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CIÊNCIA POLÍTICA – 2017.2 PROFESSOR Me. LUIZ FELIPE PINHEIRO NETO Ponto VII. A SOBERANIA COMO ELEMENTO ESSENCIAL: TRAÇOS CARACTERÍSTICOS E DISTINTIVOS 1. Soberania: construção histórica do conceito; 2. Conceito moderno de soberania e suas características. 3. 1. SOBERANIA – CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO A soberania, segundo Jellinek, é uma concepção política que só mais tarde se configurou como noção jurídica – por ter se formado sob a influência de causas históricas, a soberania não é portanto um conceito absoluto e imutável. É o elemento político do Estado. Lênio Streck: “A noção de soberania emerge quando há consciência da oposição entre o poder do Estado e outros poderes.” A idéia de soberania nem sempre existiu – não era tratada pelos filósofos gregos na Antiguidade, nem mesmo na Idade Média, havendo tratados superficiais sobre uma última instância de poder (a figura do soberano, p ex, que mais se apresentava como posição de superioridade em um sistema social hierarquizado). Importante observar que não apenas o rei, na Idade Média, detinha o poder, mas havia inúmeras instância de dominação do poder secular, como a própria Igreja, Senhores Feudais, etc... Na Idade Média se observava uma doutrina teocrática para justificar a soberania: As teorias do direito divino, ou chamadas teorias teocráticas, ensinam que todo o poder vem de Deus (omnis potestas a Deo – São Paulo) e são divididas em duas correntes de pensamento: Teoria do direito divino providencial (Deus não indica uma pessoa, mas direciona os acontecimentos humanos de modo providencial); Teoria do direito divino sobrenatural (Deus proveu uma pessoa, o rei, para exercer o poder). O embate se dava principalmente entre rei e Igreja. A concepção medieval de Estado tinha sua pedra angular pautada na dualidade, de um lado, envolvendo a autoridade divina, extra e supraterrena, mas com firme ponto de penetração dentro da atividade política terrena; de outro lado, a autoridade crescente dos novos monarcas surgidos com a desintegração dos antigos feudos. O caminho da construção do conceito de soberania inicia-se por meio de Jean Bodin (Os Seis Livros da República, Les Six Livres de la République – 1576), que para legitimar o poder do Rei de França no contexto de disputa entre o poder temporal e o poder espiritual, engendra a sua teoria da soberania absoluta do Estado. Para o filósofo, a soberania é o poder absoluto e perpétua de uma República (não no sentido atual de República, mas no sentido atual de Estado). Este poder viria de Deus (teoria do direito divino sobrenatural) Se pode perceber na obra de Bodin a soberania como elemento essencial do Estado, virando dogma do Direito Público. Para Bodin, a soberania (do Rei) é uma, indivisível, irrevogável, perpétua, indelegável, um poder supremo que não pode ter oposição (mesmo da Igreja). É um poder absoluto. Bodin desenvolve a teoria da soberania absoluta do Rei – Ele é um dos principais teóricos do absolutismo monárquico (junto com Hobbes, posteriormente) Há quem atribua não a Bodin, mas a Maquiavel, a formulação da primeira concepção de poder supremo e unificado do Estado, sendo Bodin apenas o seu popularizador. Posteriormente, o tema foi examinado e desenvolvido pelas lentes contratualistas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, em linhas teóricas coerentes com suas concepções de Estado. As teorias contratualistas quebram a doutrina teocrática. São antropocêntricas (democráticas, no sentido de que a soberania provém do povo) Para Hobbes, cujo contratualismo cria a idéia de Estado enquanto sociedade política, a criação do Leviatã está ligada à soberania, à exigência de respeito à autoridade. Hobbes tinha plena consciência de que o contrato político simbolizava a coluna vertebral em torno da qual se daria a legitimação do poder estatal, sem reconhecimento do direito de resistência. Com os tratados de Westfália (Pós Guerra dos 30 anos) consolidou-se o fato, compatível com a visão de Hobbes, de que a soberania vinha acompanhada de um poder ilimitado, uma autocracia rígida no regime interior dos Estados. Segundo Norberto Bobbio, a formação do Estado resultou de dois processos paralelos: o de CONCENTRAÇÃO e o de CENTRALIZAÇÃO do poder em um território determinado. Necessário lembrar que Hobbes está ligado ao absolutismo, enquanto Locke está ligado ao liberalismo e Rousseau à democracia participativa. Para o Locke, preocupado com as liberdades individuais, o que realmente importava era saber se o Governo Civil está apto ou não a garantir os direitos à vida, à liberdade e à propriedade, surgindo daí, portanto, o direito de resistir ao governo tirânico caso este não cumpra seu dever. Para Locke, não haveria submissão total da população ao Estado. Rousseau propõe a “soberania popular” – Para ele, o pacto volitivo (de vontades) constitutivo do Estado já não mais representava a cessão incondicional da totalidade de direitos naturais de liberdade e autodeterminação. Pelo contrário, a justificação do Estado surge em nome de uma vontade geral, manifestação inconteste da soberania da nação. Assim, com a