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1 Complicações das vias aéreas relacionadas á intubação endotraqueal Profa. Livre Docente Regina Helena Garcia Martins Prof. Dr. Norimar Hernandes Dias Disciplina de Otorrinolaringologia - Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp Pacientes de Unidade de Terapia Intensiva, na maioria das vezes, são mantidos intubados por longos períodos, o que os torna vulneráveis às complicações de vias aéreas relacionadas à intubação. De forma resumida e didática, pode-se dizer que dois mecanismos fisiopatológicos estão envolvidos no desenvolvimento dessas complicações: resultantes dos traumatismos mecânicos ou isquêmicos das mucosas respiratórias ou secundários ao condicionamento deficiente dos gases inalados. Dentre os sintomas apresentados pós intubação orotraqueal destacam-se a rouquidão e a dor de garganta, relatadas por 50% dos pacientes. • Complicações das vias aéreas resultantes de traumatismos mecânicos ou isquêmicos das mucosas. A laringe é um órgão musculocartilaginoso e as pregas vocais encontram-se inseridas nas apófises vocais das cartilagens aritenóideas, de cada lado. O formato circular e em anel da cartilagem cricóidea na região subglótica, faz com que, em pacientes intubados, toda a circunferência da cartilagem permaneça em íntimo contato com a cânula. Tais detalhes anatômicos colocam esse sítio em destaque entre as áreas mais lesadas durante a intubação prolongada. O tempo de intubação é um dos fatores determinantes no agravamento das lesões relacionadas à intubação. Pela configuração da glote em “V”, a cânula orotraqueal fica apoiada nos processos vocais das cartilagens aritenóideas, exercendo determinada pressão sobre a mucosa da região (Fig. 5). Exames endoscópicos, realizados logo após a extubação, permitem identificar áreas de granulação superficial neste local (Fig. 6), que cursam com rápida reparação tecidual, logo nos primeiros dias. Entretanto, essa resposta favorável não é 2 observada em todos os pacientes. Alguns desenvolvem, rapidamente, granulomas nessa região, os quais têm sua implantação na face interna de uma ou de ambas as apófises vocais (Fig. 7). Dificilmente cursam com dispnéia, pois suas dimensões não costumam obstruir o lúmen laríngeo; são, entretanto, responsáveis por sintomas vocais persistentes e nem sempre regridem espontaneamente, exigindo remoção cirúrgica e, conseqüentemente, nova intubação. O tempo prolongado da intubação aumenta, consideravelmente, a incidência dos granulomas, entretanto essas lesões podem ser identificadas mesmo em pacientes intubados por curto período. As recidivas dos granulomas não são incomuns e nestes casos a aplicação de toxina botulínica, após a remoção dos mesmos, mostra-se eficaz1,2. ENTRAM FIGURAS 5, 6 e 7 Dentre os fatores envolvidos no desenvolvimento do granuloma de intubação, têm-se: intubações prolongadas e traumáticas, utilização de tubos traqueais de tamanho inadequado para o diâmetro da via aérea, pressões elevadas nos balonetes dos tubos traqueais, e plano de sedação inadequado, propiciando o atrito do tubo com a mucosa da laringe e da traquéia. Martins et al.3, ao estudarem os aspectos clínicos e morfológicos dessas lesões, constataram que os sintomas de rouquidão são freqüentes e podem ter início logo após a extubação ou no decorrer da primeira semana. Os autores realizaram análise histológica de 10 lâminas de granulomas e observaram hiperplasia epitelial de grau leve, edema, infiltrado inflamatório e proliferação intensa de vasos na lâmina própria. Pela análise de microscopia eletrônica de varredura (MEV), os granulomas laríngeos apresentaram epitélio com poucas células descamativas na superfície e a microscopia eletrônica de transmissão (MET) revelou junções intercelulares alargadas, infiltrado de células inflamatórias como neutrófilos, linfócitos, alguns eosinófilos e mastócitos, além de grande quantidade de fibroblastos e de vasos dilatados. O traumatismo da sonda de intubação na região glótica posterior pode resultar também em ulceração do epitélio da mucosa interaritenóidea, evoluindo com fibrose e fixação das cartilagens aritenóideas na linha mediana (Fig. 8). Esta condição simula quadro de paralisia bilateral das pregas vocais, porém o exame de laringoscopia direta, com manipulação das estruturas da região posterior da glote, e o exame eletromiografia do músculo vocal permitem a confirmação do diagnóstico. 