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LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA AULA 1 – PANORAMA HISTÓRICO-CULTURAL DA ÁFRICA Panorama geográfico O continente africano possui uma superfície de 30.264.000 km². Apesar de sua extensão, a África é um continente pouco povoado: sua densidade demográfica é de 17 habitantes por quilômetro quadrado. As zonas desérticas, as montanhas da África oriental e o litoral ocidental sul são regiões praticamente desabitadas, enquanto que as costas mediterrâneas e do golfo da Guiné, os planaltos orientais e os litorais do sul e do sudeste do continente abrigam as maiores concentrações humanas. Os povos africanos dividem-se em muitas etnias. Consta que o povo africano mais antigo viveu no Egito, há 5 mil anos, no vale do Rio Nilo. Essa civilização teria sobrevivido por 2 mil anos, deixando heranças culturais importantes, como os túmulos reais e as pinturas. Outra importante civilização foi a Núbia (750 a.C.), que vivia entre o Nilo Branco e o Nilo Azul (onde se localiza atualmente o Sudão). Por essa diversificação étnica, encontramos também muitas línguas diferentes faladas na África: o árabe, o banto, o suaíle (de origem banto, mas usada como língua comercial na África Oriental), o africâner (República da África do Sul) e, ainda, as línguas introduzidas pelos colonizadores, como o inglês, o francês e o português. É preciso registrar que esses grandes grupos linguísticos se dividem em muitas outras línguas, praticadas pelas diversas etnias africanas. É comum a divisão do continente entre África branca, ao norte do Saara, onde vive uma população formada pela raça mediterrânea, e África negra, ao sul do Saara, com uma variada população, destacando-se: os pigmeus das selvas equatoriais; o grupo khoi-san, que vive nos desertos e planaltos meridionais; os sudaneses das savanas da zona boreal; o grupo banto, mais numeroso da África central e austral. Há três grandes grupos religiosos: o islamismo, o cristianismo e as religiões animistas (que, no contexto africano, significa considerar que todos os seres da natureza são dotados de vida e têm uma finalidade específica no universo). Política A maior parte dos países africanos ainda vive em condições de pobreza e subdesenvolvimento devido ao clima, muitas vezes desfavorável, e à falta de uma infraestrutura econômica, herança do recente colonialismo. Porém, a África é rica em recursos minerais e seus inúmeros rios e lagos oferecem um potencial hidrelétrico capaz de impulsionar o desenvolvimento industrial. Importância antropológica As pesquisas científicas recentemente divulgadas garantem que a origem do homem está no continente africano. Isso confirma o que historiadores e cientistas já haviam estabelecido: a contribuição da África para o desenvolvimento da humanidade é inegável. A escrita em hieróglifos registrou vastos conhecimentos científicos, religiosos e filosóficos, antes mesmo da Grécia antiga. Os egípcios tinham avançado muito nas áreas da astronomia, da arquitetura e da matemática, o que facilmente se comprovou com o estudo das pirâmides. O calendário egípcio foi elaborado em 4241 a.C. E não é só por contribuições antigas que o ocidente deve aos africanos o seu legado cultural: o cubismo, movimento artístico que consagrou definitivamente Pablo Picasso, teve inspiração em esculturas primitivas africanas. A história de África conheceu também muitas mulheres guerreiras e estadistas que enfrentaram os colonizadores europeus, como a rainha N’Zinga, em Angola, e a rainha Yaa, em Gana. Apesar de tudo isso, a África ainda é vista como um continente atrasado. Por que será? ―Essa visão distorcida de África, que ainda permanece no imaginário do Ocidente, tem origem no colonialismo. No século XV, iniciou-se a exploração europeia das costas ocidentais africanas, resultado das expansões marítimas e da busca por caminhos que levassem à Ásia, especialmente à Índia. Portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses competiram pelo domínio da nova rota.‖ Podemos, agora, construir uma reflexão sobre a pergunta que foi feita anteriormente: por que persiste, ainda, um conceito negativo sobre o continente africano e os povos que lá vivem? Os povos europeus imaginavam ocupar o centro da Terra. Ao sul das margens conhecidas da humanidade, existia, para eles, a África, ou, como diziam então, a Etiópia, terra habitada por etíopes (negros). A Etiópia seria uma terra inabitável pelos brancos devido ao imenso calor, e quem lá vivia eram seres monstruosos1, ―os homens de faces queimadas‖. 1 A esse pensamento dá-se o nome de etnocentrismo. A visão etnocêntrica do mundo fazia com que os europeus desconsiderassem qualquer outra forma de sociedade e negassem fisionomias que não se assemelhassem à sua própria aparência. A cor negra era associada ao mal. Muitos escritos davam conta da existência de figuras assombrosas existentes na África. No século XI, Vicente de Beauvais, dominicano francês, escreveu que o clima quente deixava os ―etíopes‖ (negros) sujeitos a doenças diversas. As parábolas medievais, apresentadas durante as missas, apresentavam a figura de Satã ―negra como um etíope‖. Ao contrário, os anjos eram sempre brancos. E a África, terra quente, era associada ao Inferno. Também no mundo árabe, autores como Al-Kindi usavam argumentação semelhante para explicar as particularidades físicas dos povos da costa oriental de África: ―Sendo quente o país, os corpos celestes exercem sua influência e atraem os humores para as partes superiores do corpo. Daí os lábios pendentes, o nariz achatado e grosso [...] a ausência de inteligência‖ (PRIORE, Mary Del, VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais – uma introdução à história da África atlântica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 58). Na ―Carta de Pero Vaz de Caminha‖, os índios brasileiros são descritos como tendo ―bons narizes‖, o que, evidentemente, é uma comparação com os negros africanos. E, ainda, autores medievais retomavam o Livro do Gênesis para explicar a existência dos negros. Cã, segundo filho de Noé, teria se gabado de ver o sexo do pai quando ele estava bêbado. Noé, para castigar o filho, amaldiçoou Canaã, filho de Cã. Lendas da Idade Média contavam, então, que os descendentes de Canaã foram viver em terras iluminadas por um sol que os queimava, tornando-os negros. Sobre o tipo etnocêntrico É preciso ressaltar que não havia inocência na propagação desses discursos. Eles ajudavam a justificar a escravidão do ponto de vista do cristianismo. E consolidaram os estereótipos que, ainda hoje, são direcionados aos negros. Escritos de viajantes europeus confirmavam isso. Maco Pólo, por exemplo, referiu-se aos habitantes de Zanzibar como ―a coisa mais feia do mundo a ser vista‖. E a falta de fronteiras entre homens e animais construía a ideia de que os fricanos estavam retrocedendo à animalidade. A formação desses discursos mantém os povos do continente africano vítimas de preconceitos. Já no século XX, surge o tarzanismo1, visão da África a partir da figura de Tarzã, que apresenta o continente como exótico. Muitos filmes americanos perpetuaram a imagem das terras africanas como inóspitas e cheias de animais selvagens, habitadas por gente estranha e praticante da magia. 1 Além disso, alguns países africanos viveram ou estão vivendo guerras civis, quase sempre motivadas por diferenças étnicas. A prática da ditadura ainda é uma realidade, o que impede a edificação de sociedades mais justas e equilibradas. Em decorrência, os veículos de comunicação evidenciam as calamidades públicas, como mortandade pela violência e pela fome, propagação de epidemias, falta de estrutura política e socioeducativa. Não devemos nos esquecer, no entanto,que esses países africanos ainda não conseguiram se organizar após a independência, ocorrida no século XX. As mazelas sociais de hoje, em boa parte, têm sua origem na colonização. Inclusive algumas práticas consideradas desumanas são consequências de ideias introduzidas pelo europeu, como a superioridade do homem sobre a mulher. O estudo das literaturas africanas de língua portuguesa – desfazendo os estereótipos A Lei Federal 10.639/2003 tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira nos níveis fundamental e médio. O objetivo dessa iniciativa é mudar nossas ideias sobre a África, vindas do colonizador europeu e difundidas pela mídia. É preciso colocar em evidência toda a riqueza histórica e cultural do continente africano, além de reconhecer que a nossa história funde-se com a história dos africanos. AULA 2 – O PROPRIUM DA ÁFRICA Princípios fundamentais do proprium africano Natureza soberana, superior aos homens. Para as culturas africanas, ela é a Mãe acolhedora e sábia que protege e ensina formas de sobrevivência, é a Mãe-Terra, a Mãe-África. O homem africano respeita os fenômenos naturais (como é comum em sociedades que não desenvolveram a ciência e a tecnologia) e está sempre atento aos seus ensinamentos. ―A residência dele era um embondeiro, o vago buraco do tronco. Tiago contava: aquela era uma árvore muito sagrada, Deus a plantara de cabeça para baixo. ― Vejam só o que o preto anda a meter na cabeça dessa criança. O pai se dirigia à esposa, encomendando-lhes as culpas. O menino prosseguia: é verdade, mãe. Aquela árvore é capaz de grandes tristezas. Os mais velhos dizem que o embondeiro, em desespero, se suicida por vida das chamas. Sem ninguém pôr fogo. É verdade, mãe.