter nocivo do internetês também é levantado por estudiosos da internet: Para alguns estudiosos de internet, o internetês é nada mais que uma forma truncada de transmitir mensagens, utilizando uma escrita reduzida e “truncada” que imita a modalidade da fala. E, por conseguinte, eles entendem que os efeitos do internetês são, em larga medida, nocivos à norma culta e prejudiciais à juventude, que, uma vez “viciada” no novo linguajar da moda, fica impedida de seguir com eficiência as regras da escrita culta.
Para o autor, o importante não é pensar no reconhecimento ou não do internetês, mas nas mudanças que ele promove sobre a língua e sobre como o sujeito se relaciona com ela. Ele lembra que, ao contrário das línguas artificiais, produzidas por um único criador, o internetês é criado colaborativamente, na interação entre os sujeitos, assim como ocorre nas línguas naturais. Daí a importância de se pensar o internetês não só como uma linguagem da moda ou própria dos jovens mas como um fenômeno linguístico a ser observado, descrito e compreendido. O preconceito que há em torno do uso do internetês sustenta-se na ideia de que este, tal como a fala para alguns linguistas, é o espaço da assistematicidade, do caos, da irregularidade e também da morte da boa escrita, leia-se “ortografia correta”. Segundo Komesu e Tenani (2009a, p. 215): A visão tradicional da relação fala/escrita pressupõe a interferência da fala na escrita, com a assunção preconceituosa contra as práticas orais/faladas. Mais do que isso, essa visão implica a necessidade do aprendizado formal – o fator escolaridade – para que se tenha acesso a um “lugar de enunciação legitimado” – pelas instituições –, com o “direito da enunciação – pela – escrita”. Essa recusa em relação ao internetês não existe só por parte dos gramáticos; os falantes em geral, leigos nos estudos linguísticos, compartilham um imaginário sobre a língua a partir do qual se entende como uso correto da língua o emprego correto da ortografia. O que parece ocorrer, na verdade, é a aceitação do internetês nos espaços de interação, como as redes sociais, mas não em espaços nos quais se prevê a escrita padrão, como nos jornais e revistas. Komesu e Tenani (2009b, p. 635-636) mostram, como exemplo desse imaginário, a reação dos internautas a um anúncio publicitário da Sprite: 
Texto 2 
GERALW 
XCREVI AXIM 
SOH PRA 
DIXAVAR 
UX ERRUX. 
XPRAIT. AX COISAX KOMU SAUM. [...]
Texto 3 
Pela Meleca Sagrada de Cristo, quem aprova uma coisa dessas? Pior, quem ESCREVE um anúncio desses? Meu amigo, me desculpe, mas não dá pra se dizer REDATOR com um anúncio assim. Você não redigiu nada, no máximo regurgitou. Desligou o cérebro, deixou ligados somente os neurônios mínimos para sua sobrevivência, e em um momento de folga deles cuspiu essa obra de arte. Eu, que não leio e nem escrevo nesta linguagem (se é que se pode chamar isto de linguagem), tive dificuldades para entender o texto. A Coca-Cola parece que ignorou o fato de que neste país ainda se fala – e se escreve, em Português. (G.N., 03/12/2007)
Pelo comentário observado no Texto 3, observa-se que o leitor da revista acha um absurdo uma empresa como a Cocacola veicular um anúncio com uma linguagem que, para ele, não é português. O espanto se dá pela troca de algumas letras por uma letra com som correspondente, como a troca de s por x, representando a realização fonética do carioca em ux errux, ou ainda de o por u, tal como fazemos na fala. No entanto, ao contrário do que pensam os gramáticos e também os falantes em geral, o internetês não é caótico, ele tem regularidades. Em um estudo feito a partir de duas conversas virtuais com duração de 60 minutos cada, entre jovens de 15 a 20 anos em salas de bate-papo, Fusca, Komesu, e Tenani (2011) encontraram certas regularidades no processo de abreviação de palavras no internetês. Para esse estudo, as autoras consideraram a abreviação como o processo em que a palavra é reduzida à abreviatura (produto), compreendida como “a redução de palavras até o limite máximo permitido pela compreensão” (FUSCA; KOMESU; TENANI, 2011, p. 220). Elas lembram que, na fala, esse processo ocorre em relação à quantidade de sílabas, enquanto na escrita ele ocorre como redução de grafemas. As autoras encontraram, nesse estudo, quatro tipos possíveis de abreviaturas, representados na tabela reproduzida a seguir, na qual, paracada um dos tipos, se apresenta também a quantidade de ocorrências:
