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Alimentos e suas ações em sistema fisiológicos1


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ALIMENTOS E SUAS AÇÕES EM SISTEMAS FISIOLÓGICOS
R E S U M O
Os vários sistemas fisiológicos requerem diferentes tipos de nutrientes, cada um desempenhando papéis específicos, para
o bom funcionamento do organismo. Alimento é toda substância ou mistura de substâncias, no estado sólido, líquido, pas-
toso ou qualquer outra forma adequada, destinada a fornecer ao organismo humano os elementos normais à sua formação,
manutenção e desenvolvimento. Os alimentos podem ainda proporcionar benefícios médicos ou de saúde, incluindo a pre-
venção e tratamento de doenças. Para isso, a ingestão de uma dieta harmoniosa e adequada quantitativa e qualitativamente
é imprescindível à vida.
Palavras-Chave: Alimentos. Sistemas fisiológicos. Alimentos funcionais.
A B S T R A C T
Physiological systems require different kinds of nutrients, which are found in food, and each one in order to work properly.
Food are all substances or mixture of substances, in the solid, liquid or pasty, or any other adequated forms which are
destined to human consumption, including drinks, chewing gum, and any substances which have been used in the
manufacture, preparation, or treatment of "food" but they do not include cosmetics, tobacco, or substances used only as
drugs. Food can also have physiological benefits and/or reduce the risk of chronic diseases beyond basic nutritional functions.
Thus, healthy food habits are essential to quality of life.
Key Words: Foods. Physiologic systems. Functional foods.
Luciana Maria Silva de Seixas Maia
Mestre em Nutrição pela UFPE. Professora da FAVIP – Faculdade do Vale do Ipoju-
ca, Caruaru, PE.
Ângela Amâncio dos Santos
Doutora em Nutrição pela UFPE. Professora da FAVIP – Faculdade do Vale do Ipoju-
ca, Caruaru, PE.
VEREDAS FAVIP, Caruaru, Vol. 2, nº 2, jul./dez. 2005 — Vol. 3, nºs. 1 e 2, p. 24–34, jan./dez. 2006
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INTRODUÇÃO
O organismo é constituído a partir de nu-
trientes provenientes dos alimentos, por exem-
plo: as membranas são compostas por lipídios
e proteínas; o RNA e o DNA são compostos por
carboidratos; as vitaminas e minerais partici-
pam de inúmeras reações endógenas. Isto é, os
alimentos exercem um papel fundamental na
formação e manutenção dos tecidos, bem como
na regulação do organismo, sendo imprescin-
dível para a sobrevivência.
O organismo é constituído por vários sis-
temas fisiológicos tais como: o nervoso, o imu-
nológico, o circulatório, o digestório. Cada um
destes sistemas necessita de tipos diferentes
de nutrientes, com funções específicas, sendo
necessária uma dieta variada, equilibrada e
harmônica para que o organismo tenha um
bom funcionamento.
Dado o impacto que uma alimentação
adequada e saudável exerce na qualidade de
vida, muitos esforços têm sido verificados na
área de ciência e tecnologia alimentícia, a fim
de produzir alimentos capazes de promover o
bem estar, a saúde e a redução do risco de
doenças. Disto, resultou um novo conceito de
alimentos em nutrição, o de “Alimentos Fun-
cionais” que está vinculado à ação dos alimen-
tos em alguns sistemas biológicos.
ALIMENTOS E ALIMENTOS FUNCIONAIS
De acordo com o decreto-lei nº 986, de 21
de outubro de 1969, alimento é toda substân-
cia ou mistura de substâncias, no estado só-
lido, líquido, pastoso ou qualquer outra forma
adequada, destinadas a fornecer ao organismo
humano os elementos normais à sua forma-
ção, manutenção e desenvolvimento. Poder-se-
ía, então, considerar o alimento como sendo
um veículo para os nutrientes chegarem ao or-
ganismo vivo (BASSOU; BRUNO, 1998).
