Buscar

Artigo Sucessões.

Prévia do material em texto

A exclusão por indignidade do herdeiro incapaz
Elcio Antonio Garcia Junior
Resumo: O presente artigo científico busca ilustrar o instituto da exclusão da herança por indignidade do herdeiro incapaz. A relevância deste trabalho acadêmico justifica-se pela gravidade dos efeitos da sentença declaratória que torna o herdeiro indigno e por tanto lhe retirando o seu quinhão hereditário. O objetivo geral consiste em verificar os critérios gerais sobre a exclusão do herdeiro incapaz. Enquanto os específicos têm-se: estabelecer em que circunstancias o instituto da exclusão deverá ser utilizado; demonstrar os fundamentos de tal instituto e ainda detalhar os efeitos em que incorrerá o herdeiro, se considerado indigno. O método de pesquisa utilizado é o hipotético dedutivo, baseado em análise bibliográfica primaria e secundaria. Correlacionando com as disciplinas de Direito das Sucessões e Direito Penal. 
Palavras chave: Herança. Exclusão. Incapacidade 
Introdução
	
O presente artigo busca estudar as causas de exclusão por indignidade em relação aos atos cometidos pelo herdeiro incapaz.
A escolha do tema se deve primeiramente ao fato do assunto ser de grande controvérsia no mundo jurídico. Tal assunto ficou muito evidenciado no Brasil após casos polêmicos como o de Suzane Von Richthofen. No caso citado é ré foi excluída da herança pelo fato de ser capaz e condenada criminalmente pela morte dos pais. E se Suzane fosse incapaz? Pelo fato da incapacidade não ser punível na esfera criminal, ocorreria a exclusão da sucessão? Incidirá sobre o herdeiro incapaz os efeitos da indignidade?
A importância deste estudo justifica-se em função das graves conseqüências que a exclusão por indignidade traz ao herdeiro, pois quando se é declarado indigno será impedido de receber a parte da herança que lhe fora incumbido. A lei procurou ser taxativa nos casos em que ocorre a exclusão, listando todos no artigo 1814 do código civil,
O objetivo geral consiste em verificar os critérios da exclusão por indignidade do herdeiro incapaz suscitando qual seria a corrente majoritária da justiça brasileira nos casos em que o autor do homicídio é o herdeiro.
O método de pesquisa utilizado é o teórico dedutivo, baseado em análise bibliográfica primária e secundária. Correlacionando as disciplinas: Direito das Sucessões e Direito Penal. Justifica-se pelo anseio da sociedade em saber se o herdeiro incapaz poderá ser declarado indigno a receber sua parte da herança e pela incoerência do ordenamento em estabelecer uma definição para a confusa relação da capacidade, que ocorre na exclusão por indignidade.
A indignidade.
Num primeiro momento se torna necessário uma apresentação sobre a “indignidade”, pois o próprio código se refere às causas de exclusão da herança como causa de indignidade do herdeiro sobre a pessoa que morreu. 
A “indignidade” é utilizada como uma pena, uma sanção na esfera civil. Tal sanção irá acarretar na privação do direito do herdeiro ou do legatário que cometeu atos de índole criminosa, ofensiva ou reprováveis, enumerados taxativamente em lei, contra a vida ou a honra.
O instituto da indignidade tem sua origem no Direito Romano, onde o herdeiro declarado como indigno tinha a quota-parte do direito transferida ao Fisco. Importante ressaltar que a herança lhe era devolvida, entretanto a lei o privava do direito hereditário do qual o indigno era detentor. O Direito Contemporâneo buscou tratar desse assunto utilizando as bases do Direito Romano adotando ainda, o entendimento de que herdeiro ou legatário declarado indigno é tido como inexistente na sucessão.
 Vale ressaltar que a exclusão da herança por indignidade não se confunde com a falta de legitimidade. A falta de legitimidade está relacionada à aptidão de uma pessoa para receber a sua cota parte na herança. Quanto à exclusão abrange a perda do direito à herança, o que denota que o individuo foi legitimado para suceder, porém houve uma indagação sobre sua condição como herdeiro, observando os atos que praticou, levando a não mais ser considerado digno a suceder.
