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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP INSTITUTO DE CIENCIAS SOCIAIS E COMUNICAÇÃO – ICSC CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS História Econômica Geral Campinas, SP 2017 1 1. Origens, natureza e evolução da ciência econômica Podemos distinguir pelo menos duas visões diferentes sobre a origem, a evolução e a natureza da ciência econômica. A primeira delas considera que não é possível identificar uma origem precisa, pois ela foi se formando gradativamente pela acumulação positiva de conhecimentos, cada vez mais amplos e verdadeiros, superando controvérsias, de modo que foi se formando uma única ciência econômica verdadeira. A segunda visão considera que a ciência econômica, entendida como um conhecimento metódico de um objeto específico, só teve início com a formação da economia capitalista, pela razão de que a existência e o domínio do capital na produção de mercadorias introduzem mudanças fundamentais na economia, especialmente nas relações de trabalho, conferindo-lhe nova finalidade, a do lucro e a da valorização do capital e não mais a produção de bens e serviços para satisfazer as necessidades humanas. De acordo com esta segunda visão, antes do capitalismo, as ideias relativas à economia não formavam um corpo sistematizado de conhecimentos sobre um princípio explicativo central da economia, mas representavam apenas proposições sobre fatos ou elementos particulares e estavam inseridos em outros discursos “científicos”, como a moral, a filosofia, o direito e a política. No entanto, esses conhecimentos não formavam uma ciência, no sentido de serem produzidos de acordo com um método, nem se referiam a um objeto específico, com vida própria. Estas duas visões sobre a origem da ciência econômica, por sua vez, fundamentam, também, duas visões diferentes sobre sua evolução. A primeira, seguindo uma visão convencional, sustenta uma evolução linear, uma acumulação progressiva e positiva do conhecimento, cada vez mais abrangente e mais verdadeiro sobre a realidade econômica. A segunda, inspirada em Schumpeter1, afirma que a ciência econômica não progride de modo uniforme e linear, mas por saltos, momentos de revolução, de consolidação e de dominação de teorias, seguidos de momentos de crises e novas revoluções no pensamento econômico. Segundo Schumpeter (1964:25): A análise científica não é simplesmente um processo logicamente consistente que se inicia com algumas noções primitivas que se adicionam linearmente a um conjunto preexistente. (...) Mais exatamente, é uma incessante luta com criações de nosso próprio espírito e o de nossos predecessores e progride – quando o faz – em ziguezague, não como uma lógica, mas como um impacto de novas idéias, observações ou necessidades, e também segundo as propensões e temperamento de novos homens. De acordo com esta última perspectiva, a ciência econômica já surge como uma ciência moderna, entre 1750 e 1780, a partir da consolidação e domínio da economia política clássica, que perdurou até 1850, quando se instaurou um período de crise. Dentro deste período maior, que vai de 1750 a 1850, cabe destacar o subperíodo de 1815 a 1845, por ser 1 - Schumpeter = Joseph Alois Schumpeter (nasceu em Triesch, 8 de fevereiro de 1883 – faleceu em— Taconic, Connecticut, 8 de janeiro de 1950) foi um economista e cientista político austríaco. É considerado um dos mais importantes economistas da primeira metade do século XX, e foi um dos primeiros a considerar as inovações tecnológicas como motor do desenvolvimento capitalista. Além disso, marcou profundamente a história da reflexão política com sua teoria democrática a qual redefiniu o sentido de democracia, tida como uma simples maneira de gerar uma minoria governante legítima, ou seja, uma definição procedimental que passa a ser a base de diversas concepções posteriores. 2 uma época de crise e ao mesmo tempo muito rica para o pensamento econômico, onde se confrontou diversas correntes, como o socialismo utópico. Os fiéis seguidores de Ricardo, os anti-ricardianos, os socialistas ricardianos, a antiga escola histórica alemã e os primeiros representantes da revolução marginalista. Na década de 1870, surge a revolução marginalista e neoclássica, que domina até a década de 1920, quando entra em profunda crise. Na década de 1930, se afirma a revolução keynesiana, uma revolução teórica, logo abortada, pois que de imediato foi subsumida na “síntese neoclássica” realizada por Hicks, que se torna dominante até meados de 1970. Entre os anos 1970 e 1980, instaura-se a crise da “teoria keynesiana” da síntese neoclássica. Depois disso, assistimos à sucessão e ao confronto de várias escolas e teorias, tais como o ressurgimento do monetarismo, a formação da teoria pós-keynesiana, a teoria novo-clássica e a novo-keynesiana, a nova economia institucional e o neo-marxismo, dentre outras correntes de menor expressão acadêmica. No mesmo sentido, de confrontar visões diferentes sobre a origem e evolução da ciência econômica, Arida (2003) também identifica duas concepções sobre a natureza da mesma: a primeira que denomina de ciência rígida (hard science) e a segunda, de ciência flexível (soft science). A visão de ciência rígida valoriza o estágio atual da teoria econômica e não sua história, o que vale é o conhecimento de fronteira e não o do passado, nem o contexto em que o mesmo se originou, pois todos os elementos verdadeiros de teorias antigas estão incorporados na teoria atual. A validade de um texto dura poucos anos. Assim, a história do pensamento econômico só interessa como a história dos erros e das antecipações de futuras teorias. Nesta perspectiva, teríamos apenas uma única teoria econômica verdadeira, que seria a síntese positiva das teorias que se comprovaram verdadeiras ao longo da história. Já a visão de ciência flexível valoriza os clássicos da ciência e os contextos históricos em que as teorias foram inicialmente formuladas. Acentua que é preciso estudar a história da ciência, porque o conhecimento se encontra disperso ao longo do tempo. Assim, teoria e história são indissociáveis, de modo que não se pode entender uma teoria sem estudar sua história. Neste sentido, as teorias atuais são, também, teorias históricas e definitivas. A visão de ciência flexível pressupõe que as matrizes básicas da teoria econômica são de conciliação problemática e se fundamentam em intuições básicas, dificilmente traduzíveis em seu vigor e sentidos originais. Assim, o estudo dos clássicos é indispensável para a compreensão da ciência, além de se constituir como fonte indispensável de novas inspirações e interpretações teóricas. O aprendizado da teoria passa pelo estudo da história do pensamento econômico. Nesta perspectiva, não temos uma única teoria econômica, mas vários paradigmas teóricos, em permanente confronto e competição. Finalizando este tópico, é conveniente lembrar a advertência que fazem Screpanti & Zamagni (1997:9) de não se cair numa dupla tentação: a de reler o passado a partir de uma visão do presente ou de se tentar explicar o presente através de uma visão do passado, ou seja, de se buscar nas teorias antigas uma simples antecipação do presente, ou de explicar estas últimas como resultadas da acumulação positiva de conhecimentos do passado. Nesta análise, importam tanto a evolução das estruturas lógicas das teorias como o contexto de seu surgimento, ou seja, no estudo de uma ciência, 3 deve-se levar em consideração tanto sua história interna como sua história externa. É relevante tratar as teorias atuais como história. 2 - O SURGIMENTO DA MODERNASOCIEDADE ECONÔMICA 2.1 - O Problema Econômico O homem é um ser social, portanto, ele só pode sobreviver em grupos. Graças aos grupos, ele pode dividir tarefas, especializar-se em determinado setor e, com isto, conseguir uma produtividade maior. Trata-se de uma divisão funcional das tarefas, num só esforço por maior eficiência. Com isso ele vai vencendo a luta pela sua sobrevivência. Com o passar do tempo, a divisão do trabalho vai resultar num aumento da produtividade individual. O homem passando a produzir mais do que o estritamente necessário para sobreviver. Por exemplo, Ao plantar trigo, soja, entre outros, ele colhe certa quantidade para consumo, reserva parte para plantar na próxima estação e ainda sobra certa quantidade para comercializar. Com isso vamos chamar esta sobra de EXCEDENTE ECONÔMICO. O Excedente econômico é a quantidade de bens que ultrapassa a quantidade necessária para a sobrevivência dos trabalhadores que a produziram. Havendo excedente, pode-se dizer que uma parcela da população pode deixar de trabalhar diretamente na lavoura desses produtos e dedicar-se a outras atividades, tais como, administração, estudar (pintura, música, etc.) Conclui-se então que para que parte da população deixe o campo produzindo os meios de subsistência é necessário que os que lá ficam produzindo, consigam produzir para ambos, ou seja, terão de gerar um excedente econômico. É nessa fase que surgem os PROBLEMAS (econômicos), isso porque precisamos justificar esta nova situação, ou seja, definir quem vai dedicar-se a produção dos meios de subsistência e quem vai administrar estudar, entre outras atividades. Como justificar esta divisão, que não é mais apenas uma divisão funcional, mas uma divisão apoiada em privilégios. Exemplo: Alguns trabalham mais duramente do que outras e não usufruem totalmente dos frutos de seu trabalho, pois parte é transferida para outros grupos. 