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( ( ( ( ( I ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( Colecão EM CARTAZ volume4, na mesmacoleção TCHEKHOV TeatroI (A gaivota, O tioVania) TCHEKHOV TeatroII (As trêsirmãs, O jardimdascerejeiras) MOLIERE As preciosasridículas STRINDBERG A dançadamorte Ai~TUNES FILHO Gilgamesh(adaptaçãoteatral) CONSUELO DE CASTRO Only you Henrik Ibsen CASA DE BONECAS EM CARTAZ Veredas Titulo original ETT DUKKEHJEM (1879) Traduçãoportuguesaatualizada e corrigida por MariaCristinaGuimarãesCupertino Preparação Kátia deAlmeidaRossini Revisão LídiaFurusato Ilustração da capa Edvard Munch Ibsen, Henrik Casa de bonecas Tradução: Maria Cristina Guimarães Cupenino. São Paulo. Editora Veredas.2007. (Veredas Em Canaz) 1. Teatro norueguêsJ. Título. ISB1\ 85-88603-11-X CDD 83982 Todos os direitosdestatraduçãoreservadosa G.ARANYI UVROS EDITORA VEREDAS AJ. dos Bicudos, 360 - Alpes da Cantareira 07600-000- Mairiporã - SP - Brasil FonelFax: (11) 4485-1087- e-mail: editoraveredas@hotmaiJ.com 2009 --.....---",.. L, 1 ( ( ( ( / \ ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( PERSONAGENS TORVALDHELMER,advogado NORA, sua esposa RM'K, médico SENHORALINDE KROGSTAD,advogado Os três filhos pequenosde HELMER M'NA-MARlA, a babá HaENA, a criada O ENTREGADOR A ação sepassa na residênciade Helmer PRIMEIRO ATO Sala mobiliadacom confortoe bomgosto,massemluxo. No fundo, à direita, a porta da saleta, à esquerdaa do escritóriode Helmer.Entre essasduasportas, umpiano. Do ladoesquerdoda cena,no meiodaparede,outraporta, e maispertoda bocade cena,umajanela. Ao pé dajanela uma mesa redonda, poltronas e um divã pequeno. Na parededa direita,umpouco recuada,umaporta, e maisà frente uma estufa,diante da qual estão colocadas duas poltronas e uma cadeira de balanço. Entre a estufae a porta lateral, uma mesinha, e nas paredes, gravuras. Prateleiras comporcelanas e outras miuçalhas.Pequena estantecheiade livros ricamenteencadernados.O chão é atapetado.A estufaestá acesa.Dia de inverno.Toquede campainhana saleta;passadoum instanteouve-seabrirem a porta.Nora entrana sala cantarolandoalegremente.Está de chapéue de sobretudoe traz muitosembrulhosquevai colocando na mesada direita. Deixa aberta a porta da saleta, por onde se vê 11mentregador carregando uma árvorede Natal e um cesto;o moçopassa essesobjetosà criada que abriu a porta NORA Esconda bem a árvore de Natal, Helena. Os meninos só devemvê-Ia ànoite, depoisde enfeitada.(Aoentregador, tomandoda carteira) Quanto é? 7 ~- oENTREGADORCinqüentaore. NORA Aqui temumacoroa.Estácerto,guardeo troco.(O entregador agradece e sai. Nora fecha a porta, e enquanto tira o chapéue o sobretudocontinua a rir alegremente.Puxando do bolso um saco de bolinhos de amêndoas,comedois ou três; depoisencaminha-se na ponta dospés atéa porta do escritóriodo marido, pondo-sea escutar)Ah! estáaqui.(Cantarolanovamente, enquantose dirigepara a mesado lado direito) HELMER(doescritório) É aminhacotoviaqueestágorjeando aí fora? NORA(desamarrandoanimadamenteos pacotes) É sim. HELMERQuemestásaltitandoaíéo meuesquilo? NORA É! HELMERE quandoregressouoesquilinho? NORA Agora mesmo.(Guardao sacodebolinhosdeamên- doasno bolsoe limpaa boca)Venhacá,Torvald,venha vero queeucompreI. HELMER Estouocupado.(Ummomentoapósabreaporta e, depenanamão,percorrea salacoma vista)Vocêdizqúe comproutudo isso? Entãoa minhacabecinhade vento encontroumaisumaocasiãodeesbanjarbastantedinheiro? NORA Mas,Torvald,esteanocomcertezapodemosgastarum poucomais.É oprimeiroNatalemquenãosomosobrigados aeconom.lZar. HELMERConcordo...masnãodevemosserpródigos,sabe? NORA Só um bocadinho,Torvald,umbocadiquinho.Ainda maisagoraquevocêvaiterumgrandesalárioefinalmente hádeganharmuito,muitodinheiro. HELMER A partirdo Ano Novo, sim - masaindafaltaum trimestreparaqueeureceba. 8 ~~"f"; •• NORA E quetemisso?Até lá podemospediremprestado. HELMER Nora! (Aproxima-sedela e puxa-lheumaorelha, brincando)Semprecomessacabecinhanasnuvens!Suponha queeupeçahojemilcoroasevocêgastetudocomoNatale, depois,na vésperado Ano Novo me caia uma telhana cabeça,e... NORA(tapando-lhea bocacoma mão) Psss!Não diga es- sascoisashorríveis! HELMERMas suponhaqueaconteçaalgodessetipo... NORASeumacoisaterrívelassimacontecesse...naoseiseme importariaemterdívidasounão. HELMERE aspessoasparaquemeuestivessedevendo? NORAEssaspessoas...queméquepensanelas?sãoestranhos. HELMERNora,Nora!Sópodiasermulher!Falandosério,Nora; vocêconheceas minhasidéiasa esserespeito.Nada de dívidas,nadadeempréstimos!Algo comoum constran- gimento,ummal-estarsombriose introduzemtodacasa erigidasobredívidaseempréstimos.Atéhojetemossabido nosequilibrar,eassimcontinuaremosduranteopoucotempo deprovaçõesquenosresta. NORA(aproximando-sedaestufa) Estábem,Torvald;como vocêquiser. HELMER(seguindo-a) Então,então,nãoqueroa minhaco- toviazinhadeasacaída.O esquilinhoestáamuado?(Abrea carteira)Nora,sabeo quetemaquidentro? NORA(virando-sevivamente) Dinheiro! HELMERTome.(Dá-lhealgumasnotas)Compreendoquehá muitasdespesasnumacasa,quandoseestápertodoNatal. NORA(contando) Dez,vinte,trinta,quarenta.Obrigada,Tor- vald,obrigada.Vocêvaivero queistorende. HELMERÉ preciso,mesmo. 9 I' .~~ ~~~,\ / \ ( ( ( ( ( ( 1 ( ( ( NORA·Podeficarcertodisso.Mas venhacá.Voulhemostrar oquecomprei,etudotãobarato!Olhe,umroupanovapara Ivar e um sabre.ParaBob, um cavaloe umacorneta,e umabonecacom a suacaminhaparaEmmy.São muito simples,porqueelalogoescangalhatudo.E essesaventais e lençosparaascriadas...A babánaverdademereciamuito maIs... HELMERE o quehánestepacote? NORA(dandoumgritinho)Nãotoquenele,Torvald;estevocê só veráà noite. HELMER Bem, bem.Mas diga-me,minhaperdulária,o que vocêmaisgostariadeganhar? NORA Oh, eu?Nãoqueronadaparamim. HELMER Mas é claroquesim. Diga-mequalquercoisara- zoável,queatente. NORA Pois bem,verdadeiramentenãosei. Ou antes,olhe, Torvald... HELMER Vamoslá... NORA(brincandocomos botõesdo casaco,semolharpara omarido) Semequisessedarqualquercoisa\"ocêpodia... podia... HELMER Então... NORA(deumsófôlego) Podiamedardinheiro,Torvald.Oh! Apenasaquilodequevocêpudesseprescindir- e umdia desseseuiria comprarqualquercoisaparamim. HELMER Mas, Nora... NORASim, queridoTorvald,sim,façaisso.Eu o embrulharia numlindopapeldouradoparapendurá-IanaárvoredeNatal. Vocênãoachagraça? HELMERComosechamaopássaroqueestásemprefazendoo dinheirovoar? 10 NORA Bemsei,bemsei;éoestorninho.Mas façaoquepeço, Torvald; assimterei tempode pensarem algumobjeto realmenteútil. Diga-me,nãoésensato'? HELMER (sorrindo) Seria, se você soubesseconservaro dinheiroquelhedou,enarealidadecompraroquequerque fosseparavocê;masseeledesaparecenasdespesasdacasa e em mil futilidades, o certo é que tenhode novo de desembolsar. NORA Ah, Torvald,mas... HELMER Não negue,minhaqueridaNora! (Abraça-apela cintura)O estorninhoégracioso,masexigetantodinhei- ro!...Vocênãoacreditariaselhedissessequantoumhomem temdedespenderquandoarrumaumaavecanoracomovocê. NORA Oh!nãodigaisso!Eu poupoo maisqueposso. HELMER(rindo) Concordo.O maispossível.Mas oproblema équevocêabsolutamentenãopodepoupar. NORA (cantarolandoesorrindoalegremente)Sevocêsou- besse,Torvald,comonós,cotoviase esquilos,temosdes- pesas! HELMERVocêéumapessoazinhaextraordinária.Talqualseu pai.Com mil recursosparaconseguirdinheiro,maslogo queoagarraelelheescapaporentreosdedos,enuncamais sesabequedestinoeleteve.Enfim,háqueaceitá-latalcomo você é. Está no sangue.Sim, Nora, essascoisas são hereditárias. NORA Quemmederaterherdadomuitasdasqualidadesde meupai! HELMERE eunãogostariaquehouvesseamenormudançaem você,minhaqueridaavecanora.Masperceboagoraque vocêestáum tanto... um tanto... comodiria?.. quevocê temo ardequemfez algumatravessurahoje. 11 NORA Eu? HE:L~R Sim,você.Olhebemnosmeusolhos. NORA (encarando-o) E então? HELMER A minhagulosanão andouse regalandohoje na cidade? NORA Não,porquediz isso? HE:L~R Entãoaminhagulosanemsequerdeuumaolhadana confeitaria? NORA Não,sinceramente,Torvald. HELMERNemsombradedoces? NORA Nemsombra. HaMER Nem aomenosmordiscouumou doisbolinhosde amêndoas? NORA Não,Torvald,nãomesmo;garanto-lhe. HaMER Bem,bem,naturalmenteeuestavabrincando. NORA (acercando-sedamesaà direita) Eu seriaincapazde fazerqualquercoisaquelhedesagradasse. HEL'v1EREu sei; depois,vocême deusuapalavra... (Apro- xima-sedeNora) Vamos,guardeseussegredosdeNatalsó paravocê,minhaqueridaNora;logoelesnosserãoreve1ados, quandoasvelasna árvoreforemacesas. NORA.Vocêconvidouo doutorRankparajantar? Ha.'v1ERNão,masnãohánecessidadedisso.Quandoelechegar, convido-o.Encomendeivinho,edosbons.Vocênãoimacina., Nora,comoestouansiosoporestanoite! NORA Eu também- ecomoascriançasvãoadorar,Torvald! HELMER Ah! Como é bom saberquechegamosa umasi- tuaçãoestável,segura.,ecomumabelaremuneração.Pen- sarnissonosdámuitasatisfação,nãoé mesmo? NORA Oh,émaravilhoso! HELMER Lembra-sedo Natal passado?Três semanasantes 12 ---".~ 0:11; vocêjá serecolhiatodasastardes,atémaisdemeia-noite, paraconfeccionarosadornosparaa árvoredeNatalemil outrassurpresas... Ah! não me recordode épocamais aborrecida! NORA Eu nãomeaborrecinemumpouquinho. HELMER(sorrindo)Masnofinaloqueapareceufoi tãopouco! NORA Ah! Nãocomeceacaçoardemimnovamente.Acaso tiveculpaseogatoentroulá edeucabodetudo? HELMERCoitadinha!Decertoqueaculpanãofoi sua,minha Norinha.O seumaiordesejoera alegrar-nos,e isso é o essencial.Em todoo caso,aindabemqueessestempos difíceisjá seforam. NORA É verdade;issoédefatoótimo. HELMER Agorajá nãofico aquisozinho,aborrecido,assim comovocêjánãoprecisaestragarseusolhinhostãolindose essesqueridosdedinhos. NORA(batendopalmas)Nãoprecisomesmo,nãoé,Torvald? Nuncamais.Ah, é tãobomouvir isso!