A sucessão hereditária é baseada na afeição de fato ou presumida do autor da herança sobre seus sucessores necessários ou legatários. Daí que deriva a idéia de que se o sucessor demonstra a falta de afeição ou ingratidão, cometendo atos contra o autor da herança, nada mais justo que lhe seja retirado o direito de suceder. Renomados autores defendem essa idéia, como Maria Helena Diniz, que em seu livro de Direito Civil afirma: “o fundamento ético da indignidade, pois repugna à ordem jurídica como à moral que alguém venha auferir vantagem do patrimônio da pessoa que ofendeu” . Vale Acrescentar as palavras de Orlando Gomes que diz “o fundamento da indignidade encontra-se, para alguns, na presumida vontade do de cujus, que excluiria o herdeiro se houvesse feito declaração de última vontade” .[2: DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010][3: GOMES, Orlando. Sucessões. 15ª Ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012.]
Portanto a função do instituto da indignidade é privar qualquer vantagem patrimonial que possa obter um individuo que ilude os princípios da sociedade e do ordenamento jurídico ao intentar contra vida, honra ou liberdade do autor da sucessão, pois tal ato é notadamente imoral e afronta toda e qualquer afeição que o autor da herança poderia ter a seu sucessor.
As hipóteses de exclusão
O Código Civil de 2002 ao abordar a questão da exclusão apresenta um rol taxativo de hipóteses, quais são: Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Como dito anteriormente, os preceitos acima mencionados tem um caráter de sanção civil, impedindo que os herdeiros tenham direito a herança.
Dessa forma é indiscutível que se um dos herdeiros for autor de homicídio doloso ou de tentativa contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, será imputada a ele como penalidade a exclusão da sucessão, após o devido processo legal com a propositura da ação no prazo decadencial de 04 anos (art. 1815, Parágrafo único, CC), contados da abertura da sucessão.
A exclusão irá acarretar conseqüências, que também estão prevista no código civil, quais são: a) os descendentes do excluído sucedem, por representação, como se o indigno já fosse falecido à data da sucessão (art. 1816, CC); b) efeitos ex tunc da sentença, assim o indigno deverá restituir os frutos e os rendimentos percebidos (art. 1817, parágrafo único, CC), equiparando-se ao possuidor de má-fé, salvo eventuais direitos de terceiros de boa-fé que com ele contrataram.
A lei também admitirá a reabilitação do herdeiro indigno á herança. O artigo 1.818 do Código Civil diz: “Será admitido à herança o sucessível que, havendo incorrido em indignidade, foi perdoado pelo autor da sucessão, por ato autêntico, ou testamento”. Dessa forma o indigno poderá receber a herança desde que o autor o reabilite por ato autêntico ou ato de disposição de última vontade contida em cédula testamentária. O parágrafo único do artigo citado irá especificar como deverá ser o ato que reabilita o herdeiro: “A lei impõe ao ofendido a declaração expressa em testamento ou ato autêntico, como escritura pública, de que, apesar da ofensa recebida, o ofensor deve ser chamado a gozar os benefícios da sucessão”
A reabilitação do indigno é irretratável. Dessa forma uma vez declarada subsiste mesmo que o testamento seja revogado ou tenha se tornado inexequível. Porém é possívela impugnação da cédula testamentária por vício de vontade: erro, dolo ou coação.
Destarte a exclusão é um instituto taxativo que acarretará em sérias consequências ao herdeiro, podendo este ser reabilitado se o autor da herança assim deixar expresso. 
 O incapaz
A incapacidade jurídica é um instituto que está definido no código civil, podendo ela ser absoluta ou relativa: Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Contudo o fato da pessoa ser incapaz pode acarretar consequências em vários outros ramos do direito, como o direito penal. A indignidade se configura com o cometimento de certos delitos que são penalizados na esfera criminal e também expressos no âmbito civil. Crimes contra a vida, contra a honra e a liberdade possuem tipificações únicas no código penal, cada uma com sua pena respectiva.
Grande parte dos doutrinadores defende o conceito analítico do crime. De acordo com esse conceito o crime se divide em fato típico, antijurídico e culpável. Assim o crime não só se fundamenta no cometimento do ato, mas em uma sequência de requisitos, sendo a incapacidade jurídica fundamental para que ocorra a culpabilidade do infrator. Segundo Rogério Greco: Nos moldes da concepção trazida pelo finalismo de welzel, a culpabilidade é composta pelos seguintes elementos normativos:
Imputabilidade;
Potencial consciência sobre a ilicitude do fato; 
Exigibilidade de conduta diversa;
(...) Para que o agente possa ser responsabilizado pelo fato típico e ilícito por ele cometido é preciso que seja imputável. A imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente.[4: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, vol. 1. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2005.]