2.2 - Problema fundamental: Quem cria o excedente econômico? Quem se apropria do excedente econômico? E finalmente, Com que direitos ele se apropria desse excedente econômico? Com isso fica evidente que uma sociedade com tais características não poderá sobreviver se não conseguir justificar-se diante de seus membros. Portanto, toda organização social precisa legitimar-se. É a partir daqui que surge o conceito de Ideologia. A Ideologia é o conjunto de normas, valores, símbolos, idéias e práticas sociais que procuram justificar as relações econômicas e sociais existentes no interior da sociedade. Portanto, é a visão que a sociedade tem de si mesma. Uma parte importante da IDEOLOGIA é constituída de práticas sociais que, por assim dizer, penetram no sangue sociedade e se tornaram co-extensivas a ela. 4 O grupo dominante tem muitos mecanismos de preservação de seus interesses, que vão desde o domínio do Estado, até de posse de instrumentos menores, mas extremamente eficazes, tais como: Emissoras de Rádios, TVs, jornais (imprensa) e outros. A Ideologia é algo elaborado formalmente pelo grupo dominante como se este estivesse tramando um sistema para subjugar a sociedade. A ideologia é um fenômeno social espontâneo, e não algo produzido para uma visão conspiratória do processo histórico. Ela desempenha funções importantes nas sociedades. A ideologia mantém a coesão social; A ideologia funciona como uma espécie de sistema de dominação. Antes de analisarmos estes dois papéis da ideologia, vamos compará-la, agora, com a ciência. É preciso dizer que ambas (ideologia e ciência) se apresentam a nós sob a forma racional, isto é, apoiadas em argumentação lógica. Mas a ciência encaminha-se para a busca da verdade. Seu universo é o universo das "leis" objetivamente estabelecidas. A ideologia move-se no universo dos "valores". Ora, os valores, tais como se apresentam nas diversas sociedades, estão ligados a grupos de interesses. Os valores não são neutros. Cada sociedade tem um quadro de valores dominantes. O perigo da ideologia é que esta se apresenta com a roupagem de ciência, mas defende determinados interesses e não a "verdade". Ao lado dos conjuntos antes apresentados, podemos acrescentar, agora, o conjunto ideologia. Mas atenção! Este conjunto é de natureza diversa. Você já sabe que ele procura explicar o mundo e a sociedade, mas está ligado a valores. É um sistema de idéias que tende a transformar-se num sistema de crenças, segundo a feliz expressão de Jacques Ellul. Ideologia Na prática a coisa complica-se, porque os conjuntos se sobrepõem. Em muitos casos é praticamente impossível separar ciência de ideologia. Observe o diagrama abaixo Ciência Ideologia Os limites entre ciência e ideologia (bem como entre ciência e tradição) não são claros. Como distinguir entre estes dois campos? Tarefa difícil, senão impossível, porque não existe um lugar "não ideológico" a partir do qual se possa falar cientificamente sobre 5 ideologia. Todo discurso ou qualquer elaboração mais ou menos sistemática pode estar contaminada pela ideologia, mas apresenta-se a nós com foros de ciência. Vamos resumir o que dissemos até agora. A ideologia, para se expressar com eficácia, tende a aglutinar-se num conjunto de idéias. Estas idéias filtram-se até as últimas camadas da pirâmide social e, sorrateiramente, passam a governar o comportamento dos grupos que compõem a sociedade. Embora a ideologia esteja vinculada ao grupo dominante, ela é internalizada pela maioria dos membros da sociedade (pertençam ou não ao grupo dominante). A partir daí, os membros desta sociedade passam a acreditar na retidão das instituições. Apoiado neste sistema de idéias que, agora, se transformou num sistema de crenças, a aceitação da organização social existente torna-se espontânea. Justifica-se o status quo 2 . Por isso mencionamos que uma das funções da ideologia é a coesão social. O que significa isto? Significa que a ideologia, ao tornar mais ou menos uniforme à visão dos diversos grupos que compõem a sociedade, mantém-na unida. Com isto diminui a probabilidade de choques entre grupos que ocupam posições extremamente díspares e evita-se a ruptura do tecido social. A ideologia é uma espécie de projeto da sociedade. Paul Ricoeur dizia que a ideologia desempenha para a sociedade o mesmo papel que a motivação desempenha para a pessoa individual. A pessoa age quando se vê motivada. A sociedade age quando tem um projeto existencial cujas linhas essenciais são perceptíveis na ideologia. A segunda função que atribuímos à ideologia é a função de dominação. Esta função decorre da primeira, porque manter coesa uma sociedade hierarquicamente organizada é possibilitar a dominação de determinados grupos sobre outros. É evidente que não estamos falando aqui de hierarquia funcional. Se a organização hierárquica da sociedade fosse apenas funcional, isto é, se fosse baseada em necessidades objetivas de organização do trabalho, não seria preciso o recurso à ideologia. A justificativa de tal sistema seria científica. Mas não é isso O que ocorre. A organização hierárquica das sociedades conhecidas, em grande parte, baseia-se em privilégios. Alguns grupos se beneficiam com ela, outros não. E tal situação deve aparecer aos olhos de todos (inclusive dos beneficiados) como normal. O sistema ideológico procura conseguir isto. E, nesta tarefa, ele substitui, com vantagens, o uso da força e da violência. Procura dominar pela persuasão 3 . Tenta falar à razão, embora fale muito mais à emoção do que àrazão. É por isso que toda ideologia tende a transformarem-se em slogans, símbolos, afirmações simplistas. O simplismo permite que ela alcance as massas e as pessoas pouco afeitas à análise crítica da realidade. Com isto ela perde em rigor científico, mas ganha em eficácia. A verdade deforma-se, mas este é o preço que se paga pela eficácia do sistema ideológico. A ideologia opõe-se à ciência. Em certo sentido ela é a anticiência. Mas a própria ciência pode ter função ideológica. Isto ocorre quando ela se torna instrumento de dominação nas mãos de determinados grupos. Tão é raro que um grupo, para se legitimar no poder, apele para a ciência. Os tecnocratas são um exemplo claro do que estamos afirmando. É evidente que a economia não fica imune à ideologia. A própria existência de escolas econômicas atesta isto. Até que ponto a economia permanece ciência? Até que ponto ela está contaminada pelo vírus da ideologia? Até que ponto ela é um simples instrumento de defesa de grupos privilegiados? Levantam-se estes problemas sem ter a pretensão de resolvê-los todos. 2 status quo, sta.tus quo =loc (lat) Locução que significa situação inalterada. Var: statu quo. 3 Persuasão, per.su.a.são = sf (lat persuasione) 1 Ato ou efeito de persuadir. 2 Convicção, crença. 3 Polít Método de exercer ação repressiva, por exemplo, pela ostentação de armamentos perante a outra parte. 6 Até agora falamos em abstrato. Na vida diária, como se manifesta a ideologia? Você deve ter percebido que ela desempenha papel importante na sociedade. Portanto, ela é funcional para o sistema que defende. Todas as vezes que sistemas de idéias (ou práticas e símbolos sociais) são instrumentalizados para defender interesses parciais dentro da sociedade, eles podem ser chamados legitimamente de sistemas ideológicos. É sua função dentro da sociedade que caracteriza um sistema de idéias ou um conjunto de práticas sociais como sendo ou não ideológico. Neste sentido: • o sistema jurídico pode ser ideológico e freqüentemente o é; • a religião pode ser ideológica e freqüentemente o é: • a escola pode ser ideológica e freqüentemente o é; • os símbolos pátrios (bandeiras, fardas etc.) podem ser ideológicos e freqüentemente os são. Evitamos a afirmação dogmática de que tais sistemas são· ideologias. Esta interpretação afasta-se da interpretação ortodoxa, mas tem uma razão de ser. A afirmação categórica de que os sistemas antes mencionados são ideologia parece-me um equívoco, porque confunde os níveis epistemológicos 4 . Uma coisa é o estatuto teórico dos sistemas antes mencionados, outra coisa é o papel que cada um deles desempenha no interior da sociedade. Se eles não estiverem a serviço de uma classe ou de um grupo específico, não podem ser classificados como ideologia, pelo menos no sentido em que a definimos. Vamos esclarecer mais um problema. Segundo nossa definição, ideologia é qualquer estrutura de pensamento ligada ao grupo dominante. Contudo, há sistemas de idéias com as mesmas características da ideologia, mas não ligados ao grupo dominante. A esses sistemas ligados aos grupos que contestam a validade das instituições e as relações sociais e econômicas existentes na sociedade chamaremos utopias, usando a mesma terminologia de Karl Mannheim. Ideologia e utopia têm o mesmo estatuto teórico. Só que a ideologia está com o grupo dominante e pretende preservar a sociedade, as utopias estão com os contestadores e pretendem transformá-la. Resumindo: se você leu com atenção este capítulo, deve ter uma noção mais clara do que é ideologia, utopia, ciência e do estatuto teórico destes conceitos, bem como da função que cada um deles exerce na sociedade. Deve ter percebido que não tem sentido a pergunta, "qual a ideologia de seu partido?", "qual a ideologia do PMDB?". Um partido político deve ter (nem sempre o tem) um ideário, um programa. Não pode ter ideologia. Usar o termo ideologia para designar o programa de um partido é desconhecer a ideologia e qual sua função na sociedade. É usar o termo de maneira incorreta. Para terminar, vai aqui uma citação de Joan Robinson 5 : "A economia política sempre foi, em parte, veículo da ideologia dominante em cada período. em parte, método de investigação científica. Cabe ao economista distinguir O que é ideologia do que é ciência." 