(Tomao braçodo marido)Agoravoulhecontarcomopenseiquepoderíamos arranjarascoisaslogoquepassaro Natal... Toquedecampainhanasaleta Tocaramàporta.(Fazumpoucodeordemnasala)Alguma visita.Queaborrecimento! HELMERSefor umavisita,lembre-sequenãoestouemcasa paraninguém. A CRIADA(à porta de entrada) Madame,estáaí umase- nhoraquequervê-Ia. NORA Mandeentrar. A CRIADA(a Helmer) O senhordoutortambémchegou. 13 ( ( ( r ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( I ( ( ( ( HELMER Está no meu escritório? A CRIADA Sim, senhor. Helmerentrano seugabinete.A criada introduza senhora Linde, que traja um vestidode viagem,efecha depoisa porta SENHORALI0.TIE(timidamente,com certahesitação) Bom dia, Nora ... NORA (indecisa) Bom dia... SENHORALu,mE Você não me reconhece? NORA Não sei ao certo, mas... parece-me... (exclamando) Kristina, é você? SENHOR-'\LnoiDE Sou eu, sim. NORA Kristina! E eu sem reconhecê-Ia! Mas como pude? .. (Maisbaixo)Como estámudada,Kristina! SENHOR-'\LI0.TIE É verdade.Já sepassaramnove... dez longos anos... NORA. Hájá tantotempo quenão nos vemos?É verdade,acho quesim. Ah, sevocê soubessecomo tenhosido feliz nesses últimos oito anos!E agoravocê tambémveio paraacidade? Quanta coragem, fazer uma viagem tão longa em pleno inverno! SEJo:HOR-'\LIJo:DE Cheguei no vapor, estamanhã. NORA Para passaras festasde Natal, naturalmente.Que bom! Como havemosde nos divertir! Mas tire o casaco.Não está sentindofrio, não émesmo?(Ajuda-a)Pronto; agoravamos nossentarcomodamenteaopédaestufa.Não, sente-senessa poltrona! Eu fico na cadeira de balanço, é o meu lugar. (Toma-lheas mãos)Agora já vejo o semblantede outros tempos... foi só a primeira impressão... No entanto, você estáum pouco pálida, Kristina ... e mais magra. 14 SENHORALINDE E tambémmuito envelhecida,Nora. NORA Sim, um pouco, um pouquinho - masnão demais. (De súbito interrompe-se,e, com voz grave) Oh! mas que estorvadaque eu sou, me ponho a tagarelar... Minha que- rida, minhaboa Kristina, perdoe-me... SENHORA.LINDE Não a compreendo,Nora. NORA(meigamente)Pobre Kristina, você ficou viúva. SENHORALINDE Há três anos... NORA Soubepelos jornais. Oh! Kristina, acrediteque muitas vezespenseiemlhe escrevernaquelaocasião...massempre algumacoisa me impedia e eu adiavaa... SENHORALINDE Compreendo bem isso, caraNora. NORA Não, Kristina; foi horrível deminhaparte.Pobre amiga, como você deveter sofrido. Ele lhe deixou com que viver? SENHORALI!\'DE Não. NORA E filhos? SENHORALINDE Também não. NORA Absolutamentenada,então? SENHORALI0.TIE Nem mesmo uma dessassaudadesde partir coração.. NORA(olhando-aincrédula) Ah, Kristina, isso não pode ser verdade! SENHORALINDE (sorrindo amargamentee passando-lhea mãopeloscabelos) Algumas vezesacontece,minha Nora. NORA Sozinhano mundo.Como devetersido difícil! Eu tenho três lindas crianças. Por enquanto não posso mostrá-Ias a você; saíramcom a babá.Mas conte-meagora... SENHORALINDE Depois, comece você. NORA Não, é a suavez. Hoje não quero seregoísta... só quero pensarem você. Uma coisa, todavi~,vou lhe dizer já. Sabe quetivemosumagrandefelicidade, há dias? 15 SENHORALINDE Não,quefoi? NORA Imagine,meumaridofoi nomeadodiretordo banco. SENHORALIl\'DE Seumarido?Ah, quesorte! NORA Não émesmo?A advocaciaétãoincertacomoganha- pão,sobretudoquandosequertomarcontaapenasdeboas ebelascausas!E eraesse,naturalmente,ocasodeTorvald, noqueeuoaprovointeiramente.Imaginecomonossentimos felizes!Devetomarpossedoseulugarnoprincípiodoano, eteráentãoumaltosalárioemuitascomissões.Assim,de agoraem diantepoderemosviverdeumamaneiramuito diferente- damaneiracomogostaríamos.Ah, Kristina,como mesintofeliz edecoràçãoleve!Naverdadeédeliciosoter muitodinheiro,e nuncaprecisarse preocupar,vocênão acha? SENHORALINDE Decerto.Em todocasojá nãodevesermau ter-seonecessário. NORA Não, sóo necessário,não,masmuitodinheiro,muito! SENHORALIl\'DE(sorrindo) Nora,Nora,entãovocêaindanão setornoumais sensata?Na escolavocê era umagrande gastadeira. NORA(sorrindo meigamente)E Torvald afirma que ainda sou.Mas (ameaçando-acomo dedo)"Nora, Nora" não é tãoestouvadacomojulgam.Além disso,atéhojepouco tenhopodidogastar.Ambosprecisávamosdetrabalhar. SENHORALINDE Vocêtambém? I NORA Sim. Pequenascoisas,trabalhosmanuais,rendas,bor- dados,etc.(Casualmente)E aindaoutracoisa.Vocêsabe queTorvaldsaiudoministériopúblicoquandonoscasamos. Não podiaesperaraumentodeordenadona repartição,e precisavaganharmaisdo queatéentão.No primeiroano, porém,trabalhoudemasiado.Calcule,tinhadeprocurartoda 16 espéciedeocupaçõessuplementaresetrabalhardemanhã atéa noite.Caiu gravementeenfermo.Então os médicos declararamqueeleprecisavair parao sul. SENHORALINDE É verdade;vocêspassaramumanointeirona Itália. NORA Sim.E nãonosfoi nadafácil empreenderessaviagem, comovocêbempodecompreender.Foi por ocasiãodo nascimentodeIvar.Masclaro,nãohaviaoutromeio...Ah, quelindaviagem!queencanto!E salvouavidadeTorvald. Masquedinheirãonoscustou,Kristina! SENHOR/I.LINDE Calculo. NORA Mil eduzentostáleres.Quatromil eoitocentascoroas. Umabelasoma,nãoé? SENHORALINDESim,enumcasodesseséumagrandesortetê- Ia. NORA Eu lhedigo;foi-nosdadaporpapai. SENHORALINDEAh! Parecetersidoexatamentenoanoemque elemorreu,nãoé? NORA É verdade,Kristina,foi nessaocasião.E eusempoder ir cuidardele.Todososdiasà esperadequenascesseIvar, e o meupobreTorvaldmorrendo,necessitandodosmeus cuidados.Querido,bondosopapai!Nuncamaisovi.Depois quemecasei,foi aminhamaiordor. SENHORALINDE Vocêeramuitoligadaaele,bemsei.Enfim, foramparaa Itália...? NORAFomos.Tínhamosdinheiro,e osmédicosnos aconse- lhavamanãoretardaraviagem.Partimosdaliaummês. SENHORALINDE E seumaridoregressoubomdetodo? NORACompletamente. SENHORALINDE Então...eessemédico? NORA Nãoestouentendendo. 17 l.:J, .10.-.: ),./"\""~"J ( ( ( ( /, ( ( ( ( ( ( SENHORALINDE O homemquechegoujuntocomigo.Creioter ouvidoaempregadadizerqueeraummédico. NORA Ah! É o doutorRank.Essenãovemcomomédico.É o nossomelhoramigo;vemcáver-nosumavezpordia,pelo menos. Torvald nunca mais estevedoentedesdeque regressamos.As criançastambémestãobemde saúde,e eu, como você vê. (Levanta-se de um salto, batendo palmas)Deus,Kristina,ébomdemaisvivere serfeliz!... Ah, estouinsuportáveL.nãofalo senãoemmim! (Senta- se numabanquetabemjunto de Kristina, e coloca os braçosemseusjoelhos)Não fiquezangadacomigo.Então éverdadequevocênãogostavade,seumarido?Mas seé assim,porquesecasoucomele? SENHORALu·mE Minhamãeaindaeraviva,estavaacamadae semamparo.Além dissotinhameusdoisirmãosmenores parasustentar.Nãomerestououtraalternativaquandoele mepediuemcasamento. NORA Claro.Estoucertade quevocêprocedeubem.Nesse tempoeleerarico,não? SENHORALn-mECreioqueestavabemdevida.Masseunegócio nãoerasólido.Comamortedeletudosedesintegrou,não sobrounada. NORA E depois? SENHORALINDE Tivedemelivrardasdificuldadesrecorrendo apequenosserviços,dandoaulas,etudomaisqueaparecia. Enfim, essestrêsúltimosanosforamparamim umlongo dia de trabalhosemdescanso.Agora acabou-se,Nora. Minhapobremãejá nãoprecisademim:morreu;eosdois meninostambémnão: estãoempregados,já podem se mantersozinhos. NORA Comovocêdevesesentiraliviada! 18 SENHORALINDE Enganoseu,Nora; o quesintoé um vazio insuportável.Não termaisnadapor queviver!...(Ergue- se inquieta)De modo que não pudecontinuarsozinha naquelecantoinsulado.Aqui devesermaisfácil a gente encontrarumaocupação,distrairopensamento.Seeutiver sortedearrumarumemprego,umtrabalhodeescritório... NORA Masqueidéia!É tãofatigante!E vocêprecisatantode repouso!Melhor seriasevocêpudessetirarumasférias. SENHORALINDE(aproximando-sedajanela) Eu não tenho umpaiquemepagueaviagem,Nora. NORA(erguendo-se)Ah, nãosezanguecomigo. SENHORALn'mE(indoatéela) Você,queridaNora,équedeve medesculpar.A piorcoisaqueexistenumasituaçãocomo a minhaé que as amargurasse acumulamna alma da gente.Não ter ninguémpor quemtrabalhar,e, contudo, nãoconseguirrelaxar.Enfim,énecessárioviver!...Entãoa gentesetomaegoísta.Comoagora,porexemplo:enquanto a ouviafalarsobresuaboasortefiqueimaissatisfeitapor mimmesmadoqueporvocê. . NORA Quê?Ah!... sim,compreendo.Veio-lhea idéiadeque Torvaldlhepoderiaserútil. SENHORALINDE Sim,foi issoquepenseicomigo. NORA E hádesê-lo,Kristina,deixecomigo.Vouprepararo terrenocommuitadelicadeza;inventareialgoparacativá- 10,queodeixebem-humorado.Ah, gostariatantodeajudá- Ia! SENHORALINDE Como é bonitoda suaparteNora, mostrar tantoempenho...você,queconhecetãopoucoasmisérias e ascontrariedadesdavida. NORA Eu? .. Vocêacha? SENHORALINDE(sorrindo) Ora,afinalforamsó umascostu- tinhaseoutrascoisasdogênero.Vocêéumacriança,Nora. 19 NORA (meneandoa cabeça e atravessandoa cena) Não seja tão superior. SENHORALINDE Como? NORA Você é como os outros. Todos julgam que não sirvo para nada sério... SENHORALINDE E então... NORA Que não tenhonenhumaexperiênciado lado difícil da vida... SENHORALINDE Mas, minha queridaNora, você mesmaacaba de me descrevertodasassuasdificuldades... NORA Ora! ...essasbagatelas!... (Emvozbaixa)Não lhe contei o principal. SE"<HORALINDE Que principal? O que você quer dizer? NORA Você tambémme trata do alto da sua grandeza, Kris- tina, mas não devia fazer isso. Você se orgulha por ter tra- balhado durantetantotempoe com tantadedicaçãopor sua mãe. SE)''HORALINDE Não tratoningu~mdo altodaminha grandeza; mas, é verdade que me sinto feliz e altiva ao lembrar-!TIe que, devido a mim, os últimos dias de minha mãe foram serenos. NORA. E