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Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ DHE – Departamento de Humanísticas e Educação Curso de Psicologia PAULA CAROLINA GEIB DEPRESSÃO INFANTIL SANTA ROSA (RS) 2012 Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ DHE – Departamento de Humanísticas e Educação Curso de Psicologia PAULA CAROLINA GEIB DEPRESSÃO INFANTIL ORIENTADORA: ÂNGELA MARIA SCHNEIDER DRUGG SANTA ROSA (RS) 2012 Trabalho de pesquisa supervisionado e apresentado como requisito parcial para conclusão de curso de formação de Psicólogo. PAULA CAROLINA GEIB DEPRESSÃO INFANTIL BANCA EXAMINADORA ________________________________ ÂNGELA MARIA SCHNEIDER DRUGG Orientadora _________________________________ SÍLVIA CRISTINA SEGATTI COLOMBO Banca AGRADECIMENTOS À professora Ângela pelas orientações, explicações e acolhidas para realização deste trabalho. À professora Sílvia Colombo por ter aceitado compor minha banca. À minha família pelo constante apoio e pelas inúmeras palavras de carinho e conforto nos momentos de desânimo. Em especial, à minha mãe, pela força e pelo ombro amigo que sempre me proporcionou nesta caminhada. Agradeço de coração. DEPRESSÃO INFANTIL ACADÊMICA: PAULA CAROLINA GEIB ORIENTADORA: ÂNGELA MARIA SCHNEIDER DRUGG RESUMO O estudo do tema “Depressão Infantil” tem como objetivos entender a origem, as causas e os sintomas da mesma e, o que a sociedade em que vivemos tem a ver com esta patologia. Dentre as principais causas estão: a perda de um ente querido ou de um objeto amado, aspectos da família e da escola. Seus sintomas mais comuns são: choro fácil, agitação motora, agressividade, irritabilidade, retraimento, distúrbios do sono e alimentares e falta de vontade de fazer atividades que antes eram praticadas costumeiramente. O trabalho é do tipo bibliográfico e a metodologia utilizada é a explanação de conteúdos. Observou-se que a sociedade contemporânea também exerce um papel importante, que, muitas vezes, acaba proporcionando uma maior fragilidade no ser, possibilitando o desencadeamento da depressão em crianças. Palavras-chaves: Depressão. Infância. Perda. Luto. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................... 7 1. DEPRESSÃO AO LONGO DOS TEMPOS ................................................ 9 2. ETIOLOGIA DA DEPRESSÃO NA INFÂNCIA ......................................... 13 2.1. Perda e Luto ........................................................................................ 13 2.2. Família ................................................................................................ 17 2.3. Escola ................................................................................................. 18 3. SINTOMATOLOGIA SEGUNDO A IDADE ............................................... 20 3.1. Crianças até Dois Anos ....................................................................... 20 3.2. Crianças Pré-escolares (até seis anos) ............................................... 21 3.3. Crianças no Período de Latência (cinco a dez anos) .......................... 22 4. DEPRESSÃO NA CONTEMPORANEIDADE ........................................... 24 CONCLUSÃO .................................................................................................. 28 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 30 INTRODUÇÃO Problemas emocionais em crianças vêm aumentando a cada dia, principalmente a depressão infantil tem tido rápido crescimento. O maior agravante da depressão na infância é que ela não é uma patologia que se desenvolve isoladamente. Ela vem acompanhada por problemas escolares e comportamentais, acarretando um prejuízo no funcionamento psicossocial da criança. A depressão infantil vem sendo estudada já há alguns séculos, mas ganhou maior destaque a partir dos escritos de Sigmund Freud em “Luto e Melancolia”, no século XIX. Muitos pesquisadores não acreditavam na depressão em crianças, afinal elas não têm responsabilidades, não sofrem, não têm preocupações. Mas, bem pelo contrário, as crianças sentem e, assim como os adultos, podem muitas vezes vivenciar momentos desagradáveis e experiências traumatizantes, o que possibilita o desenvolvimento da depressão. A sociedade contemporânea trouxe muitas inovações úteis, mas por serem muitas, perdeu-se o controle sobre as mesmas e, por isto, a infância parece naturalmente vir a ser a mais afetada, por ser faminta de novidades. Consequentemente, neste mundo de possibilidades de escolhas, o desencadeamento da depressão infantil se torna mais suscetível, devido à busca incansável de mais e mais, sem saber o que e nem por que. A excessiva liberdade de escolhas pode levar ao desamparo. Sendo esta uma das questões motivadoras para a realização deste trabalho de pesquisa. Assustador é o crescimento dos índices de sofrimento infantil, resultantes de pesquisas realizadas nos grandes centros de estudos do Brasil. Estas apresentam que a depressão infantil facilita a redução do rendimento escolar, o aparecimento da fobia escolar e possibilita o aparecimento das dificuldades de relacionamento entre as crianças, entre outros sintomas. Por esta razão, o tema desperta meu interesse, assim como minha preocupação com as crianças.. Com este trabalho pretende-se compreender aspectos da patologia chamada depressão infantil, quais são seus sintomas e também o que a sociedade atual está proporcionando para o desenvolvimento do sofrimento psíquico nas crianças que estão nela inseridas. 