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Núcleo de Educação a Distância - NEAD Universidade de Fortaleza - Unifor Direito da Infância e da Juventude Unidade 03 33 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 Sumário 1. Da Origem da Família 34 2. Dos Princípios Constitucionais Relativos à Família 35 3. Noção Atual de Família Natural 39 4. Colocação em Família Substituta 41 Referências 44 Créditos 46 Anotações 47 34 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 Unidade 03 - Convivência Familiar e Comunitária Olá, essa é a Nota de Aula da 3ª unidade da disciplina Direito da Infância e da Juventude. Para alcançar uma melhor compreensão do assunto é importante que você assista às web-aulas e consulte dicas e complementos sugeridos no decorrer da disciplina. Boa leitura! Objetivo Analisar o direito fundamental à convivência familiar e comu- nitária, abordando a instituição família nas suas mais variadas roupagens. 1. Da Origem da Família Destaque-se que a família é instituição preexistente ao Direito, que pode ser considerada como o primeiro núcleo social, passando por muitas transformações no transcorrer do tempo. Considerada por muitos como base da sociedade, desenvolvendo-se conjuntamente com o próprio ser humano, por essa razão a história da família confunde-se com o próprio desenvolvimento da sociedade, com a passagem do homem pelo estado selvagem, chegando a parâmetros considerados caracterizadores da civilização. Observa-se que a habilidade do ser humano em interferir no mundo que o cerca, aumentando a sofisticação com a qual atuava sobre os objetos naturais, em especial quando deixa de ser nômade e torna- se sedentário, é o paradigma para os primeiros indícios de civilização. Friedrich Engels, na célebre obra A origem da família da propriedade privada e do Estado, segmenta o desenvolver histórico das estruturas da família em quatro diferentes momentos: família consanguínea, família punaluana, família pré-monogâmica, e por fim, a hodierna família monogâmica (ENGELS, 1987). A última etapa, representada pela família monogâmica, tinha como uma das características centrais o patriarcalismo, com o homem sendo a figura central de autoridade ou, como muito bem descreveu Fustel de Coulanges (1961) em outra obra clássica: A Cidade Antiga, que o pai era o patriarca, o sacerdote da religião doméstica, o verdadeiro herdeiro do lar, o continuador da linhagem dos ancestrais e legítimo tronco dos descendentes. Outrossim, pode-se apontar outra característica marcante da família que perdurou durante séculos, essa apontada por Philippe Airés (1981, p. 10): 35 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 Essa família antiga tinha por missão – sentida por todos – a conservação dos bens, a prática comum de um ofício, a ajuda mútua quotidiana num mundo em que um homem, e mais ainda uma mulher isolados não podiam sobreviver, e ainda nos casos de crise, a proteção da honra e das vidas. Ela não tinha função afetiva. [...] o sentimento entre os cônjuges, entre os pais e filhos não era necessário à existência nem ao equilíbrio da família: se ele existisse, tanto melhor. Portanto, a família, durante muito tempo, era patriarcal e hierarquizada, com caráter reprodutivo e produtivo, estando o afeto muito distante de compor o núcleo estrutural do conceito de família. Entretanto, como já dito, a família tem como característica marcante uma constante mutação ao longo do tempo, e sobre o tema, leciona Maria Berenice Dias (2013, p. 28): Esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão de obra, principalmente para desempenhar atividades terciárias. Foi assim que a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família. A estrutura da família se alterou, tornou-se nuclear, restrita ao casal e a sua prole. Acabou a prevalência do seu caráter produtivo e reprodutivo. A família migrou do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação dos seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes. Surge a concepção de família formada por laços afetivos de carinho, de amor. A valorização do afeto nas relações familiares deixou de se limitar apenas ao momento de celebração do matrimônio, devendo perdurar por toda relação. Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo do casamento é o único modo de garantir a dignidade da pessoa. Dessa forma, a família ganha uma nova acepção: não é somente formada por ascendentes, descendentes e não se origina exclusivamente pelo matrimônio. A família atual busca a realização plena dos seus membros, envolvendo mais a afetividade que a propriedade. Nasce assim o conceito de família eudemonista ou família afetiva, que transforma o conceito da família, posto que por esta acepção a família se torna o refúgio das pessoas contra as pressões econômicas, sendo o mais importante a intensidade das relações pessoais entre seus membros (GRIGOLETO, 2004). No que tange ao reflexo dessas transformações sociais no campo da dogmática jurídica do direito pátrio, como já aludido na Unidade I, a constituição Federal de 1988 representou grande avanço na garantia de direitos fundamentais, traduzindo inclusive muitos dos anseios vanguardistas da sociedade da época, albergando conteúdo axiológico voltado para diversos ramos do Direito, dentre eles, pode-se identificar alguns princípios constitucionais relativos à família. 2. Dos Princípios Constitucionais Relativos à Família Primeiramente, reitere-se que, conforme exposto na Unidade I, o Direito da Infância e da Juventude é ramo do Direito plenamente dotado de autonomia, não mais permanecendo incorporado ao Direito de Família. Entretanto, ainda assim, a presente disciplina é transversalmente influenciada por diversos outros ramos da dogmática jurídica, com destaque para o Direito de Família. 36 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 Ademais, a compreensão do hodierno pós-positivismo jurídico é a de que a Constituição Federal expressa um sistema de valores que irradiam por toda a ordem jurídica que lhe é subordinada. Dessa forma, necessário se faz, mas que apenas de passagem, aludirmos aos princípios constitucionais relativos à família. Maria Berenice Dias (2013) traz alguns princípios norteadores dos direitos das famílias, a título exemplificativo, quais sejam: da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e respeito à diferença, da solidariedade familiar, do pluralismo das entidades familiares, da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos, da proibição do retrocesso social, da afetividade. A seguir serão brevemente destacados alguns desses princípios. Primeiramente, destaque-se que a hodierna concepção de dignidade humana tem raízes no pensamento de Immanuel Kant, para quem o ser humano não poderia ser utilizado como meio para ao aprazimento da vontade de outrem, fosse o Estado ou um particular, uma vez que não é um objeto, pelo contrário, o ser humano é um fim em si mesmo, ou seja, um sujeito (KANT, 1996). Importante O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado o principal e mais amplo princípio da Constituição Federal de 1988, um superprincípio, pois, na verdade, é um atributo ine- rente à condição do ser humano, preexistindo ao próprio texto constitucional, que meramente a declara e não o cria ou institui, mas o designa como eixo e norte do Estado. Sua positivação como um dos fundamentos do Brasil é resultado do fato de que a teoria dos direitos fundamentais está situada no âmago das constituições dos Estados Democráticos de Direitos e, com o estabelecimento do Estadodo Bem Estar Social, busca garantir as condições basilares para o adequado desenvolvimento do in- divíduo, em especial pela garantia e efetivação de direitos. O homem, enquanto ser com capacidade de autodeterminação, não poderá ser de forma alguma apenas um meio para a utilização discricionária submetida a quaisquer vontades de outrem. A dignidade é valor incomensurável, que não pode ser instrumentalizado ou fragmentado, e apesar de seus contornos eminentemente históricos, pode ser reivindicada sua observância nos diferentes contextos culturais. Entretanto, como alude Wolfgang Sarlet (2009, p. 44), seu conceito possui “contornos vagos e imprecisos”, posto que: uma conceituação clara do que efetivamente seja esta dignidade, inclusive para efeitos de definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, se revela no mínimo difícil de ser obtida, isto sem falar na questionável (e questionada) viabilidade de se alcançar algum conceito satisfatório, do que, afinal de contas, é e significa a dignidade da pessoa humana hoje. 37 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 Isso não obsta a possibilidade de realizar-se a concretude da dignidade, uma vez que possível é reconhecer situações em que resta agredida, mas não se pode ficar refém de uma análise caso a caso, mesmo porque sempre serão padrões distintos conforme o avaliador. Tanto doutrina como jurisprudência vem formatando traços mínimos para sua delimitação, atentos à sua natureza dinâmica, mas atendendo à