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Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH BRUNO MORAES ANTUNES GOVERNO FIGUEIREDO (1979 – 1985): FMI e Política Externa. Belo Horizonte 2014 BRUNO MORAES ANTUNES GOVERNO FIGUEIREDO (1979 – 1985): FMI e Política Externa. Belo Horizonte 2014 Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte, como requisito parcial à obtenção do título de graduado em Relações Internacionais. Área de concentração: Política Externa Brasileira Orientador: Prof. Péricles Lima Resumo Este trabalho tem como objetivo analisar o cenário político internacional e econômico do Brasil na década de 1980, bem como a política externa adotada pelo governo Figueiredo, investigando suas evoluções e relações com o cenário internacional. A crescente tomada de empréstimos junto às instituições financeiras, a intervenção do FMI, Banco Mundial, elevação da inflação internamente, o crescimento da dívida externa, estrutura política do regime que propunha uma abertura, eram fundamentais para um novo rumo da Política Externa Brasileira. Esse período foi de grande perda em todos os aspectos não só para o Brasil, mas principalmente para a América Latina. Os países que passaram por crises econômicas, associado a uma crise de petróleo internacional e instabilidade política, buscaram apoio em instituições financeiras internacionais na tentativa de estabilização econômica. Nos anos 80, com a ditadura um pouco “enfraquecida” e com uma possível abertura política em vista, cede-se lugar a novos problemas que agravavam e retardavam cada vez mais um possível progresso. A crise inflacionária que assolava o país, altas taxas de juros, desemprego, falta de crédito e a dívida perante o FMI mostravam que o país passava por uma instabilidade que parecia não ter fim. É importante analisar dois fatores nesse período: o cenário doméstico frente a uma crise política e econômica dentro um regime que tinha uma auto-percepção positiva, onde o Brasil “potencia”, a oitava economia do mundo, na visão de seus governantes passavam a ter uma auto-percepção negativa, tornando-se um país endividado e vulnerável às pressões externas. O Itamaraty teve participação ativa nesse período, porém, em paralelo às diretrizes do Governo na condução da política externa. Os interesses do Itamaraty estavam em dissenso com o executivo, onde a participação do Brasil era modesta, tendo em vista as crescentes pressões quanto ao pagamento da dívida externa. Esse trabalho se insere num conjunto de pesquisas que visam analisar a reflexão sobre as conexões entre regime político interno, economia, Política Externa e o Itamaraty. Num contexto geral, pretende-se abordar as características do período baseado na intervenção do FMI, múltiplos atores e medidas quanto à condução da política exterior do Brasil. Palavras chaves: Governo Figueiredo, Política Externa, Estados Unidos, FMI, Endividamento, Crise do Petróleo, Itamaraty. Abstract This paper aims to analyze the international political and economic scenario in Brazil in the 1980s, as well as foreign policy adopted by the government Figueiredo, investigating its evolutions and relations with international scenario. The increased borrowing from financial institutions, the IMF intervention, the World Bank, high inflation domestically, the growth of external debt, the political structure of the regime proposed an opening, were essential to a new direction of Brazilian Foreign Policy. This period was one of great loss in every aspect not only for Brazil, but especially in Latin America. The countries that have experienced economic crises, associated with an international oil crisis and political instability, sought support in international financial institutions in an attempt to stabilize the economy. In the '80s, with the dictatorship a little "weak" and a possible political opening in sight, gives place to the new problems that slowed aggravated and increasingly possible progress. The inflationary crisis plaguing the country, high interest rates, unemployment, lack of credit and debt to the IMF showed that the country was experiencing an instability that seemed endless. It is important to consider two factors in this period: the domestic front of a political and economic crisis within a regime that had a positive self-perception, where Brazil "power", the eighth largest economy in the world, the vision of its rulers have passed negative self-perception, becoming an indebted country and vulnerable to external pressures. The Itamaraty was active during this period, however, in parallel with the directives of the Government in the conduct of foreign policy. The interests of the Foreign Ministry were in disagreement with the executive, where the participation of Brazil was modest in view of the increasing pressures on the foreign debt payments. This work is part of a series of studies aimed at analyzing the reflection on the connections between the political system, economy, foreign policy and the Foreign Ministry. In a general context, we intend to address the characteristics of the period based on IMF intervention, multiple actors and measures regarding the conduct of foreign policy of Brazil. Keywords: Government Figueiredo, Foreign Policy, United States, IMF, Debt, Oil Crisis, Itamaraty. Lista de Siglas BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BNH – Banco Nacional de Habitação EUA – Estados Unidos da América FED – Federal Reserve FMI – Fundo Monetário Internacional GATT – General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas e Comercio) MRE – Ministério das Relações Exteriores ONU – Organização das Nações Unidas OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico PEB – Política Externa Brasileira PND – Plano Nacional de Desenvolvimento UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development (Conferencia das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) URSS – União das Republicas Socialistas Soviéticas SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................7 1 – O PATERNALISMO BRASILEIRO E A ATUAÇÃO DO FMI 1.1: DO DISCURSO ÀS PROPOSTAS ...................................................................... 10 1.2: CRISE INTERNACIONAL, PROBLEMAS INTERNOS ...................................... 11 1.3: FMI, CONTROLE DA ECONOMIA, INTERVENÇÃO IMPOSITIVA .................... 15 1.4: DÉCADA DE 80, O PAPEL DO FMI ................................................................... 18 2 – A REAÇÃO DO BRASIL EM MEIO A CRISE – INDÍCIOS DE AUTONOMIA ECONÔMICA E PRINCÍPIO DE DEMOCRACIA 2.1: RECUPERÇÃO, SINAL DE ESTABILIZAÇÃO ................................................... 22 2.2: SINAIS DE DEMOCRACIA, GRADUAL LENTA E PROGRESSIVA ................... 23 3 – O EXECUTIVO E O ITAMARATY – A AGENDA INTERNACIONAL E A INVERSÃO DE PAPÉIS 3.1: O UNIVERSALISMO DE FIGUEIREDO E A POSIÇÃO DO ITAMARATY ......... 25 3.2: O INSULAMENTO BUROCRÁTICO E O UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS .................................................................................................... 30 3.3: A VULNERABILIDADE BRASILEIRA, APELO INTERNACIONAL ..................... 33 CONCLUSÃO ............................................................................................................38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 42 INTRODUÇÃO O Presidente João Baptista Figueiredo, assumiu o poder em Março de 1979, em um clima de extrema desconfiança em relação à situação econômica do país. Mesmo com um crescimento modesto dos últimos anos, o cenário que estava por vir era completamente sombrio e preocupante, diante de diversos fatos ocorridos no mundo, principalmente uma nova ordem mundial encabeçada pela segunda crise do petróleo e a bipolaridade mundial, após o fim da URSS e a ascensão do liberalismo norte americano. O objetivo desse trabalho consiste em analisar o governo do último presidente militar, onde seu governo foi marcado pela abertura política, graves crises econômicas, problemas no cenário doméstico e internacional, intervenções do FMI e a dualidade das atuações na agenda internacional entre o poder Executivo e o Itamaraty. A justificativa para elaboração deste trabalho e escolha do tema se insere num contexto de estudo da década de 80, onde o governo Figueiredo em meio à graves crises econômicas recorrentes, desequilíbrios regionais e surgimento de novos atores internacionais, principalmente o FMI, foram fundamentais na condução da política externa e atuação do Brasil no cenário internacional e doméstico. Nesse período, o FMI ganhou grande destaque e teve atuação decisiva nos assuntos de política externa de diversos países endividados e que recorreram aos credores internacionais. No início da metade da década de 1980, o FMI sai de uma posição meramente de especulador para um papel de negociador e controlador, aliado