8 Considera-se que a depressão infantil se apresenta com sintomatologias típicas e atípicas. A característica típica corresponde aos seguintes sintomas: tristeza, ansiedade, choro constante, insônia, mudanças no hábito alimentar e, também problemas físicos como tontura e fraqueza. Já os sintomas atípicos presentes – medos, irritabilidade, agressividade e hiperatividade – escondem a sintomatologia habitual. A patologia pode ocorrer como depressão maior ou como forma mais leve, denominada distimia, cujo significado é mau humor, e caracterizada por falta de prazer e pelo constante sentimento de negatividade. Neste sentido, faço-me as seguintes questões: Quais as causas da depressão infantil? Quais são os sinais e sintomas? Há diferença entre a depressão em crianças e no adulto? Como podemos reconhecê-la? Estas eu respondo através de pesquisa bibliográfica, para um maior conhecimento do tema. No primeiro capítulo é feito um resgate da história desta patologia, assim como de seus principais pesquisadores, partindo do ano de 1621, com descrições de Robert Burton, até os dias de hoje. Na sequência, as possíveis e principais causas da depressão na infância são descritas no segundo capítulo. Já, no terceiro capítulo do trabalho é feita uma explanação da sintomatologia da depressão infantil de acordo com a faixa etária. E, para finalizar, no quarto capítulo refletimos sobre o que a sociedade contemporânea e suas relações tem a ver com os sofrimentos psíquicos, mais precisamente, a depressão na atualidade.1. DEPRESSÃO AO LONGO DOS TEMPOS Em 1621, Robert Burton elabora um dos primeiros trabalhos relacionados à depressão infantil, onde escreve sobre a anatomia da melancolia. Dois séculos depois, em 1852 é Delasiauve quem escreve sobre a depressão infantil em “Leçons sur la manie infantile”. Já no início do século XX, em 1907, Augusto Vidal faz, em Barcelona, referência convincente à sintomatologia da criança melancólica, em seu tratado de Psiquiatria Infantil. Freud em “Luto e Melancolia” (1914-1917) escreve a respeito da melancolia como um estado aproximado de luto, muito primitivo. Não havendo culpa na melancolia, seria, portanto, um estado vazio, de “ausência do corpo” correspondendo a um tempo e espaço inexistentes ou existentes, mas parados, sem sentido. Sendo assim, a melancolia seria um estado que afasta o sujeito de sua relação com a realidade, mas também o mantém relativo à realidade, pois assim permite que o sujeito sinta tristeza, dor, entre outros sintomas, fazendo com que exista a melancolia. Conforme Barbosa e Lucena (1995), em 1933, Stern faz a primeira descrição sintomatológica da depressão infantil, baseada em Von During, onde escreve: “As crianças deprimidas não podem rir. E uma criança que não ri nem pode brincar nem brigar, é uma criança enferma (...). As crianças deprimidas são tímidas, fogem da companhia dos demais, não jogam, não têm confiança em si mesmas o que pode levá-las inclusive ao suicídio.” (POLAINO, 1958, p.31 in: BARBOSA E LUCENA 1995) Esta descrição faz referência aos sintomas da área afetiva nas crianças, principais características de uma depressão, abrindo portas para novos estudos da Psicopatologia. Melanie Klein (Barbosa e Lucena ibid:) foi a primeira psicanalista a inserir a terminologia depressão no seu modelo de constituição psíquica relacionando-a a infância. Ela relaciona o possível aparecimento de um estado depressivo na infância logo no momento em que a criança percebe que a mãe 10 má e a mãe boa é a mesma pessoa. A mesma mãe representa o “seio bom” e o “seio ruim”, ou seja, é um único objeto, que provoca sofrimento e satisfação. Sofrimento pelo fato de poder perder este objeto, e satisfação, pois é nele que a criança tem proteção e amor. Já Margaret Mahler, define que este “momento depressivo corresponde ao duplo movimento da relativa decepção em relação ao objeto maternal e de melhor percepção de sua individualidade, ao mesmo que de sua fraqueza” (Marceli, 1998), mas isto depois do primeiro ano de vida do bebê. René Spitz (Drügg et al, 2010), após seu estudo com o acompanhamento de bebês que haviam sido separados dos pais durante a II Guerra Mundial e estavam “amparados” em instituições, denomina como “depressão anaclítica”, o quadro sintomatológico que as crianças institucionalizadas apresentavam como resultado da falta de apoio materno entre os 6 e 18 meses para o desenvolvimento da criança. Logo após foi chamada de hospitalismo, devido à semelhança dos sintomas que apareciam nas crianças hospitalizadas por longo tempo e por isso, afastados da mãe. Estas crianças exibiam períodos de choramingos, seguidos de retraimento e indiferença, juntamente com regressão no desenvolvimento. Bowlby (2010), a partir da observação de crianças que estavam hospitalizadas, descreve a Teoria do Apego, em 1958. Esta descrição auxilia na compreensão do impacto causado pela morte ou longo período de separação de um ente querido (pai, mãe, avó, tio, irmão...). Esta teoria é composta por três fases, sendo a primeira a busca ou protesto, momento em que a criança procura e chora pelo que foi perdido (a pessoa que lhe provoca falta) e que lhe causa sofrimento; a segunda fase é a do desespero, pois a criança se frustra com a não resolução de sua falta e não aceita o que outra pessoa oferece; e a terceira e última fase chamada de recuperação ou desapego, acontece quando a criança passa a se relacionar com outras pessoas e o sofrimento diminui gradualmente. Após estas três fases, caso a criança se encontre novamente com a pessoa cuja perda lhe causou sofrimento, poderá não