‖ fragmento de COUTO, Mia. O embondeiro que sonhava pássaros. In Cada homem é uma raça. Lisboa: Caminho, 1990. p. 64-65). O embondeiro (baobá) é a grande árvore sagrada, pois seu imenso tronco acolhe os homens como um útero de mãe, e suas flores mudam de cor, acompanhando os sentimentos humanos. Ancestralidade A crença na existência dos espíritos leva os povos africanos a criarem rituais para estar em contato com seus antepassados. Nesse processo, destacam-se três figuras importantes: O iniciado, ou griot, contador de histórias: sabe ouvir a voz dos espíritos através dos elementos da natureza (especialmente as folhas das árvores) e repassa as mensagens enviadas para a comunidade. O velho: tem a sabedoria que os anos de vida lhe proporcionaram. A mamana: mãe, avó ou qualquer senhora de meia-idade que conta histórias para as crianças, possibilitando, dessa forma, a permanência das culturas tribais. A fogueira e a árvore são elementos importantes nos espaços rituais, pois em torno delas contam-se histórias. Essa marca de oralidade será transposta para os textos literários. Exemplo: Para lá daquela curva Os espíritos ancestrais me esperam Breve, muito breve Tomarei meu lugar entre os antepassados (Noémia de Sousa) Ritmo A música, o canto e a dança não se limitam a uma proposta de entretenimento. O ritmo é uma forma de estar em harmonia com o cosmos. O homem, ao cantar e dançar entra em transe e, assim, se congrega aos elementos universais. O tambor1 é o mais importante de todos os instrumentos, pois o som forte que emite chega aos espíritos, fazendo-os entender que, na terra, os viventes os estão louvando. 1 Também é instrumento de comunicação entre diversos povos, avisando da presença do inimigo ou convocando para uma batalha. Exemplo: (...) E entre a angústia e a alegria Um trilho imenso do Níger ao Cabo Onde marimbas e braços Tambores e braços vorazes e braços Harmonizam o cântico inaugural da Nova África (Agostinho Neto) Infância A pureza e a inocência da criança fazem com que ela seja mais sensível às energias do universo. Além disso, a criança não estabelece diferenças entre os seres e, por sua alegria, encontra solução para os problemas da vida. O escritor africano construiu uma vertente lírica que leva o sujeito poético de volta à infância, ao tempo adâmico (ao paraíso, ao éden), quando não havia a dor da colonização. A criança representa, ainda, o sonho de liberdade. Síntese (José Craveirinha) Na cidade / Alinhada à margem das acácias Ao vento urbanizado agitam / O sentido carmesin das suas flores. E um menino com mais outros / Meninos todos juntos Um dia / Fecundam na síntese da rua Cidade e subúrbios / Meninas e flores. Magia A magia está associada a todos os fazeres cotidianos do homem, como caçar, pescar, combater, constituir família. Isso vem da crença, difundida especialmente nas religiões animistas, de que todo o universo está ligado por uma energia cósmica, da qual o ser humano faz parte. Enquanto remava um demorado regresso, me vinham à lembrança as velhas palavras de meu velho avô: a água e o tempo são irmãos gêmeos, nascidos do mesmo ventre. COUTO, Mia. Nas águas do tempo. In Estórias abesonhadas. Lisboa: Caminho, 1994. p. 17). Você sabe como é chamada a relação entre todas as coisas do mundo, dentro da cultura africana? R: Cosmogonia. ―Toda sociedade que não domina a ciência e a tecnologia tende a encontrar nos fenômenos naturais e na relação com o sobrenatural, explicações para a existência.‖ Assim foi com os povos ocidentais antigos, como os gregos, que estabeleceram os deuses mitológicos e os elementos mágicos a eles associados para compreender o homem e o mundo. A escritura africana é determinada por alguns temas que se repetem na obra de diversos autores, e que representam o proprium africano. São marcas de identidade que precisam ser fortalecidas com dois objetivos claros: o primeiro define-se pela necessidade de vencer o colonizador inimigo; o segundo, pelo desejo de resgatar a cultura auctóctone (de origem) 1. 1 Ainda precisamos considerar que sempre houve, na África, uma organização social que prevê: • uma hierarquia, com reis e nobres (diferenciados pela escarificação - cortes no rosto - signo de identidade étnica), súditos e escravos; • uma constituição familiar com tarefas definidas para cada membro do clã; • uma distribuição das atividades ligadas ao trabalho; e um processo educacional constituído pela crença adotada por cada etnia e pela sabedoria advinda da natureza. AULA 3 – A COLONIZAÇÃO E A RESISTÊNCIA: O PAPEL DO ESCRITOR AFRICANO Já sabemos que a chegada dos europeus no continente africano obedeceu a interesses unicamente mercantilistas, ou seja, de exploração das novas terras descobertas, e que se deu de modo violento, sem respeitar os homens que lá viviam. Vimos que, somente no século XIX, houve uma ocupação efetiva das colônias africanas. A superioridade bélica dos povos europeus não permitiu que os africanos pudessem resistir imediatamente ao massacre que se seguiu à invasão. Léopold Sédar Senghor, escritor e líder senegalês que lutou pela libertação do seu povo contra a colonização francesa, lembra que, desde o Renascimento, no século XVI, até meados do século XIX, árabes e europeus praticaram o tráfico de negros, deportando homens para terras americanas. Acredita o autor que tenham sido duzentos milhões de mortos. E conclui: ―O mal causado à África negra é o mais terrível que jamais foi feito a uma etnia‖ (MADRIDEJOS, Mateus. Colonialismo e neocolonialismo. Rio de Janeiro: Salvat, 1979, p. 11). Qual o resultado do processo de colonização? Não tendo como lutar imediatamente contra os colonizadores, os africanos, para não serem mortos, acabaram cedendo à pressão exercida pelos europeus. Os negros que não eram transformados em escravos se submetiam à cultura europeia,abandonando suas próprias características culturais e de identidade. Complexados, se sentindo inferiores, os negros tornavam-se aculturados1 ou assimilados2. 1 Aculturação é o abandono completo de sua própria cultura para assumir a cultura do estrangeiro. A língua portuguesa é o primeiro instrumento de aculturação, ou seja, apagamento dos traços culturais autóctones. Tal proposta é mais comum entre os mestiços, que não se veem como negros e desejam ser totalmente brancos, se não pela fisionomia, ao menos pelos costumes. Surge uma burguesia negra ou mestiça. 2 Assimilação é a adoção de costumes europeus sem o abandono completo de marcas culturais africanas. O assimilado vincula-se à cultura europeia por uma questão de sobrevivência, mas ainda mantém valores africanos. Quando, então, começa a resistência? Jovens africanos começam a frequentar escolas de modelo europeu. Aprendem a língua portuguesa, conhecem as ideologias dos colonizadores. Muitos ingressam em universidades em Portugal, a maioria deles para estudar Medicina ou Letras. Todavia, chegando às terras portuguesas, percebem que sempre serão tratados como inferiores, e tomam conhecimento da violência da colonização. Começa o processo de conscientização. Esses jovens tornam-se, então, guerrilheiros. Passam a lutar contra os europeus, em guerras sangrentas que provocam muitas mortes. Tem início a guerra colonial, que se estende por mais de uma década. Líderes africanos são presos e torturados. Como Salvato Trigo descreve esse processo: ―A Escola e a Prisão foram duas instituições de grande valimento para o regime colonial. Na escola, procurava-se dominar espiritualmente os colonizados pelo apagamento de seus valores culturais e civilizacionais, pelo banimento da sua língua, pela niilificação da sua história. (...) Na prisão, pretendia-se amedrontar, pela violência física, a resistência dos que não aceitavam a opressão colonial e tinham a coragem de dizê-lo‖. Mas essas duas instituições, pretensamente aliadas do regime colonial português, são também e, sobretudo, muito úteis aos colonizados, porque elas permitir-lhes-ão desenvolver a consciência política e lutar, cada vez mais, pelos seus direitos. Paradoxalmente, o regime colonial português criava as armas de sua própria destruição. (TRIGO, Salvato. Escola e prisão na escrita africana lusófona. In: Ensaios de literatura comparada afro-luso-brasileira. Lisboa: Vega, 1990). Esses jovens que dominavam a língua portuguesa e que se revoltaram contra o processo colonial, quando presos, escrevem poemas que são verdadeiras mensagens de resistência. Assim têm início as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. A literatura feita atrás das grades das prisões se chamará literatura de guerrilha. São exemplos dessa literatura os livros: a) Sagrada Esperança, de Agostinho Neto, médico e líder na luta pela libertação de Angola, e que se tornou o primeiro presidente de seu país. Foi preso várias vezes e libertado devido à pressão da Anistia Internacional e de escritores de renome; b) Sobreviver em Tarrafal de Santiago, de António Jacinto, angolano, preso no período de 1962 a 1972; c) Poemas da Prisão, de José Craveirinha, líder moçambicano, que esteve preso entre 1965 e 1969. O Surgimento das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa A produção cultural em África sempre se desenvolveu em termos de transmissão oral, feita pelos griots1, os contadores de histórias. Assim, a oralidade é responsável pela manutenção dos valores africanos. 