3 - Feudalismo 3.1 - História 4 Epistemológico, e.pis.te.mo.ló.gi.co = adj (gr epistéme+logo2+ico2) Concernente à epistemologia. Portanto, Epistemologia, e.pis.te.mo.lo.gi.a = sf (gr epistéme+logo 2 +ia 1 ) Filos Teoria ou ciência da origem, natureza e limites do conhecimento. 5 ROBINSON. Joan. Filosofia econômica. Rio de Janeiro. Zahar. 1978. Joan Robinson foi uma grande economista inglesa, com grande lucidez para certos pontos relativos a escolas econômicas e para o problema da ideologia. 7 Foi um sistema de organização econômica, política e social baseado nas relações servo- contratuais (servis). Tem suas origens na decadência do Império Romano. Predominou na Europa durante a Idade Média. Segundo o teórico escocês do iluminismo, Lord Kames, o feudalismo é geralmente precedido pelo nomadismo6 e em certas zonas do mundo pode ser sucedido pelo capitalismo. Os senhores feudais conseguiam as terras porque o rei dava- as para eles. Os camponeses cuidavam da agropecuária dos feudos e em troca recebiam o direito à um pedaço de terra para morar e também estavam protegidos dos bárbaros. Quando os servos iam para o manso senhorial, atravessando a ponte, tinham que pagar um pedágio, exceto quando iam cuidar das terras do Senhor Feudal. Com a decadência e a destruição do Império Romano do Ocidente, por volta do século V (de 401 a 500 d.C.), como conseqüência das inúmeras invasões dos povos bárbaros (germânicos) e das más políticas econômicas dos imperadores, várias regiões da Europa passaram a apresentar baixa densidade populacional e baixo desenvolvimento urbano. Isso ocorria devido às mortes provocadas pelas guerras, às doenças e à insegurança existentes logo após o fim do Império Romano. A partir do século V, entra-se na chamada Idade Média, mas o sistema feudal (Feudalismo) somente passa a vigorar em alguns países da Europa Ocidental a partir do século IX, aproximadamente. O esfacelamento do Império Romano do Ocidente e as invasões bárbaras que estavam em diversas regiões da Europa favoreceram sensivelmente as mudanças econômicas e sociais que vão sendo introduzidas, principalmente na Europa Ocidental, e que alteram completamente o sistema de propriedade e de produção característicos da antigüidade. Essas mudanças acabam revelando um novo sistema econômico, político e social que veio a se chamar Feudalismo. O Feudalismo não coincide com o início da Idade Média (século V d.C.), porque esse sistema começa a ser delineado alguns séculos antes do início dessa etapa histórica (mais precisamente, durante o início do século IV), consolidando-se definitivamente ao término do Império Carolíngeo7, no século IX d.C. Resumindo, com a decadência do Império Romano e as invasões bárbaras, os nobres romanos começaram a se afastar das cidades levando consigo camponeses (com medo de serem saqueados ou escravizados). Já na Idade Média, com vários povos bárbaros dominando a Europa Medieval, foi impossível unirem-se entre si e entre os descendentes de nobres romanos, que eram donos de pequenos agrupamentos de terra. E com as reformas culturais ocorridas nesse meio-tempo, começou a surgir a idéia de uma nova economia: o feudalismo. Portanto, as características gerais do feudalismo são: poder descentralizado (nas mãos dos senhores feudais), economiabaseada na agricultura e utilização do trabalho dos servos. Alguns autores escrevem ainda que a Europa iniciou uma profunda reestruturação, marcada por descentralização do poder, ruralização8 e emprego de mão-de-obra servil. Com começo e fim graduais, o sistema feudal tem sua origem mais bem situada na França setentrional dos séculos IX e X e seu desaparecimento no século XVI. Apesar de constituir um sistema fechado, que chega ao fim com a revisão de quase todos os seus valores pelo Renascimento, o feudalismo é um dos alicerces do Estado ocidental 6 Nomadismo = gênero de vida nômade; caráter nômade. 7 Império Carolíngeo = Imperador Carlos Magno (carlovíngio = 1 Referente à segunda dinastia dos reis dos francos, de que o mais famoso foi Carlos Magno. Reinaram de 751 a 987. 2 Do tempo de Carlos Magno. Var: carolíngio, Carolino). 8 Ruralização = Transferência de elementos culturais característicos de sociedades rurais, para o meio urbano. 8 moderno. Os grandes conselhos de reis e de seus feudatários são os ancestrais diretos dos modernos parlamentos. O feudalismo desenvolveu-se num longo período, que engloba a crise do Império Romano a partir do século III, a formação dos Reinos Bárbaros e a desagregação do Império Carolíngeo no século IX. A formação do feudalismo, na Europa Ocidental, envolveu uma série de elementos estruturais, de origem romana e germânica, associados aos fatores conjunturais, num longo período, que engloba a crise do Império Romano a partir do século III, a formação dos Reinos Bárbaros e a desagregação do Império Carolíngeo no século IX. 3.2 - A formação do feudalismo Os feudos tinham a grande influência da igreja em suas vidas. Os germânicos, que foram chamados de bárbaros, ocuparam a Europa Ocidental e para lá levaram seus hábitos, costumes e leis. Ao longo do período entre os séculos V e IX ocorreu a transição entre o Antigo Escravismo e o Feudalismo. Nesse período, o comércio, já decadente desde a crise do Império Romano do Ocidente, declina ainda mais, em função dos ataques de sarracenos (árabes), magiares (húngaros) e vikings (nórdicos), naquilo que foi denominado de Novas Invasões. As cidades desapareceram ou reduziram suas atividades. Apenas as cidades italianas, como Veneza e Génova, mantém o comércio a longa distância através do mar Mediterrâneo. A economia é agrária, voltada para o consumo. A autoridade central esfacelou-se9 e, na mesma proporção, consolidou-se uma transferência de soberanias, privatizando-se forças militares locais e regionais, a instituição e arrecadação de tributos, a aplicação da justiça, etc. O Feudalismo vem da fusão de duas culturas: a Germânica e a Romana. O elemento principal da cultura Germânica era o Comitatus10, de onde surge a vassalagem. O elemento principal da cultura Romana era o Colonato11. No Mediterrâneo oriental, o Império Romano do Oriente teve continuidade com o nome de Império Bizantino, que desenvolveu um intenso comércio e só desapareceu no século XV, quando sua capital, Constantinopla (hoje Istambul) , foi ocupada pelos turcos. Surgiu também no Oriente um outro império, o Império Árabe, Muçulmano ou Islâmico, que tem sua origem na Arábia no século VII, e se expandiu para o Oriente, ocupando a Pérsia e a Síria, e para o Ocidente, ocupando o Egito e outros países do norte da África, chegando até a Península Ibérica, na Europa. O Império Árabe também desenvolveu intensa atividade comercial. 3.3 – A Sociedade A sociedade feudal era composta por três grupos sociais com status fixo: o clero, a nobreza e os camponeses. Apresentava pouca ascensão social e quase não existia mobilidade social (a Igreja foi uma forma de promoção, de mobilidade). O clero tinha como função oficial rezar. Na prática, exercia grande poder político sobre uma sociedade bastante religiosa, onde o conceito de separação entre a religião e a política era desconhecida. Mantinham a ordem da sociedade evitando, por meio de persuasão e criação de justificativas religiosas, revoltas e contratações camponesas. 9 Esfacelar = Arruinar, estragar, Desfazer-se, corromper-se (instituição, privilégio etc.). 10 Comitatus = Estado de sujeição ou submissão; Escravos. 11 Colonato = Estado de colono, Instituição de colonos. 9 A nobreza (também conhecidas como senhores feudais) tinha como principal função guerrear, além de exercer considerável poder político sobre as demais classes. O Rei lhes cedia terras e estes lhe juravam ajuda militar (relações de suserania12 e vassalagem13). Em outras palavras, na camada superior, os guerreiros - pode-se perceber uma diferença entre nobres e cavaleiros, sendo que os primeiros descendem das principais famílias do período carolíngeo, enquanto que os demais se tornaram proprietários rurais a partir da concessão de extensões de terras oferecidas pelos nobres. Essa relação era bastante comum, fortalecia os laços entre os membros da elite, mesmo por que os cavaleiros se tornavam vassalos e ao mesmo tempo procuravam imitar o comportamento da nobreza tradicional, adotando sua moral e seus valores. Com o passar do tempo a diferenciação entre nobres e cavaleiros foi desaparecendo; preservou-se, no entanto a relação de suserania e vassalagem. Esta relação é eventual, pode existir ou não, dependendo da vontade ou da necessidade das partes, que são sempre dois senhores feudal; ou seja, é uma relação social que envolve membros da mesma camada social, a elite medieval. O termo feudo originariamente significava “benefício”, algo concedido a outro, e que normalmente era terra, daí sua utilização como sinônimo da “propriedade senhorial”. Suserano é o senhor que concede o benefício, enquanto que vassalo é o senhor que recebe o benefício. Esta relação, na verdade bastante complexa, tornou-se fundamental durante a Idade Média e serviu para preservar os privilégios da elite e materializava-se a partir de três atos: a homenagem, a investidura e o juramento de fidelidade. Normalmente o suserano era um grande proprietário rural e que pretende aumentar seu exército e capacidade guerreira, enquanto o vassalo é um homem