reconhecê-la mais e até mesmo desviá-la. Segundo Barbosa e Lucena (1995), na década de 60, surge o conceito de depressão mascarada e equivalentes depressivos, onde se reconhece que a criança poderia sofrer de depressão, mas esta se apresenta de forma 11 disfarçada, com sintomas diferentes da patologia adulta. Os fenômenos que pertencem aos equivalentes depressivos são a hiperatividade, a enurese, a insônia, a ansiedade e o aumento da agressividade. Em 1966, com a corporificação da depressão infantil, Rie (fonte de recursos para educadores) publica “Comprehensive Review” revisando o tema da depressão infantil. Ainda neste ano, Rutter publica o primeiro trabalho sobre a depressão infantil em filhos com pais depressivos. Na década de 70, discute-se a depressão infantil como forma clínica independente da depressão do adulto. Em 1971, Winnicott afirma que o meio ambiente onde o bebê está inserido sustenta as primeiras fases de seu desenvolvimento emocional. O bebê estabelece um contato visual muito intenso (semelhante á um espelho) com o rosto da mãe que o autor interpreta como: “Quando olho, sou visto, logo existo!”. Quando este olhar não retorna para ele, este “se olha e não se vê”, ou seja, acaba não existindo. Para lidar com estas experiências, o bebê procura saídas para este “autoconfronto”, adaptando comportamentos, como por exemplo, o de balançar a cabeça (movimento típico da depressão infantil e do autismo), passando a realizar o processo de adaptação com o meio ambiente. Na mesma década, Kovacks e Beck (1977), definem a depressão infantil como unidade sindrômica independente da do adulto. A partir desta década foi aceita a síndrome depressiva na infância. No ano de 1983, Poznanski e Petti confirmavam a depressão infantil como uma síndrome própria da infância, com características específicas, sendo possível aparecer em crianças menores de seis anos. Nos últimos anos, segundo Barbosa e Lucena (1995), estudiosos como Rutter, Polaino, Domenech e Ackenbach sugerem que os sintomas somáticos e psicológicos da depressão na infância podem variar conforme a idade da criança. Ainda de acordo com os mesmos autores, Rutter, Izard e Read desenvolveram dois postulados para a depressão infantil: o primeiro é de caráter universal, em que uma mesma doença afetaria a criança e o adulto. O segundo postulado refere-se às características da idade da criança influindo sobre a forma da depressão infantil. 12 Papazian, Manzano e Palacio (1992), através das observações de Spitz e Nissen, afirmam que nos primeiros anos de vida da criança os sintomas de ordem somática que merecem destaque são tristeza, frustração, baixa autoestima, medos e baixo rendimento escolar, que diminuem na adolescência. Neste período, o problema é interiorizado e a tristeza do quadro depressivo no adulto começa a se tornar aparente. Mesmo com pesquisas que comprovam que a depressão em crianças existe e é distinta da depressão nos adultos, tanto a CID-X quanto o DSM-IV não apresentam esta diferença, descrevendo assim, apenas a depressão no adulto. 2. ETIOLOGIA DA DEPRESSÃO NA INFÂNCIA Rodriguez-Sacristan & Caballero Andaluz (1990), afirmam: “... existe um acordo que não tem causa única em explorações etiopatogênicas fáceis...” (BARBOSA E LUCENA, 1995, p. 25) Sendo assim, a depressão infantil, na maioria das vezes, não é derivada de um só acontecimento, mas de vários fatores que, juntos podem desencadear a doença depressiva na criança. Alguns fatores que possibilitam o aparecimento da depressão nas crianças são: 2.1. Perda e Luto A perda e o luto estão entre as causas mais frequentemente relacionados à depressão na infância. Sigmund Freud(1917), relata que o luto nunca foi visto como sendo algo patológico, e sim, como pertencente à vida das pessoas. Descreve como sendo “... a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante.” (Freud, 1917). Algumas pessoas ao invés de passarem pelo luto com a perda de um ente querido acabam por desenvolverem a melancolia, cujas principais características são: “Um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda de capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, uma diminuição de sentimentos de autoestima...” (Freud, 1917, p. 250) Estas características são, também, encontradas no luto, exceto a diminuição da autoestima, pois para o enlutado é o mundo que se torna vazio, já na melancolia é o próprio ego (o melancólico representa seu ego como sendo desprovido de valor, moralmente desprezível. Degrada-se perante todos, 14 dizendo nunca ter sido melhor). Observo que, a partir dos sintomas que caracterizam a depressão no adulto, como: desânimo, inibição e sentimentos de baixa autoestima, a criança também pode apresentá-los, mas de uma maneira ligeiramente mascarada, pelo fato de a mesma não compreender o que estava deixando-a assim. Para Freud (1917), as autorrecriminações são recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente. Existem uma escolha objetal, uma libido ligada a uma pessoa particular. Por um aborrecimento derivada da pessoa amada, a relação objetal foi despedaçada. Neste caso a catexia objetal mostrou ser pouco resistente, passando a libido livre para o ego, estabelecendo uma identificação do ego com o objeto abandonado. Desta maneira, a sombra do objeto caiu sobre o ego, podendo ser julgado como se fosse um objeto abandonado. Sendo assim, a perda do objeto transformou-se em perda do ego e também em um conflito entre o ego e a pessoa amada. Este processo representa um retorno de um tipo de escolha objetal para o narcisismo