1 O griot era o sábio e o mais velho, que simbolizava todos os seus antepassados, revividos no ato de contar estórias. As sociedades africanas eram ágrafas, ou seja, sua força estava na palavra. Na origem da produção cultural africana encontramos, assim, a oralidade e não a escrita. Isso significa dizer que na África colonizada por Portugal sempre houve literatura, mas de forma oral. Contavam-se histórias em torno da fogueira, embaixo das árvores, em uma roda, na qual aquele que as contava representava todos os que, antes dele, já haviam sido contadores também. Para a professora Laura Cavalcante Padilha, no livro Entre voz e letra, mesmo no texto escrito africano, que a partir da metade do século XX buscará temas que expressassem sua identidade cultural, o escritor africano estará em busca desse dinamismo, do movimento que antes estivera presente na voz, na emoção de contar narrações de cor, decoradas, termo cujo radical remete à palavra coração. Assim, as literaturas africanas vão tentar reproduzir os gestos, as expressões faciais e as corporais e o ritmo da voz que marcavam a contação de histórias. A língua é o patrimônio de qualquer povo. Da mesma forma, também as línguas autóctones precisam ser defendidas contra a imposição da língua do dominador. Os textos literários, assim, estruturam-se por construções sintáticas, semânticas e morfológicas que têm por princípio valorizar as línguas africanas. A morfologia e a sintaxe da língua portuguesa são alteradas de acordo com as formas linguísticas africanas, e o léxico da lpingua de dominação sofre a invasão de expressões nacionais, o que também representa resistência e insubordinação. O uso de expressões das línguas africanas autóctones mescladas ao léxico português, proposta literária dos escritores africanos, tem dois objetivos principais: Mostrar insubmissão ao colonizador alterando a sua língua, um dos instrumentos de dominação; Resgatar valores culturais africanos. Os africanos que chegavam ao Brasil não falavam Português, porque o tráfico se inicia no século XVII, indo até o século XIX. Eles vinham em navios negreiros, sendo alguns já escravos em Angola. Essa escravidão toma proporções muito mais horrendas com a presença dos portugueses, com os negros sendo preparados da sua terra, rebatizados e explorados como mão-de-obra não remunerada. Esses escravos, sem falar a língua portuguesa ou conseguir se comunicar entre si, e sem acesso a escolas, aprendem a falar o Português por conta própria e mantêm a sua cultura viva em nosso país, apesar de todo o regime violento a que são submetidos. No século XIX aparecem os primeiros autores africanos de língua portuguesa. Eles são aculturados ou assimilados, conceitos que já aprendemos. Assim, apesar de fazerem uma literatura produzida na África, com paisagens e figuras africanas, eles ainda carregam o eurocentrismo, ideologia que considera os europeus superiores a outros povos. A esse tipo de literatura denomina-se literatura colonial. Entranto, devemos destacar que, embora esses textos literários ainda apresentam o negro como inferior ao branco, eles inauguram temas ligados à África e ao homem africano na narrativa e na poesia. Também é importante frisar que tem início, ainda no século XIX, uma prática jornalística que começa a questionar as atitudes do colonizador, como o jornal Echo de Angola (1881). Já no início do século XX, aparecem jornais escritos em português e em quimbundo, como o Muen’exi (= o senhor da terra) e o Mukuarimi (= o ―linguarudo‖), editados em Angola, dirigidos por Alfredo Troni. Você já deve estar percebendo que estamos falando do início de um processo de resistência contra a colonização portuguesa. Essa resistência terá seu auge com o processo de Negritude. O que é a Negritude? A palavra negritude foi empregada pela primeira vez por Aimé Césaire, em 1938, no seu livro de poemas Cahiers d’un retour au pays natal. Negritude é uma expressão cultural de revitalização das identidades africanas. São vários movimentos que se propagam nas letras, na música, nos manifestos políticos, desde 1915. O movimento de Negritude, primeiramente difundido nosEstados Unidos, em Cuba e no Haiti, surge para revigorar o ser africano massacrado pelo regime colonial, e tem seu auge entre os anos 1930 e 1950. A cor da pele, os ritos, a natureza e os costumes sociais passam a ser extremamente valorizados. O discurso se radicaliza, e tudo o que não pertencer ao universo negro torna-se indesejável. AULA 4 – A LITERATURA ANGOLANA NO SÉCULO XIX Panorama histórico e geográfico Situada na África Ocidental, banhada pelo Oceano Atlântico, a atual República de Angola alcançou a sua Independência de Portugal em 11/11/1975. A chegada dos portugueses às terras angolanas data de 1482, com a expedição de Diogo Cão. A luta pela libertação tem como marca o dia 04/02/1961 – para todas as nações africanas de língua portuguesa, a saber: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Guerra Civil Tendo se iniciado em 1975, a guerra civil só terminou em 4 de abril de 2002, quando um tratado de paz foi assinado. Desde então, os angolanos tentam viver dignamente, em meio às explosões das minas que mutilam ou matam a sua população (há cerca de uma para cada habitante angolano), herança da UNITA. Importante lembrar que a Guerra Colonial desenvolvida nas cinco nações africanas no período de 1961 a 1974 teve o apoio da extinta URSS (União Soviética) em termos de armamento e de treinamento de guerrilha, contando também com o auxílio de Cuba, que objetivavam ampliar o comunismo no mundo. Este, entretanto, não se consolidou naquelas nações após a década de 1980, e isso pode ser muito bem entendido na leitura de obras literárias como em Quem me dera ser onda, do angolano Manuel Rui. Uma das causas para o sucesso do movimento guerrilheiro se deveu ao apoio da população local e ao fato de um dos instrumentos de luta ter sido o poema cantado, passado de boca em boca, que levava a conscientização dos motivos da guerra à população, como veremos oportunamente. Língua O português é a única língua oficial de Angola, no entanto o país conta com cerca de duas dezenas de línguas nacionais, das quais 6 com maior expressão: quicongo (ou kikongo) quimbundo (ou kimbundu) chocué (ou tchokwe) umbundo mbunda cuanhama (kwanyama ou oxikwnyama) A esmagadora maioria dos angolanos - perto de 90% - é de origem bantu. O principal grupo étnico bantu é o dos ovimbundos que se concentra no centro-sul de Angola e se expressa tradicionalmente em umbundo, a língua nacional com maior número de falantes em Angola. Por seu lado, os ambundos, falando quimbundo (ou kimbundu), a segunda língua nacional com mais falantes, estabelecem-se maioritariamente na zona centro-norte, no eixo Luanda-Malanje e no Quanza-Sul. O quimbundo é de grande relevância, por ser a língua tradicional da capital e do antigo reino dos N'gola. Legou muitas palavras à língua portuguesa e importou desta, também, muitos vocábulos. No norte (Uíge e Zaire) concentram-se os bacongos de língua quicongo (Ou kikongo) que tem diversos dialetos. Era a expressão do antigo Reino do Congo. Os quiocos ocupam o leste, desde a Lunda Norte ao Moxico, e expressam-se tradicionalmente em chocué (Ou tchokwe), forma linguística que se tem vindo a sobreposto a outras da zona leste do país. Por último, cerca de 3% da população atual é branca (maioritariamente de origem portuguesa) ou mestiça, população que se concentra primariamente nas cidades e tem o português por língua materna. De referir, ainda, a existência de um número considerável de falantes das línguas francesa e lingala, explicada pelas migrações relacionadas com o período da luta de libertação e pelas afinidades com as vizinhas República do Congo e República Democrática do Congo. Produção literária A literatura angolana tem na década de 1940 o seu período de consolidação, embora no século XIX tenhamos já algumas publicações, como Espontaneidades da minha alma (1849), o primeiro livro de poemas publicado na África de língua portuguesa, de José da Silva Maia Ferreira. Nele, encontramos uma curiosa paródia de a Canção do Exílio, do nosso Gonçalves Dias, embora em nada os versos se assemelhem ao nacionalismo do brasileiro, visto que o autor angolano, ainda sob a forte marca do eurocentrismo, pode ser caracterizado como um aculturado, apesar de já esboçar alguns indícios regionais e de sentimento nacional. No poema ao lado, retirado de Espontaneidades da minha alma, você perceberá no trecho extraído que o sentimento nacional presente nos versos se refere ao fato de o poeta reconhecer que nasceu em Angola. Este poema já traz ambientes típicos do país, embora o poeta compare Angola a Portugal (que também identifica como sendo sua pátria) e também ao Brasil, comparação que deixa Angola sempre em desvantagem em termos de belezas naturais. Isso acontece porque, os autores desse momento são aculturados, afastados da sua cultura, projetando a cultura europeia na sua. À MINHA TERRA ! A minha terra José da Silva Maia Ferreira Minha