às novas práticas norte americanas de supervalorização do dólar e parcelamento de dívidas à altas taxas de juros. A hipótese pela escolha do tema se dá através do declínio do regime militar e atuação de atores internacionais, principalmente o FMI, onde se estabelece um novo cenário doméstico e externo, onde este trabalho procurará fazer uma análise e buscar-se-á compreender ou evidenciar se a intervenção do órgão foi fundamental na condução na tomada de decisões da agenda internacional do Brasil, atuação nas medidas econômicas, abertura política e fim do regime militar. Este trabalho, está dividido em três tópicos e sub tópicos, onde o primeiro consiste em uma análise do início da década de 80, que ficou marcada pelas grandes crises econômicas, especificamente após o segundo choque do petróleo em 1979, principalmente nos países latino americanos e as crescentes dívidas por conta de empréstimos, gastos exagerados, moratórias por parte de alguns países e calote aos credores internacionais. Nessa época, o Presidente Figueiredo com sua política protecionista e buscando dar continuidade ao projeto “Brasil Grande Potencia”, se viu mergulhado em problemas internos que agravaram a situação financeira e imagem do país no cenário doméstico e internacional. No segundo tópico, trataremos os anos de 1980 e 1981, onde após mudanças no cenário doméstico, especificamente no mistério da Fazenda, com a saída do ministro, Mario Henrique Simonsen e retorno do ex-ministro Delfim Netto à pasta da agricultura, houve uma sensível melhora na economia. Porém, tal fato nada mais foi do que uma medida emergencial na tentativa de dar um fôlego na condução e situação da economia do país, sendo que no ano seguinte e nos próximos, os problemas se agravaram, onde o Brasil se viu obrigado a recorrer ao FMI. Além da crise do petróleo, a política dos Estados Unidos, voltada para valorização de sua moeda, o chamado “Dólar Forte”, agravou consideravelmente a crise do Brasil e dos países do cone sul. Os credores, já não mais acreditavam numa recuperação dos endividados e temendo um calote, o FMI assume o controle onde elabora diretrizes e repasse de responsabilidades ao Brasil para pagamento e comprimento das obrigações. Por último, no terceiro tópico além das crises econômicas, a pressão da mídia e submissão ao FMI, pressões da população para o fim da ditadura e abertura política, o Itamaraty se viu completamente sem autonomia para atuar no cenário internacional. Por vezes, é citada a inversão de papéis entre o executivo e diplomacia, na participação e tentativa na condução de acordos e fóruns internacionais. A percepção do Itamaraty em relação ao Brasil era de afirmação e reconhecimento de que éramos sim um país de terceiro mundo e não alinhado. Ou seja, mesmo com a prática do Universalismo do presidente Figueiredo, o Itamaraty participava dos fóruns internacionais no intuito de denunciar os abusos e práticas que os países envidados e dependentes de capital estrangeiro se sujeitaram. O Itamaraty, ao avesso do executivo, passou a desempenhar um papel de liderança entre os demais países de terceiro mundo e que não possuíam tecnologias suficientes ou rumos econômicos e políticos. Essa atuação garantiu não só ao Brasil, mas também à América do Sul, papel importante e reconhecimento no cenário internacional. A essa altura, era preciso que o Brasil fosse cauteloso e conciliasse sua atuação de parceria e liderança junto aos demais países, evidenciando seu interesse em políticas econômicas x as pressões quanto ao pagamento da dívida junto ao FMI. Mesmo com as interferências e dualidade de papeis, houve o consenso e atuação conjunta tanto por parte do Itamaraty quanto do executivo na condução da agenda internacional e participações em fóruns internacionais, mesmo o Itamaraty reconhecendo que os resultados diplomáticos seriam bem melhor sem a atuação do executivo. O Brasil dependente do capital estrangeiro, atuando em alternância entre o poder executivo e o Itamaraty, além de assistir a atuação do FMI, teve que lidar também com um novo organismo internacional, o GATT e outros atores internacionais. Esses assuntos, bem como os demais citados até aqui, serão tratados em três tópicos, subdivididos, na tentativa de narrar os fatos históricos e acontecimentos sobre a condução da política econômica e externa do Brasil e a atuação do FMI no Governo Figueiredo. 10 1: O PATERNALISMO BRASILIERO E A ATUAÇÃO DO FMI 1.1 – DO DISCURSO ÀS PROPOSTAS O presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo tomou posse em 15 de março de 1979. A proposta do então Presidente General, além de dar continuidade ao processo de democratização iniciado com o General Geisel, seu antecessor, visava também o crescimento econômico do país, modernizar a agricultura, aumentar o poder de compra do salário mínimo, planejar um grande programa de habitação, denominado como Banco Nacional de Habitação (BNH), diminuir a dependência monetária de países estrangeiros e controlar a inflação que assombrava a economia desde 1975. Em seu discurso de posse: Reafirmo – é meu propósito inabalável – dentro daqueles princípios – fazer deste País uma democracia [...] Reafirmo a prioridade ao desenvolvimento agropecuário. Como meio de melhorar a alimentação do povo [...] Reafirmo – o combate à inflação é condição preliminar ao desenvolvimento [...] Reafirmo a decisão de promover o equilíbrio de nossas contas internacionais. Reafirmo o propósito de fazer da cidade um chão e teto habitáveis. Reafirmo a minha determinação de garantir a cada trabalhador a remuneração justa em relação ao trabalho produzido às suas necessidades [...] (FIGUEIREDO apud PIRES, 2010, pp. 219 – 220). O propósito do presidente foi interrompido ou, o que podemos dizer, nem mesmo foi iniciado. O mundo atravessava por uma grave crise econômica, por conta “dos impactosdo segundo choque do petróleo1 e do choque de juros2 profundos, particularmente no que tange às contas externas do Brasil” (PIRES, 2010, p. 220), provocada pela mudança no regime político Neoliberalismo, principalmente na Inglaterra e EUA3. A intenção de manter o modelo de desenvolvimento foi comprometido pelas políticas de intenção do “crescimento com endividamento”. Essa prática é 1 Em Janeiro de 1979, o então Xá do Irã Reza Pahlevi, foi deposto gerando grave instabilidade no Oriente Médio, o que podemos identificar como a “Segunda Crise do Petróleo”. (PIRES, 2010, p. 219). 2 Por conta da crescente elevação nos preços do petróleo, o banco central americano elevou as taxas de juros, na tentativa para controlar a inflação. (PIRES, 2010, p. 219). 3 O Neoliberalismo ganhou grande destaque em 1979 com a vitória de Margaret Thatcher e 1980 com a eleição do presidente norte americano Ronald Reagan. 11 denominada de “paternalista”, onde as empresas nacionais competem com a concorrência internacional e os juros provocados pelos serviços da dívida externa são determinantes para o fracasso e comprometimento da desvalorização da moeda. Essa prática impactou diretamente no poder de compra e amortização de juros absurdamente acima do PIB nacional. Esse período foi marcado pela grande influência do setor financeiro, que se instaurava e se reproduzia rapidamente ligado diretamente à nova conjuntura econômica do cenário econômico e político internacional. Como consequência, houve grande variação para baixo nos produtos produzidos no Brasil e alta dos importados por necessidade como, petróleo, grãos, etc., queda da renda per capta, estagnação na produção das indústrias brasileiras, que não conseguiam competir com as multinacionais, aliado à frustrada tentativa de manter os grandes empreendimentos nacionais como ITAIPU e exploração marítima do petróleo. O efeito da crise na qual o Brasil estava prestes a mergulhar profundamente estava ligado à prática de manter o crescimento a partir da degeneração das contas externas do país. Essa política de endividamento foi adotada para obter equilíbrio da balança de pagamentos em curto prazo e figurar um papel importante no cenário internacional de poder de compra complemente fictício. A tomada de empréstimos a condições de juros flutuantes foi fator fundamental a partir da ascensão dos governos militares que não deram tamanha importância para o endividamento crescente. A consequência desta negligência chegou ao fundo do poço quando em 1979 o Brasil estava impossibilitado e sem credibilidade para tomar novos empréstimos. Seu crédito junto ao mercado financeiro foi negado e interrompido, levando o controle econômico do país às mãos do FMI. 1.2 – CRISE INTERNACIONAL, PROBLEMAS INTERNOS O governo Figueiredo enfrentou graves crises econômicas, mudanças políticas em meio a tantas propostas, na tentativa da manutenção dos compromissos e crescimento do país. Porém, o problema econômico que o mundo passava teve um acontecimento principal, que mudou os rumos nas esferas econômicas e políticas internacionais. 