original. Sendo assim, a tendência a adoecer de melancolia está na predominância do tipo narcisista da escolha objetal. Desta maneira, a melancolia é como o luto – uma reação à perda real de um objeto amado – mas, marcada por uma determinante que está ausente no luto normal, ou que, estando presente, transforma este luto, em luto patológico. O luto patológico consiste na incapacidade do enlutado em expressar os impulsos de reaver e recriminar a pessoa perdida. Já no luto saudável, todas as fases ocorrem, assim como no luto patológico, mas seu desencadeamento é prorrogado. Tanto no luto, quanto na melancolia, há uma absorção do ego, provocando uma inibição: no luto se conhece o motivo que acarreta na perda do interesse pelo mundo externo, mas na melancolia, devido ao desconhecimento da perda de interesse pelo mundo, esta inibição é melancólica, ou seja, na melancolia não se pode “ver” o que o absorve tanto. O melancólico sabe que sua patologia é oriunda da perda de determinada pessoa, mas não sabe o que ele perdeu nela. Segundo Freud (ibid:), na melancolia, a relação com o objeto não é simples; ela complica devido a uma ambivalência conflituosa. Esta 15 ambivalência, ou é constitucional, ou seja, um elemento da relação amorosa formada pelo ego particular, ou provém daquelas experiências que envolveram a ameaça da perda do objeto. Assim, as causas excitantes da melancolia têm uma dimensão muito maior do que as do luto, que é, na maioria das vezes, derivado por uma perda real do objeto, isto é, por sua morte. Na melancolia, em consequência, ocorrem várias “lutas isoladas” em torno do objeto, nas quais o ódio e o amor se enfrentam; um procura separar a libido do objeto, o outro, defender essa posição da libido contra o assédio. Estas “lutas isoladas” só podem ser estabelecidas no inconsciente. No luto, também, os esforços para separar a libido são empregados nesse mesmo sistema – inconsciente – mas nele nada impede que estes processos sigam o trajeto normal através do pré-consciente até a consciência. Este trajeto está bloqueado para o trabalho da melancolia. Da mesma maneira que o luto obriga o ego a desistir do objeto, declarando-o morto e oferecendo ao mesmo o incentivo de continuar a viver, assim também cada “luta isolada” da ambivalência (amor e ódio) aumenta a fixação da libido ao objeto, humilhando-o, denegrindo-o e também, matando-o. É possível que o processo no inconsciente chegue ao seu final, quer após a fúria e o ódio terem-se aquietado, quer após o objeto ter sido abandonado, como empobrecido de valor. O fato de a melancolia desaparecer após algum tempo, sem deixar vestígios, é uma característica que ela divide com o luto. O luto, com o trabalho do tempo e da realidade, faz com que o ego liberte sua libido do objeto perdido. No decorrer da melancolia o ego tem um trabalho semelhante, mas a presença da insônia faz com que se torna incapaz o retraimento das catexias necessário ao sono. A insônia da melancolia atrai as energias catexiais, esvaziando o ego, deixando-o empobrecido. Essa melancolia pode mostrar que é resistente ao desejo por parte do ego, de dormir. Ainda segundo Freud, este processo do luto do adulto se diferencia do processo de enlutamento da criança em dois momentos: um devido ao tempo encurtado em cada fase; e outro, pela derivação do desligamento (momento com ambivalência de sentimentos) em uma problemática no nível inconsciente. Este desligamento prematuro pode acarretar patologias em crianças mais velhas e adultos. 16 Segundo Bowlby (1999), a criança pequena não sabe diferenciar se a ausência da mãe é temporária ou definitiva, ou seja, a partir do momento que a criança não vê mais a mãe, é como se ela nunca mais a visse. Bowlby (Ibid:), em seu modelo psicológico trabalha com a trilogia dos conceitos de separação, apego e perda. No primeiro caso – separação – a criança teme ser separada de sua mãe, pois isto já havia acontecido anteriormente. Este medo da separação está ligado a situações que não representam nenhum perigo real, como o medo do escuro, o medo de um lugar desconhecido, os quais estão relacionados a um perigo maior/aumentado. No segundo conceito – o apego – o autor trabalha relacionando-o à díade mãe e filho, cuja relação segue algumas etapas: aos três meses, grande parte dos bebês responde a mãe de forma diferenciada; aos seis meses, o bebê chora quando percebe a ausência da mãe, assim que a mesma retorna, o bebê a acolhe com sorrisos e agitação motora; aos nove meses, o bebê engatinha à procura da mãe. Nos dois anos seguintes não há grandes mudanças, mas a intensidade do comportamento de apego se mantém. Aos quatro anos a criança lança mão de outras estratégias, como a utilização de símbolos e atração por outros objetos. No período de latência, que ocorre entre os 5 e 10 anos, o apego continua sendo um traço marcante na vida da criança. Já na adolescência, Bowlby descreve que o apego sofre mudança, pois outros adultos e os amigos podem assumir igual ou mais importância que os pais. Na vida adulta o comportamento de apego continua com os pais, mas também dirige-se para pessoas fora da família. O comportamento de apego para com pessoas mais jovens acontece na velhice. Bowlby também distingue dois tipos de apego, o apego seguro e o inseguro. O primeiro se dá no momento em que o bebê se torna capaz de explorar seu ambiente, onde ele tem certeza que vai retomar o contato com sua mãe, quando desejar. E o apego inseguro acontece quando a mãe está presente fisicamente, mas sem suprir as necessidades de seu filho, o que pode ocorrer temporariamente ou permanentemente, no caso da morte. No conceito de perda, Bowlby afirma que a ameaçada mesma, que gera ansiedade, e a confirmação desta, provoca o desespero, resultando, possivelmente, na depressão. 