O código penal expõe as hipóteses que conduzem à inimputabilidade:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (...)
Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
Portanto pela lei o menor de 18 anos não poderá sofrer sanção penal, não se configurando crime. O Estatuto da Criança e Adolescente prevê que o menor responderá um ato infracional, em que a pena é uma medida alternativa.
Uma parte da doutrina tenta justificar que os incapazes que cometem algumas das hipóteses da exclusão da herança, poderão se beneficiar pelo fato de ser inimputável no âmbito criminal. Afirmam que por não responderem pelo crime, poderiam continuar sendo herdeiros. Segundo Orlando Gomes “Quando falta à imputabilidade não há indignidade” (Gomes, 2012: 32) 
A parte majoritária acredita na idéia de que independente da condenação da esfera criminal haverá a exclusão da herança. Vale ressaltar as palavras de Silvio de Salvo Venosa “A Inimputabilidade, que no juízo criminal afasta a punição, deve ser vista aqui cum granum salis, isto é, com reservas. O menor de 18 anos é inimputável, mas não seria moral, sob qualquer hipótese, que um parricida ou matricida adolescente pudesse se beneficiar de sua menoridade para concorrer na herança do pai que matou. E não são poucos os infelizes exemplos que ora e vez surgem nos noticiário.” [5: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 7ªEd. São Paulo: Editora Atlas, 2007. ]
A partir desse ponto, se torna impossível a não exclusão do herdeiro. Independentemente da condenação criminal, o ato cometido ainda é reprovável, demonstrando que o herdeiro não possui nenhuma afeição pelo autor da herança. Como já foi dito, a sucessão hereditária se baseia na afeição de fato ou presumida do autor da herança sobre seus sucessores. Qualquer indício da falta de afeição demonstra que o herdeiro não é digno de receber a sua cota parte. Dessa forma, se preenchidos os requisitos tipificados no artigo 1.814 do Código Civil a exclusão irá ocorrer, independente da responsabilidade criminal do infrator. A exceção só ocorre quando há a absolvição no âmbito criminal do herdeiro, pois se este for absolvido não poderá ser considerado indigno.
Portanto a incapacidade e a inimputabilidade do agente que atenta contra o autor da herança, não poderá excluir o processo de indignidade. Haja visto que se houver a absolvição do agente no processo criminal, não poderá ocorrer a exclusão deste da herança a que tem direito. 
Conclusão
  A indignidade é sanção imposta ao individuo que comete algum delito contra o autor da herança ou seus familiares. Posto isso cabe fazer a seguinte indagação: é admissível que um indivíduo incapaz, que cometa algum crime contra o autor da herança,  receba alguma vantagem patrimonial em decorrência da morte da vitima? De acordo com os argumentos de autores como Silvio de Salvo Venosa, é inadmissível pela sociedade que o autor de qualquer ato que demonstre ingratidão em relação ao autor da herança, receba qualquer “beneficio” em decorrência de seu falecimento.
Diante ao exposto, vale ressaltar que a capacidade questionada é a capacidade civil e não a penal uma vez que a indignidade se trata de uma sanção cível. Portanto a inimputabilidade, que é um instituto do Direito Penal, não poderá por fim a exclusão da herança. Sendo provada a intenção de lesar o autor da herança ou seus familiares, tem-se o primeiro pressuposto da indignidade, que após o devido processo de exclusão, cominará na restrição do direito a herança.
A indignidade aplicada ao herdeiro incapaz é possível, desde que seja provada a intenção do agente, passando o juiz a analisar o fato, aplicando o principio da razoabilidade, decidindo se o agente teve o discernimento necessário no momento do ato e se este poderia prejudicar o autor da herança.
   
Bibliografia
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva 2010
GOMES, Orlando. Sucessões. 15ª Ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, vol. 1. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2005.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 7ªEd. São Paulo: Editora Atlas, 2007.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civl: Direito de Família e das Sucessões. Vol. 5. 4ª ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 496.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 5ª ed., São Paulo: RT, 2005. 
TATURCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando.  Direito Civil – Direito das Sucessões. 4ª ed. vol. 6. São Paulo: ed. Método. 2011.

Continue navegando