tambémsenteorgulho pelo quefez pelos seusirmãos. SENHORALINDE Parece-meque tenhotodo direito em sentir. NORA É tambémo quepenso.Agora vou l!1econtarumacoisa, Kristina. Eu tambémtenhomotivo de alegriae de orgulho. Sa-moRALINDE Não duvido.O que é? NORA Fale mais baixo. Se Torvald nos ouvisse... Por nada deste mundo eu queria que... Ninguém deve saber isso, ninguém no mundo,além de você, Kristina. Sa-mORALINDE Mas o que é então? NORA Chegue aqui. (Puxando-apara si, nodivã)Ouça... eu 20 ~.;,.;;,. tambémpossoseraltiva e feliz. Fui eu quesalvei a vida de Torvald. SENHORALINDE Você salvou? Como foi isso? NORA Já falei daviagemà Itália, não é verdade?Torvald não escapariasenão tivessepodido ir parao sul. SENHORALINDE Sim, e seu pai lhe deu o dinheiro de que precIsavam. NORA(sorrindo) Isso é que Torvald e toda a gentesupõem, mas... SENHORALINDE Mas... NORA Papai nãonosdeusequerum centavo.Eu é quearranjei o dinheiro. SENHORALINDE Uma quantiadessas? .. Você? .. NORA Mil e duzentostáleres.Quatro mil e oitocentascoroas. Que lhe parece? SENHORALINDE Mas, Nora, como você fez isso? .. Ganhou a sortegrande? NORA (numtomde desprezo) A sorte grande... (Com um jeito de desdém)Que mérito haveria nisso? SENHORALINDE Nessecaso, onde o foi buscar? NORA(sorrindomisteriosamentee cantarolando)Hum! trá- lá-lá. SENHORALINDE Pedi-Io emprestadovocê nãopoderia. NORA Porque não? SENHORALINDE Porque umamulher casadanãopode contrair empréstimosemo consentimentodo marido. NORA (meneandoa cabeça) Ah, quando se trata de uma mulher um poucoprática...umamulher quesabeserhábil... SENHORALINDE Não, não compreendo. NORA E nem precisacompreender.Ninguém disse que pedi emprestadoessedinheiro.Poderia tê-Io conseguidodeou- 21 ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( tramaneira.(Atira-separa cinUldosofá)Poderiaatéhavê- 10 recebidodeumadmirador,ora!Comosmeusatrativos... SE'\HORALDiDE Vocêestálouca! NoFt-\ Certamentevocêestámorrendodecuriosidade! SP'HOR.ALr0iDE Diga-me,queridaNora,vocênãoprocedeu levianamente? NORA(endireitando-se)Será leviandadesalvara vida do marido? SE'iHORALJ;\iDESemelesaber,julgo queo seja... NoFt-\Mas eraexatamenteisso:elenãodeviasaber.Vocênão entende?Ele nãodeviaconhecernemagravidadedo seu estado.A miméqueosmédicossedirigiram,dizendoquea vidadelecorriaperigo,quesóumaestadanosulpodiasalvá- 10.Vocêpensaquenãotenteidisfarçar?Dizia-lhequeseria um grandeprazer para mim ir fazer uma viagem ao estrangeirocomoasoutrasesposasjovens; chorava,su- plicava,fazia-lheverquenoestadoemquemeencontrava ele sedeviacurvaraosmeusdesejos;dei-lhea entender queelepodiamuitobemcontrairumempréstimo.Sevocê \·isse.Kristina,elequaseperdeuo controle.Disse-meque euerafrhola, e queo seudeverdemaridoeranãoceder ao que,sebemmelembro,elechamavademeus"capri- chosefantasias"."Bem",diziaeucomigo,"heidesalvá-Io, nãoimportacomo".Foi entãoqueencontreiummodo. SE'-;'HORALn,mE E seumaridonãosoubepor seupai queo dinheironãoprovinhadele? NORA Nunca.O papaimo~eudali adias._Euhavia.pensado I.emlherevelartudo,pedmdo-lhequenaometr31sse,mas r' eleestavatãomal...Aí nãopreciseidaressepasso. SE"'BORALJ]\,'DEE depois,vocênuncacontouparaseumarido? NORA Não,por Deus!Como eupoderia?Ele é tãorigoroso 22 nesseponto!.. E depois,eu feriria seuamor-própriode homem!Quehumilhaçãosaberquemedeviaalgumacoisa! Issoteriamodificadotodaa nossarelação,eo nossoado- rávellarnuncamaisseriao mesmo. SENHORALrNDE Vocênuncacontará? NORA(refletindo,enummeiosorriso) Talvez...comotempo, masnãotãocedo.Só quandoeujá nãofortãobonitacomo hoje.Nãoria!Querodizer:quandoTorvaldjánãomeamar tanto,quandojá nãosedeliciartantocomoqueeurecitoou danço,e asfantasiasqueeuvisto.Então,serábomterum trunfoà disposição... (Interrompendo-se)Tolice!Essedia nuncahádechegar.Então,Kristina,oquevocêtemadizer do meugrandesegredo?Eutambémsirvo paraalguma coisa...Acredite,essecasomedeumuitapreocupação.Na verdadenãometemsidofácil efetuaropagamentonadata pré-estabelecida.Eu lhe explico:nessesnegóciosháuma coisaque se chamajuros de trimestree outraainda:a amortização;etudoissoéterrivelmentedifícil dearranjar. TivequeeconorrUzarumpoucoaqui,umpoucoali.Dacasa, poucopodiatirar:eraprecisoqueTorvaldvivessecómcerta comodidade.E ascriançastambémnãopodiamandarmal vestidas.Parecia-mequetudoquantoparaeleseurecebia lhespertenciadedireito.Queridosanjinhos! SENHORALU'mEEntãoodinheirotevedesereconomizadodas suasdespesaspessoais?PobreNora! NORANaturalmente.Demaisamais,erajusto.Todasasvezes queTorvaldmedavadinheiropararoupasnovas,sógastava metade;compravasempreotecidomaisbaratoedequalidade inferior.Sorteminhaquetudomecaitãobem,deformaque Torvaldnadasuspeitou.Algumasvezes,contudo,custava- me;poisétãobomandarelegante,nãoéverdade? 23 SENHORALrNDE É claro. NORA E tambémtinhaoutrosganhos.No invernopassado, porsorte,conseguiummontedetextosparacopiar.Então recolhia-mee escreviaatéaltanoite.Oh! àsvezessentia- metãocansada!No entantoeratãodivertidotrabalharpara ganhardinheiro!Sentia-mequasecomoumhomem. SENHORALrNDE E quantovocêpôdepagardessaforma? NORA Ao certonãopossodizer.Vocênãoimaginaquantoé difícil mantero controledessascontas.O que sei é que pagueio maisquepude.Às vezesquaseperdiao juízo. (Sorri)Entãocismavaqueumvelhomuitorico seapaixo- naraporrrum. SENHORALIJ\"DEQuê?Quevelho? NORATolices!...Morrera,e aoabriro seutestamento,estava escritoemletrasgrandes:"Todaminhafortunafica paraa encantadorasenhoraNoraHelmer,edevelheserentregue imediatamente,eemdinheirovivo SENHORALD>"DEMinhaqueridaNora...quehomemeraesse? NORA Oh,Deus,entãonãocompreendes?O velhonãoexis- tia;eraapenasumaidéiaquesempremeapareciaquando nãoviamaismeiodearrumardinheiro.Além disso,agora tudomudou.O velhoenfadonhopodeestarondequeira, nãomeimportomaiscomelenemcomo testamento,pois hoje estou sossegada.(Ergue-se vivamente)Oh! meu Deus!Queencantopensarnisso,Kristina!Tranqüila!Po- derestartranqüila,completamentetranqüila,brincarcom meusfilhos,terumacasabonita,comgosto,comoTorvald a quer.Depoisvirá aprimavera,o lindocéuazul! Talvez entãopossamosfazerumaviagenzinha.Tornaraveromar! Oh!comoéadorávelvivereserfeliz! Toquede campainha 24 SENHORALINDE(erguendo-se)Estáchegandoalguém;quer quemeretire? NORA Não,fique;nãoesperoninguém;naturalmenteé para Torvald. A CRIADA(daportadasaleta) Comlicença,minhasenhora; estáaliumcavalheiroqueperguntapelosenhoradvogado. NORA Pelosenhordiretordebanco,vocêquerdizer... A CRIADASim,minhasenhora,pelosenhordiretordebanco; mascomoo senhordoutorRankestálá...nãosei... NORA Quemé? KROGSTAD(aparecendo)Soueu,minhasenhora. SENHORALINDE(estremece,perturba-see volta-separa a janela) NORA(dá umpassopara elee,perturbada,diz à meiavoz) O senhor?Que sucedeu?Para quequerfalar com meu marido? KROGSTADÉ arespeitodobanco- atécertoponto.Tenholá umempreguinho,eouvidizerqueoseumaridovaisernosso chefe... NORA Ah. entãoéapenas... KROGSTADAssuntomaçante,minhasenhora,nadamais. NORA Queiraentãofazero obséquiodeentrarno escritório. (Cumprimenta-ocomindiferença,fechaaportada saleta e volta-se,observandoofogo na estufa) SENHORALINDE Nora...queméessehomem? NORA É o advogadoKrogstad. SENHORALINDE Entãoéelemesmo? NORA Conhece-o? SENHORALINDE Conheci-ohámuitosanos.Foi algumtempo auxilardeadvogadonanossaregião. NORA É verdade. 25 ~) " ( I ( i ( ( ( ( ( ( ( ( r ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ) SENHORALn,mEComoestámudado! NORA Creioquenãofoi feliz nocasamento. SENHORALIl'<'DEE estáviúvo? NORA Está.Temummontedefilhos.Bom,o fogoagorape- gou. (Fecha a porra da estufa e afasta a cadeira de balanço) SE:\HORALI:\DE Parecequeseocupadenegóciosescusos. NORA Sim?É possível;nãosei...Mas nãofalemosdenegó- cios;é tãoenfadonho... Entrao doutorRank,vindodogabinetedeHelmer RAt"\lK(conversando,naportaentreaberta)Não; nãoquero atrapalhá-Io;vouporummomentofazercompanhiaà sua esposa.(Fecha a porta e nota a presençada senhora Linde)Oh!perdão!Tambémaquisouimportuno. NOR.ADe modoalgum.(Apresentando-os)O doutorRank;a senhoraLinde... R,,-'\K Ah, umnomequeseouvecomfreqüêncianestacasa. Parece-mequeaochegar,passeipelasenhoranaescada? SE:\HOR.ALI\'DE Sim; nãogostodeescadas.Tenhode subir bemdevagar. R.\.'\K Algumproblemainterno? SE\110RALI\'DE Na realidade,sóestoucansada. RA:\K Nada mais? Então,veio à cidadecertamentepara descansarfazendovisitas... SEl\'HORALINDE Vim paraprocurartrabalho. RAt,1<.Parece-lheremédioeficazcontraocansaço? SEl'mORALIl'mE É precisoviver,doutor. RANK É aopiniãogeral:julga-setalcoisanecessária. SEl\'HORALINDE Oh! doutor,estoucertadequeo senhortam- bémquerviver. 26 I t r, RANK É claroquequero.Mesmomiserávelcomosou,gos- tariadeparmaneceraquie sofrerduranteo maiorespaço detempopossível.Todososmeusclientestêmessedesejo. E dá-seo mesmocom aquelescujo mal é moral.Agora mesmodeixeijunto de Helmerumhomemqueé moral- menteinválido,e... SENHORALINDE(comVOZ abafada) Ah! NORA De quemo senhorestáfalando? RANK Ah, falo desseadvogadoKrogstad,umhomemquea senhoranãoconhece.Seucaráterestácontaminadoatéos ossos,masa primeiracoisaquedisse- dando-lhe,pois, umagrandeimportância- foi queprecisaviver. NORA É? QuenegóciostemeleatratarcomTorvald? RANK Parafalaraverdade,nãosei.Apenasouvidizerquese tratavadobanco. NORA IgnoravaqueKrog...queesseadvogadotivessealgoa vercomo banco. RANK Sim,temlá umaespéciedeemprego.