necessidade de estabelecer referencial que configure segurança mínima para os sujeitos de direito. No Direito da Infância e da Juventude, importantíssimo destacar a evolução para a atual Doutrina da Proteção Integral, além de que, na concepção que hoje norteia esse ramo jurídico, as crianças e os adolescentes passaram a ser considerados não como meros objetos de tutela, controle ou repressão, mas como sujeitos de direitos. Passando à análise de outro princípio de suma importância, qual seja o da igualdade e respeito à diferença, ou ainda, princípio da isonomia, diga-se que o debate a respeito das possibilidades de tratamento desigual, tanto na formulação legislativa, quanto na aplicação do direito, com o escopo de dirimir as diferenças para promover a equidade, já vem ocorrendo há algum tempo e encontra respaldo e aceitação ampla. A máxima de que os iguais devem ser tratados igualmente, enquanto que os desiguais desigualmente, na medida das suas desigualdades, ideia desenvolvida inclusive por Rui Barbosa no discurso Oração aos Moços no ano de 1920, tem respeitado respaldo científico. Para Alexy (2008, p. 408), a “necessidade de se fornecer uma razão suficiente que justifique a admissibilidade de uma diferenciação significa que, se uma tal razão não existe, é obrigatório um tratamento igual”, é o que parte da doutrina pátria chamada de discriminação positiva, que somente terá razão de existir quando inequívoca sua necessidade reparatória. A igualdade de todos perante a lei será entendida como isonomia formal, aquela horizontal, que reconhecerá, por exemplo, uma tutela generalista mínima, ou ainda, muito comumente, penalizações sem distinções, para não haver ônus desproporcional ou privilégios. Já o tratamento diferenciado será denomina de isonomia material, que atenta em respaldar certos valores e direitos de pessoas ou grupos, os quais necessitam de protetividade especial. Exemplo de aplicação da lógica da isonomia material são as ações afirmativas, realizadas pelo Estado com objetivo de combater as desigualdades sociais resultantes de processos segregatórios e discriminatórios, dirigindo-se a setores considerados em situação de vulnerabilidade historicamente construída, por isso compreendida como política compensatória que visa à consecução da justiça social. Ora, conforme a evolução histórica vista na Unidade I, bem como a assunção da Doutrina da Proteção Integral como baluarte dos direitos infantojuvenis no Brasil, como foi delineado na Unidade II, além do princípio da prioridade absoluta, por óbvio, que a isonomia material permeia todo o Direito da Infância e da Juventude, com o escopo de dar protetividade mais adequada aos infantes. 38 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 Importante Outro princípio de indiscutível relevância é o da proibição do retrocesso social, significando que uma vez consagrado no texto constitucional determinado direito que traduz certo alcance so- cial, resta impossibilitada a diminuição ou retrocesso dessa am- plitude de protetividade. A respeito da sua repercussão à seara jurídica ora estudada (DIAS, 2013, p. 71 – 72): A Constituição Federal, ao garantir especial proteção à família, estabeleceu as diretrizes do direito das famílias em grandes eixos, a saber: (a) a igualdade entre homens e mulheres na convivência familiar; (b) o pluralismo das entidades familiares merecedoras de proteção; e (c) o tratamento igualitário entre todos os filhos. Essas normas, por serem direito subjetivo com garantia constitucional, servem de obstáculo a que se operem retrocessos sociais, o que configuraria verdadeiro desrespeito às regras constitucionais. (…) A partir do momento em que o Estado, em sede constitucional, garante direitos sociais, a realização desses direitos não se constitui somente em uma obrigação positiva. Por fim, atente-se ao princípio da afetividade, de basilar importância não só para o Direito de Família, mas permeia diversos dispositivos constitucionais pertinentes ao Direito da Infância e da Juventude, in verbis (DIAS, 2013, p. 73): O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais. O sentimento de solidariedade recíproca não pode ser perturbado pela preponderância de interesses patrimoniais. É o salto da pessoa humana nas relações familiares, como diz Paulo Lôbo, que identifica na Constituição quatro fundamentos essenciais do princípio da afetividade: (a) a igualdade de todos os filhos independentemente da origem (CF 227 § 6º); (b) a adoção, como escolha afetiva com igualdade de direitos (CF 227 §§5º e 6º); (c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo adotivos, com a mesma dignidade da família (CF 226 §4º); e (d) o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança, do adolescente e do jovem (CCF 227). O referido princípio é consequência da mudança de paradigma quanto à família na contemporaneidade e sob a nova ótica constitucional, uma vez que foi instalado valor jurídico ao afeto, intimamente atrelado ao pluralismo das entidades familiares, respeito às diferenças e diversidades, uma vez que hodiernamente a convivência familiar sobrepõe-se aos meros laços de sangue, posto que o afeto não é fruto de caracteres biológicos, ganhando central atenção as relações de sentimento entre os membros da família e, por consequência, suas funções afetivas (DIAS, 2013). 39 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 3. Noção Atual de Família Natural Como visto no tópico anterior, em citação da professora Maria Berenice dias, a família adquiriu, nos tempos atuais, uma dimensão muito mais concentrada, ou seja, dimensão de família nuclear, como se pode observar no próprio ECA, mais precisamente em seu Art. 25, que traz a definição de família natural como a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Essa foi uma verdadeira alteração dos antigos paradigmas e, desse modo, passou-se a não mais privilegiar a existência de laços jurídicos entre os pais para definir a situação jurídica dos filhos. Expressões como família legítima (formada pelos sagrados laços do matrimônio) e ilegítima (todas as demais sem casamento civil)perderam significado, pois a Constituição Federal de 1988, no Art. 226, reconheceu como formadora de entidade familiar tanto o casamento como a união estável, definindo ainda a família monoparental. Ademais, o afeto torna-se elemento indispensável não só na formação familiar, como também nas relações entre pais e filhos que se asseveram na convivência constante e espontânea. Do exposto, podemos nomear diversos tipos de famílias existentes, de forma meramente exemplificativa, pois não podemos ignorar a peculiaridade mutante da família: ▪ Família matrimonial: formada pelo casamento civil; ▪ Família não matrimonial: formada por todos os casos onde não há casamento civil, como é o caso da união estável; ▪ Família monoparental: formada por um dos pais com a sua descendência; ▪ Família substituta: formada pelos institutos da guarda, tutela e adoção; ▪ Família natural: formada pelos pais ou um deles com seus filhos biológicos; ▪ Família socioafetiva ou eudemonista: o mais novo tipo de família que privilegia os laços afetivos em detrimento dos laços consanguíneos, como é o caso de relação de afeto existente entre padrasto ou madrasta com seus enteados. Por conseguinte, consideráveis alterações ocorreram com a concepção de família, razão pela qual nos tempos hodiernos existe maior variabilidade das formações sociais consideradas como família, devendo ser respeitadas essas diversas concepções, sendo incumbência do Estado garantir e efetivar os diversos direitos pertinentes a esse segmento social. Ainda a esse respeito (MACIEL, 2010, p. 72): Sob a perspectiva de que o núcleo fundamental da família é o afeto e que as pessoas que a compõem devem ser respeitadas em suas individualidades e dignidade, uma realidade social de relacionamento afetivo estável tem sido alvo de discussões acirradas na doutrina, na jurisprudência, e em projetos de Lei. É o caso das uniões homoafetivas. 40 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 Sobre o tema, destaque-se que em 2011, no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4277, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela possibilidade da união entre pessoas do mesmo sexo, com relatoria do Ministro Ayres Britto, com base num método hermenêutico construtivista. O STF entendeu pela “proibição de discriminação das pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de cada qual deles”, além de que “a constituição federal não empresta ao substantivo ‘família’ nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica”, ademais, “A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu Art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas, por fim, “Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do Art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de ‘interpretação conforme a Constituição’. (in: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635). Ora, como foi dito, a CF/88 mudou diversos paradigmas, e a Corte Constitucional do