Quanto aos alimentos funcionais, eles são
definidos como produtos que contêm substân-
cias com atividade biológica que podem estar
envolvidas na prevenção e na promoção da saú-
de (ARAÚJO; ARAÚJO, 1999, p. 237-246). Ou,
ainda, como aqueles que agem promovendo a
saúde, beneficiando a nutrição, incluindo ali-
mentos fortalecidos, enriquecidos ou realçados
que têm efeitos potencialmente benéficos à saú-
de, quando consumidos como parte de uma di-
eta regular variada, em níveis efetivos (HASLER,
2000, p. 409-506).
Um alimento para ser chamado de funci-
onal tem de ter pelo menos um dos seguintes
critérios: 1) conter um componente alimentar
(nutriente ou não) que afete uma ou um nú-
mero limitado de funções no corpo, tendo efei-
tos positivos; 2) ter um efeito fisiológico ou
psicológico, além do efeito nutricional tradici-
onal. Com base, nisto nem todo alimento pode
ser considerado funcional (ARAÚJO; ARAÚJO,
1999, p. 237-246).
A evolução tecnológica trouxe, além do
desenvolvimento científico e econômico, au-
mento da expectativa de vida populacional e
maior preocupação com patologias como cân-
cer, obesidade, arteriosclerose e cardiopatias.
Assim sendo, em meados de 80, japoneses
implantaram um programa para desenvolver
alimentos com propriedades salutares para
pessoas saudáveis, originando, assim, os cha-
mados alimentos funcionais (Ibid, 1999).
Esta categoria de alimentos foi regula-
mentada em julho de 1991, recebendo o nome
Alimentos e suas ações em sistemas fisiológicos
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de “Food for Special Health Use” (POSHU). Em
1989, nos Estados Unidos o Dr. Herbert Pier-
son Jr., responsável pelo desenvolvimento de
projetos de pesquisa do Instituto Nacional do
Câncer, começou a chamar “designer food” a
“substância que pode ser um alimento ou par-
te de um alimento que proporciona benefícios
médicos ou de saúde, incluindo a prevenção
e tratamento de doenças” (CÂNDIDO; CAM-
POS, 1995, p. 193-203).
De uma maneira geral, as legislações dos
países mais desenvolvidos proíbem declarações
relacionando alimento à cura ou prevenção de
doenças sem que haja comprovação científica.
Contudo, em muitos países as leis estão sen-
do adaptadas para regulamentar estes produ-
tos (Ibid, 1995).
A legislação japonesa e a da comunidade
européia estão mais avançadas no que se re-
fere a alimentos funcionais do que a “Food and
Drug Administration” (FDA) dos Estados Uni-
dos da América. No Japão, 12 classes de com-
postos podem ser incluídas nesta categoria:
fibras, açúcares simples, polióis, peptídeos e
proteínas, glicosídios, álcoois e fenóis, isopre-
nóides e vitaminas, colina, minerais e outros,
como as bactérias do ácido lático (Ibid, 1995).
A comunidade européia está trabalhando
numa proposta harmônica para apresentar
declaração de rotulagem que permita a asso-
ciação entre alimentos e dieta saudável, inclu-
indo o papel fisiológico do nutriente e sua im-
portância relativa na dieta, mas as discussões
estão apenas começando.
A legislação vigente da FDA relaciona saú-
de e dieta nos seguintes aspectos: cálcio e os-
teoporose; gorduras e câncer; gorduras satu-
radas e/ou colesterol e cardiopatias; frutas,
verduras e produtos de grãos contendo prin-
cipalmente fibras solúveis e câncer ou corona-
riopatias; folato e alteração de tubo neural; e
sódio e hipertensão. A FDA concluiu que não
existem evidências científicas suficientes para
liberar declarações referentes a ácidos graxos
ômega-3 (ácido linolênico) e doenças cardíacas;
e vitaminas antioxidantes e câncer; portanto,
estas declarações são proibidas (Ibid, 1995).