(Dirigindo-seà senhoraLinde)Não seisenasuaregiãoaconteceo mesm9 também,masaquiháumtipodegentequesededicaafa- rejaracorrupçãomoral.Mal aencontracoloca-anumem- pregoondepossavigiá-Ia.Os homenshonestosserãodei- xadosdefora,aorelento. SENHORALINDE Devemosconcordaremqueosdoenteséque precisamsercuidados. RANK(encolhendoos ombros) Bonito!Essetipo deponto devistaéqueestátransformandoasociedadenumhospital. NORA(absortanos próprios pensamentos,subitamentedá um riso baixinhoe batepalmas) RANK De queri? Acaso sabesequero queé a sociedade? NORA Quemeimportaa suasociedadeenfadonha?Estava 27 rindodeoutracoisa,engraçadíssima.Ora,diga-me,doutor... todasaspessoasempregadasnobancodependem,dehoje emdiante,deTorvald? R"''''K E éissoqueadivertetanto? NORA(sorrindo e cantarolando) Não façacaso.(Passeia pela sala) Sim, é agradável;custa-mecrerquenós... que Torvaldtenhaagoratamanhainfluênciasobretantagente! (Tira da algibeira o saco de bolinhos de amêndoas) Querumpoucodebolinhodeamêndoas,doutor? R"""'1<:Quê? bolinhodeamêndoas?!Julgavaqueissofosse proibidonestacasa. NORA E é,masestasforamtrazidaspor Kristina. SE.'\'HORALINDE Eu?!... NORA Não precisaseassustar.Vocênãopodiaadivinharque Torvaldastinhaproibido.Sabeporquê?Porquereceiaque me estraguemos dentes.Mas, ora!... umavezsó! Não é verdade,doutorRank?.. Olhe! (Mete-lheumconfeitona boca) E você também,Kristina! Para mim só tiro uma pequenina... ou duas,quandomuito.(Tomaa andarpela sala) Oh!Estouterrivelmentefeliz!Sóhánestemundouma coisaquemeapeteceriatanto. R"""K Queserá...? NORAUmacoisaqueeugostariaimensamentededizerdiante deTorvald. R"""K E por quenãoadiz? NORA Não meatrevo,émuitofeio. SD'HORALINDE Feio? .. RANK Se assimé,defato,o melhorénãodizê-Ia;masanós podia... Que é entãoquelhe apeteceriadizerdiantede Helmer? NORA Tenhomuitavontadededizer:Caramba! 28 RANK Quelouquinha! SENHORALINDE Então,Nora... RANK Olhe,digaagora;lávemele. NORA(escondendoo sacode bolinhos) Pss! Pss! HELMER(aparecena porta do escritório, de sobretudono braço e chapéuna mão) NORA(dirigindo-seaele) Então,Torvaldquerido,já selivrou dele? HELMER Já; foi-seagora. NORA POSSOlheapresentar?É Kristina,quechegouhoje.HELMERKristina?..Queiramdesculpar,masverdadeiramente nãosei... NORAA senhoraLinde,meuquerido,asenhoraKristinaLinde. HELMER Ah! muitobem!É provavelmenteumaamigade. infânciademinhaesposa? SENHORALINDE Exatamente,somosvelhasamigas. NORAImaginequeelaempreendeuessacompridaviagempara lhefalar! HELMER Parafalar-me? SENHORALINDE Nãofoi sóesseo motivo... NORA É queKristinaémuitohábilemtrabalhosdeescritório, e desejamuitíssimoestarsob as ordensde um homem superioreadquiriraindamaisexperiência. HELMERTemtodaarazão,minhasenhora. NORA Entãologoquesoubedasuanomeaçãoparadiretordo banco- soube-oporumtelegrama-, pôs-seimediatamente acaminho.E você,parameseragradável...hádeseempe- nharporKristina,nãoémesmo? HELMERNão édetodoimpossível.Suponhoquetalvezase- nhorasejaviúva? SENHORALINDE Sou. 29 ____ ._---=-"'--~h::f ( ( NORA Ah! Um grandecãoatrás·dosmeusfilhos? Mas não mordia.Não,oscãesnãomordembonequinhoslindosetão queridos!Ivar,nãoabraosembrulhos.O quetemnesseaí? Vocênãopodesaber!Não, nãoé nadabonito.Ah, vocês 31 Entãobrincarammuito?Masissoéótimo!Sério?Vocêpuxou o trenócomEmmyeBob emcima?É impossível!Com os dois!Ah!vocêéumvalentezinho,Ivar!Ah! deixe-aficarum instantecomigo,Anna-Maria.Minha queridabonequinha! (Pega a filhinha e dança com ela) Sim, sim, a mamãe tambémvaidançarcomBob.Quê?Fizerambolasdeneve? Ah! quemmederaterido também!Não,deixe-me,Anna- Maria. Quero eu mesma tirar-Ihesos agasalhos.É tão divertido!Entre,vocêparecegelada.Na cozinhatemcafé quente. A babá entra no quarto do lado esquerdo.Nora tira os agasalhose os chapéusdosfilhos, espalhando-ospela sala, enquantodeixaque as criançasfalem ao mesmotempo O doutorRank,Helmerea senhoraLindedescema escada.A babáentrana cenacomas crianças.Nora também,depois defechar a porta NORA Como estãofrescose alegres!Ah, quefacescoradi- nhas!Parecemmaçãsou rosas! HELMER Venha,senhoraLinde, aqui só umamãeagüenta ficar. As criançasfalam-lhetodasao mesmotempoatéo final da cena HELMERE tempráticaemtrabalhosadministrativos? SENHORALINDE Simsenhor,bastante. HELMEREntãoémuitoprovávelquelhearranjeumlugar... NORA(batendopalmas) Estávendo? HELMERChegounumaboaocasião,minhasenhora. SENHORALI1'.'DENão seicomoagradecer-lhe! HELMER Oh! nãofalemosnisso!(Vesteo sobretudo)Agora, porém,queiramdesculpar-me... RANK Espere;voucontigo.(Vaibuscaro casacodepele na saletae aproxinuz-seda estufapara aquecê-Io) NORA Não demore,caroTorvald. HELMERUmahora,quandomuito. NORA Vocêtambémjá vai,Kristina?, SENHORALINDE(pondoocasaco) Precisoarranjaralojamento. HELMERPodemosir juntosumpedaço. NORA(ajudando-a) É penaestarmostãoapertados... mas éimpossível... SENHORALr:'-.'DEQueidéia,Nora!Atédepois,minhaquerida,e muitoobrigada. NORAAtélogo.É claro,ànoitevocêvolta.E osenhortambém, doutor.Quê?Seestiverdisposto?Decertoqueestará.Basta agasalhar-sebem. Saem conversandopela porta da entrada. Ouvem-seas vozesdas crianças na escada NORA Ai vêmeles!aí vêmeles!(Correa abrir;entraAnna- Maria, a babá,comascrianças)Entrem,entrem!(Curva- se e beija-as)Oh! meusqueridos!Estávendo,Kristina? Não sãoumasgracinhas? RANK Não fiquembatendopaponacorrentedear. 30 ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( :f ( 1! i'l, , : ( I :1 ;~1 il J ( :, ( :1I ( ri ( Ir: ~( I~'~:r'-'- querembrincar?De quê?De esconde-esconde?Estábem. O primeiroa seesconderé o Bob.Eu? Entãosoueu,está bem. Nora e os filhos começama brincar,gritandoe rindopelas duas salas contíguas.Por fim, Nora esconde-sedebaixo da mesa.As criançaschegamemtropeleprocuram-nasem a encontrar.Ouvem-lheo riso abafado;precipitam-separa a mesa,levantamo panoe descobrem-na.Gritosdealegria. Ela sai comas mãosno chão, comopara os amedrontar, novosgritos de alegria. Entrementes,alguémbateà porta de entrada,semqueninguémouça.A porta entreabre-see vê-seKrogstad.Espera um momento.O jogo prossegue KROGSTADPerdão,senhoraHelmer... NORA (solta um grito surdo e ergue-seumpouco) Que deseja? KROGSTADDesculpe-me;a portaestavaentreaberta.Esque- ceram-sede fechá-Ia. NOR". (levantando-se)Meu esposonãoestáemcasa,'senhor Krogstad. KROGSHDBemsei. NOR". Então...o quequer? KROGSTADTrocarconsigoalgumaspalavras. NORA Comigo?.. (Baixo,aosfilhos) Vão ficar comAnna- Maria. O quê?.. Não, O estranhonão quer fazer mal a mamãe... Quandoelefor emboravamosjogar outravez. (Acompanhaas criançasatéo compartimentoda esquer- da efecha a porta atrás delas) NORA (inquieta,agitada) Desejafalarcomigo? KROGSTADSim,minhasenhora,consigo. 32 NORA Hoje? ..Mas aindanãoestamosnoprimeirodo mês... K.ROGSTADNão; estamosna vésperado Natal.Da senhora dependequeesteNatallhetragaalegriaoupesar. NORA Mas quepretende?Hoje é verdadeiramenteimpossí- vel... KROGSTADPorenquantonãofalemosnesseassunto.Trata-se deoutracoisa.Podeconceder-meummomento? NORA Posso,certamente,aindaque... KROGSTADBem.Encontrava-menorestauranteOlsenquan- do vi passaro senhorseumarido... NORA Ah! K.ROGSTADComumadama. NORA E então? K.ROGSTADPermita-meumapergunta.Essadamanãoeraa senhoraLinde? NORA Era. K.ROGSTADChegouhoje? NORA Sim,hoje. KROGSTADEla éumaboaamigadasenhora? NORA É, masnãopercebo... KROGSTADTambémaconhecioutrora. NORA Sim,eusei. KROGSTADVerdade?Entãoa senhoraouviufalara respeito? Bemmeparecia.Nessecasopoderádizer-meseasenhora Lindevaiterumacolocaçãonobanco? NORA Comoousao senhorinterrogar-meaesserespeito?O senhor,queé subordinadodo meumarido!Mas, umavez que estáperguntando,vou satisfazer-lhea curiosidade. Efetivamente,asenhoraLinde vai serfuncionáriadoban- co.E foi devidoa mim,senhorKrogstad.E agorajá está sabendo. 33 ~ ~__--.- l .. ít·· "-:"; .-:,./•..•...• ,( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( { ( ( ( ( ( ( ( KROGSTADSim,éo queeuimaginava. NORA(andandodeumladopara outroda cena) Como vê, aindatenhoalgumainfluência.Emborasejamulher,isso nãosignifica... Sim,quandoseestánumasituaçãosubal- terna,senhorKrogstad,é preciso ter cuidado em não molestaralguémque...hum... KROGSTAD...quetenhainfluência? NORA Exatamente. KROGSTAD(mudandode tom) SenhoraHelmer,a senhora seriaboaapontodeusardasuainfluênciaemmeufavor? NORA Quê?Nãocompreendo. KROGSTADTeriaabondadedeintercederparaqueeuconserve omeumodestolugarnobanco? NORA Quequerdizer?Quemestátentandotirá-Iadosenhor? KROGSTADOh! Não é precisosimulardiantede mim. Com- preendomuitíssimobemqueasuaamiganãosintagrande prazeremmever,e agoraseia quemdevoagradecerpor minhadispensa. NORA Mas afirmo-lhe... KROGSTADEnfim, emduaspalanas:aindaé tempo,e acon- selho-aaempregarasuainfluênciaparaevitartalcoisa. NORAMas,senhorKrogstad,eunãotenhonenhuminfluência. KROGSTADComoassim?Parece-mequeaindahápoucoaouvi dizer... NORA Claroquenãoeranessesentido.Comopodeo senhor suporqueeutenhatamanhopodersobreomeumarido? KROGSTADOh! Eu conheçoo seumaridodo tempoemque éramosestudantes.Não creioqueo nobrediretordobanco sejamaisinflexíveldoqueosoutroshomenscasados. NORA Se sereferirdemodoofensivoa meumarido,expul- so-o! 34 KROGSTADQuecoragema senhoratem! NORA Não o temo.Passadoo Ano Novo, ficareilivredesi. KROGSTAD(contendo-se)Ouça, minhasenhora:sendone- cessário,paraconservaromeuempregolutareicomosese tratassedeumcasodevidaou morte. NORA De fato,é issoqueparece. KROGSTADNãoéapenasporcausadosalário;issoéo deme- nos.Há,porém,outracoisa...enfim,voulhedizer tudo.A senhorasabe,naturalmente,comotodaagente,quecometi umaimprudênciamuitosanosatrás. NORA Parece-meque ouvi falar... KROGSTADO casonãochegouaostribunais;masdesdeentão todososcaminhosmeforamfechados.Assim,eupasseia mededicaràquelaespéciedenegóciosqueasenhoraconhece; eranecessárioencontrarqualquercoisa,epossodizerque nãofui piorqueosoutros.Masagoraquerolivrar-medessetipodecoisa.Meusfilhosestãocrescendo;porcausadeles querorecuperar,omaispossível,minharespeitabilidadede cidadão.Esselugarnobancoeraparamimopn,meiropasso. E agorao seumaridoquerempurrar-medevoltaà lama. NORA Mas, honestamente,senhorKrogstad,eunadaposso fazerparaauxiliá-lo. KROGSTADIssoporqueasenhoranãoquer.Mas tenhomeios queaobrigarãoafazê-Ia. NORA O senhor,decerto,nãoirádizerameumaridoquelhe devodinheiro? KROGSTADRum!E seassimfosse? NORA Seriaindecorosodasua parte.