12 Em Janeiro de 1979, ocorreu a segunda crise do petróleo, gerando instabilidade na economia levando a intervenção do (Federal Reserve Board) FED4 na economia. Nessa época os recursos econômicos eram regrados pelos EUA, onde a prática aplicada foi a elevação das taxas de juros astronômicos. É fato de que os países subdesenvolvidos, como o Brasil em meados da década de 70 se mantiveram através do financiamento dos petrodólares5, o problema é que essa nova tomada de empréstimos era diferente das taxas praticadas entre 1974 – 1978. O modelo econômico adotado pelos países desde o fim da segunda guerra foi baseado na teoria Keynesiana6, esse modelo já não tinha mais espaço no contexto atual da economia e o papel dos Estados era cada vez menor em meio às novas instituições, pois o mundo passava por uma transformação, a dependência Neoliberal. Essa corrente defendia cada vez menos a atuação dos Estados, já que esses aplicavam políticas do assistencialismo e não influenciavam positivamente em lucros estatais privados e níveis de empregos, gerando déficits e inflação. Segundo os Neoliberais para o novo contexto, os Estados deveriam garantir apenas a segurança nacional, direito de propriedade, cumprimentos dos contratos e se afastar por completo da economia; “a prática era a implementação baseada nas ideias de Friedman (1985), em seu Capitalismo e Liberdade ou laissez-faire7”. (PIRES, 2010, p. 223). Exatamente o contrário da política do General Figueiredo, contextualizando ao seu discurso de posse. Os EUA tentavam controlar a inflação elevando as taxas de juros, controlando a demanda do país internamente. Em consequência, houve o investimento de capital estrangeiro, o que levou a estabilização da dívida e valorização do dólar. ”[...] Capitais externos, foram utilizados para rolagem da dívida interna, para cobrir os déficits na conta de transações correntes [...]” (PIRES, 2010, p. 223). 4 FED é o banco central dos Estados Unidos. Criado pelo congresso norte-americano em 1913. Ele opera o sistema nacional de pagamentos, distribui a moeda nacional, supervisiona e regulamenta o sistema bancário e serve como banco para o tesouro dos Estados Unidos. (G1, 2013) 5 Os petrodólares eram oriundos das exportações de petróleo. Em 1973, com a crise e a elevação do valor, os exportadores receberam grandes demandas. Porém devido às limitações econômicas internas, a matéria prima foi utilizada no mercado financeiro, gerando liquidez financeira. Em 1979, os EUA tiveram grande participação nessa mudança. (PIRES, 2010, p. 233). 6 Segundo Keynes (1926), o crescimento da demanda deveria ser igualado ao aumento da capacidade produtiva da economia, garantindo o pleno emprego, sem provocar o aumento da inflação. (GORDON, 2000) 7 Política que defende o livre comércio, sem interferência do governo. 13 A política norte americana influenciou negativamente nas contas externas do Brasil. A recessão baixou consideravelmente as exportações de produtos como matéria prima e alimentos, commodities e insumos dos países exportadores e o Brasil era um deles. Somente em 1982, registrou-se 13,4% na queda das exportações no Brasil, contra 8,2% nos demais países (PIRES, 2010, p. 224). Os sinais de crise e recessão vieram à partir do primeiro choque do petróleo em 1973, onde os países industrializados adiaram o resgate da lucratividade gerada pelos ativos da matéria prima produzida. Como medida de injetar dinheiro na economia com retorno garantido, esses países começaram a emprestar dinheiro para os países que estavam em processo de desenvolvimento, sendo estes exportadores e importadores. O Brasil se enquadrava nos importadores, considerando a política do “Pragmatismo Responsável”8, pois utilizava os empréstimos para acelerar seu parque industrial e aquecimento econômico interno. Essa ação ajudou a minimizar os efeitos da recessão e os grandes financiadores da época, os Bancos, liberavamcada vez mais empréstimos devido à alta lucratividade quem nem mesmo o mais otimista dos economistas poderia prever e, aliado ao pagamento em dia dos países solicitantes, com seus PIB’s em ascensão constante, dava indícios de que tudo corria muito bem. Em 1979, a segunda crise do petróleo mostrou o que realmente deu errado gerando a grande crise. A mudança da economia mundial, partindo pela cobrança das altas taxas de juros, quebrou a liquidez e sufocaram de vez os países então tomadores de empréstimos. Esses, sem recursos para arcar com a crescente dívida externa, acumularam altos déficits acarretando na drástica queda em conseguir mais dinheiro e acesso ao capital internacional9. A crise tomou grandes proporções em 1982, devido ao descumprimento em pagar as taxas de juros de alguns países devedores, onde estes não possuíam mais condições de pagar suas dívidas e nem mesmo o acumulo de juros. O maior credor, os EUA e os grandes bancos, estavam desconfortáveis e sem saída, caso não procurassem agir rapidamente. Como ação imediata, quem assumiu o controle foi o Federal Reserve, que teve o papel fundamental em organizar uma espécie de liga 8 A reação econômica do governo Geisel (1974 – 1979), implicava proceder a uma alteração significativa das relações exteriores, pois o capitalismo brasileiro atingira um nível de desenvolvimento que implicava num alto grau de inserção mundial. (PIRES, 2010, pp. 208 – 209) 9 Mesmo após o segundo choque do petróleo em 1979, o erro de percepção acerca da real extensão da crise ainda existia. (PIRES, 2010, p. 229). 14 ou comitê para controlar e ser o mediador de acordos para pagamento das dívidas dos países devedores. Esse comitê contou também com o FMI e o Banco Mundial. (PIRES, 2010, p. 225). Com o Fundo Monetário Internacional (FMI) no controle, os países devedores tiveram que seguir as exigências e regras do órgão. Para muitos, a “solução” se transformou no estrangulamento total e endividamento contínuo. A desvalorização cambial afetou muito as economias internas, pois a queda das taxas de câmbio enfraquece a moeda nacional perante as demais. A desvalorização tem um efeito “positivo” sobre as exportações, que se tornam mais competitivas. Consequentemente, porém é negativa sobre as importações, funcionando como instrumento corretor de desequilíbrios da balança de pagamentos. Segundo Bacha: Era preciso antes mesmo da intervenção pesada do FMI, que a instituição analise a condição imposta. [...], deve-se verificar se a capacidade ociosa nas indústrias potencialmente exportadoras e substituidoras de importação. [...], procurar determinar se essa ociosidade se deve a falta de demanda externa ou à falta de competitividade. (BACHA, 1983, p. 10). Ou seja, se um Estado não produz as matérias primas necessárias, sua importação elevará frente à necessidade do consumo interno e direto. Isso eleva as taxas de cambio10. (PASTORE, 2013). Outra condição negativa imposta pelo FMI foram os controles de oferta monetária, garantindo o controle da inflação e corte de orçamentos internos, proporcionando o estímulo do investimento internacional. Esse último, aliado à elevação de impostos internos para garantir a demanda de importações, equalizar os preços internos junto ao padrão internacional, no intuito de garantir a integração com a economia mundial. As medidas impostas pelo FMI para a renegociação das dívidas enfraqueceram totalmente as economias dos países devedores através dos juros elevados. Basicamente os países não tinham saída: O descontrole do orçamento interno impedia qualquer reação ou política de desenvolvimento a médio prazo. O 10 A depreciação toma as exportações mais competitivas, inibe as importações e eleva os lucros das empresas. Os lucros podem ser reinvestidos, aumentando os investimentos, fechando um círculo virtuoso”. (PASTORE, 2013). 15 descrédito e venda de títulos públicos eram para “garantir” a renegociação da dívida e para pagar os juros diários. 