No Brasil, ainda existe um espaço para a
regulamentação de alimentos com proprieda-
des protetoras de saúde, a exemplo dos ali-
mentos que não se enquadram nem como com-
plementos, nem como fitoterápicos. É digno de
nota que, alimentos funcionais não devem ser
confundidos com fitoterápicos, pois esses úl-
timos possuem um caráter de medicamento e
incluem uma série de vegetais que não são
habitualmente ingeridos na dieta (Ibid, 1995).
A seguir, estão descritos alguns sistemas or-
gânicos e o papel dos alimentos quanto ao fun-
cionamento de cada um deles.
ALIMENTOS E SISTEMAS ORGÂNICOS
SISTEMA NERVOSO
O sistema nervoso, juntamente como en-
dócrino, tem função de coordenar e integrar as
funções dos vários órgãos especializados. Ana-
tomicamente o sistema nervoso é dividido em
central (formado pelo encéfalo e medula espi-
nhal) e periférico (formado por nervos e gân-
glios). O tecido nervoso apresenta dois compo-
nentes principais, os neurônios e as células da
neuróglia, as quais sustentam os neurônios,
além de participarem de outras funções impor-
tantes (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2004) e
(HENRIKSON; MAZURKIEWICZ, 1999).
Em um período de 24 horas, um homem
normal que consome 1800 calorias por dia
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queima cerca de 75g de proteína, primaria-
mente dos músculos e 160g de triglicerídeos
do tecido adiposo. A produção orgânica de gli-
cose é de aproximadamente 180g, das quais
144g é usada pelo cérebro e é completamente
oxidada a dióxido de carbono e água (CAHILL,
1970, p. 668-675). A glicose é fundamental
para o funcionamento do cérebro haja vista o
fato de não ser necessária a presença de in-
sulina para a sua absorção pelas células ner-
vosas. Tal informação pode nos fazer compre-
ender melhor como os efeitos da desnutrição
são muito mais severos para o sistema nervo-
so, especialmente quando ela coincide com o
período de crescimento rápido do cérebro. Esta
denominação não está só relacionada com o
aumento rápido de peso cerebral, mas princi-
palmente com vários períodos em que eventos
como a neurogênese, a gliogênese e a migra-
ção neuronal, atingem a velocidade máxima
em cada área cerebral. Por ser uma fase em
que o cérebro se encontra mais vulnerável às
agressões, inclusive à desnutrição, essa fase
também é denominada de período crítico do
desenvolvimento (MORGANE et al, 1993, p.
91-1281).
Estudos indicam que a desnutrição, es-
pecialmente no período pré-natal é um dos
principais fatores, não genéticos, influencian-
do o sistema nervoso central em desenvolvi-
mento e, em última instância, o desempenho
intelectual. Uma provisão apropriada de nutri-
entes essenciais é uma necessidade para a
manutenção de crescimento em todos os ór-
gãos como também para o desenvolvimento
normal de suas ações fisiológicas. Em huma-
nos, o rompimento ou distorção do desenvol-
vimento cerebral pré-natal devido à desnutri-
ção pode resultar, dependendo do tempo e
severidade, em vários graus de deficiência
(Ibid, 1993).
Quando o insulto nutricional afeta o cé-
rebro em desenvolvimento, o crescimento do
organismo pode ser seriamente afetado. A des-
nutrição não provoca destruição focal ou de-
formação bruta do cérebro, mas produz alte-
rações bastante variadas de padrão irreparável,
com repercussões, inclusive, no comportamen-
to. Investigações que utilizam a abordagem
comportamental têm mostrado que animais
expostos à desnutrição precoce exibem mu-
danças duradouras no campo das emoções,
motivação e ansiedade que, por sua vez, po-
dem influenciar profundamente a cognição
(STRUPP; LEVITSKY, 1995, p. 2212s-2220s) e
(KOLETZDO et al, 1998, S5-S45).