(Coma vozembarga- da) Esse segredode quetantome orgulho,nãogostaria queeleo soubessedessamaneirafeia e brutal...pelose- nhor. Seriaexpor-mea grandescontrariedades. 35 )<:; H~ j,;\ .~. , ii:,_ li!' .~··r·-- "'". _. __ 37 queriadizerquequemdeviaindicara datada assinatura erao seupai.Recorda-sedisso? NORASim,efetivamente... KROGSTADEntãoeulheentregueiapromissóriaqueasenhora tinhaderemeterpelocorreioaseupai.Foi assimquetudo sepassou,nãoé verdade? NORA Foi. KROGSTADE, claro,asenhorao remeteuimediatamente,pois daíacincoouseisdiasmeapresentavaapromissóriacom aassinaturadeseupai.E aquantiafoi-lhe entregue. NORASim,eentão?Nãopagueiminhasprestaçõescompon- tualidade? KROGSTADSim,commuitapontualidade.Mas, voltandoao queestávamosfalando Aquelestempos,decerto,foram difíceisparaa senhora. NORA Nãonego. KROGSTADParece-meque seupai estavaacamado,muito doente. NORA Ele estavamorrendo. KROGSTADE nãodemoroumuito,elemorreu. NORA Sim. KROGSTADDiga-me,minhasenhora,acasoserecordadadata damortedeseupai?Querodizer,aquediadomês...? NORA Meupaifaleceua29desetembro. KROGSTADExato.Estouinformado.E poressamesmarazãoé quenãoconsigoexplicar... (tira do bolsoumpapel) uma coisacuriosa... NORA Quecoisacuriosa?Não sei... KROGSTADO curioso,senhoraHelmer,équeseupaiassinoua promissóriatrêsdiasdepoisdemorto. NORA Comoassim?Não entendo. KROGSTADSomentecontrariedades? NORA (vivamente)Procedacomoquiser:diga-lhetudo.Quem sofrerámais seráo senhor;meumaridoveráentãoque espéciede homemé,eentãopodeficarcertodequeper- deráo seulugar. KROGSTADPerguntei-lhesereceiaapenascontrariedadesna suavidadoméstica. NORA Semeumaridosouberdetudo,naturalmenteiráquerer pagarlogo;eentãoficaríamoslivresdosenhor. KROGSTAD(dandoumpassopara ela) Ouça,senhoraHel- mer...Ou asenhoranãotemmemória,ouentãotempouca experiênciaem negócios.Precisoesclarecê-Iaumpouco. NORA Paraquê? KROGSTADNa épocadaenfermidadedeseumaridoasenhora dirigiu-seamimparalheemprestarmil eduzentostáleres. NORA Não conheciamaisninguém... KROGSTADPrometiconseguir-lheessaquantia. No!?,.",.E conseguiu. KROGSTADPrometi obter-lheessaquantiasobcertascon- dições.A senhora,porém,estavatãopreocupadacom a doençade seumaridoe tão empenhadaem conseguiro dinheirodaviagemque,julgo, nãodeuatençãoaosdeta- lhes.Eis arazãoporquenãoachodemaisrepeti-Iasagora. Poisbem!Prometiobter-lheodinheiromedianteumrecibo queeuelaborei. NORA E queeuassinei. KROGSTADBem.Mas, maisabaixoacrescentavam-sealgu- maslinhaspelasquaisseupai setornavaseufiador.Essas linhasdeveriamserassinadasporele. NORA Deveriam,diz o senhor?E eleassimo fez. KROGSTADEu haviadeixadooespaçodadataembranco;isso 36 i :1 I !iI ( i :( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( KROGSTADSeupai faleceuno diavintee novedesetembro. Mas veja.Suaassinaturaé datadado diadoisdeoutubro. Não é estranhoisso? NORA(silencia-se) KROGSTADTambémée\'identequeaspalavras:doisdeoutubro, assimcomoo ano,nãosãodopunhodeseupai,mastêm umacaligrafiaquemeéconhecida.Enfim, é coisaquese podeexplicar.Seupai teriaseesquecidodedatara assi- natura,ealguémofezaoacaso,antesdeterconhecimento dasuamorte.Nãohágrandemalnisso.Aqui o essencialé a assinatura.E estaé autêntica,não é mesmo,senhora Helmer?Foi defaro,seuprópriopaiquemescreveuaquio seunome? NORA(depoisde brevesilêncio,erguea cabeçae encara-o comar provocante) Não,nãofoi ele.Quemescreveuo nomedepapaifui eu. KROGSTAD Sabe,minhasenhora,queessaconfissãoé pe- rigosa? NORA Por quê?Daquiapoucoo senhorteráo seudinheiro. KROGSTADPermita-meoutrapergunta.Por quenãoenviouo papela seupai? NORA Era impossível.Ele estavatãodoente!Paralhepedira assinaturaeu tinhade lhe explicara quese destinavao dinheiro.Maseunãopoderialhedizer,noestadoemquese encontrava,quea vidademeumaridocorriaperigo.Era impossível. KROGSTADNessecasoomelhorteriasidorenunciaràviagem. NORA De modoalgum.Essaviagemdeviasalvara vidade meumarido.Nãopodiarenunciaraela. KROGSTADE a senhoranãopensouquecometiaumafraude paracomigo? NORA Nãopodianempensarnisso.Quemeimportavaamim 38 iiJ:.~~ o senhor!Eu já nãoo podiasuportarporcausadetodosos frios argumentosqueme apresentava,sabendoquemeu maridoestavaemperigo! KROGSTADSenhoraHelmer,vejo claramentequea senhora nãopercebea extensãoda suaculpa.Mas vou lhe dizer umacoisa:o atoquearruinouaminhareputaçãosocialnão... eramaIScnmmosoqueo seu. NORA O quê? O senhorestáquerendome fazercrer que praticouuma açãocorajosapara salvar a vida de sua mulher?! KROGSTADAs leisnãosepreocupamcommotivos. NORA Nessecaso,sãoleisbastantemás. KROGSTADMás ou não... seeumostrarestepapelà justiça, segundoas leisa senhoraserácondenada. NORA Não acredito.Entãoumafilha não teráo direitode evitaraseuvelhopaimoribundoinquietaçõeseangústias? Umamulhernãoteráo direitodesalvara vidadeseuma- rido?Eu nãoconheçoa fundoas leis, é claro;masestou certade quedeveestarescritoem algurpapartequetais coisassãopermitidas.E osenhornãosabedisso?O senhor, um advogado?!Parece-mepoucohábil comohomemde leis,senhorKrogstad. KROGSTADÉ possível.Masdenegócioscomoessesnossos... concordaqueentendo,nãoéverdade?Bem.Agoraproce- dacomobementender;oquelhepossoafirmaréqueseeu forexpulsopelasegundavez,asenhoramefarácompanhia. (Cumprimentae sai) NORA(refletepor algum tempo;depois erguea cabeça) Ora! Ele queriaassustar-me!Mas eu não sou tão tola! (Começaa apanharas roupasdosfilhos, masdetém-se passadoum momento)Mas...? Não, é impossível!Se o quefiz foi poramor! 39 As CRIANÇAS(ã porta da esquerda) Mamãe,o estranhojá foi embora. NORA Sim,sim,já sei.Masnãofalemaninguémsobreaquele estranho,entenderam?Nem mesmoaopapai. As CRIANÇASNão, mamãe.Vamosagorabrincardenovo? NORA Não,não;agoranão. As CRIANÇASMas vocêprometeu,mamãe... NORA Agoranãoposso.Entremno quarto.Vão-seembora; tenhomuito que fazer.Vão, meusfilhinhos queridos... (Empurra-osmeigamentee fechaaportaatrásdeles.Sen- ta-seno sofá;peganumbordado,dá algunspontos,mas logopára)Não! (Atirao bordado,ergue-se,vaiàportada entradae grita)Helena!traga-mea árvore.(Aproxima-se dámesadaesquerdae abrea gaveta;depoisestaca)Não, éabsolutamenteimpossível! A CRIADA(trazendoa árvoredeNatal) Ondea coloco,se- nhora? NORA Ali; nomeiodasala. A CRIADA A senhoraprecisademaisalgumaçoisa? NORA Não, obrigada;tenhotudoaqui: (Deixandoa árvore de Natal, a criada sai) NORA(omamentandoa árvore) Aqui, devemficar umas velas...ali, osadornos...Quehomemmau!Tolice!Tolice! Issotudonãotemimportância.-Há deficarlindaaárvore deNatal.Querofazertudoo quete trazalegria,Torvald; dançareiparavocê,cantarei... HELMER(entracom umapasta cheia de documentossob o braço) NORA Ah! Vocêjá voltou! HELMER Já. Veio alguém? NORA Aqui emcasa,não. 40 ~a~, HELMERÉ estranho.Vi Krogstadsairdoprédio. NOR..\ Ah, sim,Krogstadmefezumabrevevisita. HELMERNora,possoverpelasuaexpressãoqueelelhepediu paraintercederemseufavor. NORA Foi. HEL\1ER E vocêtencionavafazercom queessepedidopa- recesseumaidéiasua.Eu nãodeviasaberdavisitadele. Nãofoi o queelepediu? NORA Foi, Torvald,mas... HEL"-1ERNora, Nora! Como você se prestaa essetipo de coisa?Dar ouvidosaumhomemcomoesseecomprome- ter-secomele!E, aindaporcima,mentirparamim! NORA Mentir? HEL\1EREntãovocênãomedissequeninguémtinhavindo aqui? (Ameaçando-acom o dedo)Não faça mais isso, minhaavecanora.Uma avecanoradevetero bico limpo paragorjear;e nadade notasdesafinadas.(Passa-lheo braçopela cintura)Não é verdade?... Eu sabiaqueera. (Solta-a)E agora,nemmaisumapalavrasobreo assunto. (Senta-sejunto da estufa)Como estáquentee acolhedor aqui!(Fo lheia os papéis) NoR.1>,(ocupa-seguamecendoa árvore.Após umbrevesilên- cio) Torvald! HELMERSim. NORA Estouterrivelmentefeliz pelobailea fantasiaqueos Stenborgvãodardepoisdeamanhã. HELMER E euterrivelmentecuriosoem ver a surpresaque vocêmeprepara. NORA Ah, essahistóriaboba! HELMER O quê? NORA Não soucapazdeencontraralgoquedêcerto;tudoé tãotoloeinsignificante. 41 ;" ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( i ( ( ( ( HELMER Ah, entãoa minhapequenaNora chegoua essa conclusão? NORA(por detrásdo cadeirado mnrido,coma mãono en- costa) Vocêestámuitoatarefado,Torvald? HELMER Estou... NORA Quepapéissãoesses? HELMER Negóciosdobanco. NORA Já? HELMER Sohciteidosantigosdiretoresplenospoderespara empreenderas mudançasnecessáriasno pessoale nos negócios.VouempregarasemanadoNatalnessetrabalho. QuerotertudoemordemparaoprinCípiodoano. NORA Entãofoi por issoqueo pobreKrogstad... HELMER Hum!... NORA (cun·a-seumPOllCO paraafrenteepassaa rnãopelos cabelosdeHelmer) Sevocênãoestivessetãoocupadoeu lhepediriaumenormefavor,Torvald. HELMERVamosver.O queé? NORA Ninguémtemmaisbomgostoquevocê,eeuqueriame apresentarbemno baile...Vocênãopoderiaseocuparum pouquinhocomigoeajudaraescolheraminhafantasia? HELMER A-há! A minhamulherzinhaobstinadaestáemdi- ficuldadesequerquealguémasocorra? NORA É verdade,Tor\'ald,nadapossoresolversemvocê. HaMER Bem,bem;pensaremosnisso,edecertoencontraremos algumacoisa. NORA Ah? comovocêé amável!(Voltaà árvorede Natal. Silêncio)Como estasfloresvermelhasficamlindas!Tor- vald,oqueKrogstadfez foi tãoterrívelassim? HELMER Falsificouassinaturas.Vocêcompreendeo queisso significa? 