3 Podem-se ter também aderências e sinéquias na comissura glótica anterior (Fig. 9) ou posterior e entre as pregas vocais. ENTRA FIGURA 8 e 9 A mucosa laringotraqueal em contato com o balonete da cânula é vulnerável às lesões isquêmicas. Os balonetes das sondas de intubação mais antigas possuíam baixa complacência e alta pressão, sendo, portanto, mais lesivos (Fig. 10). Foram sendo gradativamente, substituídos pelos modelos com melhor distribuição das pressões em seu interior, tornando-se mais complacentes (Fig. 11). ENTRA FIGURA 10 e 11 Em décadas anteriores, diversos autores, reproduziram em animais lesões nas mucosas respiratórias durante intubação, variando a pressão no balonete das sondas. Uma das pesquisas que mais se destacou nessa época foi de Nordin4, o qual estudou lesões de mucosa de ratos relacionadas às variações de pressão no balonete (entre 20 e 100 mmHg). Ao ultrapassar a pressão de perfusão capilar (25 mmHg), o autor observou isquemia sobre a mucosa, cuja intensidade estava diretamente relacionada à elevação da pressão no interior do balonete. Com pressão de 100 mmHg, o autor detectou erosão extensa do epitélio respiratório, estendendo-se também às regiões intercartilaginosas. Essas áreas apresentaram também colonização de bactérias e condrite. No decorrer da cirurgia, com a utilização do óxido nitroso, a pressão no interior do balonete se eleva devido à grande capacidade desse gás em se difundir. Desta forma alguns autores têm optado pela introdução de substância líquida no interior do balonete, ao invés de ar, para impedir sua difusão5. Pelo exame de microscopia eletrônica de varredura, alguns autores registraram completa devastação de cílios na região traqueal em contato com o balonete das sondas de intubação, mesmo com baixas pressões em seu interior6 (Fig. 12). ENTRA FIGURA 12 4 Em pacientes que necessitam de períodos prolongados de intubação endotraqueal, a falta de controle da pressão no interior do balonete pode resultar em isquemia permanente da mucosa, comprometimento da cartilagem e cicatrização com estenose laringotraqueal (Fig. 13). Estas incidem em aproximadamente 5 a 8% das intubações prolongadas, sendo uma das complicações mais temíveis7. Os riscos de desenvolvimento de estenose são mínimos com menos de seis dias de intubação (2% dos casos), tornando-se representativos acima de 11 dias (12% dos casos)8. Os locais mais freqüentes das estenoses traqueais são as áreas em contato com o balonete e ao nível da extremidade distal das sondas (orotraqueais ou de traqueotomia). ENTRA FIGURA 13 A seqüência fisiopatológica do desenvolvimento das estenoses inicia- se com a pressão excessiva exercida sobre a mucosa respiratória e, consequentemente, redução da perfusão capilar tecidual, ocasionando isquemia, seguida de fibrose progressiva e estenose. Clinicamente as estenoses laringotraqueais manifestam-se por disfonia, estridor inspiratório e/ou expiratório e dispnéia de graus variados. A piora dos sintomas é lenta e progressiva, o que faz com que o diagnóstico seja tardio, muitas vezes, apenas quando a luz da via aérea já se encontra muito reduzida. Nos casos de maior comprometimento laríngeo,por causa de aderências e fixação das pregas vocais, as estenoses são ainda mais dramáticas (Fig. 14). O paciente apresenta disfonia e dispnéia intensa e as mudanças de decúbito não alteram o desconforto respiratório, como observado na laringomalácia, auxiliando no diagnóstico diferencial. ENTRA FIGURA 14 Myer et al.9 propuseram um sistema de graduação para a estenose laringotraqueal: Grau I – obstrução de até 50%; Grau II – obstrução de 51 a 70%; grau III – obstrução de 71 a 90% e Grau IV – obstrução total. O desenvolvimento das estenoses é favorecido por alguns fatores, dentre eles: presença de anomalias laríngeas de diversas causas, dificultando a intubação, doenças que comprometam o clearance mucociliar, levando ao acúmulo e espessamento de secreções, doença 5 do refluxo gastroesofágico, infecções bacterianas nas vias aéreas, doenças sistêmicas que cursam com redução na perfusão dos tecidos e hipoxemia (anemia, hipotensão, falência cardíaca, hepática e renal), prematuridade e baixo peso ao nascimento e duração e freqüência da intubação. Em pacientes que apresentam sintomas tardios de dispnéia, com antecedentes de intubação, o diagnóstico de estenose laringotraqueais deve ser sempre lembrado. A avaliação clínica deve anteceder os exames radiológicos (RX de tórax e cervical), os quais podem mostrar estreitamento da região subglótica ou traqueal. Sempre que possível esses exames devem ser complementados pela tomografia helicoidal, a qual não é invasiva e permite análise detalhada de toda a extensão da via aérea comprometida, apresentando alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico das estenoses. Por fim, a avaliação endoscópica (com lentes flexíveis ou rígidas) confirma o diagnóstico, determina o local e a dimensão exata da obstrução e possibilita, em alguns casos, uma conduta terapêutica, como por exemplo, a dilatação. O tratamento das estenoses laringotraqueais é desafiador, pela impossibilidade em ressecar as estruturas aderidas. Em determinadas situações de desconforto respiratório agudo é necessário garantir a permeabilidade da via aérea por meio de traqueotomia. O tratamento definitivo, assim como o prognóstico, depende da extensão e da localização da estenose e inclui a dilatação da região estenótica, a remoção do anel traqueal comprometido seguida de anastomose, e enxertos cartilaginosos, entre outros. Em muitos casos, a permeabilidade da via aérea é assegurada por tubos de