Como é possível observar na Tabela 3.1, a regularidade do tipo A, em que há omissão da vogal nuclear, é predominante, totalizando 55,8% das ocorrências, sendo, portanto, a abreviação prototípica do internetês. Entre essas ocorrências, 73,8% segue o princípio acrofônico do alfabeto, em que a cada letra corresponde um fonema da língua: para [ke] (q > que). Além disso, as autoras descobriram que o tipo de sílaba CV (Consoante-Vogal) favorece a ocorrência da abreviação do tipo A: uma palavra CV.CV torna-se C.C, como ca.dê > kd; vo.cê > v.c.; etc. Dessa forma, Fusca, Komesu e Tenani (2011) mostram que as particularidades do internetês e sua possível simplificação da escrita não representam o caos, sendo, ao contrário, constituídas por regularidades, tal como a fala na conversação face a face ou a escrita na norma culta. Para as autoras, No caso específico do “internetês”, é preciso discutir, no âmbito dos estudos da linguagem, que não se trata da língua portuguesa escrita na internet ou de sua degeneração, mediante “interferência da fala na escrita”. Trata-se de uma (ou de algumas) possibilidade(s) da língua, considerando-se os propósitos de comunicação dos sujeitos na linguagem. (KOMESU, TENANI, 2009b, p. 628-629, grifo no original).
Nesse sentido, cabe aos estudiosos e professores de linguagem procurar compreender o internetês enquanto fenômeno linguístico, que, como tal, é determinado por regularidades, assim como discutir e trabalhar esse fenômeno de modo que o preconceito em torno dele possa ser superado. Pensar o internetês como possibilidade de língua e de discurso é compreender que ele tem seu lugar na nossa sociedade, assim como a escrita culta e a oralidade informal, sem que uma tome o espaço da outra. Afinal, esses diferentes modos de enunciação são determinados pelos gêneros em que são empregados, determinados, por sua vez, pela esfera social em que circulam. É pensar também na língua como elemento vivo, que está em constante transformação na sua relação com o sujeito e com a história.
Neste tema, discutimos a linguagem utilizada na internet, especificamente nas redes sociais e, principalmente, as inovações discursivas que essas redes promovem na língua. Para isso, fizemos uma breve apresentação do que são as redes sociais na internet. Abordamos também a relação entre fala e escrita, discutindo maneiras diferentes de compreendê-la e como ela se complexifica na internet. Tudo isso para, enfim, tratarmos do internetês, assim denominada a linguagem utilizada em contextos de interação informal na internet. Dessa forma, você pôde refletir um pouco sobre o funcionamento das redes sociais e as inovações discursivas que elas propiciam, tais como expressões largamente utilizadas como só que não ou ainda a criação de novas palavras a partir de palavras importadas do inglês, como trolar, por exemplo. Outra inovação é o uso da abreviação que, como mostramos, não é caótica como muitos acreditam, e sim organizada a partir de certas regras de formação, como demonstra o estudo de Fusca, Komesu e Tenani (2011). Por fim, você pôde também ter contato com uma importante discussão que se faz em torno do internetês, se ele seria natural e aceitável ou uma deterioração da língua culta. Todas essas questões propiciaram a você não só o acesso a esse conteúdo mas, principalmente, uma reflexão sobre a língua e seu uso na internet.