Brasil tem atuado de maneira a manter vivo o texto constitucional, atenta às demandas sociais. Se restam contempladas diversas concepções de família, da mesma forma, impossibilitada está a discriminação entre os filhos, tanto é assim que, em seu Art. 227, a CF/88 dispõe: “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibindo-se quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Desse modo, trouxe uma isonomia total entre os filhos, sejam biológicos, adotivos ou havidos por inseminação artificial homóloga ou heteróloga. Assim, em consonância com o Princípio da Isonomia entre os Filhos, a Lei nº 8.560/1992, regulamentadora da investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, em seus Arts. 5º e 6º, proíbe expressamente que conste do registro de nascimento qualquer referência à natureza da filiação, indícios de a concepção haver sido decorrente de relação sexual ou inseminação artificial, conjugal ou extraconjugal ou, ainda, menção ao estado civil dos pais. É claro que, no cerne desta isonomia, diversos direitos foram conferidos aos filhos, até mesmo independentemente da representação ou assistência de seus pais ou de um deles ou de qualquer representante legal, como guardião ou tutor. 41 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 4. Colocação em Família Substituta: Guarda, Tutela e Adoção. Importante Dentre os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, en- contra-se o direito à convivência familiar e comunitária, con- forme disposto no Art. 19 do ECA: Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. § 1o Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. Pode-se inferir que o direito à convivência familiar constitui-se na garantia proporcionada às crianças e adolescentes de ter segurança em um ambiente saudável e rodeada de pessoas que lhe proporcionem os cuidados necessários, indispensáveis para a manutenção da integridade física e emocional e o adequado desenvolvimento dos infantos. Assim, ser criado e educado no seio de uma família deve representar para criança ou adolescente estar integrado a um núcleo de cuidado, respeito e proteção, componentes indispensáveis para a formação de um ser humano saudável. Entretanto, existem situações em que, conforme consta no Art. 19 do ECA supratranscrito, excepcionalmente, comprovada a impossibilidade de manutenção da criança ou do adolescente no seio de sua família biológica, cabe ao Estado oferecer condições para que a criança ou o adolescente seja colocado em uma família substituta, através de guarda, tutela ou adoção, pois a convivência familiar constitui direito fundamental, sendo indispensável para sua plena formação como pessoa. A colocação em família substituta será regulada conforme os Arts. 28 ao 32 do ECA. Segundo no Art. 28, § 1º, do Estatuto, “sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada”. Quando se refere ao maior de 12 (doze) anos de idade, ou seja, adolescente, o Estatuto, no Art. 28, 42 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 § 2º, diz que será necessário o consentimento do mesmo para a sua colocação em família substituta, seja na forma de guarda, tutela ou adoção, e que tal consentimento será colhido em audiência, com a participação do Juiz da Infância e da Juventude e do Ministério Público. Conforme é destacado pelo § 3º do Art. 28, ECA: “na apreciação do pedido de colocação em família substituta levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida”. Buscando não desmembrar os grupos de irmãos, ressalta o ECA, no § 4º doArt. 28, que serão colocados: sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. Entretanto, antes do deferimento da guarda, tutela ou adoção, conforme o § 5º do Art. 28, ECA: a colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. Importante É importante destacar ainda que, segundo o Estatuto, Art. 28, § 6º, incisos de I a III: em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal; que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; e que ocorra a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso. Somente respeitando tais pressupostos é que podemos compreender a “família substituta como aquela que se propõe a trazer para dentro dos umbrais do próprio lar uma criança ou um adolescente que por qualquer circunstância foi desprovido da família natural, para que faça parte integrante desta, e que nela se desenvolva e seja família substituta como aquela que se propõe a trazer para dentro dos umbrais 43 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 do próprio