17 Estas três fases da Teoria do Apego podem ser relacionadas ao conceito de luto, descrito por Bowlby. Sendo assim, após uma perda há um período de protesto, onde a pessoa que sofre o luto tenta reaver, na realidade ou em pensamentos, este ente querido, recriminando-o por a ter deixado. Durante a segunda e terceira fases, ou seja, do desespero e do desligamento, a pessoa que sofre a perda tem sentimentos ambivalentes (tranquilidade e raiva, por exemplo). Estas duas fases podem durar bastante tempo, mas também, no decorrer do mesmo, estes sentimentos acabam se transformando em um abandono emocional da pessoa que faleceu. Após este período, o comportamento do enlutado passa a se reorganizar baseado na ausência permanente da pessoa que se foi. 2.2. Família Em 1971, Nissen realizou um estudo com 100 crianças deprimidas que teve como resultado o papel fundamental da família como coadjuvante etiológico da depressão infantil. Como exemplo utilizado no estudo, os filhos depressivos de pais autoritários manifestaram os seguintes sintomas: ansiedade, brigas, perplexidade, comportamento compulsivo e agressividade. Já os filhos depressivos de pais permissivos se diferenciaram dos pais autoritários nos sintomas psíquicos, mas eram iguais nos sintomas somáticos, como por exemplo, a obesidade e o choro sem motivo. Marcelli (1998) destaca que em uma população com condições socioeconômicas menos favoráveis, há maior número de desemprego, índice elevado de violência doméstica e alcoolismo, e aumento de uniões instáveis entre casais, o que pode favorecer o aparecimento de patologias infantis, como a depressão, pois há uma desestruturação familiar, onde a função paterna, se existente, fica em segundo plano Uma das mudanças nas famílias contemporâneas, devido às exigências da sociedade atual, refere-se à presença de pais que trabalham fora e crianças sendo cuidadas por “estranhos” (externos da família). Sendo assim, por um lado, é possível observar que tem ocorrido o afastamento dos familiares; as crianças vão à creche/escolinha e os pais ao trabalho; passam o dia longe de seus familiares, muitas vezes sozinhas, se entretendo com jogos virtuais, 18 desenhos animados, usufruem de uma alimentação nem sempre saudável... Enfim, somente encontram seus pais, quando os encontram; à noite. Cuidados maternais medíocres, com pouca estimulação verbal ou educativa, podem mascarar uma rejeição pelo filho que pode provocar agressividade, hostilidade em relação à criança, desencadeando uma depressão na mesma. Em estudo de um ambiente familiar realizado por Poznanski e Zrull, Penott, Agrass (FU-I LEE, 2008) , em especial, da mãe, apontando a existência de um mecanismo de identificação com o genitor deprimido ou um sentimento de que a mãe é inacessível, ao mesmo tempo indisponível e a criança é incapaz de gratificá-la ou satisfazê-la. Neste contexto, a criança sente-se frustrada e, ao mesmo tempo, culpada, exteriorizando esta expressão por agressividade. Para Marcelli (1998), quando a depressão atinge os pais há 43% de chance de o filho apresentá-la também. A depressão da mãe pode configurar uma “falta” de interação para com o filho, o que pode provocar uma “espécie” de sentimento de perda após alguns anos. Outra explicação para este caso é que com a existência da depressão nos pais, é provável que estes sejam menos calorosos com seus filhos, podendo, pelo contrário, terem atitudes muito críticas e severas para com os mesmos. Mas, por outro lado, a criança depressiva também tende a ser mais vulnerável a críticas, tornando-se alvo dos conflitos familiares (FU-I LEE et al., 2008, p 207). Além de todos estes fatores, a predisposição genética também exerce seu papel, possibilitando o desencadeamento da depressão nos filhos de pais já portadores desta patologia, como sugerem Romanov et al, em 2003 (FU-I LEE, ibid:). 2.3. Escola A escola além de ser um local de estudos e muitas vezes de diversão para as crianças é onde também pode surgir o estresse, podendo assim aparecer psicopatologias, como o comportamento depressivo na infância. 19 De acordo com Parraga (1990), as crianças com transtornos distímicos1 ou depressão maior, frequentemente, são as que mais apresentam dificuldades em prestar atenção em sala de aula e também no entendimento das explicações dos professores. Desta maneira, a depressão infantil pode ser considerada a causa ou a consequência da diminuição do rendimento escolar destas crianças. Além de este rendimento escolar regredir, podem aparecer fobias, como a fobia à escola, a ansiedade na escola e o gazeio das aulas, o que pode prejudicar mais ainda o desempenho escolar infantil. A inibição pode trazer problemas de relacionamento com as demais pessoas, como amigos e colegas, por exemplo, fazendo com que a criança deixe de participar de atividades grupais, deixando de interagir, o que possibilita o isolamento da mesma. Segundo Papazian et al. (1992) com a presença da inibição o pensamento intelectivo da criança se rompe (FU-I LEE, ibid:). 