1.3 – FMI, CONTROLE DA ECONOMIA, INTERVENÇÃO IMPOSITIVA Antes da crise se instaurar nos países devedores, o FMI não se apresentava como um organismo multilateral. Seu papel era meramente de instrumento para pagamento de dividas de países considerados periféricos. “Os elementos restritivos ao crescimento impostos pelo FMI visavam, basicamente, resgatar a capacidade de pagamento do devedor”. (PIRES, 2010, p 237). Conforme citado anteriormente, o FMI interviu fortemente na política nacional, porém, vale destacar os elementos e acontecimentos fundamentais para identificar o “pedido” de ajuda ao FMI. Em meio à crise (1978 – 1979), o descontentamento do presidente pelas políticas contrárias ao seu propósito e a popularidade cada vez mais em baixa de Figueiredo, em Agosto de 1979, nomeou Antônio Delfim Netto, a Ministro da Fazenda11. Delfim retornou ao cargo de planejamento do país com bons olhos perante a população de empresários e indústrias. A expectativa era a retomada do milagre econômico12. De fato houve uma melhora significativa no crescimento do PIB, algo em torno de 2,5% entre 1979 e 1980. (PIRES, 2010, p. 235). Talvez ainda fosse muito cedo para que se retomasse o crescimento do país através do financiamento estrangeiro. Mesmo com a sensível melhora na economia praticada pelas políticas de Delfim, o governo continuou acelerando o crescimento por conta das condições ruins do mundo naquele instante. Os EUA adotaram a política contracionista13, reduzindo a oferta da moeda, elevando a taxa de juros e reduzindo investimento no setor privado. As políticas desenvolvimentistas adotadas por Delfim foram o estimulo às exportações, desvalorização do cambio buscando a ampliação da capacidade de exportação de produtos primários. O que podemos dizer da política expansionista é 11 Durante o regime militar, entre 1969 e 1974, foi Ministro da Fazenda e no governo Figueiredo, Ministro da Agricultura em 1979, Ministro do Planejamento entre 1979 a 1985. 12 Entre 1969 a 1973 o Brasil foi marcado pelo forte crescimento da economia, onde o investimento estatal, siderurgia, petroquímica e energia cresciam em grandes proporções, gerando lucratividade e empregos. (MOTA, 2000, p. 84). 13 Essa política monetária é aplicada quando a economia está inflacionada, visando reduzir demanda agregada aliado aos preços. 16 que ela comprometeu o crescimento da área de influência econômica brasileira, justamente pela falta de importância dada no início do “contracionismo” norte americano. A consequência foi a reversão onde os credores internacionais se recusaram a “rolar” a dívida internacional. Houve contração na oferta monetária e cortes nos investimentos para as empresas estatais e novamente o Brasil se viu mergulhando numaincontrolável crise. “O resultado dessas políticas foi uma impressionante queda de 4,3% do PIB em 1981 e 11% na produção industrial”. (PIRES, 2010, p 236). A implementação da política contracionista norte americana fechou definitivamente as portas para os países do terceiro mundo – tomadores de empréstimos. Entre 1981 e 1982 os países não se adaptaram às novas condições internacionais. Em novembro de 1982 o governo se rendeu e pediu socorro ao FMI. Em meio ao cenário e acontecimentos da época, o povo não via com bons olhos a “ajuda” do FMI, temendo submissão e perda de autonomia doméstica. A vulnerabilidade do Brasil em razão da crise da divida, que chegou a grandes valores, paralelamente, contribuiu para visibilidade para barganhar no aspecto econômico internacional. A condição de falência do México e Argentina fez com que as atenções dos países e bancos internacionais credores (EUA principalmente) voltassem para o Brasil temendo que sua iminente falência causasse um efeito dominó. Havia o discurso de que a situação do Brasil era ‘confortável’, perante o perfil da dívida, argumentando que o país possuía reservas consideráveis. O problema era que essas supostas reservas ao qual o Brasil contava, eram ativos de liquidez comprometedores. Ou seja, supostos créditos incobráveis junto à Polônia e obrigações de países latino-americanos e africanos. (BERTI, 1999, p. 27). Com a crise financeira que assolava todos esses países dificilmente os compromissos seriam cumpridos. Diante do risco, o presidente americano Ronald Reagan, concedeu uma espécie de empréstimo no valor de U$ 1,2 bilhão de dólares em respeito seriedade na condução da política econômica brasileira. 17 Após esse encontro, amadureceu-se a decisão de recorrer ao FMI14. “A Gazeta Mercantil em reportagem de 07/04/1982 registrava que o governo americano concluiu que ‘não poderia continuar mantendo uma atitude de indiferença (..)”: (FRANCO, 2008, p. 95). Washington percebe agora com clareza que a ampliação da crise internacional de pagamentos, multiplicando-se o número de países insolventes, minaria todo o sistema financeiro internacional, levando de roldão os bancos internacionais. Um Brasil insolvente, após ocorridos com México, Polônia e Argentina, poderia precipitar a catástrofe. (GAZETA MERCANTIL,1982 apud FRANCO, 2008, p. 95). O então ministro Delfim Netto conseguiu um valor de $ 4,4 bilhões de dólares, dividido em quatro parcelas. Porém, inicialmente apenas duas foram liberadas, sendo que o Brasil deveria assumir um compromisso quanto à assinatura das “cartas de intenções”. A assinatura dessa carta, primeira de sete em 1983, fez com que novamente o governo promovesse a maxidesvalorização do cruzeiro, assim como há quatro anos. A segunda assinatura enviada ao FMI, o governo se compromete com medidas para substituição das importações e estimulo aos setores exportadores. Em decorrência disso, o governo equipara a variação cambial do país com a taxa de inflação. Em principio, a política do FMI foi a de aceitar as “cartas de intenções”, onde Brasil se comprometia a ajustar a economia, através da diminuição das exportações, elevação das importações para garantir o capital e entrada do setor privado externo, redução no déficit público e desvalorizar os fatores cambiais, agravando a recessão15. O acordo foi suspenso por duas vezes. Isso, pelo descumprimento em não reduzir o déficit nominal do setor público e, em segundo também pelo descumprimento em observar o déficit operacional do setor público. Entretanto, os governantes brasileiros não deram muita importância aos compromissos repassados 14 O ano de 1982 foi bem mais agitado e auspicioso que os anteriores no sentido de melhorar as relações. Em primeiro lugar, o fato inusitado de ocorrem duas visitas presidenciais no mesmo ano – a de Figueiredo a Washington, em maio, e a de Reagan a Brasília, em fins de novembro e inicio de dezembro. (FRANCO, 2008, p. 38). 15 Em 18/02/1983, foi decretada uma maxidesvalorização de 30% da moeda nacional em relação ao dólar, que tornou inteiramente sem eficácia os limites quantitativos estipulados na primeira versão do acordo. (NOGUEIRA, 1984, p. 7) 18 pelo FMI, acatando nem todas as diretrizes16. É fato que, essa postura levou a alguns ganhos para o país, tais como um leve suspiro quanto aos compromissos orçamentários e pagamentos dos juros. Porém, ainda assim a economia do país ficava cada vez mais estrangulada, devido à intervenção do FMI. Esse assunto será tratado no próximo tópico. 1.4 - DÉCADA DE 80, O PAPEL DO FMI Conforme dito anteriormente, o FMI, não era considerado um organismo multilateral. É importante ressaltar a forte participação e recorrência ao Fundo pelas economias na década de 80. Em 1979, onde Paul Volcker17 inicia sua política do Dólar Forte onde defendia a elevação da taxa de juros. De acordo com Santos: No final da década de 70, mais uma vez o rearranjo da política monetária e financeira dos EUA influenciou decisivamente a trajetória do endividamento, latino-americano. Porém, dessa vez, as políticas do governo norte- americano inverteram a situação, ou seja, ao invés de uma nova liquidez no mercado financeiro internacional, o que se viu foi uma crise de liquidez decorrente do aumento significativo das taxas de juros dos EUA. (SANTOS, 2007, p. 91). A consequência de crescentes endividamentos está ligada aos grandes empréstimos tomados pelos países em desenvolvimento a partir da década de 70, através da oferta dos petrodólares possibilitando o desenvolvimento continuo dessas economias. O problema era o fato de que a tomada desses empréstimos contratados, eram com prazos menores e com juros flutuantes, sendo esta uma imposição dos credores devido à nova política econômica adotada pelos EUA, alterando os valores a cada vez que a dívida era rolada. Outro ponto a ser considerado foi a queda nas exportações de commodities, onde o fator sobre o balanço de pagamentos é considerável, já que esses países principalmente Brasil, são extremamente dependentes dessa condição. Aliado a 16 “[...] nós procuramos testar o mercado com relação ao Brasil, mediante uma série de operações “club deals”, usando nossas principais empresas estatais”. (LANGONI, 1982, pp. 65 – 66). 17 O então presidente do Federal Reserve (Banco Central dos EUA), Paul Volcker, deu inicio, em outubro de 1979, à Política do Dólar Forte, promovendo uma brutal majoração da sua taxa de juros, que possibilitou a canalização do capital circulante mundial para os EUA. (SANTOS, 2007, p. 91). 