Montgomery ou moldes de silicone e após sua remoção, algum grau de estenose pode persistir. Algumas medidas são importantes para diminuir a possibilidade de lesão da mucosa das vias aéreas pelas cânulas de intubação. Uma recomendação importante é a sedação adequada do paciente intubado. Quando o paciente está acordado e intubado, ele tenta falar, faz constantemente movimentos cervicais de flexão e extensão, apresenta reflexo de deglutição e de tosse. Nessas condições, a sonda traqueal fica em atrito com a mucosa respiratória, favorecendo a ulceração local. Essas lesões podem também ser observadas durante a auto-extubação do paciente com o balonete insuflado. Outra recomendação fundamental é a escolha do diâmetro apropriado da sonda de intubação, principalmente em crianças. Cânula com diâmetro muito próximo ou superior ao da traquéia faz com que extensa área de 6 mucosa permaneça com pobre suprimento sanguíneo, elevando os riscos de estenose. Outras lesões menos freqüentes relacionadas aos traumatismos de intubação incluem: quebra de dentes (principalmente dos incisivos superiores), laceração de pilar amigdaliano, de palato, de língua, de hipofaringe, de mucosa nasal e de rinofaringe (nas intubações endonasais), anestesia de língua, paresia de pregas vocais, hematoma de laringe, entre outras. • Complicações das mucosas relacionadas ao prejuízo ao condicionamento do ar inalado. A maior parte do condicionamento do ar inspirado ocorre no interior das fossas nasais e rinofaringe. Nestes sítios, o ar é enriquecido em umidade e calor e livra-se de grande número de partículas poluentes e de microorganismos presentes no ar ambiente, que se aderem à camada de muco que recobre todo o epitélio respiratório. Graças à atividade mucociliar, essas partículas são impulsionadas em direção ao trato digestivo para serem deglutidas e eliminadas. No paciente intubado ou traqueotomizado, o ar inalado chega diretamente à traquéia sem prévio condicionamento. Entre as principais conseqüências da inalação de ar seco e frio destacam-se os danos ao epitélio com edema de mucosa das vias aéreas, discinesia ciliar, estase de secreções e atelectasia10. Os efeitos nocivos à mucosa respiratória exposta à inalação de gases pouco condicionados foram temas de várias pesquisas, tanto clínicas como experimentais, sendo descritas lesões epiteliais como diminuição da atividade ciliar, aumento da viscosidade do muco, erosão de mucosa, ulceração, necrose, infiltrado de células inflamatórias na lâmina própria, e até mesmo metaplasia do epitélio traqueal11,12. De acordo com Sottiaux13, a mucosa respiratória e a função pulmonar podem ser muito prejudicadas em pacientes sob ventilação mecânica, se os gases inalados não forem adequadamente condicionados. Entretanto, a avaliação prática da umidade e aquecimento dos gases pode não ser fácil, principalmente porque não existem parâmetros clínicos capazes de detectar, com exatidão, todos os efeitos do condicionamento inadequado dos gases. Nos pacientes que necessitam de ventilação mecânica por período mais prolongado, o adequado condicionamento dos 7 gases inalados torna-se ainda mais crucial, pois previne a retenção de secreções nas vias aéreas e possibilita o adequado transporte mucociliar. Em pacientes traqueotomizados ou laringectomizados, o condicionamento do ar inalado também está prejudicado, uma vez que o ar inalado não passou pela rota intranasal. Esses pacientes apresentam com freqüência crostas e acúmulo de secreção. O efeitos nocivos da inalação dos gases secos sobre o epitélio ciliar traqueal foram demonstrados por Bisinotto et al.14 e mais recentemente por Dias et al.15, em estudos experimentais em cães, sendo detectadas áreas de devastação, desorganização e agrupamento ciliar (Fig. 15). Esses danos epiteliais podem ser amenizados com a utilização de umidificadores aquecidos e permutadores de calor e umidade (HME), também chamados de narinas artificiais e utilizados nos sistemas de ventilação mecânica. Os HMEs atuam recuperando parte do calor e da umidade perdidos no ar expirado, sendo incorporados ao ar inalado a cada ciclo inspiratório. A umidificação é garantida a partir da condensação de vapor d’água no dispositivo durante a expiração; por outro lado, a preservação do calor ocorre porque os HMEs são constituídos por materiais com capacidade de conservação da energia térmica. Os permutadores de calor e umidade têm sido adaptados também no orifício do traqueostoma de indivíduos submetidos à laringectomia total, demonstrando resultados satisfatórios16. ENTRA FIGURA 15 Bibliografia Gastroenterology 79(2):311-4, 1980. 1. Nasri S, Sercarz JA, McAlpin T, Berke GS. Treatment of vocal fold granuloma using botulinum toxin type A. Laryngoscope 105:585–8, 1995. 2. Yin S, Stucker FJ, Nathan CO. Clinical application of botulinum toxin in otolaryngology, head and neck practice (brief review). J La State Med Soc. 153:92–7, 2001. 3. Martins RHG, Dias NH, Santos DC, Fabro AT, Braz JRC. 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