que necessita de terras e camponeses. Os servos da gleba constituíam a maior parte da população camponesa, eles eram presos à terra e sofriam intensa exploração, eram obrigados a prestarem serviços à nobreza e a pagar-lhes diversos tributos em troca da permissão de uso da terra e de proteção militar. Embora geralmente se considere que a vida dos camponeses fosse miserável, a palavra "escravo" seria imprópria. Para receberem direito à moradia nas terras de seus senhores, assim como entre nobres e reis, juravam-lhe fidelidade e trabalho. Há uma relação direta entre autoridade e posse da terra. O vassalo, ou subordinado, oferece ao senhor, ou suserano, fidelidade e trabalho em troca de proteção e de um lugar no sistema de produção. Os camponeses, que trabalham nas terras dos senhores feudais, são os responsáveis por toda a atividade produtiva do feudo. Além de produzir para seu sustento, deve obrigações a seu senhor, como a corvéia14, que consiste no trabalho gratuito e obrigatório durante três dias da semana. Devem também impostos, que são pagos em produtos ou dinheiro. Os senhores feudais formam a nobreza rural e têm poder para fazer os servos e os camponeses livres cumprirem as normas vigentes. Vive em castelos fortificados, a melhor representação de seu poder civil e militar. Os cavaleiros armados garantem o domínio do senhorio sobre a terra. A sociedade feudal era estática (com pouca mobilidade social) e hierarquizada. A nobreza feudal (cavaleiros, condes, duques, viscondes) era detentora de terras e arrecadavaimpostos dos camponeses. O clero (membros da Igreja Católica) tinha um grande poder, pois era responsável pela proteção espiritual da sociedade. Era isento de impostos e arrecadava o 12 Suserania = Qualidade e Poder de suserano, Território onde o suserano domina. (Como um Rei) 13 Vassalagem = 1 Condição ou estado de vassalo; 2 Tributo a que era obrigado o vassalo perante o senhor feudal de quem dependia; preito, homenagem, tributo, obediência; 3 Estado de sujeição ou submissão; 4 O conjunto das condições ou cláusulas inerentes a esse estado; 5 Grande número de vassalos. 14 Corvéia = 1 Trabalho gratuito que o camponês devia a seu amo ou ao Estado. 2 Tarefa fatigante. 10 dízimo. A terceira camada da sociedade era formada pelos servos (camponeses) e pequenos artesãos. Utilizando os conceitos predominantes hoje, podemos dizer que, o trabalho, o esforço, a competência e etc., eram características que não podiam alterar a condição social de um homem. O senhor era o proprietário dos meios de produção, enquanto os servos representavam a grande massa de camponeses que produziam a riqueza social. Porém podiam existir outras situações: a mais importante era o clérigo. Afinal o clero é uma classe social ou não? O clero possuía grande importância no mundo feudal, cumprindo um papel específico em termos de religião, de formação social, moral e ideológica. No entanto esse papel do clero é definido pela hierarquia da Igreja, quer dizer, pelo Alto Clero, que por sua vez é formado por membros da nobreza feudal. Originariamente o clero não é uma classe social, pois seus membros ou são de origem senhorial (alto clero) ou servil (baixo clero). A maioria dos livros de história retrata a divisão desta sociedade segundo as palavras do Bispo Adalberon de Leon: “na sociedade alguns rezam, outros guerreiam e outros trabalham, onde todos formam um conjunto inseparável e o trabalho de uns permite o trabalho dos outros dois e cada qual por sua vez presta seu apoio aos outros” Para o bispo, o conjunto de servos é “uma raça de infelizes que nada podem obter sem sofrimento”. Percebe-se o discurso da Igreja como uma tentativa de interpretar a situação social e ao mesmo tempo justificá-la, preservando-a. Nesta sociedade, cada camada tem sua função e, portanto deve obedecê-la como vontade divina. 3.4 - O poder No mundo feudal não existiu uma estrutura de poder centralizada. Não existe a noção de Estado ou mesmo de nação. Portanto consideramos o poder como localizado, ou seja, existente em cada feudo. Apesar da autonomia na administração da justiça em cada feudo, existiam dois elementos limitadores do poder senhorial. O primeiro é a própria ordem vassálica, onde o vassalo deve fidelidade a seu suserano; o segundo é a influência da Igreja Católica, única instituição centralizada, que ditava as normas de comportamento social na época, fazendo com que as leis obedecessem aos costumes e à “vontade de Deus”. Dessa forma a vida quase não possuía variação de um feudo para outro. É importante visualizar a figura do rei durante o feudalismo, como suserano-mor, no entanto sem poder efetivo devido à própria relação de suserania e a tendência á auto- suficiência 3.5 – A Economia no Feudalismo A economia feudal possuía base agrária, ou seja, a agricultura era a atividade responsável por gerar a riqueza social naquele momento. Ao mesmo tempo, outras atividades se desenvolviam, em menor escala, no sentido de complementar a primeira e suprir necessidades básicas e imediatas de parcela da sociedade. A pecuária, a mineração, a produção artesanal e mesmo o comércio eram atividades que existiam, de forma secundária. Como a agricultura era a atividade mais importante, a terra era o meio de produção fundamental. Ter terra significava a possibilidade de possuir riquezas (como na maioria das sociedades antigas e medievais), por isso preservou-se a caráter estamental (status) da sociedade. Os proprietários rurais eram denominados Senhores Feudais, enquanto que os trabalhadores camponeses eram denominados servos. O feudo era a unidade produtiva básica. Imaginar o feudo é algo complexo, pois ele podia apresentar muitas variações, desde vastas regiões onde encontramos vilas e cidades em seu 11 interior, como grandes “fazendas” ou mesmo pequenas porções de terra. Para tentarmos perceber o desenvolvimento socioeconômico do período, o melhor é imaginarmos o feudo como uma grande propriedade rural. O território do feudo era dividido normalmente em três partes: O Domínio, terra comum e manso servil O Domínio é a parte da terra reservada exclusivamente ao senhor feudal (em cujo interior se eregia um castelo fortificado) e trabalhada pelo servo,. A produção deste território destina-se apenas ao senhor feudal. Normalmente o servo trabalha para o senhor feudal, nessa porção de terra ou mesmo no castelo, por um período de três dias, sendo essa obrigação denominada corvéia. Terra comum e a parte da terra de uso comum. Matas e pastos que podem ser utilizadas tanto pelo senhor feudal como pelos servos. É o local de onde retiram-se lenha ou madeira para as construções, e onde pastam os animais. Manso servil era a parte destinada aos servos. O manso é dividido em lotes (glebas) e cada servo tem direito a um lote. Em vários feudos o lote que cabe a um servo não é contínuo, ou seja, a terra de vários servos são subdivididas e umas intercaladas nas outras. De toda a produção do servo em seu lote, metade da produção destina-se ao senhor feudal, caracterizando uma obrigação denominada talha15. Esse sistema se caracteriza pela exploração do trabalho servil, responsável por toda a produção. O servo não é considerado um escravo, porém não é um trabalhados livre. O que determina a condição servil é seu vínculo com a terra, ou seja, o servo esta preso a terra. Ao receber um lote de terra para viver e trabalhar, e ao receber (teoricamente) proteção, o servo esta forçado a trabalhar sempre para o mesmo senhor feudal, não podendo abandonar a terra. Essa relação definiu-se lentamente desde a crise do Império Romano com a formação do colonato. Além da corvéia e da talha, obrigações mais importantes devidas pelo servo ao senhor, existiam outras obrigações que eram responsáveis por retirar dos servos praticamente tudo o que produzia. Tradicionalmente a economia foi considerada natural, de subsistência e desmonetarizada. Natural por que se baseavam em trocas diretas, produtos por produto e diretamente entre os produtores, não havendo, portanto um grupo de intermediários (comerciantes); ainda de subsistência por que produzia em quantidade e variedade pequena, além de não contar com a mentalidade de lucro, que exigiria a produção de excedentes; desmonetarizada por não se utilizar de qualquer tipo de moeda, sendo que havia a troca de produto por produto (escambo16). Apesar de podermos enxergar essa situação básica, cabem algumas considerações: o comércio sempre existiu, apesar de irregular e de intensidade muito variável. Algumas mercadorias eram necessárias em todos os feudos, mas encontradas apenas em algumas regiões, como por exemplo, o sal ou mesmo o ferro. Além desse comércio de produtos considerados fundamentais, havia o comércio com o oriente, de especiarias ou mesmo de tecidos, consumidos por uma parcela da nobreza (senhores feudais) e pelo alto clero. Apesar de bastante restrito, esse comércio já era realizado pelos venezianos. Mesmo o servo participava de um pequeno comércio, ao levar produtos excedentes agrícolas para a feira da cidade, onde obtinha artesanato urbano, promovendo uma tímida integração entre campo e cidade. “a pequena produtividade fazia com que qualquer acidente natural (chuvas em excesso ou em falta, pragas) ou humano (guerras,trabalho 15 Talha = 1. Espécie de tributo ou derrama. 2. Salário. 3. Vara com diferentes golpes para marcar a soma do imposto devido, quando os cobradores não sabiam escrever. 16 Escambo = Troca de bens ou serviços sem intermediação do dinheiro. 