lar uma criança ou um adolescente que por qualquer circunstância foi desprovido da família natural, para que faça parte integrante desta […]” (VELÁSQUEZ, 2003, p. 34), servindo-se da estabilidade emocional proporcionada por um lar estável. Assim, ao assumir a posição de substituta, a família que receber esta criança ou adolescente em seu lar e detiver poder familiar assumirá todos os deveres e direitos inerentes à família biológica contidos no Art. 1.634 do CC, quais sejam: ▪ dirigir-lhes a criação e educação; ▪ tê-los em sua companhia e guarda; conceder-lhes ou negar-lhes o consentimento para casar; ▪ nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não sobreviver, ou, sobrevivo, não puder exercer o poder familiar; ▪ representá-los, até os 16 anos, nos atos da vida civil e assistindo-lhes após esta idade nos atos em que forem parte, suprindo-lhes o consentimento; ▪ reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; ▪ exigir que lhes prestem obediência, respeito e os próprios de sua idade e condição. Mas vale salientar que o poder de ingerência na vida da criança ou do adolescente será maior ou menor a depender da forma de colocação em família substituta (guarda, tutela ou adoção), conforme será esmiuçado nas Unidades vindouras. 44 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 Conversando Finaliza-se aqui a 3ª unidade da disciplina do Direito da Infância e da Juventude. Agora, acesse sua web-aula, lá se encontram disponíveis vídeos, textos complementares e um quiz acerca do conteúdo da unidade. Lembre-se que você conta com o apoio do ambiente virtual para esclarecer dúvidas e participar de discussões. Bons estudos! Referências ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. COULANGES, Numa-Denis Fustel de. A cidade antiga. Traduzido por Frederico Ozanam Pessoa de Barros. Ebooks Brasil. Fonte Digital: São Paulo: Editora das Américas, 1961. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribu- nais, 2013. ENGELS, Friedrich. A origem da família da propriedade privada e do Estado. 1. ed. Tra- dução de Leandro Konder. São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 1987. GRIGOLETO, Juliane Mayer. Aspectos conjunturais da adoção de crianças por homos- sexuais. 2004. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/6502/aspectos-conjunturais-da-a- docao-de-criancas-por-homossexuais>. Acessado em 16 de setembro de 2014. ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e jurisprudência. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2014. 45 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura e outros textos filosóficos. Traduzido por Vale- rio Rohden, Udo Baldur Moosburgeer e Nova Cultural. 6. ed. São Paulo: Nova Cultura, 1996. MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4.ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010. ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Editora Guana- bara, 1981. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: Uma abordagem psicanalítica. Belo Hori- zonte: Del Rey, 2003. 46 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 Créditos Núcleo de Educação a Distância O assunto estudado por você nessa disciplina foi planejado pelo professor conteudista, que é o responsável pela produção de conteúdo didático, e foi desenvolvido e implementado por uma equipe composta por profissionais de diversas áreas, com o objetivo de apoiar e facilitar o processo ensino- aprendizagem. Roteiro de Áudio e Vídeo José Glauber Peixoto Rocha Produção de Áudio e Vídeo José Moreira de Sousa Identidade Visual / Arte Francisco Cristiano Lopes de Sousa Viviane Cláudia Paiva Ramos Programação / Implementação Jorge Augusto Fortes Moura Coordenação do Núcleo de Educação a Distância Lana Paula Crivelaro Monteiro de Almeida Supervisão Administrativa Denise de Castro Gomes Produção de Conteúdo Didático Anarda Pinheiro Araújo Ana Paula Araújo de Holanda Cláudio Alcântara Meireles Júnior Diane Espindola Freire Maia Design Instrucional Andrea Chagas Alves de Almeida Projeto Instrucional Bárbara Mota Barros Editoração Camila Duarte do Nascimento Moreira Revisão Gramatical Luís Carlos de Oliveira Sousa 47 Direito da Infância e da Juventude - Unidade 03 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. VELÁSQUEZ, Miguel Granato. Direitos humanos de crianças e adolescentes. Rio Grande do Sul, 2003. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?doc- TP=AC&docID=628635. Acesso em: 20 de mar. De 2015. Anotações
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