19 diminuição nas exportações, de acordo com Santos (2007), houve a elevação do preço do petróleo gerando um grande rombo na balança comercial dos países dependentes desse bem: Essa política que durou até 1985, além de permitir aos EUA atraírem excedentes financeiros da Europa e Japão, que passaram a financiar dos déficits norte-americanos, levou também a explosão das dividas dos países devedores latino-americanos, que, de receptores de recursos financeiros externos,se transformaram em remetentes de recursos para o exterior, particularmente para os EUA, a uma taxa de juros exorbitante. (SANTOS, 2007, p. 91). A partir daí, os países do terceiro mundo mantiveram elevados déficits em conta, já que os empréstimos eram para manter suas contas “estabilizadas” e pagar suas dívidas cada vez crescentes18. Diante dos fatos, o que se pensava então era como o FMI retornaria como ator principal, atuando no cenário econômico mundial. Os bancos não possuíam capital suficiente para manter ou controlar a dívida e tentavam evitar um colapso total onde precisavam providenciar o capital para que os países devedores continuassem “reciclando” suas dívidas. Eis que a única saída era recorrer ao FMI. O temor de que a generalização de moratórias nos países endividados provocasse um colapso do sistema financeiro internacional levou os governos dos países credores a retomar o fluxo de capitais para os países devedores. Entre 1983 e 1985 os países devedores receberam empréstimos ponte de instituições financeiras como o FMI e Banco Mundial. (SANTOS, 2007, p. 92). O FMI, por ser agora tratado como um ator e instituição relevante no cenário internacional era a única saída, tendo em vista sua capacidade de controlar e fornecer informações mais detalhadas dos países endividados. Não apenas uma instituição controladora, mas também, “[...] o FMI exerceu o papel de “negociador” ao invés de credor, assim como os bancos” (PIRES, 2010, p. 237), ou seja, as informações organizadas e coletadas pelo fundo possibilitou a formação de um grupo de “devedores controlados e cadastrados”. Isso, como melhor alternativa para 18 A alta dos juros nos EUA também aumentou as dividas de empresas e bancos privados latino- americanos que haviam tomado empréstimos no exterior. Entre 1978 e 1979, esses bancos e empresas pagaram essas dívidas em moeda nacional aos seus governos, que assumiam as dívidas em dólares. “[...] À partir da década de 80, as instituições financeiras internacionais passaram a exigir dos países devedores a estatização das dívidas privadas”. (SANTOS, 2007, p. 93). 20 os bancos era fundamental, temendo que a falta de controle gerasse a suspensão dos pagamentos das dívidas. Com a intervenção do FMI, a renegociação da dívida e a possibilidade da tomada de novos empréstimos era quase certa para os países mergulhados na recessão e na dívida contínua. Porém, esse não era o propósito da instituição. Por traz, haviam poderosos interesses políticos e financeiros, acompanhados por recessões, custos sociais, impossibilidade de exportação de matéria prima e alta inflação para privilegiar o mercado financeiro internacional. [...] os países devedores foram estimulados a adotar uma política econômica recessiva marcada por desvalorizações cambiais para gerar superávits comerciais [...]. (SANTOS, 2007, p. 92). Os programas do FMI eram arquitetados no intuito de ajustar o balanço da economia e não resolver os problemas econômicos dos países endividados. Os problemas que surgiram mediante as imposições orientadas pelo FMI, foram em decorrência das dívidas cumulativas do passado, oriunda da pobre estruturação do modelo de crescimento econômico adotado pelas autoridades brasileiras. É fato que pagou-se um preço muito alto em função da necessidade e pressão americana em tornar o dólar uma moeda forte, juntamente com a prospecção do cenário econômico americano naquele momento. A intervenção do FMI e outras instituições como o Banco Mundial foram medidas e ações provenientes dos bancos e órgãos reguladores para que estas mesmas instituições se “salvassem” e se mantivessem na posição de credor solúvel. O fato é que os problemas de endividamento não foram solucionados e o Brasil e demais países terceiro-mundistas, entrariam em uma nova fase e rodada de negociações, como explica Bacha: O Fundo Monetário Internacional é uma instituição destinada a auxiliar países que apresentem problemas no balanço de pagamentos. No caso de um país altamente endividado no exterior, onde boa parte de sua dívida refere-se à conta de juros, o grosso do ajuste deve ser efetuado através da balança comercial... [...] o FMI é, portanto uma melhoria na balança comercial. (BACHA, 1983, p. 6). O novo cenário internacional, com a figura do FMI articulado, negociador e impositivo, a crise da dívida se torna cada vez mais insolúvel e fora do controle das 21 autoridades brasileiras. Os bancos e credores se beneficiaram da intervenção do FMI para que os compromissos dos países devedores fossem mantidos e garantidos. Porém, algumas ações no cenário doméstico dava sinais de que haveria uma mudança favorável, mesmo que momentânea. Assunto esse, que será tratado no próximo tópico. 22 2: A REAÇÃO DO BRASIL EM MEIO A CRISE – INÍCIO DE AUTONOMIA ECONÔMICA E INDICIOS DE DEMCRACIA 2.1 – RECUPERAÇÃO, SINAL DE ESTABILIZAÇÃO Abordamos anteriormente as práticas e imposições por parte do FMI, Banco Mundial, etc. As taxas de crescimento esperadas nas exportações ficaram aquém, se considerarmos que a economia mundial estava estagnada no início da década de 80, somado aos crescimentos negativos de alguns países. Mesmo com o desempenho ruim de todos os setores, inclusive da economia internacional, o Brasil superou as expectativas e cumpriu as metas junto ao setor externo. O bom desempenho do externo amenizou a gravidade da situação em 1983. O superávit de US$ 6,5 bilhões em 1983 contra US$ 780 milhões em 1982 foi o resultado principalmente da queda de 20% no valor das exportações em relação ao ano anterior, enquanto as exportações cresceram 8,5%. (BAER, 1989, p. 186). A partir desse momento o Brasil assinou mais três cartas de intenção, todas agressivas, estipulando metas para os anos de 1984 e 1985, muito comprometedoras por parte do FMI para a situação instável do país. Com isso o então presidente do Banco Central, Carlos Langoni, se demitiu por não concordar e duvidar dos acordos propostos. Em 1984, já com o fantasma da crise e dívida controlada, o Brasil dava sinal de recuperação e superação quanto ao problema do balanço de pagamentos. Viu-se que houve a concentração e elevação de superávits, elevando a exportação principalmente de setores com alta necessidade externa e diminuição de importação. O Brasil diminuiu a quantidade de importações e foi favorecido com a melhora do desempenho comercial internacional. A expansão das exportações dos produtos manufaturados possibilitou o país a ter maior poder de negociação junto aos credores, pois o excelente resultado alcançado garantiu o pagamento de dívidas atrasadas, melhorou a credibilidade no cenário e reservas internacionais, eliminando a eventual necessidade de capital privado. A prática foi vista com bons olhos pelo 23 FMI, que enxergou otimismo quanto ao crescimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em continuidade, o Brasil passou a dispensar os empréstimos externos para financiar as importações de produtos e serviço. Diferentemente do cenário da tomada de empréstimos, o país acelerou a exportação como parte do pagamento dos juros. O Brasilpassou por tanto, a acumular saldos crescentes na balança comercial através da produção e concentração de exportação de produtos setoriais. As imposições do FMI e dos credores internacionais impuseram suas práticas e sanções ao Brasil. O planejamento nacional para implementação de tecnologia de ponta, consolidação da indústria através da transformação, foram boicotadas perante tais regras. As imposições estrangularam o processo financeiro, controlando a dependência, limitando a aproximação aos demais países19. É fato que após a significativa reação ao condicionamento da dívida externa, em meados de 1980, como citado acima, o Brasil caminhou para democracia, entrando em novo processo de integração buscando o desenvolvimento tecnológico e padronização de seu parque industrial, além da participação ativa da agenda internacional, situações promovidas a partir dos protocolos de 198620. 2.2 – SINAIS DE DEMOCRACIA, GRADUAL, LENTA E PROGRESSIVA Ao fim do ano de 1982, especulações e visitas entre os presidentes brasileiro e norte americano, Figueiredo em maio e Reagan em dezembro, ocorreram no intuito de se recuperar ou criar uma “nova” relação entre os dois países. É verdade que a ida de Figueiredo quase não ocorreu pela situação e posição do Brasil e EUA em relação à guerra das Malvinas21, onde o Brasil teve papel fundamental no que se pode dizer do cessar fogo entre Argentina e Inglaterra, pois, o Brasil apoiava a Argentina e o EUA por razões históricas, tinha a posição pró-Inglaterra. 19 Desde 1980, o FMI e credores internacionais diminuíram a capacidade brasileira de influir sobre o sistema internacional, pela adequação de fins e resultados, passando o país à categoria de agente passivo de influencias, com dificuldade até mesmo de manter os avanços já alcançados. (CERVO e BUENO, 2002, p. 394). 20 Acordo assinado entre Brasil e Argentina (12 protocolos), que visavam a integração econômica e área de livre comércio entre os dois países. 