12 inadequado ou insuficiente) provocasse períodos de escassez”. Nesse sentido havia uma tendência a auto-suficiência, uma preocupação por parte dos senhores feudal em possuir uma estrutura que pudesse provê-lo nessas situações. Devido ao caráter expropriador do sistema feudal, o servo não se sentia estimulado a aumentar a produção com inovações tecnológicas, uma vez que tudo que produzia de excedente era tomado pelo senhor. Por isso, o desenvolvimento técnico foi pequeno, limitando aumentos de produtividade. A principal técnica adoptada foi a de rotação trienal de culturas, que evitava o esgotamento do solo, mantendo a fertilidade da terra. Para o economista anarco-capitalista Hans Hermann Hoppe, como os feudos são supostamente propriedade do Estado (neste caso, representado pelos senhores feudais), feudalismo é, conseqüentemente, considerado por ele como sendo uma forma de socialismo, o socialismo aristocrático. Resumindo nota-se que o feudo constitui a unidade territorial da economia feudal. Caracteriza-se pela auto-suficiência econômica e pela ausência quase total do comércio e de intercâmbios monetários. A produção é predominantemente agropastoril, voltada para a subsistência, e as trocas são feitas com produtos, não com dinheiro. As cidades deixam de serem centros econômicos, os ofícios e o artesanato passam a ser realizados nos próprios castelos. 3.5.1 - Tributos e Impostos da época As principais obrigações dos servos consistiam em: Corvéia: trabalho compulsório nas terras do senhor em alguns dias da semana; Talha: Parte da produção do servo deveria ser entregue ao nobre Banalidade: tributo cobrado pelo uso de instrumentos ou bens do feudo, como o moinho, o forno, o celeiro, as pontes; Capitação: imposto pago por cada membro da família (por cabeça); Tostão de Pedro ou dízimo: 10% da produção do servo era pago à Igreja, utilizado para a manutenção da capela local; Censo: tributo que os vilões (pessoas livres, vila) deviam pagar, em dinheiro, para a nobreza; Taxa de Justiça: os servos e os vilões deviam pagar para serem julgados no tribunal do nobre; Formariage: quando o nobre resolvia se casar , todo servo era obrigado a pagar uma taxa para ajudar no casamento, era também válida para quando um parente do nobre iria casar. Mão Morta: Era o pagamento de uma taxa para permanecer no feudo da família servil, em caso do falecimento do pai da família. Muitas cidades européias da Idade Média tornaram-se livres das relações servis e do predomínio dos nobres. Essas cidades chamavam-se burgos. Por motivos políticos, os "burgueses" (habitantes dos burgos) recebiam freqüentemente o apoio dos reis, que muitas vezes estavam em conflito com os nobres. Na língua alemã, o ditado Stadtluft macht frei (O ar da cidade liberta) ilustra este fenômeno. Em Bruges, por exemplo, conta-se que uma certa vez um servo escapou da comitiva do conde de Flandres e fugiu por entre a multidão. Ao tentar reagir e ordenar que perseguissem o fugitivo, o conde foi vaiado pelos "burgueses" e obrigado a sair da cidade, em defesa do servo, que se tornou livre deste modo. 3.6 - Influência da Igreja A Igreja Católica integra-se ao sistema feudal por meio dos mosteiros, que reproduzem a estrutura dos feudos. Transforma-se também em grande proprietária feudal, detém poder político e econômico e exerce forte controle sobre a produção científica e cultural da época. 13 Na Idade Média, a Igreja Católica dominava o cenário religioso. Detentora do poder espiritual, a Igreja influenciava o modo de pensar, a psicologia e as formas de comportamento na Idade Média. A igreja também tinha grande poder econômico, pois possuía terras em grande quantidade, e até mesmo servos trabalhando. Os monges viviam em mosteiros e eram responsáveis pela proteção espiritual da sociedade. Passavam grande parte do tempo rezando e copiando livros e a bíblia. 3.7 - Ascensão e queda do sistema O feudalismo europeu apresenta, portanto, fases bem diversas entre o século IX, quando os pequenos agricultores são impelidos a se proteger dos inimigos junto aos castelos, e o século XIII, quando o mundo feudal conhece seu apogeu, para declinar a seguir. No século X, o sistema ainda está em formação e os laços feudais unem apenas os proprietários rurais e os antigos altos funcionários Carolíngeos. Entre os camponeses ainda há numerosos grupos livres, com propriedades independentes. A hierarquia social não apresenta a rigidez que a caracterizaria posteriormente, e a ética feudal não está plenamente estabelecida. Entretanto, a partir do ano 1000, até cerca de 1150, o Feudalismo entra em ascensão. O sistema define seus elementos básicos. A exploração camponesa torna-se intensa, concentrada em certas regiões superpovoadas, deixando áreas extensas de espaços vazios. Surgem novas técnicas de cultivo, novas formas de utilização dos animais e das carroças. Com as inovações no campo, a produção agrícola teve um aumento significativo e surgiu a necessidade de comercialização dos produtos excedentes, então a partir do século XI, também há um renascimento do comércio e um aumento da circulação monetária, o que valoriza a importância social das cidades e suas comunas. E, com as Cruzadas, esboça-se uma abertura para o mundo, quebrando-se o isolamento do feudo. Com o restabelecimento do comércio com o Oriente próximo e o desenvolvimento das grandes cidades, começam a ser minadas as bases da organização feudal, na medida em que aumenta a demanda de produtos agrícolas para o abastecimento da população urbana. Isso eleva o preço dessas mercadorias, permitindo aos camponeses maiores fundos para a compra de sua liberdade. Não que os servos fossem escravos; com o excedente produzido, poderiam comprar de seus senhores lotes de terras e, assim, deixar de cumprir suas obrigações junto ao senhor feudal. É claro que esta situação poderia gerar problemas já que, bem ou mal, o servo vivia protegido dentro do feudo. A solução encontrada, quando não se tornavam comerciantes, eram morar em burgos, dominados por outros tipos de senhores, desta vez, comerciais. Ao mesmo tempo, a expansão do comércio cria novas oportunidades de trabalho, atraindo os camponeses para as cidades. Esses acontecimentos, aliados à formação dos exércitos profissionais — o Rei, agora, não dependeria mais dos serviços militares prestados por seus vassalos —, à insurreição17 camponesa, à peste, à falta de alimentos decorrente do aumento populacional e baixa produtividade agrária, contribuíram para o declínio do feudalismo europeu. Na França, nos Países Baixos e na Itália, seu desaparecimento começa a se manifestar no final do século XIII. Na Alemanha e na Inglaterra, entretanto, ele ainda permanece mais tempo, extinguindo-se totalmente na Europa ocidental por volta de 1500. Em partes da Europa central e oriental, porém, alguns remanescentes resistiram até meados do século XX, como, por exemplo, a Rússia, que só viria a se libertar dos resquícios feudais com a Revolução de 1917. 17 Insurreição = 1 Ato ou efeito de se insurgir; sublevação, revolta. 2 Oposição ou reação vigorosa. 14 Confirmando tudo aquilo visto até aqui, e confirmando que a crise do feudalismo deu-se durante o século XIV, através de uma grave crise econômica e social que atingiu a vida do homem medieval. Este processo de crise culminou definitivamente com a desagregação da sociedadefeudal, marcando a fase de transição da Idade Média à Idade Moderna. Os fatores que desencadearam a grande crise do século XIV foram vários, dentre os quais devemos destacar aqueles que, na opinião de muitos historiadores, compõem a chamada "trilogia18" da crise feudal: a fome, a peste e as guerras. O final da Baixa Idade Média é marcado, portanto, por um período de acentuada e generalizada crise, composta por vários fatores de origem econômica e social que assolaram a Europa. Primeiramente, com relação à fome, é preciso ressaltar que a estagnação das técnicas agrícolas somada ao crescimento demográfico gerou um enorme desequilíbrio entre a produção e o consumo. A falta de alimentos fez com que o solo fosse mais utilizado, comprometendo ainda mais sua produtividade e agravando a escassez de alimentos. Ou seja, em virtude do uso constante, a terra perde sua qualidade, causando o empobrecimento cada vez maior da atividade agrícola. A esse quadro de saturação da economia agrícola, alguns historiadores acrescem fatores de natureza geográfica para apontar as razões que desencadearam a grande fome do século XIV. Acredita-se que, nesse período, houve uma repentina mudança no clima europeu, que o tornou mais úmido e frio, dificultando o trabalho e a produção agrícola. Além desses aspectos, o historiador Philippe Wolf acrescenta ainda que: “O problema de subsistência na Europa é explicado pelas más condições de armazenagem que provocavam perdas consideráveis, por apodrecimento do trigo, por extensão de diversas doenças que o tornavam impróprio ao consumo e, finalmente, pelos hábitos alimentares demasiado uniformes (o milho, por exemplo, ainda não era conhecido, nem tampouco a batata, que mais tarde terão um papel importante na alimentação). Uma colheita fraca bastava para ameaçar o equilíbrio entre a oferta e a procura; duas seguidas inevitavelmente provocavam a fome". Nota Importante: vejamos a seguir mais alguns textos sobre o feudalismo A Crise Romana A partir do século III a crise do Império romano tornou-se intensa e manifestou-se principalmente nas cidades, através das lutas sociais, da retração do comércio e das invasões bárbaras. Esses elementos estimularam um processo de ruralização, envolvendo tanto as elites como a massa plebéia, determinando o desenvolvimento de uma nova estrutura sócio econômica, baseada nas Vilae (núcleo de comercialização) e no colonato. As transformações da estrutura produtiva desenvolveram-se principalmente nos séculos IV e V e ocorreram também mesmo nas regiões onde se fixaram os povos bárbaros, que, de uma forma geral, tenderam a se organizar seguindo a nova tendência do Império, com uma economia rural, aprofundando o processo de fragmentação. Em meio à crise, as Vilae tenderam a se transformar no núcleo básico da economia. A grande propriedade rural passou a diversificar a produção de gêneros agrícolas, além da criação de animais e da produção artesanal, deixando de produzir para o mercado, atendendo suas próprias necessidades. Foi dentro deste contexto que se desenvolveu o colonato, novo sistema de trabalho, que atendia aos interesses dos grandes proprietários rurais ao substituir o trabalho escravo, aos interesses do Estado, que preservava uma fonte de arrecadação tributária e mesmo aos 18 Trilogia = 1 Conjunto de três obras trágicas de um mesmo autor apresentadas em concurso nos jogos solenes. 