1 Tipo de transtorno de humor, com mesmas características de depressão maior, mas de forma mais leve. 3. SINTOMATOLOGIA SEGUNDO A IDADE A depressão infantil é uma patologia, capaz de interferir no desenvolvimento psicológico e social da criança ou adolescente. O aparecimento dela a diferencia do problema no adulto, provavelmente pelas características de cada fase e do desenvolvimento do ser. Sendo assim, é importante observar as características da depressão segundo as faixas etárias: 3.1. Crianças até Dois Anos Segundo Assumpção (2008), o “The Research Diagnostic Criteria” avalia como impossível a depressão em bebês menores de um ano. Já em crianças de um e dois anos é difícil a identificação de depressão, devido à dependência total em seu desenvolvimento, pois os sintomas aparentes em alguns casos são apenas irritabilidade, sensibilidade e choro fácil. Há a presença de sinais corporais, onde os mais frequentes são a recusa de se alimentar, atraso no crescimento, no desenvolvimento psicomotor e na linguagem. Períodos de choramingos e também um estado de retraimento e indiferença, característicos da depressão anaclítica, foram descritos por Spitz, nesta faixa etária (Marcelli, 1998). Marcelli descreve que a ausência de jogos próprios de cada idade, assim como de balbucios, as brincadeiras com mordedores ou com as mãos e a ausência da curiosidade exploratória também é observada. Mas, pelo contrário, existem as autoestimulações, ou seja, ritmias noturnas solitárias ou ao adormecer, podendo atingir até condutas autoagressivas. Frequentemente, essas crianças começam a caminhar somente em torno dos 20 meses e o desenvolvimento da fala passa a ser um processo lento e tardio. Segundo Marcelli (ibid:), a presença de manifestações psicossomáticas, como anorexia e distúrbios do sono, ocorre, normalmente, com crianças muito pequenas. 21 3.2. Crianças Pré-escolares (até seis anos) A depressão infantil difere bastante da depressão adulta, pois se manifesta frequentemente através do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, tristezas, medos, baixa autoestima, distúrbios do sono e alimentares, enurese e encoprese e dores abdominais (FU-I LEE et al., 2008). Francisco Assumpção (2008) afirma que em crianças já adaptadas ao processo social apresentam um quadro de irritabilidade, agressividade e destrutividade com violação de regras que anteriormente eram aceitas, mas por serem breves, contrariam os acontecimentos e sintomas que caracterizam a depressão infantil. O autor descreve o sintoma da culpabilidade:“... culpabilidade freqüente em crianças de cinco a seis anos, corresponde a sentimentos conscientes que se manifestam com maior frequência em situações nas quais aparecem doenças ou separações familiares que, são vistas pela criança como sendo de sua responsabilidade. Isso porque o padrão moral dessa criança, ainda heterônomo, pode ser agravado pelo nível das exigências externas e que, estimulados pelo quadro depressivo, se organizarão de forma mais dura e pesada” (ASSUMPÇÃO JR. 2008, p. 129) Desta maneira, para melhor identificação de sintomas e quadro diagnóstico, em conversas com as crianças, é aconselhável modificar a maneira de falar com as mesmas, várias vezes. Neste período (antes da situação de latência), a depressão pode ser apresentada pelas expressões faciais e pela postura do corpo, isto é inquietação, retraimento e choro com maior intensidade. Entre os dois e cinco anos, a dependência excessiva, a instabilidade emocional, o controle precário dos impulsos e a ansiedade de separação ficam mais perceptíveis. A depressão infantil pode ser muito perigosa. No entanto, muitas vezes as manifestações doentias não são percebidas, e o comportamento em si não recebe a devida atenção de familiares e conhecidos da criança. 22 De acordo com Marcelli (ibid:), em se tratando de sintomas depressivos ligados à perda de uma pessoa próxima, a criança desenvolve, mais frequentemente, uma agitação e uma instabilidade comportamental importante, mas não deixa de manifestar perturbações comportamentais, como isolamento e retraimento, ou calma excessiva. Em crianças pré-escolares, há manifestações de agitação motora ou hiperatividade, irritação, insônia, agressividade, movimento repetitivos, anedonia2 e falta de iniciativa em jogos e brincadeiras autônomas, devido à busca relacional intensa, já que a criança deseja “agradar” o adulto (Marcelli, ibid:). Há a presença de queixas de dores pelo corpo (cabeça, musculares e abdominais), assim como falta de energia e cansaço excessivo. 3.3. Crianças no Período de Latência (cinco a dez anos) No período de latência, entre os cinco e dez anos, período de fortalecimento do ego e de desenvolvimento do superego, a depressão infantil pode ser dividida em três grupos: o primeiro diz respeito aos sentimentos, onde a criança tem aspecto depressivo, choro, tristeza e sentimentos desesperançosos; o segundo grupo consiste em sintomas somáticos, ou seja, doenças psicossomáticas e sintomas relacionados ao retardamento psicomotor e; o terceiro e último grupo baseia-se em danos motivacionais, onde a criança se mostra apática3 e com perda de vontade de realização de suas atividades. Nesta faixa etária, as crianças deprimidas apresentam menos sintomas afetivos em relação às crianças mais novas ou adolescentes. Os sintomas característicos da depressão no período de latência são distúrbios do sono e alimentares, choro, tristeza e desânimo. Fu-i Lee et al (2008) descreve que a principal característica nesta fase, também chamada de fase escolar, é justamente a baixa no rendimento escolar, pois a criança tem um aumento da distraibilidade e maior dificuldade de memorização, o que pode dificultar a distinção entre depressão infantil e déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Ainda segundo Fu-i Lee et al (ibid:) nas crianças menores de dez anos, dificilmente é encontrado caráter suicida, mas, em contrapartida, se observa o 2 Perda da sensação de prazer em atividades antes vistas como interessantes. 