42 NORA Nãoteriasidolevadoa issopelanecessidade? HELMER Pode ser...ou, como tantosoutros,por simples imprudência.E eunãosoutãocruela pontodecondenar umhomemporumúnicodeslize. NORA Vocênãofariaisso,nãoé,Torvald? HELMERMuitoshomenssereabilitammoralmente,maspara issoéprecisoqueconfessemsemrodeiosseucrimeeque aceitemapunição. NORA A punição? HELMER Mas Krogstadnãoquis seguiressecaminho.Pro- curouescapardasituaçãorecorrendoadiversosexpedien- teseàhabilidade;foi o queo arruinou. NORA Entãovocêacreditaque... HELMER Ora,imaginecomo,depoisdeum delitodesses,o indivíduotemdepassara mentire a serhipócritatodoo tempo.Ele éobrigadoadissimularatécomosquelhesão maispróximosecaros:aesposae os filhos.Sim,atécom osfilhos...e issoéo maisterrível,Nora. NORA Porquê? HELMERPorqueumaatmosferamentirosacontagiaeenvenena avidadaquelelar.Decadavezqueosfilhosrespiramnaque- la casa,absorvemos germesdo mal. NORA(aproximando-se)Tem certezadisso? HELMERComoadvogadojá vi issomuitasvezes,querida.Quase todososjovensquesevoltaramparao crimetiverammães mentirosas. NORA E porqueexatamentemães? HELMER Quasesemprea falhaé damãe,mas,é claro,o pai podeinfluirnomesmosentido.Todososadvogadosreco- nhecemisso.E certamenteessesujeito,Krogstad,durante anosvemenvenenandoos própriosfilhoscommentirase 43 11 ! ji 1 I ! l' ~ dissimulação. Por isso eu o considero um homem moralmenteperdido.(Estende-lhea mão) E por isso a minha pequenae queridaNora precisa prometernão intercedermaisemseufavor.Dê-mea suapalavra.Mas o que é isso? Estenda-mea mão. Assim. Está decidido. AfIrmo-lhequemeseriaim-possíveltrabalharcomele.Sinto, literalmente,ummal-estarfísicojuntodepessoasassim. NORA(retiraa mãoe vai se colocardo outrolado da árvo- re) Como estáquenteaqui!Além dissoeu tenhoainda muitacoisaparafazer. HELMER(levanta-see reúneos papéis) . Sim, eu também. Tenhodeexaminaristoantesdo almoço.Depoispensarei emsuafantasia.Podeserqueeutambémtenhaqualquer coisa para dependurarna árvore,num papel dourado. (Coloca-lhea mãosobrea cabeça)Oh! minhaquerida avezinhacanora!(Entra no escritórioefecha a porta) NORA(baixo, após umbrevesilêncio) Ah! não pode ser. Issonãoépossível.Nãopodeserpossível! BABÁ (à porta da esquerda) As criançasquerementrar paraficar com a senhora;estãopedindodeum modotão engraçadinho! NORA Não,não,não,nãoosqueroaqui.Fiquecomelas,An- na-Maria. BABÁ Estácerto,senhora.(Fechaaporta) NORA(pálidadepavor) Perverteros meusfilhinhos!... En- venenaro meular!... (Brevesilêncio,ergueafronte)Não é verdade!Não podeserverdade.Nunca,nunca! 44 SEGUNDO ATO Mesmacena.A árvorede Natal desnudadae desgrenhada comos ceposdas velas queimadasestáà um canto,junto do piano. Sobre o sofá, ao acaso, o chapéue a capa de Nora. Nora, sozinha,anda de um lado para o outro,agi- tada;por fim detém-sejunto do sofá e pega a capa NORA(largandoa capa) Chegou alguém!... (Dirige-se á portaepõeo ouvidoà escuta)Não,nãoé ninguém.Não, não;aindanão é parahoje, dia de Natal; paraamanhã tambémnão... Mas, quemsabe...? (Abre a porta e olha parafora) Nada; a caixade correspondênciaestávazia. (Vempara afrente)Quebesteira!Aquelaameaçanãoera a sério!Tal coisanãopodeacontecer... é impossíveL.te- nhotrêsfIlhinhos. A babá,carregandoumagrande caixa de papelão,entra pela porta esquerda BABÁ Até queenfimencontreia caixacomasfantasias. NORA Obrigada,ponha-anamesa. BABÁ(obedecendo) Naturalmenteprecisaserarrumada. NORA Ah, meudesejoérasgá-Iaemmil pedacinhos. 45 !: H li 11 !ir !11i 1'( 1I ii 'iJ 11 (iI'· 11 i:,( j, I' ( I ( ( ( ( ( ( ( B.~Á Ah! isso não!Podeserconsertadalogo; é precisosó umpouquinhodepaciência. NORA Sim,voupedirà senhoraLinde quevenhameajudar. B.~Á Sair outravez?Com essetempo?!A senhorapode apanharumresfriado... e cair decama. :t\ORA Há coisaspioresqueisso...Comoestãoascrianças? BABÁ Coitadinhas,estãobrincandocom seuspresentesde Natal,mas... NORA Perguntammuitopormim? B.~Á Elas estãomuitohabituadasaficarcoma senhora. NORA Decerto,Anna-Maria;mas,olhe,daquipordiantenão possoestartantasvezesjunto delas.· B.~Á Estábem,elasacabarãoseacostumando. :t\ORAVocêacha?Seeuasdeixasseparasempre,vocêacredi- taquemeesqueceriam? BABÁ Parasempre?...Deusnoslivre disso! :t\ORAOuça,Anna-Maria...quantasvezestenhopensadonisso, medigacomofoi que"ocêtevecoragemdeconfiaro seu filho aestranhos? BABÁ Assimfoi preciso,paracriaraminhapequenaNora. :t\ORASim,mascomovocêpôdetomaradecisão? BABÁ Quandoéqueeuteriaumacolocaçãotãoboa?Erauma sortemuitograndeparaumamoçaquederatãomaupasso... E o tratantenãoqueriasaberdemim. NORA A suafilha aesqueçeu,semdúvida. B.~Á Não, nãoesqueceu.Escreveu-mequandofoi crismada e depoisquandosecasou. NORA(lançando-lheos braçosao pescoço) Minha velhae boaArma-Maria,vocêfoi umaboamãeparamimquando, euerapequena. B.~Á PobrepequenaNora,nãotinhaoutramãe,senãoeu. 46 NORAE seosmeusfilhinhostambémnãotiveremoutra;bem sei quevocê... Bobagem,bobagem!(Abre a caixa) Vá ficarcomeles,euagorapreciso...vocêvai vercomofica- reibonitaamanhã. BABÁ Tenhocertezadequenobailetodonãohaveráninguém tãobonitacomoa senhora,donaNora. (Saipelaportada esquerda) NORA(abrindoa caixa,mas logo atirando tudopara lon- ge) Seeumeatrevesseasair...Seestivessecertadeque nãoapareceráninguém...Sesoubessequenadaacontece- riaatéaminhavolta...Quetolice!Precisoparardepensar nisso.Ninguémvirá.Vouescovaro regalo.Quelindaslu- vas,quelindas!Não voupensar,nãovou.Um, dois,três, quatro,cinco,seis... (Soltaumgrito) Ah! aí vem... (Quer se encaminharpara a porta, masfica indecisa) SENHORALINDE(entra,depoisdedeixaro casacoe o chapéu nasaleta) NORA Ah, évocê,Kristina?Não hámaisninguémlá fora?.. Quebomvocêtervindo! • SENHORALINDE Soubequevocêestevemeprocurando. NORA É verdade,passeipelasuacasa...Querialhepedirque meajudasse.Sente-seaquinosofá, ao meu lado. Olhe, amanhãháumbailea fantasiano andarsuperior,nacasa do cônsulStenborg.Torvaldquerqueeu me disfarcede pescadoranapolitanae dancea tarantelaqueaprendiem Capri. SENHORALINDE Sim,senhora,vocêvaidarumespetáculo! NORAÉTorvaldquemquer.Estáaquiaroupa;elememandou fazê-Iaaindalá no sul. Mas estátão estragadaquenão sei... SENHORALINDE Issosearranjadepressa.Só osbabadoséque 47 Ilr ;~ li': f i: j estãodescosturadosemalgunspontos.Dê-melinhaeuma agulha.Ótimo,temtudoOquepreciso. NORA Comolheagradeço! SENHORALINDE(costurando) Então você vai se fantasiar amanhã.Sabedeumacoisa,virei aquiparavê-Iafantasia- da.Olha! Já estavameesquecendodeagradecer-lhepela noiteagradáveldeontem. NORA(erguendo-see atravessandoa cena) Oh, ontem... Pareceu-mequenãoseestavatãoagradávelcomodecos- tume.Vocêdeviaterse lembradodessaviagemhá mais tempo,Kristina...É verdadequeTorvaldtemograndedom detomaracasaanimada,aprazível. SENHORALINDE E vocêtambém,Nora..: creioeu... a digna filha deseupai.Mas,diga-me,o doutorRankestásempre assimsoturnocomoestavaontem? NORA Não, ontemestavamaisdesanimado.Atacou-ouma terríveldoença:sofredetabe,o coitado.O paideleeraum libertino.Tinhaamantes...ecompreende...aconseqüência dissofoi o filhojá nascerassimdoente. SENHORALINDE(repousandono colo 6 trabalhoqueestáfa- zendo) Mas, minhaqueridaNora,quemé quelheconta essashistórias? NORA(andando) Ora!... Quandojá se temtrêsfilhos... re- cebe-seavisitadecertassenhorasquesãomeiomédicase quenoscontamcoisas... SENHORALINDE(continuaa costurar;brevesilêncio)O doutor vemaquitodososdias? NORATodos.É omelhoramigodeinfânciadeHelmer,eémeu amigotambém.O doutorRanké,porassimdizer,decasa. SENHORALINDE E seráhomemabsolutamentesincero?Quero dizer... nãoé dadoa dizercoisassóparaagradar? 48 NORA Pelocontrário.Queidéiafoi essa? SENHORALINDEOntem,quandovocênosapresentou,eleafirmou quejá ouviramuitasvezeso meunomenestacasa;ora, depoiseupercebiqueseumaridonãotinhanenhumaidéia dequemeuera.Comofoi entãoqueodoutorRankpôde...? NORAVocêtemrazão,Kristina.Torvaldmeadora;equerque eusó vivaparaele,comoele própriodiz. Nos primeiros temposficavaenciumadoquandoeumencionavaalguma pessoaqueridaquemerodeavaantigamente.Assim,acabei porcensurá-Iasnaminhaconversa.MascomodourorRank possoexpandir-me,poiseleatégostademeouvirfalardelas. SENHORALINDE Ouçabemo quelhedigo,Nora; sobmuitos aspectosvocêé comoseaindafosseumacriança:eusou umpoucomaisvelhae tenhotambémumpoucomaisde experiência.Vou dar-lheum conselho,quantoaodoutor Rank:énecessáriopararcomisso. NORA Pararcomo quê? SENHORALINDE Bem...Comasduascoisas,acho.Ontemvo- cêmefaloudeumricoadmiradorquelheiriaconseguirdi- nheiro. NORA Falei; masnãoexiste... infelizmente!Mas o quetem isso? SENHORALINDE O doutorRankérico? NORA É, temfortuna. SENHORALINDE E ninguémquedependadele? NORA Não,mas... SENHORALINDE E vemcátodosantodia? NORA Vocêsabequesim. SENHORALINDE Comopodeessehomemdelicadosertão... NORANãocompreendoabsolutamentenadadoquevocêestá dizendo. 49 ( ( / I ( ( ( ( ( ( ( ( SEl'<'HORALI'\'DE Nãofinja, Nora,pensaqueeunãoadvinhei quemlheemprestouosmil eduzentostáleres? NORA Vocêperdeuo juízo? Comopodepensarnumacoisa dessas?De umamigoquevemcátodososdias!Seriauma situaçãotenivel. SENHORALr~TIEEntão,deverdade,nãofoi ele? NORA Não, asseguro-lhe.Isso nuncapassoupelaminhaca- beça,nemporuminstante.Além detudo.naquelaépocae- lenadapodiaemprestar;sódepoiséquerecebeuaherança. SENHORALr~TIEEntão,queridaNora,foi umasorteparavocê quetenhasidoassim. NORA Não,nuncapassariapelaminhacabeçapediraodoutor Rank...No entantoestoucertadequeseeulhepedisse. SENHORAL~TIE ...coisaque,naturalmentevocênãofaria . NORA Não,claro.Nemprevejoessanecessidade.Estoubem certa,porém,dequeseeufalasseaodoutorRank... SENHORALI'\'DE Semqueseumaridosoubesse? NORA Precisosairdessaoutrasituação- essasim,ignorada por ele.Isso temdeterminar. SE?