2 Qualquer obra ou poema dividido em três partes; 3 Peça científica ou literária em três partes; tríade, trindade, trio. 15 interesses da plebe, que migrando para as áreas rurais, encontrava trabalho. O Colono O colono é o trabalhador rural, colocado agora em uma nova situação. Nas regiões próximas à Roma a origem do colono é o antigo plebeu ou ainda o ex-escravo, enquanto nas áreas mais afastadas é normalmente o homem de origem bárbara, que, ao abandonar o nomadismo e a guerra é fixado à terra O colono é um homem livre por não ser escravo, porém está preso à terra. A grande propriedade passou a dividir-se em duas grandes partes, ambas trabalhadas pelo colono; uma utilizada exclusivamente pelo proprietário, a outra dividida entre os colonos. Cada colono tinha a posse de seu lote de terra, não podendo abandoná-lo e nem ser expulso dele, devendo trabalhar na terra do senhor e entregar parte da produção de seu lote. Dessa maneira percebe-se que a estrutura fundiária desenvolve-se de uma maneira que pode ser considerada como embrionária da economia feudal É importante notar que durante todo o período de gestação do feudalismo ainda serão encontrados escravos na Europa, porém em pequena quantidade e com importância cada vez mais reduzida. As Invasões Bárbaras Os povos “bárbaros”, ao ocuparem parte das terras do Império Romano, contribuíram com o processo de ruralização e com a fragmentação do poder, no entanto assimilaram aspectos da organização sócio econômica romana, fazendo com que os membros da tribo se tornassem pequenos proprietários ou rendeiros e, com o passar do tempo, cada vez mais dependentes dos grandes proprietários rurais, antigos líderes tribais. O colapso do “Mundo Romano” possibilitou o desenvolvimento de diversos reinos de origem bárbara na Europa, destacando-se o Reino dos Francos, formado no final do século V, a partir da união de diversas tribos francas sob a autoridade de Clóvis. A aliança das tribos, assim como a aliança de Clóvis com a Igreja Católica impulsionou o processo de conquistas territoriais, que se estendeu até o século IX e foi responsável pela consolidação do “beneficium”, que transformaria a elite militar em elite agrária. O “Beneficium” era uma instituição bárbara, a partir da qual o chefe tribal concedia certos benefícios a seus subordinados, em troca de serviços e principalmente de fidelidade. Em um período de crise generalizada, marcada pela retração do comércio, da economia monetária e pela ruralização, a terra tornou-se o bem mais valioso e passou a ser doada pelos reis para os seus principais comandantes. O Império Carolíngeo Durante o reinado de Carlos Magno, a autoridade real havia se fortalecido, freando momentaneamente as tendências descentralizadoras. Como explicar então a formação do feudalismo, se o poder real é fortalecido? Primeiro a centralização deve ser vista dentro do quadro de conquistas da época, comandadas pelo rei, reforçando sua autoridade, mas ao mesmo tempo, preservando o beneficium. Com o Estado centralizado, a cobrança das obrigações baseadas na fidelidade ainda é eficiente e essa função é destinada aos “Missi Dominici” (enviados do rei). Segundo, a Igreja Católica já era uma importante instituição, que, ao apoiar as conquistas do rei, referenda sua autoridade e poder, ao mesmo tempo em que interfere nas relações sociais, como demonstra o “Juramento de Fidelidade” instituição de origem bárbara que passou a ser realizada sob “os olhos de Deus” legitimando-a como representativa de sua vontade. No entanto é importante perceber as contradições existentes nesse processo: a 16 Igreja construiu sua própria autoridade e como grande proprietária rural tendeu, em vários momentos, a desvincular-se do poder central. As Relações de Suserania e Vassalagem As relações de subordinação desenvolveram-se desde o século V, no entanto foi durante o reinado de Carlos Magno que tomaram sua forma mais desenvolvida. O incentivo aos laços de vassalagem num primeiro momento fortalecia o poder real, pois direta ou indiretamente estendia-se a toda a sociedade, no entanto, com o passar do tempo o resultado tornou-se oposto na medida em que as relações pessoais foram reforçadas, diminuindo, portanto a importância do Estado. As Principais Guerras no Feudalismo Duranteo feudalismo aconteceram algumas guerras, a principal delas foi encorajada pela Igreja Católica com o desejo de libertar a terra santa das mãos dos infiéis, essa guerra é conhecida como as cruzadas. As Guerras na Idade Média A guerra no tempo do feudalismo era uma das principais formas de obter poder. Os senhores feudais envolviam-se em guerras para aumentar suas terras e poder. Os cavaleiros formavam a base dos exércitos medievais. Corajosos, leais e equipados com escudos, elmos e espadas, representavam o que havia de mais nobre no período medieval. Transformações da sociedade feudal (séculos XII e XIII) na Europa Ocidental: A Europa procura conquistar territórios no Oriente, por meio das Cruzadas. As antigas cidades européias começam a renascer. Desenvolve-se o comércio. A sociedade feudal começa a se transformar. Daí em diante tem inicio na Europa o que ficou conhecido como: Fim do feudalismo e o capitalismo comercial - Renascimento comercial A Europa ocidental sofreu grandes transformações econômicas e sociais entre os séculos XI e XIV. Pouco a pouco, desmoronou o sistema feudal que vigorou no continente ao longo de quase toda a Idade Média. Para isso, entre outros fatores, contribuíram as Cruzadas, que foram expedições militares patrocinadas pela Igreja católica e organizadas pela cristandade medieval para libertar Jerusalém do domínio muçulmano. As Cruzadas ocorreram entre os anos de 1096 e 1270 e conduziram a Europa a um momento de renascimento comercial: ao voltarem das batalhas em terras orientais, os cruzados traziam consigo produtos de luxo, como tapetes persas, porcelanas chinesas, tecidos finos ou especiarias (temperos como cravo, canela e pimenta), que atraíam a população europeia, que já não conhecia esses requintes. Por haverem estabelecido feitorias nessas regiões mais afastadas, os europeus abriram um novo eixo comercial ligando o Ocidente ao Oriente. As principais rotas de comércio eram feitas pelo mar Mediterrâneo e estavam sob o controle de cidades como Gênova, Veneza, Pisa, Constantinopla, Barcelona e Marselha. No mar Báltico e no mar do Norte, o domínio ficava por conta de cidades como Hamburgo, Bremen e pela região de Flandres (Países Baixos). Burgos e burgueses 17 Graças a essa retomada do comércio, muitos europeus deixaram o campo e foram viver dentro dos burgos - vilas fortificadas com muralhas, construídas entre os séculos 9 e 10 e posteriormente abandonadas -, onde esperavam encontrar melhores condições de vida. Em pouco tempo, contudo, esses lugares tomaram-se pequenos e as pessoas viram-se obrigadas a se instalar do lado de fora de suas muralhas. Essa população, formada principalmente por artesãos, operários e comerciantes, acabou dando origem a novos burgos em vários pontos da Europa. Seus habitantes, por oposição aos nobres que viviam em castelos, ficaram conhecidos como burgueses. Com o tempo, os centros urbanos tomaram-se mais importantes que as regiões rurais. Os negócios ali aumentaram, os artesãos abriram suas próprias oficinas, comerciantes passaram a organizar feiras nas quais vendiam seus produtos. O dinheiro Por essa razão, o uso de moedas tornou-se essencial, substituindo o escambo ou troca de mercadorias. Isso possibilitou o aparecimento das primeiras casas bancárias, responsáveis pelas operações de câmbio e empréstimos a juros. Toda essa dinâmica fez com que o dinheiro passasse a ganhar importância e a terra e a produção agropecuária deixassem de ser à base da riqueza na Europa. Gradativamente, os mercadores e banqueiros, cada vez mais ricos, conquistavam maior status social e passaram a ansiar pelo poder político. A burguesia ganhava prestígio e aproximava-se dos reis, emprestando-lhes dinheiro em troca de medidas políticas favoráveis ao comércio. Ao mesmo tempo, os senhores feudais viam-se envolvidos em dívidas, muitas delas decorrentes das altas despesas com as Cruzadas. Humanismo Além de empreendimentos comerciais, o maior contato entre os burgueses e os monarcas financiou o surgimento de novas universidades. Com a expansão comercial tomou-se necessário encontrar pessoas que entendessem de direito e comércio. A difusão do conhecimento deixou de ser algo exclusivo da