3 Indiferente. 23 aspecto deprimido, queixas somáticas e agitação. Crianças tentam o suicídio devido a acontecimentos específicos, como: discussão com os pais, problemas escolares, perda de entes queridos e mudanças significativas na família. As crianças acreditam que a morte é reversível, o que acontece nos pensamentos mágicos, pois é assim que elas veem nos desenhos animados. Conforme a criança vai se desenvolvendo, estes pensamentos mágicos dão lugar ao raciocínio lógico, onde ela passa a compreender a morte como sendo irreversível. Kovacs et al (2003) descrevem como sendo de fundamental importância a investigação a respeito da anedonia e das mudanças de humor desproporcionais ao estímulo, ou seja, disforia4, para o diagnóstico da depressão nesta faixa etária. Mesquita e Gilliam afirmaram que, também no período de latência, há a presença da baixa autoestima com relatos como: “sou ruim mesmo!”, “ninguém gosta de mim!”, juntamente dos sentimentos de culpa, por “tudo estar errado devido a minha existência, que seria melhor morrer!” (FU-I LEE et al, 2008, p 25). 4 Mal-estar permanente. 4. DEPRESSÃO NA CONTEMPORANEIDADE O indivíduo contemporâneo, livre de uma tradição que tinha como objetivo pré-determinar sua vida e lhe proporcionar uma estabilidade social, apresenta-se, atualmente, inserido e constituído por uma cultura com novos valores e impasses. Com a “nova” sociedade, os princípios que eram impostos são alterados e esta cultura passa a se caracterizar por impasses próprios, ou seja, o que era valioso em um grupo, passa a ter importância individualizada, surgindo assim, o individualismo. Este faz do indivíduo um ser de valores únicos e possivelmente egoísta. Bauman, em “Modernidade Líquida”5, afirma: "O interesse público é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas de figuras públicas e a arte da vida pública é reduzida à exposição pública das questões privadas e a confissões de sentimentos privados" (2001, p. 46). Este autor destaca que a sociedade era grupal e não uma sociedade individualizada, como a que se apresenta hoje. O ser humano, por natureza, é um ser social. Nesta sociedade, denominada contemporânea, somos frutos de uma cultura que aposta na liberdade para que o sujeito faça suas próprias escolhas. Mesmo pertencendo a este mundo de diversas possibilidades, o vazio do depressivo domina sua autonomia e suas liberdades conquistadas, onde tudo é permitido, e mesmo assim, o indivíduo não sabe que rumo tomar; permanecendo desamparado e perdido neste mar de possibilidades (ESTEVES & GALVAN, 2006). Roudinesco (ibid:) relata que o indivíduo sofre com as liberdades conquistadas pelo fato de não saber como utilizá-las. O aumento das possibilidades e das liberdades das escolhas objetais, provoca um aumento 5 Na obra “Modernidade Líquida”, o autor se refere a uma nova visão voltada à fluidez das relações, e ao individualismo. O que antes chamávamos de sólido, duradouro e previsível nas relações sociais hoje se tornou líquido, sem forma. 25 também dos indivíduos desamparados procurando no narcisismo uma autodefesa. Desta maneira, a sintomatologia da cultura contemporânea é o desamparo do individuo frente as suas próprias frustrações, decorrentes das múltiplas possibilidades de escolha. Segundo Weber, modernidade seria a perda de encanto pelo mundo, o esvaziamento dos deuses e a racionalização crescente da existência forjada pelo discurso da ciência. (Birman, 2001, p 18). Sendo assim, a modernidade passou a ser guiada pelos discursos das ciências, pelo viés da razão; deixando, muitas vezes de lado, os ensinamentos de Deus e a preocupação com o próximo. Birman (ibid:), em seu livro “Mal-Estar na Atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação”, aponta que na atualidade estão presentes novos destinos para os desejos. Os destinos dos desejos assumiram a direção exibicionista e autocentrada, no qual o “horizonte intersubjetivo se encontra esvaziado e desinvestido de trocas”, fundos de um cenário da atualidade, que marcam doenças e violência (Birman, 2001, p 24), O que caracteriza a subjetividade na sociedadenarcísica contemporânea é a impossibilidade de poder admirar o outro nas suas diferenças, já que esta subjetividade perdeu a capacidade de olhar o outro, centrando-se apenas em si mesma. O sujeito atual encara o outro somente como um objeto para seu usufruto. Desta maneira, o indivíduo da atualidade está vivendo no registro especular, importando-se, exclusivamente, consigo mesmo. Neste contexto, as maiores vítimas são as crianças que, iludidas pela curiosidade e pela fascinação das novas descobertas, passam a se integra-las de forma contínua, ilimitada e, depois de determinado tempo, podem tornar-se individualistas e solitárias, pois quando conquistam, são apenas amigos virtuais e não mantém um relacionamento pessoal com os demais. As crianças da sociedade contemporânea passam horas em frente ao computador, fazendo com que sua relação com o brincar seja, muitas vezes, somente com a máquina (computador, vídeo game, playstation...). E os pais, respondendo por esta sociedade contemporânea, muitas vezes, ocupam-se com o trabalho, com seu status social e, por esta razão, ignoram, mesmo que inconscientemente, o seu papel de pais, diante dos filhos. 