Acrofônico: a acrofonia é o “princípio segundo o qual a constituição de uma escrita silábica (que nota uma sílaba por um único sinal gráfico) foi feita a partir da escrita ideográfica (na qual o sinal gráfico representa uma palavra), atribuindo-se ao ideograma o valor fônico da primeira sílaba da palavra por ele representada” (DUBOIS et al., 2004, p. 18). 
Assistematicidade: refere-se àquilo que não segue um conjunto de regras ou normas, tal como faz um sistema. Organização caótica. 
Emoticons: são recursos utilizados para expressar elementos paralinguísticos, especialmente as emoções. O próprio termo é uma junção das palavras inglesas emotion e icon, algo como ícone das emoções. Eles são produzidos a partir de alguns caracteres tipográficos e podem formar conjuntos diversos, tais como :) :/ ;) :o :s :p. 
Grafemas: são unidades gráficas mínimas de um sistema de escrita. Na escrita alfabética correspondem às letras. 
Imaginário: o imaginário, na linguagem cotidiana, qualifica tudo aquilo que diz respeito à imaginação. Porém, aqui fazemos o uso desse termo em um contexto mais específico, no qual essa palavra faz referência a um conjunto de símbolos, mitos, crenças, verdades etc. de um grupo social. Segundo Orlandi (1994, p. 56 apud DIAS; COUTO, 2011, p. 636), o imaginário é aquilo que “medeia a relação do sujeito com suas condições de existência”. Ao falarmos do internetês, por exemplo, mostramos que as pessoas têm um imaginário de língua correta como aquela que respeita a ortografia, ou seja, elas têm a crença de que a língua seja isso e que, portanto, de acordo com esse imaginário, o internetês não seria um uso correto da língua. Prototípica: qualifica os seres, objetos, ideias etc. que têm grande parte das características de uma dada classe, funcionando como um exemplo ideal dessa classe. Por exemplo, se pensarmos nos mamíferos, o cachorro poderia ser considerado um exemplo prototípico dessa classe, pois reúne a maioria (senão todas) as características dos mamíferos, enquanto o morcego, também mamífero, não seria prototípico dessa classe, pois tem apenas algumas de suas características, somadas a elementos de outra classe animal, já que ele tem asas tal como os pássaros.
TEMA 4
Neste tema, vamos estudar o funcionamento dos gêneros textuais na web. Para isso, retomaremos alguns conceitos importantes daquele que renovou a discussão em torno dos gêneros do discurso, Bakhtin, relembrando as suas principais ideias, entre elas, o caráter dialógico da língua, a organização dos discursos a partir de esferas sociais e a necessidade de se estudar a língua a partir dos gêneros. Em seguida, você conhecerá a discussão recente que se faz em torno do conceito de gênero, que coloca, de um lado, aqueles que tratam os textos da web como gêneros digitais e, de outro, aqueles que defendem o uso de termos não marcados para classificar e estudar estes textos. Você verá também uma breve análise de três mídias e seus gêneros digitais, para que possa aprender como identificar e classificar alguns gêneros textuais que circulam na web. Por fim, abordaremos brevemente a importância do estudo dos gêneros digitais na escola. Assim, ao final deste tema, você será capaz de reconhecer conceitos básicos da teoria dos gêneros, bem como identificar e analisar os gêneros textuais da web. Você também será capaz de refletir sobre o modo como se deve estudar os gêneros digitais, questionando as metodologias e terminologias existentes. Por fim, você poderá pensar sobre como utilizar os gêneros digitais no ensino da língua como uma prática situada, a partir da discussão e do exemplo que apresentamos.