Na desnutrição, as estruturas mais afeta-
das no período de desenvolvimento crítico cere-
bral são o giro denteado da formação hipocam-
pal, o cerebelo e o bulbo olfatório (MORGANE et
al, 1993, p. 91-1281). Estudos atuais indicam
que a maioria das alterações no crescimento de
várias estruturas cerebrais eventualmente se
recupera (até certo ponto), embora alterações
permanentes no hipocampo e cerebelo se man-
tenham (LEVITSKY; STRUPP, 1995, p. 2221s-
2232s). Além dessas regiões, recentemente tem
sido demonstrado que mudanças morfométricas
permanentes e transitórias podem ocorrer no
córtex visual de ratos desnutridos no início da
vida, mesmo após recuperação do estado nutri-
cional (BORBA; ARAÚJO et al, 2000, p. 193-201)
e (MAIA, 2004).
Adicionalmente, a deficiência alimentar
precoce pode afetar de forma considerável a
atividade elétrica neural, tanto ao nível do sis-
tema nervoso periférico, quanto central. Em
nervos periféricos de animais desnutridos, a
Alimentos e suas ações em sistemas fisiológicos
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condução dos impulsos nervosos encontra-se
com sua velocidade significantemente reduzi-
da, tanto em animais de laboratório (SILVA;
COSTA et al, 1987, p. 383-392), quanto em
crianças (CHOPRA; DHAND, et al, p. 307-323).
Em humanos, evidências epidemiológicas
e estudos que levam em conta o desempenho
infantil têm observado que influências mater-
nas e intra-uterinas exercem uma importân-
cia especial durante o desenvolvimento do
bebê e da criança. A nutrição, no início da
vida, modula o crescimento e desenvolvimento
funcional do organismo e parece influenciar
a vida do indivíduo, o estado de saúde ou do-
ença, o risco de mortalidade na vida adulta,
a função neural, o comportamento, e a qua-
lidade de vida. Ou seja, a relação suprimen-
to alimentar e metabolismo, em mulheres ges-
tantes e lactantes, pode ter implicações em
longo prazo para o desenvolvimento e saúde
da criança.
Como amplamente descrito acima, a des-
nutrição altera sobremaneira a fisiologia do sis-
tema nervoso. Todavia, mesmo alterações die-
téticas aparentemente de menor gravidade, em
termos de micronutrientes, aminoácidos e/ou
ácidos graxos essenciais, também podem ser
capazes de influenciar o funcionamento desse
sistema. Por exemplo, tem sido documentado
que a fonte protéica (se, de origem animal ou
vegetal), e que a presença ou ausência de de-
terminados aminoácidos (tais como, o tripto-
fano, a L-arginina) e até de vitaminas, como
aquelas consideradas antioxidantes (C e E), in-
terferem com funções neurais, mais especifi-
camente, aquelas relacionadas à sua eletrofi-
siologia (ANDRADE; GUEDES et al, 1990, p.
889-893); (VERÇOSA, 1997); (CABRAL FILHO,
TRINDADE-FILHO et al, 1995, p. 347-350);
(FRAZÃO, 2004); (SOUZA BEZERRA; ABADIE-
GUEDES et al, 2005) e (NETTO; DO CARMO
et al, 1999, p. 221-4).