terra não tem os cristais Dessas fontes do só Portugal Minha terra não tem salgueirais, Só tem ondas de branco areal. Em seus campos não brota o jasmin, Não matiza de flores os seus prados, Não tem rosas de fino carmim, Só tem montes de barro escarpados. (...) Não tem frutos por Deus ofertados, Qual mimoso torrão português, Não tem rios por Bardos cantados Qual Mondego, nos fatos de Inês. (...) Não tem virgens com faces de neve Por quem lanças enriste Donzel, Tem donzelas de planta mui breve, Mui airosas, de peito fiel. (...) Mesmo assim rude, sem primores da arte, Nem da natura os mimos e belezas, Que em campos mil a mil vicejam sempre, É minha pátria! Minha pátria por quem sinto saudades, (...) Deu-me o berço, e nela vi primeiro A luz do sol embora ardente e forte (...) Análise do poema Neste poema, vemos como o eu-lírico compara a sua terra com a terra portuguesa em muitos momentos do poema, mostrando que as belezas de Portugal são superiores as de Angola: (―Minha terra não tem os cristais/Dessas fontes do só Portugal‖ (...) ―Não tem rosas de fino carmim,/Só tem montes de barro escarpados‖). Podemos observar as referências à cultura e literatura portuguesas – episódio de Inês de Castro, citado em ―Os Lusíadas‖, de Luís de Camões (―Não tem rios por Bardos cantados/Qual Mondego, nos fatos de Inês‖). No poema, há a primeira menção à cor negra, nestes versos: ―Não tem Virgens com faces de neve‖. Embora se sentindo inferiorizado, como consequência do complexo provocado pelo colonizador, o autor reconhece que nasceu em Angola: ―Deu-me o berço‖. Interessante é o diálogo que desde cedo as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa realizam com a Literatura Brasileira1. 1 Veja esse exemplo, no qual o Brasil é citado também como modelo de beleza, além de estar clara a referência ao poeta Gonçalves Dias, do Romantismo: ―Também invejo o Brasil/Sobre as águas a brilhar,/Nesses campos mil a mil,/Nesses montes d’além-mar/Invejo a formosura/Desses prados de verdura,/Inspirando com doçura/O Poeta a descantar‖. É importante lembrar que neste momento as Literaturas Africanas não apresentam estilos literários, como a Literatura Brasileira, a Literatura Portuguesa e a Literatura Hispano- Americana. Assim, não podemos afirmar que o poema ―A minha terra‖ ou o seu autor sejam românticos. Literatura feita em África Com José da Silva Maia Ferreira, inaugura-se uma literatura feita em África, por africanos. Entretanto, também houve uma literatura em África, feita por portugueses. Convém, aqui, abrirmos um parêntese para lembrarque a África nunca foi considerada um lugar bom para os portugueses. Feita essa observação, resta afirmar que o português Alfredo Troni, autor de Nga Muturi, também pode se juntar aos nomes de Gregório, Bocage e Tomás Antônio, pois que também era mal visto pelas autoridades portuguesas. Colaborador da imprensa, ao publicar Nga Muturi no seu jornal, mostrará a modificação que a civilização europeia trouxe para Angola, na presença de uma escrava que vai se descaracterizando aos poucos, porém sem perder verdadeiramente as suas raízes étnicas. Algumas palavras dos textos africanos foram tiradas das línguas nacionais, como o quimbundo, por exemplo. As edições dos livros portugueses costumam trazer um glossário para elas. As edições brasileiras – ou reproduções – nem sempre o fazem. O conto Nga Muturi foi retirado do livro da Professora Maria Aparecida, o qual não traz a tradução destas palavras. Isso não atrapalha o entendimento global do texto de Troni. É bom saber que ―Nga Muturi‖ significa ―Senhora Viúva‖. AULA 5 – O SÉCULO XX E A NOVA LITERATURA ANGOLANA Premissa A literatura angolana, no entender de Tânia Macedo, professora da USP, tem na década de 1940 seu período de consolidação, a partir especificamente de 1948, com o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (ANANGOLA), que tinha como lema ―Vamos descobrir Angola‖ e era inspirado no Movimento Modernista brasileiro de 1922. Isso porque os modernistas brasileiros queriam construir uma nacionalidade independente dos padrões europeus. A mesma proposta tiveram os escritores angolanos: construir uma nacionalidade africana, desvinculando-se dos modelos culturais do colonizador português. O ANANGOLA (Associação dos Naturais de Angola; em quimbundo an + ngola = filhos de Angola) possibilitou a publicação da Antologia dos novos poetas de Angola, em 1950, e, um ano depois, da Revista Mensagem que, com dois números publicados entre 1951 e 1952, foi apreendida pelas forças ditatoriais do governo de Salazar, implantado em Portugal desde 1926. Ideais da Negritude Na década de 50 do século XX, duas tendências surgiram entre os intelectuais africanos: a primeira de defesa dos ideais da Negritude, que vinha sofrendo ataques de muitos que entendiam haver uma associação da raça negra a uma negatividade; a segunda, de substituição do ideal de negritude por uma proposta mais regional, como angolanidade e moçambicanidade. É preciso ressaltar que a afirmação da negritude se dá pela desvalorização da raça branca e de seus aspectos culturais. No Brasil, mantém-se a proposta universal de negritude. Diversas manifestações artísticas são oriundas da Negritude, como o movimento Black Power e a música ―Black is beautiful‖, composição de Marcos e Paulo Sergio Valle, gravada por Elis Regina. Produção literária Hoje cedo, na rua do Ouvidor Quantos brancos horríveis eu vi Eu quero um homem de cor Um deus negro do Congo ou daqui Que se integre no meu sangue europeu Black is beautiful, black is beautiful Black beauty so peaceful I wanna a black I wanna a beautiful Hoje a noite amante negro eu vou Vou enfeitar o meu corpo no seu Eu quero este homem de cor Um deus negro do congo ou daqui Que se integre no meu sangue europeu Black is beautiful, black is beautiful Black beauty so peaceful I wanna a black I wanna a beautiful A importância da poesia A partir daí, as literaturas africanas de língua portuguesa assumem um tom engajado, colocando-se como instrumento de luta pela libertação de Portugal. A expressão maior desta fase é a poesia, pois os versos retomarão a força da oralidade, sendo decorados e chegando a todos, repetidos de boca em boca. Nessa perspectiva, o eu-lírico se assemelha a um herói, como percebemos no poema Adeus à hora da largada, de Agostinho Neto, do livro Sagrada Esperança. Adeus à hora da largada Minha Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) tu me ensinaste a esperar como esperaste nas horas difíceis Mas a vida matou em mim essa mística esperança Eu já não espero sou aquele por quem se espera Sou eu minha Mãe a esperança somos nós os teus filhos partidos para uma fé que alimenta a vida Hoje somos as crianças nuas das senzalas do mato os garotos sem escola a jogar a bola de trapos nos areais ao meio-dia somos nós mesmos os contratados a queimar vidas nos cafezais os homens negros ignorantes que devem respeitar o homem branco e temer o rico somos os teus filhos dos bairros de pretos além aonde não chega a luz elétrica os homens bêbedos a cair abandonados ao ritmo dum batuque de morte teus filhos com fome com sede com vergonha de te chamarmos Mãe com medo de atravessar as ruas com medo dos homens nós mesmos Amanhã entoaremos hinos à liberdade quando comemorarmos a data da abolição desta escravatura Nós vamos em busca de luz os teus filhos Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) Vão em busca de vida. (Mario de Andrade) Análise Percebemos no poema que um filho se despede da mãe. Mas embora os versos estejam na 1ª pessoa do singular, o poeta fala por todo o povo. Ele é o herói que vai para a guerra, e sua mãe simboliza outras tantas mães e até mesmo a sua terra, a Mãe África. O eu-lírico rompe com a perspectiva da literatura portuguesa da espera por Dom Sebastião (Sebastianismo) e vai em busca de esperança, do amanhã. O ―amanhã‖ é uma palavra bastante revolucionária e comum nessa literatura que se coloca participativa e engajada1. 1 Há uma genial entre o Presente (marcado pela miséria) e o Futuro esperado, quando haverá a ―abolição desta escravatura‖. Após a Independência de Angola, em 1975, Agostinho Neto, que era presidente do MPLA, assume a Presidência de Angola. Também são importantes as palavras ―transformação‖, que representa um surgimento de uma nova África, livre da colonização, e ―liberdade‖, que é o sonho maior de todo povo. Luuanda Um nome neste momento que não se pode deixar de fazer referência é o de Luandino Vieira, que com Luuanda (1961) realiza a renovação que vai determinar novas concepções estéticas, bastante identificadas com as processadas pelo brasileiro Guimarães Rosa (obra que Luandino lê depois de publicar Luuanda, na cadeia), indo além das interrogações ao signo linguístico verificadas em Guimarães, já que as inovações semânticas e sintáticas processadas por Luandino pretendem, igualmente, questionar o colonizador. Estória da galinha e do ovo Só mesmo quando o sargento começou aos socos nas costas é que tudo calou e começaram ainda arranjar os panos, os lenços da cabeça, coçar os sítios das pancadas. Os dois soldados tinham também entrado atrás do chefe deles, sem licença nem nada, e agora, um de cada lado do grupo, mostravam os cassetetes brancos ameaçando e rindo. Mas o sargento, um homem gordo e baixo todo suado, tinha tirado o capacete de aço e arreganhava: Bando de vacas! Que raio de coisa é esta? Eh!? O que é que sucedeu? Ninguém que respondeu, só alguns muxoxos. Vavó Babeca avançou um passo. Não ouvem, zaragateiras? O que é isto aqui? Uma reunião? Ih? Reunião de quê então? – Vavó, zangada, refilava. Vamos, canta lá, avozinha! Porque é que estavam à porrada? Depressa, senão levo tudo pra polícia! (...) Vavó contou, procurando em Zefa e Bina cada vez que falava para ver a aprovação das suas palavras, toda a confusão da galinha e do ovo e porque estavam a pelejar. (...) Vocês estavam a alterar a ordem pública, neste quintal, desordeiras!Estavam reunidas mais de duas pessoas, isso é proibido! E, além do mais, com essa mania de julgarem os vossos casos, tentavam subtrair a justiça aos tribunais competentes! A galinha vai comigo apreendida, e vocês toca a dispersar! Vamos! Circulem, circulem para casa! (In: Luuanda. Estórias. 