26 A sociedade contemporânea trouxe também muitas inovações úteis, mas por serem muitas, perdeu o controle sobre as mesmas e, por isto, a criança é, naturalmente, a mais afetada. Consequentemente, há a possibilidade de abrirem-se as portas para a instalação da depressão infantil, pela busca incansável e descontrolada de mais e mais, sem saber o que e sem saber por quê; uma vez que o próprio adulto pode não saber manejar as maneiras de educar neste novo contexto. Desta maneira, pensando na atualidade no texto “A Depressão na Infância – Algumas Reflexões”, Silva (2001) afirma que a criança se defronta com uma situação de fracasso em relação ao ideal fálico, dificultando manter uma posição que, possivelmente, poderá alcançar futuramente. Isto porque, as crianças vivem no presente, necessitando da satisfação pulsional imediata. A sociedade atual está constituída pela busca da felicidade e do sucesso, em torno da apropriação de bens de consumo pelo viés do imediatismo. A impossibilidade de alcançar este ideal leva o sujeito a um vazio. Este abismo de vazio, para a criança se torna mais ameaçador, pois ela está em desenvolvimento, sensível às marcas do significante e tentando acostumar- se com este ideal que a cultura atual lhe impõe. Sobretudo, o imediatismo pode acarretar alguns eventos agudos na vida, os quais estão relacionados com a manifestação de transtornos psiquiátricos, principalmente a depressão, segundo Fu-i Lee (org. 2008). Segundo Birman (2001), são considerados eventos agudos as situações ambientais que têm início e fim bem determinados com capacidade de alterar o estado físico e/ou emocional do indivíduo. Se o indivíduo está exposto a estes eventos, e os mesmos têm impacto negativo sobre sua vida, há maior probabilidade para o desencadeamento de transtornos do comportamento e psíquicos. Também chamados de eventos estressores, ou eventos agudos, segundo Eley e Stevenson (2000), como àqueles relacionados à perda, ao estresse na escola, problemas de relacionamento familiar ou com amigos estão entre os principais desencadeadores da depressão na atualidade. No caso das crianças, quem dá o sinal de alerta? Muitas vezes o professor é o primeiro a observar alguma mudança no comportamento da criança, devido ao convívio quase que diário, o que facilita a 27 percepção de alguns sintomas, como por exemplo, a dificuldade escolar, explícita. Os pais também podem perceber algum sinal de depressão em seu filho (a) em casa, devido aos comportamentos agressivos, por exemplo. Estes primeiros sinais da depressão em crianças nem sempre são de fácil percepção por causa de forma variada na infância e, também pelo motivo de as crianças não saberem o que, realmente, está acontecendo com elas mesmas. A depressão infantil deve ser diagnosticada e tratada o mais precocemente possível, para evitar maiores transtornos. CONCLUSÃO Ao concluir este trabalho verificamos que a história da depressão infantil ficou mais clara após os escritos das obras de Freud, onde a melancolia que ele descreve nada mais é do que a depressão em si. A melancolia/depressão pode ser fruto do luto mal superado, ou não superado, Este luto pode ser resultado de uma perda definitiva ou de uma separação de um ente querido, ou seja, uma pessoa com alta significância para a criança. Normalmente, a separação da mãe é a que mais faz com que o(a) filho(a) passe a manifestar sintomas depressivos. Não esquecendo que estes sintomas variam de acordo com a idade do indivíduo. Além da necessidade de elaboração psíquica mediante a perda de uma pessoa próxima importante para a criança, outros fatores possibilitam o desencadeamento da patologia na mesma. Dentre os fatores, os principais são eventos estressores, família e escola. Nos eventos estressores estão incluídos os conflitos familiares, desentendimentos com amigos, frustrações que possuem relativo significado para a criança. A família é parte fundamental para o desenvolvimento da criança. É com o apoio dela que a criança aprende a falar, a caminhar, a se relacionar... O quão complicado é para a criança crescer com a ausência de alguém importante, ou crescer junto de pais depressivos, ou até mesmo conviver em uma família desestruturada. É a partir daí que, possivelmente, começam a aparecer seus sintomas. Problemas escolares se tornam mais comuns quando a criança tem algum sintoma depressivo. Por exemplo, a irritabilidade pode provocar uma falta de concentração, de paciência e, consequentemente, o desejo de não permanecer em sala de aula. Mas, se a criança não acompanha o que lhe é ensinado, passa a ter uma diminuição no rendimento escolar. Logo, este declínio pode acarretar numa inibição, pois os outros parecerão “melhores” e “mais inteligentes” que a mesma, prejudicando também no seu relacionamento com as pessoas que a cercam. Após este estudo, concluo que, a sociedade contemporânea também contribui para o desencadeamento da depressão na infância. Atualmente 29 vivemos em um mundo globalizado, com várias tecnologias em constante desenvolvimento, onde as pessoas querem tudo “para ontem”, sim, querem tudo, e muitas vezes não têm nada. A vasta gama de possibilidades, de novidades faz com que o indivíduo entre num grande vazio. Espera-se, por fim, que as informações obtidas contribuam para incentivar novas pesquisas relacionadas ao assunto, mas principalmente, que sirvam de reflexão para aqueles profissionais que trabalham e que convivem com crianças que apresentam sintomas depressivos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _ ALMEIDA, Marina. John Bowlby. 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