predominância da vontade popular, cuja expressão se dá pela lei (a famosa “vontade geral”), ocorre o deslocamento da soberania em direção ao povo, recusando-se qualquer limite a esta. Portanto, Rousseau tira a titularidade da soberania da pessoa do governante e a passa para o povo. 2. CONCEITOS MODERNOS DE SOBERANIA E SUAS CARACTERÍSTICAS 2.1. CONCEITOS MODERNOS DE SOBERANIA Atualmente, a Soberania possui dois significados: internamente, refere-se à situação de quem comanda (o poder do Estado sobre as demais estruturas internas da sociedade); externamente, é o atributo do Estado Nacional de não se submeter às vontades de outros Estados, estabelecendo-se uma igualdade entre eles. Sob este significado interno, a soberania do Estado se manifesta quando este edita leis que subordinam a todos os indivíduos que habitam seu território. De forma externa, quer significar que a soberania do Estado se manifesta nas relações recíprocas entre os Estados, não havendo subordinação nem dependência, e sim igualdade. Dallari: Concebida em termos puramente políticos, a soberania expressava a plena eficácia do poder, sendo conceituada como o poder incontrastável de querer coercitivamente e de fixar as competências. Paulo Napoleão: "A soberania pode ser definida como o poder de autodeterminação. É o poder do Estado de não admitir qualquer interferência exterior nos assuntos de seu exclusivo interesse. Clóvis Beviláqua: “Por soberania nacional entendemos a autoridade superior, que sintetiza, politicamente, e segundo os preceitos de direito, a energia coativa do agregado nacional.” Jean-Jacques Roche: “(...) a soberania apresenta-se, não como um predicado absoluto e intangível, mas como o instrumento de legitimação de um poder, habilitado a se transformar e a organizar juridicamente as mudanças sociais.” Dallari: Uma concepção puramente jurídica leva ao conceito de soberania como o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, vale dizer, sobre a eficácia do direito. Kelsen e Jellinek vêem a soberania apenas neste aspecto jurídico. Miguel Reale: soberania é o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência. 2.2. CONCEITOSMODERNOS DE SOBERANIA Unicidade: Não se admite no mesmo Estado a convivência de duas soberanias; Indivisibilidade: Aplica-se à universalidade dos fatos ocorridos no Estado, sendo inadmissível a existência de partes separadas de uma mesma soberania. O máximo que pode ocorrer é a divisão de competências/funções, conforme a toeira da Divisão de Poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário (Montesquieu); Inalienabilidade: Aquele que a detém desaparece quando ficar sem ela; Imprescritibilidade: Não há prazo certo nem definido ou limitado de seu exercício ou duração. Uma nação, ao se organizar em Estado soberano, o faz em caráter definitivo e eterno; Exclusividade: Só o Estado a possui; Numa corrente rousseauniana, só o povo a possui – Constituição Federal determina que o poder pertence ao povo. Originariedade: Nasce no momento em que nasce o Estado; Coatividade: No seu desempenho, o Estado não só ordena, mas dispõe de meios para fazer cumprir suas ordens coativamente. Dallari: “De fato, porém, apesar do progresso verificado, a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica. É obvio que a afirmação de soberania, no sentido de independência, se apóia no poder de fato que tenha o Estado, de fazer prevalecer sua vontade dentro de seus limites jurisdicionais. A conceituação jurídica de soberania, no entanto, considera irrelevante, em princípio, o potencial de força material, uma vez que se baseia na igualdade jurídica dos Estados e pressupõe o respeito recíproco, como regra de convivência. Neste caso, a prevalência da vontade de um Estado mais forte, nos limites da jurisdição de um mais fraco, é sempre um ato irregular, antijurídico, configurando uma violação de soberania, passível de sanções jurídicas. E mesmo que tais sanções não possam ser aplicadas imediatamente, por deficiência de meios materiais, o caráter antijurídico da violação permanece, podendo servir de base a futuras reivindicações bem como à obtenção de solidariedade de outros Estados.” OBS: Sahid Maluf não entende a soberania como terceiro elemento conformador do Estado, mas o governo, que seria uma delegação de soberania nacional, ou seja, a soberania posta em ação. Próximo Ponto: VIII – SEPARAÇÃO DOS PODERES E AS CLÁSSICAS FORMAS DE ESTADO Este material não substitui a doutrina, sendo mero fichamento orientador do conteúdo ministrado em sala de aula. O aluno deverá pautar seus estudos pela leitura da doutrina, jurisprudência e legislação. Referências principais (não se excluindo a utilização de outros doutrinadores, inclusive externos ao direito): ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado; BOBBIO, Noberto. Teoria Geral da Política; BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado; KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado; MALUF, Saihd. Teoria geral do Estado; REALE, Miguel. Teoria Geral do Direito e do Estado. STRECK, Lênio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. WOLKMER, dentre outros.
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