9ª ed., Lisboa: Edições 70, 1989) A vida em Angola O autor ambienta a história em um musseque (bairro pobre, favelizado, de Angola) no qual a reação ao regime colonialista era bastante forte. É impressionante a agilidade das cenas e da própria linguagem do texto que, pela quebra das orações, pela opção ao período simples, pela mistura entre a língua portuguesa e as línguas nacionais, significam uma volta à oralidade anterior à escrita em Angola, como marca de uma literatura africana que busca sua identidade, ou angolanidade. Nesse texto, está presente a violência policial contra os moradores pobres nos musseques, o clima de terror, tudo denunciado pela própria escrita da língua portuguesa, que foi imposta pelo colonizador, mas que se tornou uma aliada dos autores africanos, que através dela puderam divulgar seus textos para um número maior de leitores, além de se unirem – a partir de uma mesma língua – em busca da dignidade. Muitos outros autores poderiam aqui ser citados, mas fiquemos com estes dois (Luandino Vieira e Agostinho Neto) como exemplos fortes. Os conceitos aqui apresentados também são elementos das literatudas de outros países africanos de língua oficial portuguesa (PALOPs): a natureza, a negritude, a infância (que simboliza a pureza e o tempo antes da colonização), a dor do colonizado, o desejo de liberdade, os ritos que incluem a crença, a música e a dança (do que é símbolo maior o tambor) e a ancestralidade. AULA 6 – O SÉCULO XX E A NOVA LITERATURA CABO-VERDIANA Cabo Verde O colonizador não se preocupou em combater a fome e a miséria em Cabo Verde, bem como a mortalidade infantil, consequências das estiagens. Os retirantes eram obrigados – à semelhança dos nossos, no Nordeste – a abandonarem a sua terra, emigrando, pois de nada adiantaria que migrassem entre as ilhas. Também a imprensa de Cabo Verde, nas primeiras décadas do século XX, denunciava as arbitrariedades do colonizador, como vimos em Angola e veremos em Moçambique. O marco da resistência foi a fundação do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), por Amílcar Cabral, em 1956, que atuou intensamente na Guerra de Libertação, unindo Cabo Verde e Guiné. Em 3 de agosto de 1959, tropas portuguesas massacraram trabalhadores em greve nas Docas de Pidjiguiti, no Porto de Bissau, na Guiné-Bissau, matando mais de 50 pessoas. Em 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral foi assassinado na Guiné-Conacri por agentes do governo colonial. Em 5 de julho de 1975, foi reconhecida a independência da República Popular de Cabo Verde, separadamente da Guiné-Bissau, e Aristides Maria Pereira foi eleito o primeiro presidente da República de Cabo Verde. Atualmente, os cabo-verdianos continuam emigrando e seus principais destinos são: EUA, Portugal, Distrito de Lisboa, Distrito de Setúbal (Setúbal, Sines e Santiago do Cacém), Porto e Faro, Holanda, Angola e Senegal. A literatura de Cabo Verde A literatura de Cabo Verde, em seus primórdios (séculos XIX para XX), está representada, na prosa, por autores como José Evaristo de Almeida, com O Escravo (1856), que, segundo Maria Aparecida Santilli em Estórias africanas. História e antologia (1985), mostra o ponto de vista abolicionista de seu narrador. A criação, em 1866, do Liceu-Seminário de São Nicolau (Ribeira Brava), que durou até 1928, contribuiu para o surgimento de uma classe de letrados equiparável ou até superior à dos angolanos. Em 1877 surge a imprensa periódica não oficial. Na poesia, destacam-se os nomes de José Lopes e Pedro Cardoso, os quais fundam o mito das Hespérides para justificar a origem do arquipélago como sendo a da outrora Atlântida, submersa, de acordo com a tradição clássica divulgada por Platão. Tal mito justificaria um passado glorioso para os cabo-verdianos, motivo de poemas que não se concentravam nos dramas da população. Neste poema, o eu-lírico canta a origem de Cabo Verde como sendo a da Atlântida (ou Hespérides). Esta lenda, de origem grega, está presente em Platão, que cita a suposta civilização perdida que fora naufragada como um castigo dos deuses gregos a uma sociedade imperfeita (os seres humanos não estavam à altura de ganhar a Atlântida). A sociedade perfeita seria A Reppública, em oposição à do erro (Atlântida). Canto I das Hespérides Referem lendas antigas Que lá nos confins do mar As Hespérides ficavam E o seu formoso pomar. (...) Nem Tebas, nem Babilônia No auge dos seus esplendores Comparar-se-lhe podiam Em glória, fama e primores! (...) Tinha por defesas torres Como jamais se verão, E, aos jardins com pomos de oiro, de guarda um feroz dragão. (In: FERREIRA, Miguel(Org.) 50 poetas africanos. 2º ed., Lisboa: Mátano Editora, 1986) Influenciados pela cultura europeia, e, por conseguinte, pela cultura greco-romana, divulgada em Cabo Verde pelos colonizadores, Pedro Cardoso (e José Lopes) procura uma possível origem para Cabo Verde neste mito. É um mito que traz a utopia de se pensar Cabo Verde como outro lugar (Hespérides). Isto mostra o olhar de um autor aculturado do século XIX, preso ao eurocentrismo, pois buscará na Europa, uma ―explicação‖ para a existência de Cabo Verde, no Oceano Atlântico. O eu-lírico pretende, igualmente, valorizar sua terra cabo-verdiana, acreditando no seu passado de glórias. Embora sem fazer nenhum comentário aos problemas encontrados na sociedade cabo-verdiana (a seca, a fome), nem à geografia real do arquipélago, encontramos aqui um embrião de nacionalidade, embora muito distante do que a geração da Revista Claridade trará no século XX, como veremos. A geração conhecida como claridosa – incluindo os fundadores da publicação, Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes – será considerada o divisor de águas entre uma produção colonial e outra identificada com o discurso identitário da caboverdianidade – também através do diálogo estabelecido com o Modernismo Brasileiro, que, desde 1917, com a Exposição de Anita Malfatti, vinha procurando pela brasilidade. Assumindo-se como nação mestiça, Cabo Verde não adota o discurso da negritude, mas o da condição social precária de seus habitantes, a qual independe do caráter étnico. Segundo Gabriel Mariano, em Cultura cabo-verdiana (1991), ao não se fixar no arquipélago, deixando um responsável em seu lugar – que poderia pertencer a qualquer grupo étnico, sendo negro, mestiço ou branco – o europeu quebrou a relação comum no Brasil e em Angola de identificar o branco como o que manda e o negro como o que obedece. Assim, não será assinalada, na literatura de Cabo Verde, a cor da pele das personagens, mas sim a sua origem social. Claridade seguiu por uma trilha de renovação estético-cultural, inspirada na geração modernista de 1922 e de 1930: Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Ribeiro Couto, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Jorge Amado, José Lins do Rego etc. renovam os laços com o texto brasileiro, já verificados no século XIX nas literaturas africanas de língua portuguesa e ainda presentes. Os temas desenvolvidos por esta geração se perpetuarão nas gerações subsequentes em termos de aceitação ou rejeição. Por estarem sempre presentes, edificam a Claridade como marca inconteste da mudança nos rumos estéticos e sociais do arquipélago, pois que entendemos o evasionismo de sua literatura não como fuga e sim como recusa – como bemobservou Manuel Ferreira em Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (1987). O evasionismo como influência na literatura de Cabo Verde O evasionismo físico – da emigração – e mental – que levaria à Pasárgada de Manuel Bandeira, consequência da seca e denúncia de ir para outro lugar melhor do que aquele, assinalado pelo colonialismo português, é uma das temáticas claridosas ao lado de outras como a insularidade ou o terralongismo, nas quais o cabo-verdiano sente-se um ilhéu, distanciado do mundo pelo mar, apreciado como um misto de vida (a água representa a chuva que propicia a colheita e a pesca) e de morte (circula as ilhas, aprisionando o homem islenho e trouxe o colonizador). Assinalando a ideia de morte, vale a pena ressaltar que, nas outras nações, o mar é um símbolo somente negativo, associada ao tráfico através de navios negreiros. Em Cabo Verde, contudo, ele assume dupla visão, a positiva, que possibilita a sobrevivência na pesca e até na emigração e na morte pela presença do colonizador. Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconsequente Que Joana a Louca de EspanhaRainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada. Fonte: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. São Paulo: Nova Fronteira, 2004. p. 127-8. Você, Brasil – Jorge Barbosa Eu gosto de Você, Brasil porque você é parecido com a minha terra. Eu bem sei que você é um mundão e que a minha terra sãodez ilhas perdidas no mapa. Eu já ouvi falar das suas cidades: A Maravilhosa do Rio de Janeiro, São Paulo dinâmico, Pernambuco, Baía de Todos-os-Santos, ao passo que as daqui não passam de três pequenas cidades. Eu sei tudo isso perfeitamente bem, mas Você é parecido com a minha terra. É o seu povo que se parece com o meu, é o seu falar português que se parece com o nosso, ambos cheios de um sotaque vagaroso, de sílabas pisadas na ponta da língua de alongamentos timbrados nos lábios e das expressões terníssimas e desconcertantes. É a alma da nossa gente que refletea alma da sua gente simples,ambas cristãs e supersticiosas, sentindo ainda saudades antigasdos serões africanos, Compreendendo uma poesia natural que ninguém lhes disse,e sabendo uma filosofia sem erudição que ninguém lhes ensinou. (...) Você, Brasil, é parecido com a minha terra. As secas do Ceará são as nossas estiagens, com a mesma intensidade de dramas e renúncias. Mas há uma diferença no entanto: é que seus retirantes têm léguas sem conta para fugir dos flagelos, ao passo que aqui nem chega haver os que fogem porque seria para se afogarem no mar... (...) Eu gostava enfim de o conhecer mais de perto E Você veria como sou um bom camarada. Havia então de botar uma fala ao poeta Manuel Bandeira, de fazer uma consulta ao Dr. Jorge de Lima para ver como é que a poesia receitava este meu fígado tropical bastante cansado. Havia de falar como Você, com um i no si - ―si faz favor‖ -, de trocar sempre os pronomes para antes dos verbos - ―mi dá um cigarro?‖ – Fonte: BARBOSA, Jorge. Você, Brasil. In: Obra poética. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002. Chiquinho – Baltasar Lopes Bibia Ludovina estava com alma. Logo depois da ceia eu e a restante meninência ouvíamos na Água-do-Canal a conversa dos maiores quando Pedro Xamento chegou dando a notícia. Bibia trabalhava na roupa. De repente parou, ficou a bater com os braços e começou a gritar. Só sabia dizer que a queriam matar. Será mesmo alma? Duvidou nhá Rosa Calita. Pedro Xamento garantiu. Aquilo era alma, tão certo ele ser filho de sua mãe. A voz que falava em Bibia não era de Bibia. Era uma voz de homem, grossa e com um tom zangado de capitão por força. LOPES, Baltasar. Chiquinho. In: FERREIRA, Manuel (Org.) Claridade. 2ª ed. Linda-a-velha: ALAC, 1986. Traços marcantes sobre os autores da Claridade Ao ler os textos, se percebe como os autores da Claridade já mencionam os problemas sociais, dos quais os autores da aula passada não falavam. O filho da cabo-verdiana chora, o outro personagem foge de Cabo Verde em busca de melhores condições de vida (evasionismo físico). E o eu-lírico, ao se deparar com tantos problemas sociais, deseja ir para Pasárgada (evasionsimo mental, pois Pasárgada não existe, foi inventada por Manuel Bandeira, em uma fantasia utópica da busca de um lugar melhor, de um espaço de felicidade). Observe também como a presença do Modernismo Brasileiro é flagrante com a homenagem que Oswaldo Alcântara faz à Pasárgada de Manuel Bandeira. Oswaldo Alcântara substitui o mito da Atlântida pelo de Pasárgada e, nessa substituição, rompe com a relação que os autores coloniais (Pedro Cardoso, José Lopes) tinham com a Europa, ao criarem o mito hesperitano (Cabo Verde ter origem na Atlântida ou nas Hespérides), como vimos na aula passada. Este e outros temas da geração claridosa foram rejeitados e/ou retomados pelas gerações seguintes. Ao engajar-se na luta contra o colonialismo, o poeta Ovídio Martins, na década de 1960, confundindo o evasionismo claridoso com fuga, não como recusa que era, dirá: ―Berrarei, gritarei, matarei/Não vou para Pasárgada‖. (―Antievasão‖) O poema Você, Brasil, de outro fundador e participante do movimento claridoso, mantém seu diálogo com o Brasil, citando vários autores e textos da nossa literatura modernista de 1922 e de 1930. Observe o drama islenho: ―dez ilhas perdidas no mapa/sem nenhuma importância no mapa‖, ao lado da sensação de se sentir um exilado, a certeza de que o arquipélago é desconhecido de todos. A homenagem ao Brasil – ―Você‖ com letra maiúscula representa uma tremenda insubordinação à língua portuguesa de Portugal, visto que este pronome de tratamento substituiu o ―tu‖, tendo se originado do ―vossa Mercê‖, que na fala dos escravos virou ―vosmecê‖, passando para ―você‖. Os africanos eram obrigados a falar como portugueses e ao afirmar que... ― é o seu falar português que se parece com o nosso, ambos cheios de um sotaque vagaroso, de sílabas pisadas na ponta da língua de alongamentos timbrados nos lábios e das expressões terníssimas e desconcertantes‖ ...o eu-lírico se aproxima do Brasil e retira os olhos da Europa, como os autores do século XIX faziam. Nos trechos selecionados, ainda notamos que o eu-lírico se identifica com fatos geográficos presentes no Nordeste brasileiro e em sua terra: ―As secas do Ceará são as nossas estiagens, com a mesma intensidade de dramas e renúncias. Mas há uma diferença no entanto: é que seus retirantes têm léguas sem conta para fugir dos flagelos, ao passo que aqui nem chegahaver os que fogem porque seria para se afogarem no mar...‖ Nesses versos – um dos mais bonitos das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa – uma diferença é assinalada. No Brasil, os retirantes fogem da região Nordeste para outras, pois a terra brasileira é grande e variada nas suas regiões. O cabo-verdiano, se quiser sobreviver, precisa emigrar, deixar a sua nação, por não ter chão para caminhar, afogando-se no mar. Nos últimos versos, há citações explícitas de poemas e procedimentos modernistas. O ―se‖ se transforma em ―si‖, utilizado nos textos de Mário de Andrade, trazendo para o texto literário a marca coloquial, da fala do dia a dia, além da citação de um verso do poema ―Pronominais‖, de Oswald de Andrade, leia um trecho: ―Mas o bom negro E o bom branco da nação brasileira Dizem todos os dias - Deixa disso, camarada Me dá um cigarro‖. Os autores da Revista Claridade encontraram, no Modernismo Brasileiro, impulso para as suas próprias descobertas, passando a tratar das raízes da literatura cabo-verdiana. O texto de Baltasar Lopes, e Oswaldo Alcântara, na poesia, mostra a presença de uma linguagem escrita contaminada pelo tom informal, uma das reivindicações do Modernismo Brasileiro. Também preste atenção para a temática, que trata das questões do sincretismo, misturando a religião católica – de influência portuguesa – com a africana – espírita. Daí a temática referir-se a uma personagem, Bibina, que incorpora um espírito. AULA 7 – A LITERATURA GUINEENSE Panorama histórico e geográfico Situada na costa ocidental africana, a Guiné-Bissau é constituída de uma parte continental e de outra insular – suas ilhas formam o arquipélago de Bijagós, com destaque para Formosa e Orango. Faz fronteira ao norte com o Senegal, a oeste com o Oceano Atlântico, e a leste e sul com a Guiné. Serviu, durante séculos, de refúgio para numerosos povos africanos que sofreram invasões, o que ocasionou uma complexidade étnica, linguística e cultural. Sua população autóctone é originária do Saara. Os portugueses lá chegaram através das viagens de Nuno Tristão, em 1444, e de Álvaro Fernandes, em 1446, tendo sido a Guiné a primeira nação africana a receber o colonizador. Um pouco mais da história A língua oficial é o português, sendo também falado o crioulo (kriol guineense), assim como ocorre em Cabo Verde. Outras línguas também são faladas, devido à miscigenação ocorrida no passado. Por servir como colônia de comércio, a Guiné-Bissau não recebeu investimentos para o seu desenvolvimento e o primeiro jornal, denominado Ecos da Guiné, só saiu em 1920, enquanto em Angola e em Moçambique a imprensa já se fazia perceber desde o século XIX. A independência se deu junto com a de Cabo Verde, como já vimos, em 5/7/1975, e o primeiro presidente eleito democraticamente foi João Bernardo Vieira (1º mandato de setembro de 1994 a maio de 1999). Vale ressaltar que este país é um dos mais pobres do mundo, sobrevivendo da agricultura da importação de produtos industrializados, devido à ausência de indústrias nacionais. O primeiro jornal editado por um guineense, Armando António Pereira, foi intitulado O Comércio da Guiné (1930-31), que, embora ainda estivesse preso a um discurso colonial, defendeu os interesses dos guineenses, como o direito à instrução, e denunciou a marginalização das populações nativas. Apesar de as primeiras campanhas pela alfabetização só terem ocorrido entre 1948 e 1958, verificamos o início da literatura guineense entre as décadas de 1920 e 1930. Sua temática fazia referência à natureza da terra guineense, sob o ponto de vista do colonizador. Algumas obras Em 1977, é publicada Mantenhas para quem luta! – a nova antologia da Guiné-Bissau; Em 1978, a Antologia dos jovens poetas; Em 