\'HORALI~TIEEraoqueeuestavalhedizendoontem,mas... NORA(andandodeumladopara o outro) um homemdes- vencilha-semelhordessesnegóciosqueumamulher... SENHORALemE Sefor seuprópriomarido,sim! NORA Toljces!(Detendo-se)Depoisdeumacontapagaen- tregam-nosumanotapromissóriaquitada,nãoéassim? SENHORALI'\'DE Semdúvida. NORA E podemosentãorasgá-Iaemmil pedacinhos,queimá- Ia...Papelnojento! SENHORALll\'DE(olha-afixamente,depõeo trabalho, e le- vanta-sedevagar) Nora,vocêmeescondealgumacoisa. NORA É tãoóbvioassim? 50 SENHORALINDE Desde ontempela manhãalgumacoisa aconteceucomvocê.Diga-me:o quefoi, Nora? NORA(virando-separa ela ) Kristina!(Apurandoo ouvido) Pss!Torvaldchegou.Olhe,vá parao quartodascrianças. Torvaldnãotoleravercosturas.DigaàAnna-Mariaquea ajude. SENHORALINDE(juntandoumaparte dos enfeitese utensÍ- , lios decostura) Estábem;masnãovouemboraenquanto nãoconversarmostudofrancamente.(Sai pela porta da esquerda;ao mesmotempoHelmerentrapela da saleta) NORA(indoao seuencontro) Esperava-ocomimpaciência, caroTorvald! HELMEREra acostureira? NORANão,eraKristina;estámeajudandoaconsertararoupa. Vocêveráquesensaçãofarei! HELMERSim,nãofoi umaidéiabrilhante,essaminha? NORA Umaótimaidéia.Mas tambémnãofoi gentildeminha parteseguirasuasugestão? HELMER(afagando-lheo queix@)Gentilporobedecerao seu marido?Vamos,minhatontinha,bemseiquenãofoi isso quevocêquisdizer.Mas nãovou importuná-Ia.Sei que vocêestáquerendoexperimentararoupa. NORA E você,vaitrabalhar? HELMERVou.(Mostrandopapéis)Estávendo?Fui aobanco. (Dirige-separa o escritório) NORA Torvald. HELMER(parando) Quê? NORA Seo seuesquilinhopedissemuitograciosamenteuma coisa? HELMERQual? NORA Vocêafaria? 51 HELMER Em primeirolugarprecisariasaberdoquesetrata. NORA Se vocêfosseamávele dócil, o esquilinhosaltariae fariatodotipodegracinhas. HELMER Diga depressa. NORA A cotoviatrinariae a suacançãoencheriaa casain- teira. HELMER A cotovianãofaz outracoisa. NORA Seriaumafadae dançariaparavocêsoba luz do luar, Torvald. HELMER Nora... nãomedigaquesetratado assuntoa que vocêfez alusãoestamanhã? NORA(aproximando-se) Sim,Torvald... eulhepeço. HaMER Surpreende-mequevocêvolte{falarnisso. NORA Sim, Torvald,sim,é precisoconsentir,é precisoque Krogstadconserveo seulugarnobanco. HELMER Minha queridaNor~ destineiesselugar à senhora Linde. NORAAgradeço-lhe,masvocêpodedespediroutroempregado emvezdeKrogstad. HELMERIssoéumateimosiaqúeexcedetodososlimites!Só porterfeitoumapromessairrefletida...vocêqueriaque... NORANãoéporisso,Torvald...É porvocê.Vocêmesmodisse queessehomemescrevenamaisbaixaimprensa...Quanto malelenãopodelhefazer!...Estousimplesmentemortade medodele.. HaMER Oh! compreendo;sãoantigasreminiscênciasquea assustam. NORA O quevocêquerdizer? HELMERÉ evidentequevocêlembrou-sedeseupai. NORA Lembrei-me,é claro.Vocêserecordadetudoquanto essagenteinfameescreveusobrepapainosjornais...e to- 52 daSascalúniasquelheimpingiram.Creioqueoteriamdemi- tidoseoministérionãotivesseenviadovocêparaproceder à sindicânciae sevocênão tivessesemostradotãobem intencionadoeprontoparaajudar-lhe. HELMERMinhapequenaNora,háumagrandediferençaentre mimeseupai.Seupainãoeraumfuncionárioinatacável. E eusoue esperocontinuara sê-loenquantoconservara minhaposição. NORA Ah! Vocênãopodeimaginaro queasmáslínguaspo- deminventar.Poderíamosvivertãobem,tãotranqüilos,tão felizes,nonossodoceninho,você,eueosnossosfilhinhos! É porissoqueeusuplicoardentemente... HELMER Mas é exatamentepedindoporelequevocêtorna impossívelconservá-Io.No bancojá sesabequedevodes- pedirKrogstad.Seagoraviessemasaberqueo novodire- tormudoudeidéiaporinfluênciadamulher... NORA Quemalhaveria?... HELMERNenhum,éclaro- contantoqueprevaleçaaopinião deumamulherzinhaobstinada!Não é assim?Realmente, você crê que eu vá me tornar ridículoperantetodo o pessoa1?... Demonstrarque dependode todaespéciede influênciasestranhas?Podeestarcertadequebrevesentiria asconseqüênciasdisso.E há aindaumaoutrarazãoque impossibilitaapermanênciadeKrogstadnobancoenquan- toeufor o diretor. NORA Qualé? HELMER Talvezemcasodenecessidadeeunãodessetanta importânciaàsuafalhamoral. NORA Vocênãopoderiafazerisso,Torvald? HELMERTantomaisquemeafiançaramserumbomemprega- do.É,porém,umantigoconhecido.Um dessesconhecimen- 53 " '1. ( ( ( ( ( I ( ( ( ( ( ( ( ( l I Ir ! i( ! ( ( tos dos temposderapaz,contraidoslevianamente,e que maistardenos pesamna existência.Enfim, tratamo-nos porvocê.E eleéumindivíduotãodesprovidodetatoque nemsequermudaessetratamentona presençade outras pessoas.Julga-seaténo direitode usarum tomfamiliar comigo,eacadainstantediz:você,Helmer,issoaqui,você, Helmer,aquilolá...Juroquetalprocedimentomedesagrada aoextremo.Acabariaportomarintolerávelaminhasituação nobanco. NORAVocênãoacreditaemumapalavradoqueestádizendo, Torvald. HELMERAcredito,sim.E porquenãoheideacreditar? NORA Porqueseriaummotivomesquinho. HELMERO quê?mesquinho?!Vocêmeachamesquinho?!! NORA Não,pelocontrário,meuqueridoTorvald:eépor isso mesmo... HELMER Tantofaz. Vocêdiz queasminhasrazõessãomes- quinhas,nessecasoéporqueeutambémosou.Mesquinho?! Comefeito!...éprecisoacabarcomisso.(Dirige-seàporta da saletae grita) Helena! NORA O quevocêvai fazer? HELMER(remexendoentreos papéis) Tomarumadecisão. A criadaentra HELMER Olhe,estacartaé paraserentregueimediatamente. Arranjeummensageiroparalevá-Iaao destinatário.Mas depressa.O endereçoestáai. Tomeo dinheiro. A CRIADA Estábem,meusenhor.(Sai, levandoa carta) HELMER(juntandoos papéis) Pronto, minhamulherzinha teimosa! 54 NORA(coma vozestrangulada)Torvald,paraqueméaquela carta? HELMERParaKrogstad,despedindo-o. NORA Não a deixeir, Torvald!Ainda é tempo!Chame-a, Torvald!Façaissopormim porvocêpróprio,pelosseus filhos!Atenda-me,Torvald nãodeixe...vocênemsabeo queaquelacartapodecausara todosnós... HELMERÉ muitotarde. NORA Sim...émuitotarde. HELMER QueridaNora,perdôo-lheessaangústia,apesarde queno fundoela sejaparamim umaofensa.Sim, é uma ofensa.Queoutracoisaserájulgar-metemerosodavingan- çadeumescrevinhadormiserável?No entantoperdôo-a, porqueissoé umaprovado grandeamorquevocêmede- dica.(Toma-anosbraços)É preciso,minhaadoradaNora. Aconteçaoqueacontecer.Nosmomentosgravesvocêverá quetenhoforçaecoragemesabereichamaramimtodasas responsabilidades. NORA(apavorada)O quevocêquerdizer? HELMERResponsabilizo-meportudo,já disse. NORA(recompondo-se)Nunca,nuncavocêfaráisso! HELMERBem;entãoaspartilharemos,Nora...comomaridoe mulher.Comosedeve.(Afagando-a)Vocêestásatisfeita, agora?Vamos,nadadeolhosdepombinhaassustada.Tudo issosãopurasfantasias.Vá ensaiara tarantelae exercitar- secomo tamborim.Eu vou meencerrarno escritóriodo fundo,fechandoaportaintermediária,assimnadaouvirei. Vocêpodefazero ruído quequiser,(vira-seda porta) e quandoRank chegar,diga-lheondeestou.(Faz-lhe um acenocoma cabeça,entrano escritório,levandocon- sigo os papéis,efecha a porta) 55 NORA (semi-mortadeangústia,fica comopregadaao chão e murmura)Ele é capazde fazer isso. E o fará, apesarde tudo. Ab, nunca, isso nunca! Qualquer c'oisamenos isso! Alguma fuga... um caminho salvador... Toquede campainha o doutor Rank! ... prefiro qualquer outra coisa! Tanto faz!(Passaa mãopelafronte,procurandose acalmQJ;e vai abrir a porta de entrada.) Vê-seo doutor Rank pendurandoo casaco.Devagar vai caindo o crepúsculo,durantea cenaseguinte NORA Boa tarde, doutor Rank. Reconheci-o pelo toque da campainha.Mas não entreagorano escritório de Torvald; parece-mequeeleestátrabalhando. RANK E a senhora? NORA (entrana sala efechaa porta) Ah, bem sabe que... para o senhor sempredisponho de um momento. RANK Obrigado. Vou aproveitaressagentilezao máximo do tempoque me resta. NORA Que quer dizer com "o máximo do tempoque me res- ta"? RANK Isso a assusta? NORA É uma expressãoinabitual. Está acontecendoalguma coisa? RANK Sim... algo que há muito eu previa. O que não imagi- nava éque chegassetãocedo. NORA (apertando-lheo braço) O que foi? O que lhe disse- ram? O senhorprecisame contar,doutor. RANK (sentando-sejunto da estufa) Cheguei ao fim da jor- nada. Nada há a fazer. 56 NORA (aliviada) Trata-se do senhor? .. RANK De quem havia de ser? Para que hei de mentir a mim mesmo?Sou o mais desditosode todosos meuspacientes, minhasenhora... nestesúltimos dias tenhome dedicado ao exame geral do meu estado. É a falência. Antes de um mês,talvez, eu estejaapodrecendono cemitério. NORA Ah, não! É horrível falar assim! RANK É queo casotambémédiabólicamentehorrível. O pior, todavia, são todos os horrores que haverão de precedê-Io. Só me falta um exame. Tão logo o faça, saberei mais ou menosquandocomeçaaderrocada.Por isso querolhe dizer umacoisa: Helmer, com o seudelicadotemperamento,tem pronunciadaaversãopor tudo quantoé feio. Não o quero à minhacabeceira. NORA Ah, mas, doutor Rank! RANK Não o querolá. Sob nenhumpretexto.Fecho-lhe aporta. Logo que tiver a certezado pior, vou enviar-lhe um cartão de visita marcado com uma cruz preta:ficará sabendoque começouo horror da desintegração. NORA Hoje o senhor estáde fato insuportável. E eu que de- sejavatantoque estivessedebom humor. RANK Com a morte diante dos olhos!... e pagando pelo pe- cadode outra pessoa!Será isso justo? E pensarque de um modoou de outro em todasasfamílias existe uma desforra implacáveldessetipo! NORA (tapandoos ouvidos) Pss! Ânimo, ânimo! RANK De fato, o caso é motivo para piada. Minha coluna. pobreinocente,temdepagarpelavida alegrequeo meupai levouquandoeraumjovem militar. NORA(aopé da mesaà esquerda) Era excessivo apreciador de aspargos e de foie gras,não é verdade? 