21 A Guerra das Malvinas (abril-junho de 1982) teve origem na disputa pelas ilhas Malvinas/ Falklands, no Atlântico Sul, travada desde o século XIX pela Inglaterra e a Argentina, onde a Inglaterra abriria mão da soberania do território, mas não do controle administrativo. (DINSTEIN, 2004, p. 396). 24 Para muitos essas visitas eram meras especulações por parte norte americana, cobrar do Brasil uma posição definitiva e maior participação na Guerra Fria em troca de ajuda econômica. Para outros, era importante essa reaproximação para garantir a imagem do Brasil. O fato é que ao final, a imprensa e críticos viram com bons olhos a rodada de encontros: Em um mundo que cada vez mais se caracteriza pela institucionalização da insanidade (...) é consolador verificar que a visita do presidente Figueiredo aos Estados Unidos projetou internacionalmente uma imagem do Brasil que gostaríamos que fosse projetada todos os dias. O Brasil apareceu como um país maduro e cônscio de suas responsabilidades – (...). (JORNAL DA TARDE, 1982 apud FRANCO, 2008, p. 87). Em meio a apoios e críticas, fato é que ambas as visitas foram favoráveis para mitigar a “indigestão” entre os dois países por conta de posições contrárias em relação à guerra das Malvinas e, pela visão norte americana, constatou-se que o Brasil tinha um papel muito importante e de peso no âmbito regional do sul, junto aos demais países. As constantes visitas e relações bilaterais do Brasil mostravam sinais favoráveis quanto à imagem do país. Devido o fato de Figueiredo buscar e promover a reabertura política pode-se dizer que a influência internacional teve papel importante nesse processo, pelos constantes apoios de líderes norte americanos quanto à conduta do governo brasileiro. Porém, há de se considerar que os EUA já vinham pressionando quanto à abertura política, reconhecendo o Brasil como ator e potência importante no sul. Com a ameaça do comunismo afastada na América Latina, ocorreram as eleições diretas para governadores22, onde os eleitores puderam eleger os representantes dos estados, mais o Distrito Federal. O grande destaque não era somente a eleição direta para governadores dos Estados, mas sim, mesmo com o momento delicado vivido por problemas econômicos no país, as atenções da mídia e do povo se voltaram para as eleições, sendo considerado um grande avanço na democracia. 22 Em 15/11/1982, ocorreram as primeiras eleições diretas (desde o golpe de 1964) para governadores com participação efetiva do povo. (NICOLAU, 2012, p. 140). 25 3: O EXECUTIVO E O ITAMARATY – AGENDA INTERNACIONAL E A INVERSÃO DE PAPEIS 3.1 – O UNIVERSALISMO DE FIGUEIREDO E A POSIÇÃO DO ITAMARATY Até aqui, o propósito deste trabalho foi mostrar todo o cenário e acontecimentos no governo Figueiredo, em meio às graves crises econômicas internacionais, segunda crise do petróleo, surgimento do neoliberalismo, dependência do capital estrangeiro e privado, intervenção do FMI, elevação da taxa de juros no intuito de supervalorizar o dólar e pressões populares quanto à redemocratização do país. Porém, cabe aqui destacar como a política do universalismo, política externa do Chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro23, se comportou em meio a todos esses episódios. Principalmente pelo fato do Brasil ter agravado seu processo de endividamento, ocorreram mudanças de Ministros da Fazenda e constantes participações na agenda internacional. A situação no mundo quanto à questão da bipolaridade era cada vez mais agressiva por parte dos EUA. O intuito com a Guerra Fria era o enfraquecimento da extinta URSS, minando cada vez mais a possibilidade de relações multilaterais, desarticulando uma possível atuação dos países do terceiro mundo. No mesmo período ocorria a guerra das Malvinas entre Inglaterra e Argentina, evidentemente pelo passado histórico os EUA apoiavam a Inglaterra e o Brasil mesmo com sua política de “não alinhado”, de forma indireta apoiou a Argentina. A partir de então era perceptível por parte não só do governo brasileiro, mas também da diplomacia, a perda de autonomia dos países médios do terceiro mundo. A política externa do Chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro autodenominou- se de Universalismo, e esforçou-se por manter a autonomia do Brasil em um cenário crescente desfavorável. (VISENTINI, 2013, p. 81). Apesar da crescente afirmação por parte do governo brasileiro em elevar os patamares do país à grande potência industrializada, o Itamaraty “entendia” o Brasil como um país de terceiro mundo e assim sustentava suas participações nos fóruns internacionais. Através de sua posição de país não alinhado, denunciava os abusos 23 Ministro das Relações Exteriores do governo João Batista Figueiredo entre 1979 – 1985. 26políticos e econômicos do qual, países dependentes de capital estrangeiro estavam sujeitos. Além das participações internacionais, o Brasil também integrou grupos de apoio, G-824 e mantinha um bom relacionamento com os países Árabes e países asiáticos. Isso elevou a importância da América do Sul por conta da condução da diplomacia e política externa do Brasil. A afirmação de país terceiro-mundista era um tanto quanto “desconfortável” para alguns. Até mesmo era indigesto aceitar essa condição para o Brasil. O que, na realidade era de fato uma condição reconhecida e afirmativa por parte dos países desenvolvidos. De acordo com Visentini: A categoria de Terceiro Mundo, em que pese sua diversidade, agregava países, ‘importadores líquidos de capital e de tecnologia e que não haviam atingido um nível de desenvolvimento autossustentável’. (VISENTINI, 2013, p. 83). Em relação à diplomacia do Brasil com a URSS, China e Países Árabes, era reconhecido que esses “votavam” com o terceiro mundo, o que não significava uma ligação política direta entre eles. Porém, conforme narra Guerreiro: [...] o Brasil seguia uma política alinhada com os Estados Unidos, talvez até 1961. Mesmo nesse período, o Brasil divergia quando se percebia interesse nacional com o caráter claramente específico, diversificado. (GUERREIRO, 1992, p. 14). Nessa fala de Guerreiro, podemos destacar a década de 1960, onde o Comunismo se estendia pelo mundo e, os EUA, com receio do avanço e adesão do Brasil ao movimento, intervia substantivamente tentando evitar. Naquele momento, a importância do Brasil como uma potência regional e caráter de liderança, era fundamental para que o capitalismo ganhasse força no cone sul e enfraquecesse o comunismo. Dependendo dos rumos políticos e econômicos tomados pelo Brasil, este seria um reflexo para a condução e tomada de decisões dos demais países da América do sul. Diferentemente, na década de 1980 onde o comunismo já não era mais uma ameaça, os interesses passaram a ser fortemente econômicos, aliado às pressões quanto ao pagamento da dívida junto ao FMI. 24 O G8 reúne países do Grupo dos 8 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia), mais os 5 países emergentes: (África do Sul, Brasil , China, Índia e México). 27 Figueiredo assumiu o poder já com a premissa de ser o “presidente da abertura”, com um novo modelo de política externa, onde o “Pragmatismo Responsável25” cede lugar ao “Universalismo”, pregando a “dignidade nacional e boa convivência”, conforme seu discurso ao congresso nacional: Nossa política nacional caracteriza-se pela presença, cada vez mais marcante dos interesses nacionais em várias regiões do planeta e na ampla gama de temas em debate no plano internacional. [...] o universalismo da política externa se expressa pela ampla disposição ao diálogo, com base no respeito mútuo e no principio de não intervenção. O Brasil procura afirmar um novo tipo de relações internacionais, de natureza aberta e democrática, horizontal, sem subordinações nem prepotências. O Brasil assume integralmente a sua condição de país latino-americano. Acredita que, em conjunto, as nações latino-americanas devem buscar as mais aperfeiçoadas formas de integração regional, que permitam não só acelerar o desenvolvimento e o intercâmbio entre elas, com o realismo e a atenção às potencialidades e necessidades de cada país, senão também que lhes facilite presença mais hegemônica nas negociações econômicas com os países desenvolvidos. (FIGUEIREDO apud VISENTINI, 2013, pp. 81 – 82). A nova conjuntura internacional vivia momentos delicados entre os blocos e pólos políticos. A tensão entre o capitalismo norte americano e o comunismo soviético, são o centro das discussões que envolviam o tema de segurança internacional. Em principio, com o fim da détente26 as relações entre os países ficavam cada vez mais estreitas, no sentido de melhor aproximação uns com os outros. O Brasil não se manifestava quanto à prática norte-americana, mas condenava ações intervencionistas. Com a nova Guerra Fria substituindo a détente, a situação internacional se caracterizava pela reativação das tensões. Os problemas que não puderam ser resolvidos sob regime da détente, reapareceram de forma agravada. A tendência à confrontação reafirmava a dimensão Leste-Oeste na política mundial, com crescentes riscos para a segurança nacional. (VISENTINI, 2013, p. 85). A gestão de Guerreiro, em seus seis anos, sempre foi de posicionar as intenções do Brasil como um país pacífico e de cooperação. Por diversas vezes, em seus discursos, o Chanceler deixava claro as intenções de manutenção da paz entre 25 Uma política externa que repudiava discussões semânticas e que afasta os extremos. Política externa implementada pelo governo Geisel em seu governo (1974 – 1979). (VISENTINI, 2013, p. 79). 