1979, Os continuadores da revolução e a recordação do passado presente. As três obras revisitavam a década anterior, na denúncia aos abusos do colonizador, e celebravam a liberdade conquistada, leia abaixo o poema "Dilema", de Vasco Cabral. Simples e lógico como o dia nascido ou o sol poente. Nós ou eles o poder do povo ou a colônia. Cinco séculos Gerações Fome Exploração Miséria Eles. Progresso Liberdade Amor Nós: o poder do povo. Simples e lógico como o dia nascido ou o sol poente. Novembro de 1973 (Antologia poética da Guiné-Bissau. Lisboa: Editora Inquérito, 1990, p. 64) Hélder Proença, em 1982, lança Não posso adiar a palavra, poemas no qual juntou experimentações estéticas com ideológicas, que seriam levadas ao máximo da experimentação. Citamos, igualmente, Tony Tcheka, Odete Semedo e Félix Siga. É digna de nota também a obra de Fausto Duarte. Um autor de destaque Tony Techka é um autor contemporâneo de muito destaque na literatura guineese. Observe a diferença de estrutura e de conteúdo em relação à poesia de Fernanda Castro. O poema de Tony Techka traz um tema ligado à presença do colonizador português (Adamastor, caravelas). Entretanto, refere-se à Revolução dos Cravos, que libertou Portugal da ditadura de António Oliveira Salazar (1926-1974). Assim, deixando de lado as dores do passado, o eu lírico propõe a irmandade com o povo lusitano valente, que também soube, como os africanos, lutar pela própria liberdade. AULA 8 – MOÇAMBIQUE Panorama histórico e geográfico Voltado para o Oriente, banhado pelo Oceano Índico, Moçambique está localizado na parte da África austral. A origem da sua sociedade remonta aos séculos III ou IV d.C., quando os povos bantos ali chegaram e se fixaram na costa oriental entre o lago Niassa e o Índico, no norte. Os portugueses que vinham explorando a costa africana desde 1415 fizeram os primeiros contatos com a terra ao aportarem em Ceuta, sob o comando de Vasco da Gama, em 1498. Até a metade do século XVIII os portugueses deram prioridade à exploração de riquezas locais, primeiramente o ouro, depois o marfim. Voltados para esse comércio, os conquistadores, entre 1502 e 1752, deixaram a administração de Moçambique a cargo da Índia portuguesa (Goa), fato que explica o grande número de indianos em regiões moçambicanas. Com a intensificação do tráfico negreiro, entre 1750 e 1860, a extração de minerais diminuiu. Em meados do século XX, mais especificamente no fim dos anos 1940, a conscientização das injustiças sofridas, que vinha se desenvolvendo desde o período da chegada do europeu, se agudiza, apoiada por reações em outros espaços africanos, que apontavam para a urgência da valorização das culturas locais. Em 1962, Eduardo Mondlane fundou a FRELIMO (Frente pela Libertação de Moçambique). O dia 25 de setembro de 1964 marca o início da luta pela libertação, o que foi obtida em 25 de junho de 1975. As disputas políticas entre a FRELIMO e a RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique) desencadearam, após a independência de Portugal, uma guerra civil que durou até 4 de outubro de 1992, quando foi assinado um tratado de paz. A Escrita Moçambicana A imprensa moçambicana foi criada no século XIX. Como suas realizações, citamos: O Africano (1908-1920), fundado pelos irmãos José e João Albasini. O Brado Africano (1918), dos mesmos fundadores, que se mantinham muito presos à tradição romântica. Os primeiros textos poéticos só foram publicados a partir da década de 1940, como Os Sonetos (1943) e Poesia em Moçambique (1951), de Rui de Noronha. Ainda nesta fase, a revista Itinerário marca uma transição, pois ainda que não trouxesse textos literáriose sim textos de natureza social, vai interrogar a colonização portuguesa que passa a administrar, de fato, o território moçambicano. É com Brado Africano, que vai veicular textos literários de jovens autores africanos e de descendentes de colonos nascidos em Moçambique, que verificamos os ecos das manifestações nativistas e de resistência cultural. Percurso literário Em 1952, foi publicado o primeiro e único número de Msaho (representa o canto do povo chope, etnia do sul de Moçambique), cujo objetivo era o de abarcar questões autenticamente moçambicanas, marcando definitivamente a valorização da terra e da cultura local. Nesta fase eclodiram os primeiros ecos da negritude, o que vai ser um dos elementos de propulsão para a Guerra Colonial (1961-1974). Os principais representantes deste momento são Noêmia de Sousa e José Craveirinha. Poemas dispersos, alguns anônimos, reunidos em O Canto Armado – antologia Temática da Poesia Africana (1979), de Mário de Andrade (autor africano) dão conta da luta pela libertação, como esse, de nome FRELIMO. FRELIMO Durante séculos esperámos Como dizer-vos o tamanho do nosso sonho? Durante séculos esperámos que um Messias viesse libertar-nos... Até que compreendemos. Hoje a nossa Revolução é uma flor imensa em que cada dia se acrescentam novas pétalas. As pétalas são a terra reconquistada, o povo libertado, os campos cultivados, as escolas, os hospitais. O nosso sonho tem o tamanho da Liberdade. (anônimo, 1969) Noêmia de Sousa Dentre os autores e os textos da literatura de Moçambique do século XX, destacamos a poeta Noêmia de Sousa, a primeira mulher moçambicana a publicar um texto. Sua estreia foi na revista Mensagem, em Angola. Noémia de Sousa escreve todos os seus poemas conhecidos entre 1948 e 1951, quando já conhecia o movimento de negritude americano. Publicou um livro com o tema da raça denominado Sangue Negro (1951). Seu texto é muito interessante por trazer uma leitura sobre a mulher negra a partir do próprio olhar. Isto porque, na Literatura, os poetas europeus, ao entrarem em contato com as africanas, as descreviam de modo exótico. ―Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos quiseram cantar teus encantos [...] Teus encantos profundos de África. Mas não puderam. Em seus formais e rendilhados cantos, ausentes de emoção e sinceridade‖ Ela mesma deixa de ser objeto mal cantado pelos versos europeus para cantar sua própria história sem ―palavras vistosas e vazias‖, podendo cantar a África: ―Ainda bem que nos deixaram a nós, [...] Cantar, Com emoção verdadeira E radical, a glória comovida De te cantar, toda amassada, Moldada, vazada nesta sílaba Imensa e luminosa: MÃE‖ José Craveirinha Da poesia moçambicana, o nome de maior destaque é o de José Craveirinha, o ―poeta nacional moçambicano‖, autor que, como muitos outros, foi perseguido e feito prisioneiro pela PIDE, polícia portuguesa da época da ditadura salazarista. Destacam-se as obras: Chigubo (1964; Xigubo, 1980); Karingana ua karingana (1974, ―Era uma vez...‖ em língua ronga); e Cela 1 (1980, poemas de prisão). O poema Grito negro, pode ser considerado como um exemplo não só da denúncia, que começa a ficar mais evidente na década de 1960, como também um exemplo da negritude, ao caracterizar seu grito como negro. Pela complexidade e completude da obra de José Craveirinha, Pires Laranjeira considera quatro fases na produção literária do autor, as quais seguem uma proposta temática não cronológica. Mia Couto Na literatura moçambicana contemporânea, o nome que se destaca é o de Mia Couto. O autor iniciou sua vida literária com a publicação de poemas no jornal Notícias da Beira, quando tinha 14 anos. Sua primeira obra é o livro de poemas Raiz de Orvalho (1983). Publicou, também, dois livros de contos que lhe deram grande notoriedade: Vozes anoitecidas (1986) e Cada homem é uma raça (1990). Seu primeiro romance é Terra Sonâmbula (1992). Pela diversidade temática e inventividade literária, Mia Couto tornou-se o autor africano mais lido na atualidade, bem recebido em toda Europa e no Brasil. São temas essenciais na obra de Mia Couto: a criatividade e a inventividade da língua, elaborando uma discussão sobre o instrumento de dominação colonial, do que o autor se apropria para inverter a ordem de submissão (Cronicando, de 1988); o realismo, que o leva a discutir de forma impressionante os quadros sociais de sua terra; o imaginário e o fantástico fundamentados no conceito de ancestralidade; o humor, presente tanto em situações adversas transformadas pelo homem moçambicano, quanto na construção dos personagens e na enunciação (pela reconstrução da linguagem). AULA 9 – A LITERATURA SÃO – TOMENSE NO SÉCULO XIX Premissa A literatura são-tomense tem início no século XIX com a tradição do jornalismo que, no dizer de Pires Laranjeira, era praticado por uma ―elite de filhos-da-terra‖. Aspectos históricos e geográficos Localizado na costa oeste africana, no golfo da Guiné, a 300 km do Gabão, São Tomé e Príncipe é formado por, além das ilhas São Tomé e Príncipe, outras duas vulcânicas – Gago Coutinho (ou das Rocas) e das Cabras. Há também penedos desabitados, denominados de Pedras Tinhosas. Sua população está em cerca de 75.000 habitantes e sua geografia é composta por belas praias e vegetação exuberante. Acredita-se que primeiramente João Santarém, seguido de Pêro Escobar, foi o primeiro português a chegar ao arquipélago, respectivamente em 21 de dezembro de 1470 e em 17 de janeiro de 1471. Afirma-se que as ilhas não eram desabitadas à época da chegada dos portugueses, com população autóctone, que vivia no sul, e não tivera contato com