É importante mencionar que o bom fun-
cionamento do sistema nervoso depende da
produção adequada das substâncias que pro-
porcionam a comunicação neuronal, isto é, da
síntese dos neurotransmissores no cérebro. A
formação central de muitas dessas substân-
cias requer fundamentalmente elementos pro-
venientes dos alimentos. Assim, a tirosina, por
exemplo, é o aminoácido precursor da síntese
das catecolaminas (dopamina, norepinefrina e
epinefrina). A colina, que também pode ser
obtida através da dieta, é a precursora do pri-
meiro neurotransmissor a ser descoberto, a
acetilcolina. O óxido nítrico, um provável neu-
rotransmissor, é sintetizado a partir de um
aminoácido condicionalmente essencial, a L-
arginina. Certos aminoácidos presentes nos
alimentos, como os ácidos aspártico e glutâ-
mico, atuam como substâncias excitatórias
cerebrais. O L-triptofano, um aminoácido es-
sencial, é o precursor da síntese da indolami-
na serotonina. Dessa forma, a maior ou me-
nor disponibilidade dessas substâncias no
cérebro, que dependerá pelo menos em parte
da ingestão alimentar, poderá modular a pro-
dução dos neurotransmissores no sistema ner-
voso e a função neural (DEUTCH; ROTH, 1999,
p. 193-234).
Uma dieta perfeita não existe, mas é con-
senso universal que extremos dietéticos em
termos de quantidade e qualidade não podem
ser benéficos aos indivíduos. Um dos grupos
mais susceptíveis a excessos alimentares são
os adolescentes. Como já bem demonstrado
anteriormente, o cérebro adulto é mais resis-
tente a mudanças, contudo maus hábitos ali-
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mentares, sobretudo em adolescentes, podem
provocar desequilíbrios no balanço corporal.A American Psychiatric Association estima
que desordens alimentares afetam entre 1 a
4% de adolescentes e adultos jovens em pa-
tologias, tais como anorexia nervosa, bulimia
nervosa e obesidade. O uso continuado de
dietas desequilibradas, na adolescência, em
termos de quantidades de macronutrientes
(gorduras, carboidratos e proteínas) poderá
aumentar o risco de doenças, pois possivel-
mente comprometerão o estado nutricional
(FOOD INSIGHT, 1998).
Diante do exposto, pode-se afirmar que
investigações envolvendo a interação nutrição
versus sistema nervoso exigem uma aborda-
gem multidisciplinar. Disto, certamente, resul-
tará, por um lado, uma melhor compreensão
desse sistema e, por outro, contribuirá para
minimizar e/ou prevenir os efeitos deletérios
da má nutrição, sobretudo se esta for impos-
ta nas fases iniciais do desenvolvimento. No-
vos substratos, fatores de crescimento e nu-
trientes essenciais condicionais podem ser
potencialmente úteis como ingredientes em
alimentos funcionais, favorecendo o crescimen-
to, a maturação e o desenvolvimento de tipos
celulares específicos, tecidos e órgãos sob di-
ferentes condições fisiológicas.
SISTEMA DIGESTÓRIO
O trato alimentar se estende da boca ao
ânus e é constituído do canal alimentar e seus
órgãos complementares (fígado, vesícula biliar
e pâncreas). Quanto às funções, estas incluem
o recebimento, maceração e transporte de subs-
tâncias ingeridas; a secreção de enzimas diges-
tivas, ácidos, muco, bile e outros minerais; ab-
sorção e transporte dos produtos da digestão;
e o transporte, armazenamento e excreção dos
produtos não aproveitáveis (MAHAN; ESCOTT-
STUMP, 2005).
Vários fatores podem afetar a digestão dos
alimentos, tais como: fatores psicológicos (apa-
rência, odor, e paladar do alimento, estados
emocionais); ação bacteriana (a presença e
ação da microflora intestinal); e processamento
do alimento (Ibid, 2005). Com base nesses as-
pectos, alguns alimentos têm sido considera-
dos por contribuírem de forma favorável para
o funcionamento do trato digestório.
ALIMENTOS PROBIÓTICOS
A partir da observação de que microorga-
nismos presentes no intestino humano podem
influenciar positivamente a saúde, o mercado
tem apresentado alimentos à base de micro-
organismos vivos (Bifidobacterium e Lactoba-
cillus). Tais microorganismos têm ação por
exclusão competitiva, ou seja, por serem be-
néficos impedem a instalação e a multiplica-
ção de outros microorganismos patógenos.