26 O equilíbrio do terror atômico, a corrida espacial e a “queda de braço” entre Washington e Moscou durante grande parte da década de 1960 demonstraram que os esquemas da coexistência ainda persistiam. Fase mais madura do relacionamento entre as superpotências só se verificou no final dos anos 60 e início da década de70. (SARAIVA, 2001, p. 65). 28 os Estados, igualdade para todos, justiça e não à dominação. Defendia o surgimento de “uma nova ordem mundial”, onde todos os gastos e esforços com corridas armamentistas e guerras eminentes fossem destinados à tecnologia, crescimento e progresso. Os acordos unilaterais com países da África, países árabes, países asiáticos e uma tímida aproximação comercial com a URSS, deram destaque para América latina. O crescente e lucrativo relacionamento comercial com o Oriente Médio e com a Ásia construía elementos dessa política, ainda que com relação à África Subsaariana os resultados fossem modestos. (VISENTINI, 2013, p. 87). Mesmo com o destaque e posição do país, sob a ótica das relações internacionais, os crescentes conflitos entre o eixo leste-oeste, davam a oportunidade ao Brasil de se distanciar desse foco improdutivo e cuidar de seus interesses para com seus vizinhos, ou seja, o Brasil saía da condição de negociador intermediário ou prestador de serviços de interesses maiores, para atuar junto aos demais de mesma condição. [...] a diplomacia brasileira pretendia, quanto a essa questão, reforçar o que já existia, conferindo uma nova dimensão aos laços tradicionais que uniam o Brasil aos países do Terceiro Mundo e ao Ocidente industrializado. (VISENTINI, 2013, p. 87). Isso porque a condição da cooperação sul-sul, não propunha os propósitos economicamente traduzidos entre norte-sul: A cooperação sul-sul, além de seu valor intrínseco, poderia vir a reforçar o poder de barganha brasileiro em negociações econômicas globais, sobretudo se esta passasse de uma solidariedade de dimensão retórica para outra dimensão concreta e econômica. (VISENTINI, 2013, p. 87). O Brasil também se destacou no apoio político e cooperação econômica com a África (particularmente Angola), referente à trocade petróleo por produtos e serviços, além de condenar o apartheid27 sul-africano. O Brasil foi tentado pelo governo americano a cooperar contra os países africanos, devido aos crescentes e 27 Regime de segregação racial adotado entre 1948 a 1994, por políticos brancos partidários do Partido Nacional na África do Sul, onde os diretos da população negra eram ignorados. 29 recorrentes conflitos. “[...] o Itamaraty recusava as propostas recorrentes durante o Governo Reagan, de militarização (sobretudo naval) do Atlântico Norte.” (VISENTINI, 2013, p. 87). Além dos acordos com a África, o Brasil mantinha excelentes relações com os países do Oriente Médio. O Brasil com sua indústria armamentista estatal em desenvolvimento passou a exportar armas, carros de combate, mísseis, aviões, produtos agropecuários e serviços, isso, como pagamento da importação de petróleo. O Brasil também manteve relações bilaterais com a China, provenientes de acordos nucleares, satélites e repasse de recursos para avanço tecnológico. Isso, em menor escala, despontou interesses de potências médias, como União Soviética e de periférica como Índia. A diplomacia brasileira ganhava destaque, além de a América Latina caminhar para uma cooperação entre Estados e incomodar a potência hegemônica, os Estados Unidos, que pressionavam pelo fim dos regimes e cumprimento dos pagamentos da dívida. Como explica Visentini: O Brasil observava com extrema inquietação a crescente pressão americana pela redemocratização no Cone Sul, interpretando o fenômeno como uma estratégia de desarticulação das potências médias e de busca de legitimação do pagamento da dívida externa destas. (VISENTINI, 2013, p. 88). Na concepção do governo, o Brasil deveria construir uma posição de potência como Estado, mas entendendo que a expectativa de alcançar uma posição superior na hierarquia internacional, não seria a curto prazo. Porém, era sabido que a inserção do país e interesses nacionais deveria ir além e que só seria possível através do desenvolvimento econômico e conquista de espaço de autonomia nacional. Os objetivos em curso da política externa brasileira estavam fora do contexto da conjuntura internacional, ou seja, o desenvolvimento buscado pelos militares acabou sendo ineficiente por conta da estratégia adotada junto aos demais países do sul e leste. De acordo com Cervo e Bueno: É nesse contexto extremamente adverso que a diplomacia brasileira tentou formular uma política externa de cunho universalista, buscando reavivar o multilateralismo como forma de tentar superar a crise. (CERVO e BUENO apud FERREIRA, 2006, p. 120). 30 O Universalismo de Figueiredo promoveu a exposição do Brasil a diversas relações internacionais e inserção no cenário internacional e não a um alinhamento incondicional com os EUA. De fato, o Brasil naquele período conseguiu bons acordos e visibilidade externa com suas relações norte-sul e sul-sul, intentando-se como uma potência industrializada do ocidente desenvolvido. Porém, o Universalismo em sua essência, causa contradições e desconformidades quando adotado por países como o Brasil, recém-industrializado e que oscilava de acordo com os acontecimentos internacionais, sendo ora dependente, ora autônomo. 3.2 – O INSULAMENTO BUROCRÁTICO E O UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS A proposta desse trabalho é mostrar como a influência e acontecimentos de um regime que visava a garantia do progresso de um país se comportou frente ao desequilíbrio externo com elevadas taxas de juros praticadas pelos EUA e instituições financeiras e instabilidade no cenário doméstico, em decorrência do endividamento. A atuação diplomática e o poder executivo por vezes se confrontavam com diferentes interesses, atuações e objetivos incomuns. Com relação ao regime militar, podemos considerá-lo fechado, que buscava garantir o equilíbrio e controle através da força, sem intervenção externa nas práticas ou meios utilizados para garantir o objetivo final. Em síntese, a grande intervenção “de fora para dentro”, foi a administração do FMI e instituições financeiras, no cenário doméstico, na crise dos países subdesenvolvidos entre 1979 – 1985 e aumento das taxas de juros. A definição de insulamento no contexto de autonomia dentro de um regime proporciona o Itamaraty o título de ministério ilhado, cercado pelos demais ministérios onde não há interferência do executivo; ou seja, trata-se de uma estrutura criada por um corpo de burocratas que visam defender os interesses nacionais do Estado, porém, através de uma atuação despolitizada, sem interferência popular ou através de votos. Dentro do Ministério das Relações Exteriores existem outras esferas independes do executivo, como a Secretaria Geral das Relações Exteriores, porém, diferentemente das demais secretarias ministeriais. Conforme explica Soares: 31 A Secretaria Geral das Relações Exteriores é diferente das secretarias executivas dos ministérios. É a única que tem denominação própria; seria equivalente, talvez, ao Estado-Maior dos militares. (SOARES, 2006, p. 51). Mesmo com a autonomia decisória do Itamaraty, este pode sofrer interferências de certas ações no ambiente doméstico/internacional ou diferentes atores governamentais e sociais. Guerreiro, em sua gestão no governo Figueiredo, teve que lidar com constantes intervenções por parte do FMI e discussões de política externa entre o governo brasileiro e americano e fóruns multilaterais. Em tese, a crescente pressão quanto à liberalização do Estado, fim do regime militar a agenda internacional era cada vez mais aberta para atores nacionais e transnacionais. O governo observava com certa inquietude as constantes pressões dos EUA quanto à redemocratização dos países da América Latina, paralelo aos compromissos do Brasil no cenário internacional. Alguns acontecimentos podem abalar ou interferir negativamente na atuação diplomática. Em sua essência, a atuação de outras instituições sendo por interferência direta do executivo ou por atores transnacionais e/ou terceiro setor, podem desconstruir e comprometer a atuação da diplomacia. De acordo com Przeworski, dentro de um regime militar, a atuação de outros organismos independentes ou com autonomia reconhecida, não são tolerados, a partir do momento em que estas fossem adversas aos interesses comuns do regime gerando um dissenso: [...] ditaduras: elas não podem tolerar organizações independentes, pois quando não houver alternativas disponíveis em termos coletivos, as ações individuais não adquirem importância significativa para o governo. (PZREWORSKI apud FERREIRA, 2006, p. 123). Quando as intenções diplomáticas se cruzam com os interesses do executivo, os objetivos da agenda se pulverizam e o papel do Itamaraty torna-se meramente participativo em meio às ações e diretrizes do executivo. O período aqui estudado 1979 – 1985 demonstra as atuações aliadas do Poder Executivo e do Itamaraty, na condução da agenda internacional, onde o consenso de ambos às vezes era difuso. 