Igreja católica - voltado para assuntos teológicos ou religiosos -, e o ensino tomou-se laico, voltado cada vez mais para questões mundanas. Desse modo, o homem passou a se preocupar mais com as coisas terrenas do que com as espirituais. A aula voltava-se para os textos clássicos, principalmente os dos gregos e romanos, e as atenções dos estudiosos dirigiam-se a diversas áreas do saber e das artes. Iniciava-se o Humanismo, movimento cultural que viria a influenciar a Europa por quase três séculos. Até então hegemônico, o pensamento da Igreja passou a ser questionado por religiosos e filósofos leigos. Guerra, fome e peste Todo esse crescimento, no entanto, sofreu um forte golpe no século 14, quando a Europa entrou em crise. Mudanças climáticas geraram um grave colapso no abastecimento agrícola. Apesar dos diversos avanços tecnológicos verificados no campo - como a invenção da charrua, da ferradura, a difusão dos moinhos de vento -, as safras não eram suficientes para toda a população europeia - que duplicara entre os anos 1000 e 1300. Milhares de pessoas passaram a conviver com o problema da fome. Entre 1346 e 1352, para piorar esse quadro, o continente foi assolado pela Peste Negra, uma epidemia decorrente das péssimas condições de higiene das cidades, que matou cerca 18 de 30 milhões de pessoas, mais de um terço da população europeia. A situação ficou ainda mais grave depois que a nobreza da França e Inglaterra deu início à chamada Guerra dos Cem Anos, conflito que se estendeu de 1337 a 1453 provocando grande número de mortos em ambos os países. Outras guerras ocorreram também na Península ibérica, na Itália e na Alemanha. Mercantilismo ou capitalismo comercial Em meio a essa situação de fome, doenças, guerras e mortes, as camadas mais baixas da população sofriam também com a elevada carga de trabalho e com os altos impostos cobrados pelos reis. Todos esses fatores provocaram diversas rebeliões populares em vários pontos da Europa. Fugindo da exploração, novas levas de servos abandonaram os feudos e dirigiram-se para as cidades, onde passaram a trabalhar como assalariados. A ascensão da burguesia, a expansão do comércio, o aparecimento da mão-de-obra assalariada, aliados ao fortalecimento do poder real - e a consequente formação dos Estados nacionais -, foram fatores que abalaram de vez a estrutura feudal da Europa e provocaram o fim desse sistema no continente. No século 15, os europeus já viviam sob uma nova ordem socioeconômica: o capitalismo comercial. Essas transformações políticas, sociais, econômicas e religiosas marcaram a passagem da Idade Média para a Idade Moderna e produziram reflexos também no campo cultural, em especial das artes plásticas e da arquitetura. Todo esse processo de renovação e revigoramento cultural também recebe o nome de Renascimento. 4 - Mercantilismo ou Capitalismo Comercial AS PRIMEIRAS TEORIAS DE COMÉRCIO INTERNACIONAL: O MERCANTILISMO 4.1 - Introdução O período compreendido entre os séculos XVI e a metade do século XVIII (aproximadamente entre os anos 1500 a 1750) é conhecido nos livros de história como sendo da “Revolução Comercial”. Foram anos fundamentais para o estabelecimento de uma economia mundial e para a consolidação de uma nova forma de organização política: o estado nacional. Do ponto de vista do comércio internacional, foi durante esse período que se estabeleceram as bases conceituais de todas as futuras teorias de comércio exterior, que foram e são praticadas até os dias atuais. Além disso, as teorias e práticas econômicas,que no seu conjunto denominamos hoje de mercantilistas, contribuíram para a organização e a consolidação do Estado nacional, como o principal agente econômico no plano mundial. O estudo do mercantilismo, e conseqüentemente da teoria de comércio exterior que expressa, pode ser feito tendo como base qualquer dos países que o praticaram, pois em essência seus fundamentos são os mesmos. No nosso caso, privilegiaremos ao longo deste trabalho, exemplos relacionados com Portugal e a dominação colonial portuguesa no Brasil que fornece ótimas referências que facilitam a compreensão da política comercial seguida por diferentes nações no período. É importante destacar que quando nos referirmos ao mercantilismo, estaremos tratando de um conjunto de práticas e idéias adotadas pelos Estados absolutistas, ao longo dos séculos XVI e XVIII. Quando agrupamos esse conjunto de práticas e idéias nos dias atuais, é que constituem a primeira teoria de comércio internacional de que se tem notícia. Este é um aspecto importante a ser assinalado, pois ao longo de todos os séculos de predomínio do 19 mercantilismo, não surgiu nenhuma teoria mais ou menos articulada elaborada por nenhum pensador, e que poderia ter servido de guia para os governantes da época. Houve isto sim, em cada país onde essas práticas e idéias foram adotadas, indivíduos que elaboraram propostas teóricas e que no seu conjunto ao as reunirmos as caracterizamos como um corpo doutrinário único. Logo, para as pessoas da época, nem a palavra mercantilismo foi utilizada, nem este se constituía numa teoria articulada de desenvolvimento nacional. 4.2 - A construção do sistema econômico mundial A integração de diferentes economias numa só economia-mundo sob a égide do capitalismo teve seu início na Europa com o desenvolvimento e expansão de práticas comerciais que em linhas gerais podemos denominá-las capitalistas - a partir do século XI. O embrião do futuro sistema capitalista que se consolida após o século XVIII, pode ser encontrado deste modo no período que vai do século XI ao século XIV. A partir deste último século com as grandes navegações, a abertura de uma rota comercial pelo Atlântico Sul rumo ao Oriente, há um crescente desenvolvimento das trocas comerciais levando ao fortalecimento da burguesia européia. Esse fortalecimento se dá com o aumento substancial de sua capacidade de acumulação propiciada pela expansão dos mercados com a descoberta da América, a exploração da África e dos países do Oriente. Esse processo de acumulação se constituiu em grande medida na exploração das minas de ouro e prata das Américas, na escravização do negro africano e na prática predatória das companhias de exploração das grandes potencias coloniais em todo o mundo. A formação dessa economia-mundo, a partir do desenvolvimento de uma economia capitalista européia apresenta vários aspectos que podem ser analisados quando se constata essa realidade de vivermos a tempos em um mundo integrado economicamente, onde cada parte do planeta cumpre uma papel econômico que pode ser fundamental ou periférico. 4.2.1. A importância da rota do Atlântico A conquista do Atlântico correspondia às necessidades da época, por isso foram tão importantes e revolucionárias as suas conseqüências marcando o período com a denominação de revolução comercial. O Atlântico transformou-se na mola propulsora do desenvolvimento capitalista, na fonte principal de acumulação de riqueza. E, com a integração do Atlântico no âmbito das relações internacionais, foram se consolidando as nações absolutistas, desenvolvendo-se novas relações entre as comunidades, consolidando- se no espaço europeu o sentimento de nacionalidade, que seria o embrião de formação dos modernos estados nacionais. Com o estabelecimento das rotas atlânticas do ouro africano e das especiarias asiáticas, o capitalismo italiano entrou em colapso. Uma nova camada de capitalistas emergiu então em Flandres, na Inglaterra, na Alemanha do Sul, na França, na Espanha e em Portugal dando o golpe final na estrutura econômica sustentada pelas cidades italianas que entravavam o desenvolvimento do capitalismo moderno. A associação de capitais flamengos, ingleses e alemães com a expansão portuguesa pode ser justificada por esta necessidade de crescimento independente do monopólio mediterrâneo. O fato de Portugal passar a tratar diretamente com os produtores de mercadorias eliminando o intermediário muçulmano diminuiu em muito o preço dos artigos asiáticos. Um exemplo dessa redução de preço final é a pimenta, um artigo extremamente procurado, que os negociantes muçulmanos pagavam na Índia a 2,5 a 3 ducados o quintal, era vendida na praça de Alexandria a 80 ducados. Os portugueses, mesmo vendendo a um preço inferior lucravam enormemente com as viagens (DIAS, 1963). Com o deslocamento do eixo econômico para Lisboa, esta se vê receptora das finanças européias. Os capitalistas alemães foram os primeiros a transferir suas operações 20 comerciais e bancárias para Lisboa, corria o ano de 1503, e retornava a segunda expedição de Vasco da Gama ao Oriente. Assim como os alemães, os mercadores flamengos foram atraídos pelo carregamento dessa expedição. Muitos capitais italianos - genoveses e florentinos - também começaram a se instalar em Lisboa atraídos pelo retorno das expedições à Índia. Em período anterior, muitos banqueiros já tinham se instalado em Portugal para participarem da expansão marítima na África, como Gerônimo Sergini e Bartolomeu Marchioni, magnatas de Florença, que operavam em Lisboa com dinheiro desde meados do século XV. Esses banqueiros italianos contribuíram bastante para atender as necessidades dos reis portugueses - Afonso V, D. João II e D. Manuel - participando e financiando várias expedições portuguesas a Índia e ao Brasil (DIAS, 1963). Os comerciantes e banqueiros italianos, alemães e flamengos, cujos interesses não estavam diretamente relacionados a seus países, desenvolviam operações de capital que ultrapassavam o continente europeu. Foi graças a sua participação que a Coroa Portuguesa conseguiu encontrar os capitais necessários para o financiamento da expansão ultramarina e para a sustentação de uma rede comercial de escoamento dos artigos obtidos nas expedições. Por outro lado, com vimos, o capitalismo europeu encontrou no expansionismo marítimo as condições necessárias para o seu crescimento e desenvolvimento. Com o deslocamento da corrente de comércio do Mediterrâneo para o Atlântico, Antuérpia (na atual Bélgica) foi tomando o lugar das cidades italianas como grande centro comercial e bancário. Com os mercadores, corretores e banqueiros negociando livremente dentro dos muros de Antuérpia, a cidade tornou-se gradativamente um grande centro de comércio internacional. O comércio de tecidos ingleses se realizava em Antuérpia, assim como o das especiarias da Índia. Os portugueses realizavam a maior parte de seus negócios naquela cidade. Em Antuérpia as grandes casas bancárias alemãs e italianas tinham seus depósitos principais, e as transações em dinheiro passaram a ser mais importantes que o próprio comércio, com a criação de câmaras de compensação evitando-se o manuseio do próprio dinheiro. Desse modo a "maquinaria financeira para enfrentar as necessidades do comércio em expansão foi posta em movimento no século XVI, por mercadores e banqueiros" ( HUBERMAN, 1976: 105). 