Para um alimento ser considerado probiótico
deve conter bactérias que constituem a flora
gastrointestinal normal, sobreviver à passagem
pelo estômago, e manter a viabilidade e ativi-
dade no intestino (SILVA; STAMFORD, 2000,
p. 41-50).
Os alimentos probióticos surgiram em
1908, sendo atualmente conceituados como
aqueles que contêm microorganismos vivos e
que, ingeridos em determinada concentração,
afetam beneficamente a saúde do consumidor,
melhorando seu equilíbrio intestinal (Ibid,
2000). Acredita-se que esses alimentos possu-
em propriedades profiláticas e terapêuticas,
incluindo balanceamento da flora intestinal,
aumento da tolerância e digestibilidade da lac-
Alimentos e suas ações em sistemas fisiológicos
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tose, atividade anticarcinogênica, redução dos
níveis de colesterol, regulação da absorção da
amônia, síntese de vitaminas do complexo B,
absorção de cálcio e modulação do sistema
imunológico. Apesar de todos estes benefícios,
novas pesquisas continuam sendo necessári-
as para consolidação ou não dos benefícios à
saúde atribuídos aos alimentos probióticos
(Ibid).
FIBRAS
Outros constituintes alimentares que in-
terferem com o bom funcionamento do siste-
ma digestório são as fibras, definidas com com-
postos de origem vegetal, não disponíveis como
fonte de energia porque não são possíveis de
hidrólise pelas enzimas do intestino humano.
Baseado em suas propriedades físicas e
papéis fisiológicos, as fibras da dieta podem ser
categorizadas, quanto à sua solubilidade, em
solúveis e insolúveis. As fibras solúveis (pec-
tinas, mucilagens e algumas hemiceluloses)
são encontradas em frutas, vegetais, aveia,
cevada e leguminosas, sendo conhecidas por
sua capacidade em reter água e formar géis,
além de serem substratos para a fermentação
bacteriana. A fibra insolúvel (celulose e algu-
mas hemiceluloses) constitui uma porção mui-
to pequena da dieta sendo encontrada princi-
palmente em frutos com cascas e sementes
(MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2005).
De maneira geral os efeitos fisiológicos
das fibras da dieta são estimular a mastiga-
ção, encher o estômago e fornecer sensação
de saciedade, aumentar o bolo fecal, norma-
lizar o tempo de trânsito intestinal, formar um
substrato para fermentação por colônias de
bactérias, reduzir o tempo de esvaziamento
gástrico e a absorção de nutrientes. As fibras
solúveis também diminuem os níveis séricos
de colesterol. Além disto, têm implicação em
várias doenças tais como as doenças do co-
lón, diabetes e obesidade (Ibid, 2005).
SISTEMA IMUNOLÓGICO
O sistema imunológico compreende estru-
turas e células distribuídas por todo o corpo,
sua função principal é defender o organismo
contra microorganismos e moléculas estra-
nhas, como as toxinas produzidas por agen-
tes invasores.
Diversos alimentos têm função imunomo-
dulatória, isto é, fibras como a quitina e a qui-
tosana, encontradas na lagosta, juntamente
com fibras vegetais, como celulose, hemice-
lulose e pectina, que não são digeridas pelo
organismo, estimulam as bifidobactérias in-
testinais; os compostos fenólicos (principal-
mente flavonóides) encontrados em vegetais,
frutas e chás; os lipopolissacarídeos encon-
trados no trigo; os peptídeos da caseína en-
tre outros. Tais alimentos agem em diversas
partes do sistema imune tanto nos compo-
nentes celulares quanto ao nível dos media-
dores químicos (PARK; KOO, CARBALHO,
1997, p. 200-206).