os colonizadores. A partir de 1493, com o donatário Álvaro Caminha, começou o processo de povoamento da região, quando foram enviados para São Tomé e Príncipe portugueses da Ilha da Madeira, degredados lusos, alguns espanhóis, crianças judias separadas dos pais e escravos oriundos da Guiné-Bissau, do Gabão, Benin e Manicongo, causando intensa miscigenação. Assim, a população atual do arquipélago é predominantemente crioula, pois os portugueses passaram a relacionar-se com escravas africanas, a fim de povoar a região (como ocorreu no Brasil e em Cabo Verde), derivando nos forros ou filhos da terra que, juntamente com os angolares – descendentes de escravos angolanos, vítimas do naufrágio de um navio negreiro por volta de 1546/1547 –, são hoje o grupo étnico existente. Sua língua oficial é o português, que convive com falares crioulos: o forro, o angolar, entre outros. A colonização se iniciou com plantações de cana-de-açúcar, o que intensificou o tráfico de escravos. Cessada a escravidão oficial, outra escravidão disfarçada lá se impôs, com o regime de contrato, no qual africanos oriundos de Angola, Moçambique e outros para lá eram enviados em condições desumanas, também denunciadas na literatura. No ano de 1960, foi fundado o MLSTP (Movimento pela Libertação de São Tomé e Príncipe). Caetano da Costa Alegre inaugura com qualidade, no século XIX, o sistema literário de São Tomé e Príncipe, embora seja um poeta preso a um discurso eurocêntrico que quase sempre assinala o negrismo; um discurso evidenciador das dificuldades por ele encontradas ao ser um negro vivendo no mundo dos brancos. Caetano da Costa Alegre O autor, que morreu com 26 anos, foi um pioneiro ao estudar medicina na Universidade de Coimbra, em uma época em que ainda o africano era relacionado a conceitos deturpados como o de não ter alma;não sendo, portanto, humano – fato que justificaria a sua escravização junto à do índio. O eu-lírico, em seus versos, assume claramente a sua condição étnica, um ineditismo nas literaturas de língua portuguesa: A minha cor é negra/indica luto e pena, que pode ser lido aqui, do livro póstumo Versos, publicado em 1916. A minha cor é negra / indica luto e pena A minha cor é negra, Indica luto e pena; É luz que nos alegra, A tua cor morena. É negra a minha raça, A tua raça é branca, Tu és cheia de graça, Tens a alegria franca, Que brota a flux do peito Das cândidas crianças. Todo eu sou um defeito, Sucumbo sem esperanças, E o meu olhar atesta Que é triste o meu sonhar, Que a minha vida é mesta E assim há de findar! Tu és a luz divina, Em mil canções divagas, Eu sou a horrenda furna Em que se quebram vagas!... Porém, brilhante e pura, Talvez seja a manhã Irmã da noite escura! Serás tu minha irmã?!... (Caetano da Costa Alegre) Veja como o eu-lírico se reconhece como negro: ―A minha cor é negra.‖ O ato de reconhecer- se, contudo, não significa aceitação de sua cor. O fato de ser negro ―indica luto e pena‖ para a sociedade ocidental, que associa a cor preta ao luto. Neste sentido, Manuel Ferreira, no capítulo ―Da dor de ser negro ao orgulho de ser preto‖, mostra que a poesia de Costa Alegre traz antíteses aparentes, pois elas se completam, como a manhã e a noite que se integram. Análise de O sonho dantesco A reflexão e a pergunta do poeta é se a manhã (ou a musa branca) não seria irmã da noite (ou dele), ou seja, ele indaga sobre o aspecto fraterno da humanidade, que se apoia no discurso cristão (todos os filhos do mesmo Pai, mas nem todos são tratados iguais). Podemos reconhecer todas as características enumeradas no poema O sonho dantesco, que pode ser lido integralmente a seguir. Ele termina de modo muito enfático, com pontuação expressiva (ponto de interrogação, exclamação e reticências). Isso não é à toa, pois o eu-lírico realiza uma grande indagação sobre a ousadia de declarar o seu amor a uma musa branca, que não o deseja por ele ser negro – é o que ele acredita. O sonho dantesco Era um sonho dantesco... o tombadilho ―Era um sonho dantesco...‖ repetia, Aquela pálida e gentil morena, Na fresca e doce entoação amena Do canto de ave ao despontar do dia. ―Era um sonho dantesco...‖ ela dizia, Poisando a fronte cândida e serena Na branca mão artística e pequena, Imaginando o sonho que seria. Que estranha criancice! que loucura! Como podia aquela mente pura Compreender o sonho gigantesco?! Contudo pensativa ela cismava, Imaginar o sonho procurava, Dizendo sempre: ―Era um sonho dantesco!...‖ Fonte: ALEGRE, Caetano da Costa. O sonho dantesco. In: Versos. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1991. No poema O sonho dantesco, há o diálogo com a Literatura Brasileira, com o poema de Castro Alves, Navio Negreiro, onde alguns versos servem de epígrafe. Observe a ironia deste texto, que coloca palavras tão indignadas, do poeta brasileiro, sobre os horrores da travessia dos africanos no navio, vindos na condição de escravos, na boca de uma ―gentil morena‖ que declama a poesia em um sarau, sem compreender que o sonho, não verdade, era pesadelo porque era dantesco, na referência ao Inferno, da Divina Comédia de Dante. Canção do Mestiço Francisco José Tenreiro é o autor que, com a publicação de Ilha do nome santo, inaugura a negritude na África de língua portuguesa. Na poesia de Tenreiro, considerado o pai da negritude na África de língua portuguesa, vemos a visão da integração entre negros e brancos, não no sentido da assimilação e da aculturação, mas sim da ideia de fraternidade, de sermos todos filhos de um mesmo Pai, como aparece no poema de Costa Alegre, onde lemos que, entretanto, não se assume como negro e sim questiona o fato de não ser amado por uma branca, por ser negro. Agora, o mestiço valoriza o seu lado negro, e não se coloca como um mulato que deseja clarear, ser branco, para ser aceito pela sociedade eurocêntrica. Canção do Mestiço Francisco José Tenreiro Mestiço! Nasci do negro e do branco E quem olhar pra mim É como se olhasse Para um tabuleiro de xadrez: A vista passando depressa Fica baralhando cor No olho alumbrado de quem me vê Mestiço! E tenho no peito uma alma grande Uma alma feita de adição Como 1 e 1 são 2. Foi por isso que um dia O branco cheio de raiva Contou os dedos das mãos Fez uma tabuada e falou grosso: - mestiço! A tua conta tá errada Teu lugar é ao pé do negro. Ah! Mas eu não me danei... E muito calminho Arrepanhei o meu cabelo pra trás Fiz saltar o fumo do meu cigarro Cantei do alto A minha gargalhada livre Que encheu o branco de calor!... Mestiço! Quando amo a branca sou branco... Quando amo a negra Sou negro. Pois é. TENREIRO, Francisco José.Canção do Mestiço. Negritude Sobre este importante movimento, já por nós assinalado anteriormente, é necessário um breve comentário, baseado no livro Negritude, usos e sentidos, de Kabengele Munanga, publicado pela Editora Ática, em 1988. Para Munanga, as origens do discurso da valorização do negro está no século XIX com W.E.B. Du Bois (o pai da negritude)1 e Langston Hughes (representante do Renascimento Negro). 1 Du Bois foi secretário do Primeiro Congresso Pan-africano, sendo considerado um pioneiro nas lutas contra a política imperialista na África, defendendo os direitos dos negros enquanto cidadãos da América. Du Bois também exercerá ascendência sobre os escritores negros americanos, na presença do livro Almas negras, referência para os intelectuais do Renascimento Negro (entre 1920 e 1940). Os objetivos da negritude eram, em linhas gerais, protestar contra a ordem colonial, denunciar a exploração capitalista, assinalar a irmandade entre os negros que se espalharam pelo mundo (diáspora), lutar pela emancipação de seus povos oprimidos e lançar o apelo de uma revisão das relações entre os povos. Na Europa, observamos a fundação da revista Étudiant noir (Estudante negro), que reivindica a liberdade criadora do negro, e assinala a cor da pele como condicionadora de tratamentos discriminatórios da sociedade branca. O grupo era liderado pelo martiniquense Aimé Césaire, que criou a palavra negritude, pelo guianense Léon Damas e pelo senegalês Léopold Sédar Senghor. AULA 10 – UM PANORAMA SOBRE A LITERATURA PRODUZIDA NAS CINCO NAÇÕES APÓS A INDEPENDÊNCIA DE 1975 A União de Escritores Angolanos Em dezembro de 1975, logo após a libertação, foi fundada a União de Escritores Angolanos. Segundo Pires Laranjeira, textos inéditos de diversos autores confirmam Angola ―como a maior força literária dos cinco países emergentes‖. Comum a todos os países foi a proposta de enraizamento que se manifesta nacional e regionalmente visando à afirmação de uma identidade. Os elementos desse enraizamento são os signos da terra, do povo, da língua, do sangue, da raça e da tríade nação-pátria-Estado. Simultaneamente, surgem textos que glorificam os heróis nacionais, relatando uma aventura épica do povo angolano. Nessa esteira, destaca-se o livro Mayombe, de Pepetela. Contudo, o próprio Pepetela encaminha-se, posteriormente, para outra visão da história, discutindo, em A Geração da Utopia (1992), o desencanto da geração de 1960, que lutou pela libertação do país e sonhou com uma sociedade justa. Angola e Moçambique, viram-se arrasados por uma guerra civil deflagrada por grupos políticos que ambicionavam
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