32 Mesmo com a interdependência entre o Itamaraty e o Governo, observou-se a participação conjunta de ambos, nas questões financeiras internacionais buscando a resolução de problemas e relação entre economistas e diplomatas. Apesar do Ministério dasRelações Exteriores ser independente ou insulado, ou seja, separado do poder Executivo, o governo Figueiredo desempenhou um papel importante na escolha do chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro. Seu convite para o mais alto cargo das relações exteriores foi narrado assim: Fui convidado pelo presidente eleito a assumir a função de ministro de Estado das Relações Exteriores. Na ocasião, sua excelência me disse, inter alia, que me conhecia mais do que eu supunha e desejava prosseguir, com as adaptações aconselháveis, na política externa do governo anterior. (GUERREIRO apud FERREIRA, 2006, p. 121). Com a indicação do General Presidente, de acordo com a narrativa de Guerreiro, no início, havia certa indigestão por parte do chanceler em dar continuidade ao modelo da política externa sugerida por Figueiredo: Embora estivesse de acordo com meu chefe com a linha geral de uma política que se denominava de PRAGMATISMO RESPONSÁVEL, como Ministro, creio não haver usado a expressão mais do que uma vez, e ainda no principio. Não tinha objeção de substância, mas até por temperamento, me parecia que podia prestar-se a equívoco”. (GUERREIRO apud FERREIRA, 2006, p. 122). A Política Externa Brasileira – PEB, buscava se manter na posição de reflexo do consenso nacional quanto à condução da política no ambiente internacional, mesmo com a dúvida sob sua continuidade e intenção de mudança independente. De acordo com Guerreiro: Procuramos fazer que a atividade diplomática sirva de ponto de união de brasileiros, de coesão política e social, e não a interesses localizados e transitórios. (GUERREIRO apud FERREIRA, 2006, p. 123). O Itamaraty e seus diplomatas apesar de autônomos enquanto burocratas tiveram apoio de Figueiredo quanto à condução da Política Externa brasileira. Os resultados positivos e constantes participações em fóruns e compromissos da agenda internacional fizeram Figueiredo manter a política do Universalismo e apoio. Mesmo com a transição para abertura política no país, à época, o então Ministro das 33 Relações Exteriores, Saraiva Guerreiro, estava ciente das possíveis implicações para a Política Externa. Ele entendia que a cooperação e o principio da não interferência do executivo, proporcionaria resultados melhores, havendo a amplitude da atuação das diferentes esferas. Havendo o insulamento ou não, o certo é que o Itamaraty e sua política externa ganharam destaque no cenário internacional proporcionando a atuação participativa e importantes tomadas de decisões nas questões internacionais. Em decorrência desses acontecimentos e da transição histórica, os compromissos diplomáticos passaram a ser também tarefa do executivo participativo e cada vez mais decisório nos assuntos da Política Externa. 3.3 – VULNERABILIDADE BRASILEIRA, APELO INTERNACIONAL Conforme dito anteriormente, na década de 1980, o governo Figueiredo enfrentou graves crises econômicas e estagnação do desenvolvimento nacional e externo. Conforme explica Cervo e Bueno, duas situações importantes contribuíram para a permanência nessa condição, onde a atuação dos responsáveis pela política proporcionava a inversão dos papeis: Em primeiro lugar, políticas econômicas internas marcadas por elevado grau de instabilidade contiveram o ritmo de crescimento, comprometeram a credibilidade do governo e minaram as expectativas sociais diante do Estado; em segundo lugar, a decisão da área econômica em conduzir por si as negociações da dívida externa, de acordo com a imposição dos credores, de forma permanente, contabilista, empírica e despolitizada, sem articulação com o Congresso e da chancelaria. (CERVO, BUENO, 2002, p. 427). O Brasil, incapacitado de negociar a seu favor no cenário internacional se tornava submisso e passivo, sem condições de atuar incisivamente no sistema internacional frente às imposições e dificuldades produzidas pelos EUA e instituições financeiras como o FMI. Na percepção do Itamaraty, no inicio dos anos oitenta o cenário internacional estava fragilizado tanto na esfera política quanto na econômica. A instabilidade cambial, crises, imperialismo norte-americano, “bipolarismo” e protecionismo, eram fatores fundamentais que conciliavam para a dependência de países como o Brasil. 34 Já na segunda metade da década de oitenta, os problemas ainda continuavam e se agravavam, tendo em vista a consolidação da divisão internacional do trabalho, crise do multilateralismo e crescentes divergências com os Estados Unidos e Europa, onde os países ricos “sugavam” os recursos produzidos pelo Terceiro Mundo. A situação era de extrema inquietação e a diplomacia brasileira passou a desempenhar um papel importante no cenário internacional, participando de foros internacionais no intuito de “denunciar” os abusos e mazelas proporcionadas pelos países e instituições financeiras, sugerindo mudanças no sistema internacional, conforme alguns acontecimentos a seguir narrados por Cervo e Bueno (2002): a) V UNCTAD, Manila, maio de 1979: o chefe da delegação brasileira exerceu pressão pelo desenvolvimento, protestou contra as salvaguardas unilaterais dos ricos ao comércio internacional, contra o protecionismo. b) XI Assembleia Geral Especial da ONU, 1980: onde o Brasil empenhou-se por “Negociações Globais” a nova fórmula do diálogo Norte-Sul. c) XXXVII Assembleia Geral da ONU, setembro de 1982: pela primeira vez o chefe de Estado brasileiro abriu a sessão. [...] Criticou a ordem internacional que preservava as estruturas do poder em detrimento dos fracos, a cooperação internacional que não promovia o desenvolvimento, a interdependência que administrava a desigualdade, os órgão internacionais (FMI, BIRD, GATT) que só tinham ouvidos para os ricos, as taxas de juros que inviabilizavam o crescimento das nações atrasadas. d) Reunião do Grupo dos 77, Rio de Janeiro, dezembro de 1983: ante o fracasso global das negociações Norte-Sul (Cancun, GATT, UNCTAD), Guerreiro reagiu com a proposta de uma estratégia de cooperação Sul-Sul. (CERVO e BUENO, 2002, p. 429). Mesmo com as participações e denúncias nos foros internacionais, o Brasil procurava estabelecer suas relações com a América Latina visando o progresso e aliança entre o bloco, onde os governantes procuraram ser cautelosos em relação aos acordos e negociações das instituições financeiras e reguladoras do comércio, principalmente tratando-se do Norte-Sul. Porém, é importante destacar que tanto a economia brasileira quanto a sociedade e o crescente endividamento externo, prejudicaram o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. De acordo com Cervo e Bueno, a participação do Itamaraty e do Executivo foram ausentes no processo de negociações, relacionado aos acordos e negociações internacionais, como narra os autores: 35 As negociações foram conduzidas pelos economistas da Fazenda, do Planejamento e do Banco Central, à revelia da sociedade e de outros órgãos que a representavam. (CERVO e BUENO, 2002, p. 435). A participação do Itamaraty em sintonia com o executivo seria de suma importância nos assuntos internacionais, principalmente ligado ao problema financeiro brasileiro, onde as negociações e rolagem de dívida mostravam cada vez mais a submissão e dependência do país. Fatos históricos demonstram que os problemas de endividamento externo enfrentados por países socorridos por instituições credoras, são submetidos à regulação impositiva do credor, “como os que foram concedidos à Alemanha no entreguerras”. (CERVO E BUENO, 2002, p. 436). A imposição das instituições financeiras sendo FMI no caso brasileiro, nos remete a
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