4.3 - O surgimento do mercantilismo Já no século XV, antecipando-se a outros reinos, em Portugal o rei havia assumido o poder absoluto, centralizando o poder de Estado, submetendo a nobreza e estreitando os vínculos com os comerciantes. O Estado que nasce deste movimento logo se tornará o principal agente incentivador das novas descobertas e da expansão marítima européia. Este fenômeno, de formação de Estados Absolutistas, seespalha a partir do século XV para a Espanha, França e Inglaterra. Antes do aparecimento do estado nacional, em diferentes épocas existiram unidades governamentais sob a forma de comunas, cidades-estados e feudos. As unidades econômicas formaram nesta ordem: a família, o feudo, a comunidade da vila, a cidade e a liga das cidades. Os estados centralizados, portanto, eram diferentes de tudo o que existia anteriormente, surgiram gradativamente e desenvolveram medidas econômicas especializadas, dinheiro e crédito, e instituições e práticas comerciais, com a finalidade de se tornarem auto-suficientes. (Bell, 1982) Com o surgimento desses novos Estados, necessita-se de burocratas para administrá-lo, e comerciantes para financiá-lo. É a partir destes dois grupos sociais que surge o Mercantilismo. Este se desenvolve a partir do estreitamento do vínculo entre a riqueza dos comerciantes (a burguesia mercantil) e o Estado fortalecido. Predomina a idéia de que com o crescimento do comércio o Estado terá mais riquezas e, portanto mais 21 poder. Por outro lado, o poderio do Estado podia assegurar segurança e rentabilidade às rotas marítimas, bem como os monopólios exigidos pelos comerciantes. Deste modo com o fortalecimento do Estado, ocorre um grande salto rumo a um futuro comércio mundial no final do século XV. Este começa a se concretizar com o avanço marítimo no Atlântico e a descoberta de uma nova rota para a Índia por Portugal, e com a descoberta da América pela Espanha. Com as explorações, zonas de colonização e feitorias comerciais dos dois países ibéricos, além de um incremento do comércio entre os países europeus, deu-se início a um intercâmbio mundial de mercadorias, incorporando-se novas regiões ao comércio originário da Europa, constituindo-se, a partir daí, de fato uma economia-mundo. É nesse momento, segundo DEYON(1985:18) que nasce uma “teoria econômica, que inspirou e sustentou os esforços dos monarcas, preocupados com o estado de suas finanças e as necessidades dos exércitos e diplomatas”. É essa teoria que estudaremos nas páginas seguintes em suas linhas gerais. Em meados do século XVI a penetração comercial européia já havia chegado às duas costas do Pacífico; os navios espanhóis faziam a rota do Peru a Europa através da região onde se localiza atualmente o Panamá, e os portugueses chegavam às ilhas da atual Indonésia. Esses dois movimentos dos países ibéricos introduziram no comércio internacional, uma abundante quantidade de especiarias vindas da Ásia, e enorme quantidade de metais preciosos com origem na América Espanhola o que provocou na Europa, a chamada “revolução dos preços”. O primeiro carregamento de metais preciosos vem das Antilhas em 1503, em 1519 começa a pilhagem do tesouro dos astecas do México; em 1534, a dos incas do Peru. Segundo BEAUD(1987:21) “de acordo com os dados oficiais, dezoito mil toneladas de prata e duzentas toneladas de ouro foram transferidos da América para a Espanha entre 1521 e 1660; de acordo com outras estimativas é o dobro”.19 A revolução dos preços foi causada por esse enorme afluxo de metais preciosos da América para Espanha, quantidade esta que gerou uma inflação sem precedentes. Com a súbita desvalorização da moeda, os preços nominais de todos os produtos tiveram que se elevar. O poderio de Portugal e Espanha durante o século XVI era inegável, constituindo- se no principal pólo econômico da economia mundial no período, “... o primeiro graças ao virtual monopólio do comércio de especiarias que exercia no oceano Índico, e à produção açucareira do Brasil – 180 mil arrobas em 1570, 350 mil em 1580 e 1,2 milhão de arrobas em 1600, e a segunda, principalmente à produção da minas de suas colônias americanas... (REZENDE Fo., 1997:117) Seu poderio em fins do século XV e século XVI era tal que em 1494 tentaram dividir o mundo em suas respectivas áreas de influência, assinando sob os auspícios do Papa, o Tratado de Tordesilhas. No entanto, mesmo com o controle de imensos territórios, como a Espanha ou com uma formidável rede de feitorias comerciais, como Portugal; as duas potências ibéricas não conseguiram converter-se em verdadeiras metrópoles comerciais e/ou industriais. Não conseguindo se manter isoladas nesta expansão por muito tempo. Já no século XVI, a Holanda despontava como potencia comercial e marítima, fortalecida pelas relações com a coroa portuguesa que negociava os produtos obtidos no além mar principalmente através de sua feitoria instalada em território holandês o que acabava reforçando a burguesia holandesa (flamenca). 19 REZENDE Fo., (1997:117) cita números semelhantes para um período aproximado, afirma que entre os anos de 1503 e 1620 nada menos que 13mil toneladas de prata e 170 toneladas de ouro foram levadas para a Espanha. 22 Portugal com um ativo comércio oriental, e necessitando de capitais, estabeleceu uma sociedade comercial com os banqueiros e comerciantes holandeses, para a montagem do complexo açucareiro no Brasil. Nessa associação, ficaram os portugueses encarregados da produção – terras, colonizadores, escravos e primeira refinação do açúcar -, ao holandeses cabia o financiamento do empreendimento, a comercialização nos mercados europeus e a segunda refinação do açúcar, enquanto que o transporte do produto da América para a Europa seria dividido entre ambos(REZENDE Fo.,1997). Em seguida franceses e ingleses se juntaram aos holandeses no processo de exploração e pilhagem dos novos mundos, fundando colônias, feitorias, dominando rotas comerciais, atacando as frotas espanholas e portuguesas. Estes países no seu conjunto (Espanha, Portugal, Holanda, Inglaterra e França) recolheram uma extraordinária riqueza das terras descobertas cuja acumulação posteriormente contribuiu de forma decisiva para a Revolução Industrial que teve seu início no século XVIII. Os pensadores econômicos do período compreendido entre o século XVI e a primeira metade do século XVIII desenvolveram um conjunto de idéias que tornaram o comércio exterior um dos mais poderosos instrumentos da política econômica. A idéia central consistia em que os grandes estoques de metais preciosos constituiriam a própria expressão da riqueza nacional. Inicialmente em Portugal e Espanha, essas idéias foram seguidas por outros Estados Europeus como: Holanda, França, Inglaterra e Alemanha, assumindo em cada um deles uma característica em função de seus recursos naturais. No século XVI o afluxo de ouro e prata das colônias espanholas foi de tal ordem e influenciou de tal maneira a Europa que em diversos países surgiram pessoas que buscavam explicação para os fenômenos econômicos que decorriam desse movimento de metais preciosos e em particular teorizavam sobre a importância de mantê-los ou trazê-los para o País. Preservar e aumentar a acumulação dos metais preciosos era sua preocupação central. DEYON(1985) cita várias manifestações nesse sentido: Na Inglaterra em 1581 um autor inglês escreve sob o título A compendious or brief examination of certain ordinary complaints que se acabasse com a importação das mercadorias fabricadas no estrangeiro, que poderiam ser fabricadas na Inglaterra, e ao mesmo tempo, restringir a exportação das lãs, peles e outros produtos em estado bruto, e chamando artesãos de fora sob o controle das cidades, fabricando mercadorias que poderiam ser exportadas, as cidades poderiam voltar a reencontrar sua antiga riqueza . Na França, em 1515, Claude de Seyssel declara em La grande monarchie de France, “ que o poder do país reside em suas reservas de ouro e prata”. Na Espanha, Luiz Ortiz, no seu memorial Para que a moeda não saia do reino defende a multiplicação das manufaturas e a interdição da exportação das matérias-primas têxteis. Esses pensadores, acentua
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