57 ( ( ( ( ( ( RAc"'X Era; e detrufas. NORA Ah! sim,detrufas;e deostrastambém? RAc'-JKSim, deostras,deostras;é evidente. NORA E tudoregadocomvinho do Portoe champanhe... é penaquetodasessasboascoisasafetema coluna. RAc"'K Mormentequandoafetamumadesditosacolunaque nuncaassaboreou. NORA Sim! É esseo aspectomaistristedo caso! RAc"'X(observando-aatento) Hum!... NORA(apósummomentodesilêncio) Por quesorri? RAc"<'XA senhoraé quesorriu. NORA Não,doutor,afirmo-lhequefoi o senhor. RAc"'X(erguendo-se)É maisespertado queeusupunha. NORA Hoje estoutãodispostaadizerloucuras! RAc"'K Bem sevê. NoR.A.(pousandoambasasmãosnosombrosdeRank) Que- rido,queridodoutorRank,nãoqueroquemorra,nãoquero quenosdeixe,amimeaTorvald! RAc"'KDepressaseconsolarãodessaausência.Quemparte,é logoesquecido. NoR.A.(olhando-o,inquieta) Acha queé assim? RAc"'K Criam-senovasrelaçõese depois... NORA Quemé quecrianovasrelações? RAc'\'KA senhorae Helmer,amboso farãodepoisdeeu de- saparecer.Parece-mequea senhorajá começoua fazê- Ias.Por queasenhoraLinde veioaquiontemànoite? NORA Ah!... nãová agoraterciúmesdapobreKristina. RM.'K Tenho,simsenhora.Ela ocuparáo meulugarnestaca- sa. Quandoeumefor,talvezessasenhora... NORA Pss!Nãofaletãoalto.Ela estáaquiaolado. RM'K Hoje também?Estávendo? 58 NORA Foi sóparaconsertaraminhafantasia.Ah, meuDeus, hojeo senhorestádetãomaugosto!(Sentando-senosofá) É precisoserrazoável,doutorRank. Amanhãverácomo vou dançargraciosamente,e podepensarquesó emsua honra... e na de Torvald,é claro. (Tira váriascoisasda caixa de papelão) Doutor Rank, sente-seaqui, quero mostrar-lhealgo. RANK (sentando-se)Então,o queé? NORA Primeiroveja...olhe! RANK Meiasdeseda! NORA Cor dapele.Não sãobonitas?Agorajá estáescure- cendo,masamanhã... não,não,não;sósedeveverapar- tedospés.Estábem,podevermaisacima... RANK Rum!... NORA Por queo senhortemesseardecritica?Achaquenão meficarãobem?RANK Acho quenãopossolhedaropiniãosobreisso. NORA(olhando-ouminstante)Ah, o senhordeviaseenver- gonhardisso. (Fustigando-lhede levea orelhacomas meias)O que o senhormerece... (Guarda-asoutra vez na caixa) RANK Quemaravilhasfalta-meaindaver? NORA Nadamaishádever,já queétãoindecoroso.(Remexe nos objetos,cantarolando) RANK(apósumcurto silêncio) Quandoaquime encontro coma senhora,tãofamiliarmente,nãopossoconceber... sim,nãopossoconceber,o queteriasido demimsenão freqüentasseessacasa. NORA(sorrindo) Acho querealmenteo senhorsesenteem casaconosco. RANK(baixandoa voze olhandofixamenteà suafrente) E terdedeixartudoisso... 59 NORA Bobagem.Nãovaideixar. RA,''K(comoacima) E não poderdeixaro menorsinal de agradecimento... somenteumasaudadepassageira... nada maisqueumlugarvagoquepoderáserocupadopelopri- melroqueaparecer. NoR.-\ E seeulhepedisse...? Não...? RA:\'K Se mepedisseo quê? NoR.-\ Uma grandeprovadasuaafeição. RA,''K Sim,então? NoR.-\ Ou melhor,umfavorgrandedemais. RA,''K Quermetomarfeliz, umavezpelomenos? NoR.-\ Quero;masnemsequersabedo quesetrata. AA''X Vamos,diga. NoR.-\ Não,nãoposso,doutorRank;éalgorealmenteenorme. Não é apenasumconselhoouumaajuda;érealmenteum grandefavor. AA'\'K Quantomaior,melhor.Não imaginoo quepossaser; masdiga.Não confiaemmim? NoR.-\ Como em maisninguém.O senhoré meumelhore maisfiel amigo,bemo sei.E épor issoquelhevoudizer tudo.Pois bem:háumacoisaquemedeveajudaraevitar, doutor.Bem,sabecomoTorvaldmequer;nemporumins- tanteelehesitariaemdaravidapormim. AA'\'K(curvando-separa ela) Nora...julgaqueapenaseleo faria? NoR.-\(com umpequenomovimentode recuo) O quê?.. RM'K Queeleé o únicoquedariaavidapelasenhora? NoR.-\(triste) Realmente? RM'X Jurei amimmesmoconfessar-lheissoantesdedesa- parecer.Não poderiaacharmelhorocasião.Sim, Nora, agorajá sabe.Equiv.a1ea dizerquepodeconfiaremmim comoemmaisninguém. 60 NoR.-\(erguendo-se,simplese tranquilamente)Com licen- ça. RANK (afasta-separa elapassar,masconserva-sesentado) Nora! NORA(à porta da entrada) Helena,tragaa luz! (Encami- nhando-separa a estufa)Oh! carodoutorRank,o queo senhorfezfoi horrível. RANK(levanta-se)Amá-Iamaisprofundamentequequalquer um...issoéhOrrlvel? NORA Não; masmedizer,sim.Não havianenhumanecessi- dadedefazerisso. RANK O quequerdizer?Quejá o sabia...? A criada entracoma lamparina,coloca-asobrea mesa, e sai RANK Nora...senhoraHelmer...pergunto-lhesejá sabia...? NORAAh, oquevoudizer?Naverdade,nãotinhaidéiadoque sabiaounão.Ah,doutorRank,comopôdesertãodesastrado! Tudocorriatãobem... RANK Pelo menos,agoratem certezade que estouà sua disposição,decorpoealma.Diga-me,então. NoR.-\(olhando-o) Depoisdo queaconteceu? RANK Por favor,conte-meo queé. NORA Acabou-se!O senhornadasaberá. RANK Oh! Não mecastigueassim.Permita-mequeeufaça: pelasenhoratudooqueépossívelfazer. NORA Agorajá nãopodefazermaisnadaemmeufavor... Além domais,eucertamentenãoireiprecisardeajuda.O senhorverá;issonãopassadepurafantasia,nadamais.É claro! (Senta-sena cadeira de balanço e contempla-o 61 ( Ir~;~~ l~(-I~/ l( ( ( I ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( sorrindo) É verdade, o senhor é um cavalheiro muito amável,doutor Rank. Não seenvergonhaagora,com a luz acesa? diga... R-\NK Para dizer a \"erdade,não. Mas talvezdevame retirar... para sempre? NORA De modo algum. Virá natúralmente,como até agora. Bem sabeque Torvald não pode passarsem o senhor. R-\NK Sim, e a senhora? NORA Eu? Sinto-me muito alegrequandoo senhorestáaqui. R-\NK Foi isso exatamenteque me levou à pista falsa. A se- nhora é um enigma para mim. Quantas vezes me pareceu vê-Ia tão alegrejunto de mim como ao lado deHelmer. NORA Aí está;há pessoasque amamos e pessoascuja com- panhia nos agrada. R-\NK Tem algo de verdadenisso. NORA Quando eu era solteira, naturalmenteamavameu pai acima detudo: maso meu maior prazererair escondidaao quarto das criadas: lá nunca me faziam sermão, e conta- vam-sesemprehistórias tãodivertidas! R-\NK Ah! Foi emão a elas que substitui. NORA (erguendo-sel'ivamentee correndopara ele) Meu caro doutor Rank. não foi isso que quis dizer. Pode, no en- tanto,compreenderque sucedecom Torvald o mesmo que sucediaco1'1.1meupai. Criada vindoda saleta A CRIADA Minha senhora! (Fala-lheaoouvidoeapresenta- lhe um cartão) NORA (olhandopara o bilhete) Ah! (Guarda-ona algibei- ra) RANK Alguma contrariedade? y NORA De modo algum; é a minha nova roupa. RANK Como pode ser isso? Sua roupa estáali. NORA Sim, aquele; mas tenho outro, que eu encomendei... Torvald não deve saberdisso. RANK Ah! é esseentãoo grande segredo. NORA Pois é; vá depressapara junto dele. Está no escritório do fundo; não o deixevir aqui... RANK Pode ficar sossegada,não vai escaparde mim. (Entra no escritóriode Helmer) NORA (à criada) Ele estáesperandona cozinha? A CRIADA Está; subiu pela escadade serviço. NORA Não lhe disse que eu estavacom uma visita? A CRIADA Disse sim, minha senhora; mas foi o mesmo que nada. NORA Não quis se retirar? A CRIADA Não, minha senhora;dissequenãovai emborasem falar com a senhora. NORA Pois bem, mande-o entrar; mas semruído, Helena, e não diga a'ninguém.É uma surpresaparameumarido. A CRIADA Sim, minha senhora,compreendo... (Sai) NORA Oh, isso é medonho... está para acontecer.Não, não, não! Não pode ser!Não deve acontecer!(Dirige-seàporta de Helmere puxa a trava) A criada introduzKrogstadefecha a porta.Ele apresenta- se de casacode viagem,longas botase gorro de pele NORA (caminhandopara ele) Fale baixo, meu marido está em casa. KROGSTAD E daí? NORA O que o senhor quer? KROGSTAD Um esclarecimento. --....,.l\"----- - ( ( ( 62 63 NORA Diga depressa.O queé? KROGSTADSabemuitobemquefui despedido. NORANãoopudeevitar,senhorKrogstad.Luteiporsuacausa atéo fim, masnadaconsegui. KROGSTADPouco amorlhe temo seumarido!Sabeo que podeacontecer,e apesardissoousa... NORA Comoo senhorpodecrerqueeleo saiba? KROGSTADDefato,nuncapenseiisso.Nãocondirianadacom o nossodignoTorvaldHelmermostrartantacoragem. NORA SenhorKrogstad,exijoquerespeiteo meumarido. KROGSTADClaro.Trato-ocomtodoorespeitoqueelemerece. Mas,vistoqueasenhorapõetantoempenhoemocultarde seumaridoessecaso,permita-mesuporqueestámelhor informadasobreagravidadedoatoquecometeu. NORA Muito melhorinformadadoqueo seriapelosenhor. KROGSTADNão admira,umtãopéssimojuristacomoeu... NORA O quequerdemim? KROGSTADNada.Apenasvercomopassa.Penseinasenhora todoo diâ.Até mesmoeu,umagiota,umescrevinhador... emsuma,umindivíduocomoeu,nãodeixodeterumpouco doquesechama"sentimento",sabe? NORA Prove-o;pensenosmeusfilhinhos. KROGSTADE asenhoraou o seumaridopensaramnosmeus? Mas,poucoimporta.Somentelhequerodizerquenãoleve o casotantoparao lado trágico.Por enquantonão apre- sentáreiqueixacontraa senhora. NORA Não apresentará?Eu tinhacertezadisso. KROGSTADPode-semuitobem resolveresseassuntoami- gavelmente.Não é necessáriotorná-Iapúblico.Ele pode ficar entrenóstrês. NORA Meu maridonãodevesaberdenada. 64 KROGSTADComoquera senhoraimpedirqueele o saiba? Acasopodesaldaro seudébito? NORA Já, já, não. KROGSTADEncontroumeiodeobterodinheiroporessesdias? NORA Não.A minhatentativafalhou... KROGSTADDe nadalheserviria,aliás.A senhorapoderiame oferecerumasomafabulosaqueeunãolherestituiriaasua promissória. NORA Explique-meentãocomotencionaservir-sedela. KROGSTADQuerosimplesmenteconservá-Ia,tê-Ia em meu poder.Nenhumestranhoteráconhecimentodela.Assim,se a senhoraestápensandoemalgumaresoluçãodesespera- da... NORA Pensei. KROGSTAD...ouemabandonartudoe fugir... NORA Tambémpensei. KROGSTAD...ouaindaemqualquercoisapior... NORA Comoo senhorsabeisso? KROGSTAD...desistadessasidéias. NORA Comoo senhorsabequeeupenseinaquilo?