Os Gêneros Textuais na Web e sua Importância no Ensino da Língua 
Não há como falar de gêneros textuais sem abordar o trabalho de Bakhtin (1997), em que o autor define e discute o que seriam os gêneros do discurso. Faremos uma breve retomada dos conceitos por ele trabalhados para, em seguida, abordarmos as especificidades dos gêneros textuais da web. Segundo Bakhtin (1997), o uso da língua se dá de diferentes formas, a depender da esfera social da atividade humana. Essas esferas determinam como irão se estruturar os enunciados, mais especificamente, são elas que elaboram seus “tipos estáveis de enunciado”, o que Bakhtin (1997) denomina “gêneros do discurso”. Esses enunciados são constituídos por um conteúdo temático, um estilo e uma construção composicional, que, em conjunto, caracterizam os diferentes gêneros. Estes podem ser escritos ou orais, simples/primários (diálogo cotidiano) ou complexos/secundários (fruto de uma comunicação cultural mais complexa,principalmente escrita). Há uma infinidade de gêneros do discurso, uma vez que a sociedade se organiza em diferentes esferas, cada uma com suas particularidades. Temos desde gêneros padronizados, em que quase não é possível expressar a individualidade, tais como as felicitações, os votos, as trocas de novidades etc., até gêneros mais criativos, em que é possível se expressar mais livremente, tais como as reuniões sociais, os encontros entre amigos ou familiares etc. Assim, percebemos que os gêneros do discurso se caracterizam por uma grande variedade. Entre esses gêneros, encontramos as cartas, as palestras, a exposição acadêmica, o texto didático, o artigo jornalístico, o discurso político etc. Um determinado gênero se origina da função dos enunciados aliada às condições propiciadas pela esfera social, que envolvem a relação entre os interlocutores, a posição daquele que enuncia e daquele que ouve, o histórico de enunciações em determinado gênero e a relação com enunciados anteriores, entre outros elementos. Além disso, é a partir dos gêneros que organizamos a nossa fala ou, mais amplamente, a nossa enunciação. Segundo Bakhtin (1997, p. 302): Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível. Bakhtin (1997) fala ainda sobre o enunciado, definindo-o como a unidade real da comunicação verbal (em oposição à oração, como unidade convencional da língua). Sua fronteira está na alternância entre os interlocutores em uma enunciação, e ela é determinada por alguns fatores, entre eles a possibilidade de resposta. Dessa forma, um enunciado é elaborado sempre em direção a alguém, que pode ser conhecido ou não, mesmo que não se trate de um gênero dialógico como a conversa face a face, por exemplo. Esse diálogo se realiza também por meio da relação que se estabelece entre um enunciado e enunciados anteriores a ele sobre um mesmo tema. Nesse sentido, para Bakhtin (1997), o enunciado está voltado não apenas para o seu objeto, mas, principalmente, para o discurso do outro sobre esse objeto. Devemos ainda ressaltar o modo como Bakhtin (1997) caracteriza essa interação com o outro. O autor inova ao se contrapor à caracterização que se fazia, na Linguística, dessa interação, pois, nela, o falante/escritor tinha um papel ativo, enquanto o ouvinte/leitor tinha um papel passivo, pois apenas recebia a mensagem. Para ele, ao contrário, o ouvinte tem um papel ativo tal qual o falante, uma vez que enquanto recebe a mensagem está elaborando a sua resposta a ela, ou seja, de alguma forma, está agindo também. A este processo, Bakhtin (1997) dá o nome de “compreensão responsiva ativa”, no caso dos gêneros orais, ou ainda “compreensão responsiva ativa retardada”, no caso dos gêneros escritos, em que o leitor não responde sincronicamente ao autor do texto. Essa diferenciação é questionada por Jungblut (2004), que, diante de um contexto diferente de Bakhtin, percebe que os chats na internet se dão por meio da escrita, mas, ao mesmo tempo, preveem uma compreensão responsiva ativa (não retardada), uma vez que a comunicação nestes espaços se dá de modo síncrono. Porém, ainda que Bakhtin (1997) não tenha presenciado as mudanças trazidas pela comunicação na web, seu trabalho nos permite analisar também os gêneros que circulam neste espaço, afinal, segundo o autor: A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciandose e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 1997, p. 279) Assim, entendemos que os gêneros textuais na web podem ser pensados como gêneros mais complexos, uma vez que são determinados por condições de produção também mais complexas, como, por exemplo, a hipertextualidade, o cruzamento maior entre fala e escrita, a multimodalidade, a escrita síncrona etc. Inclusive, devido à complexidade dos textos que circulam na web, a própria noção de gênero passa a ser questionada. Shepherd e Saliés (2013) lembram a importância de se repensar as unidades de análise e a terminologia utilizadas até então pelos linguistas ao se estudar os textos produzidos na internet, bem como a linguagem nela utilizada. Retomando os artigos do livro por elas organizado, as autoras mostram que há uma variação de termos entre os autores de cada artigo. De acordo com Shepherd e Saliés (2013), enquanto autores como Crystal e Tavares optam por termos linguisticamente não marcados, como output e ferramenta, os demais autores (entre eles Rajagopalan; Carvalho e Kramer; Oliveira) referem-se aos textos produzidos na internet como gêneros digitais. As autoras argumentam contra o uso do termo gênero, pois, para elas, os gêneros, por nascerem da interação, são considerados instáveis, e as frequentes mudanças sociais fazem com que eles mudem de contexto para contexto. Além disso, de acordo com as autoras, a fluidez da internet dificulta a aplicação do conceito de gênero, uma vez que os textos nela produzidos se complexificam, abarcando a hipertextualidade e a multimodalidade. Shepherd e Saliés (2013) dão como exemplo o Twitter, que deixou de ter um propósito informacional e passou a ter um propósito interacional, modificando, assim, o contexto e, consequentemente, o gênero. Nesse sentido, defendem que ao se falar em textos digitais é melhor utilizar termos não marcados, pois eles parecem oferecer maiores possibilidades explicativas do que o termo gênero. Porém, consideram que é exatamente a instabilidade anteriormente descrita que leva à busca da institucionalização deste termo, afinal, os gêneros organizam as práticas sociais O surgimento dos gêneros digitais levanta ainda outra discussão no que diz respeito à relação entre os termos gênero, suporte e mídia. Bonini (2011) apresenta três posições acerca dessa relação, mas trataremos aqui apenas de duas delas, que de fato apresentam diferenças. A primeira posição, segundo o autor, é a de Marcuschi (2004), que trata o suporte como um lócus físico em que o texto se materializa, fazendo uma distinção clara entre suporte como elemento material e gênero como elemento simbólico. Bonini (2005) concorda com a definição de Marcuschi para suporte, no entanto, afirma que suporte e gênero se articulam por meio de um contínuo, no qual, em meio aos dois extremos, haveria elementos híbridos, que seriam gêneros formados por outros gêneros (hipergêneros) e, ao mesmo tempo, também um suporte, como os jornais e as revistas, por exemplo. Sobre a relação entre suporte e mídia, Bonini (2011) lembra que, em geral, os dois termos se confundem na literatura da área, não sendo claramente definidos e delimitados. Nesse sentido, o autor diferencia os dois termos, definindo o suporte como as tecnologias de registro, armazenamento e transmissão envolvidas nas mídias, enquanto a mídia seria o processo tecnológico de mediação da interação linguageira, que estabelece coordenadas às quais o gênero se ajusta, e o meio em que ele circula. Assim o autor define e separa os três termos: Dentro do enquadramento que estou esboçando, os três termos aqui tratados podem ser assim definidos: a) gênero – unidade da interação linguageira que se caracteriza por uma organização composicional, um modo característico de recepção e um modo característico de produção. Pode ser de natureza verbal, imagética, gestual, etc. Como unidade, equivale ao enunciado bakhtiniano; b) mídia – tecnologia de mediação da interação linguageira e, portanto, do gênero como unidade dessa interação. Cada mídia, como tecnologia de mediação, pode ser identificada pelo modo como caracteristicamente é organizada, produzida e recebida e pelos suportes que a constituem; e c) suporte – elemento material (de registro, armazenamento e transmissão de informação) que intervém na concretização dos três aspectos

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