Outro aspecto importante é que os ali-
mentos funcionais fortalecem e ativam o sis-
tema imune e também têm um papel impor-
tante na prevenção de tumores. O projeto do
Instituto Nacional do câncer (nos Estados
Unidos) demonstrou que uma série de ali-
mentos naturais apresentava componentes
considerados anticarcinogênicos. Dentre os
alimentos analisados, os mais importantes
foram os de origem vegetal como alho, repo-
lho, alcaçuz, soja, gengibre, cenoura e aipo
(Ibid, 1997).
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SISTEMA CIRCULATÓRIO
O sistema circulatório inclui os sistemas
vasculares sanguíneo e linfático. O sanguíneo
é formado pelo coração e por um conjunto de
vasos cuja função é transportar sangue rico
em nutrientes e oxigênio para os tecidos e
destes, remover os metabólitos celulares. O
sistema linfático devolve ao sangue o fluido
dos espaços extracelulares para formar a par-
te líquida da linfa; participa também da cir-
culação de linfócitos e imunoglobulinas, que
penetram em seus vasos quando estes atra-
vessam os órgãos linfáticos (JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2004).
Os alimentos contêm diversos compostos,
como os lipídios que possuem ácido graxo in-
saturado e as lipoproteínas de baixa densida-
de, que facilmente se oxidam. A presença de
compostos oxidados pode causar diversas do-
enças no organismo, tais como distúrbios car-
diovasculares, alguns tipos de tumores e en-
velhecimento acelerado. Os ácidos graxos
insaturados que possuem mais de duas insa-
turações como o ácido linoleico, a-linolênico e
aracdônico sofrem o processo oxidativo mais
facilmente. As lipoproteínas de baixa densida-
de (LDL), fosfolipídios, colesterol e triglicerídeos,
quando são oxidados, não são metabolizados
normalmente, mas são fagocitadospelos ma-
crófagos, sendo posteriormente depositados
na superfície dos endotélios, formando os ate-
romas, causando a aterosclerose (PARK; KOO;
CARBALHO, 1997, p. 200-206).
Distúrbios cardiovasculares podem ser
prevenidos através de compostos antioxidantes.
Estes bloqueiam os radicais livres que reagem
com o oxigênio, diminuindo a incidência daque-
las doenças (BIDLACK, 1997). Atualmente exis-
tem diversos componentes com atividade anti-
oxidante nos alimentos funcionais, dentre os
mais conhecidos estão a vitamina E (presente,
por exemplo, nas castanhas), a vitamina C (em
frutas cítricas) e os carotenóides (em legumes
e frutas de coloração amarela e laranja). Porém,
alguns antioxidantes têm se destacado, como
os flavonóides, encontrados no gergelim, em
frutas e chás, bem como na própolis. Além dis-
so, pesquisadores indicam que os aminoácidos
arginina, histidina e lisina, com tratamento téc-
nico em solução neutra ou fracamente álcali,
têm atividade antioxidante (Ibid, 1997). O fa-
relo de trigo também teria um papel diminuin-
do o colesterol LDL (MAZZA, 1998).
Os ácidos graxos poliinsaturados essen-
ciais, principalmente ômega-3 (ácido eicosa-
pentanóico e ácido docosaexaenóico, respecti-
vamente EPA e DHA) e ômega-6, têm papel
muito importante na prevenção de distúrbios
cardiovasculares, visto que possuem proprie-
dades hipotensivas, diminuindo o colesterol. O
grupo ômega-3 é abundante nas plantas (ve-
getais verde escuro) e óleos de peixe; o grupo
ômega-6 é encontrado em óleos vegetais (como
óleos de soja e milho). O EPA é muito impor-
tante na prevenção de doenças cardiovascu-
lares e problemas de pressão sanguínea, e o
DHA atua diminuindo a taxa de triglicerídeo
do plasma sanguíneo (PARK; KOO; CARBA-
LHO, 1997, p. 200-206).
Tem sido visto em vários estudos que o
alho tem um papel de diminuir o colesterol e
reduzir significantemente o risco de doenças
cardiovasculares. O alho aumentaria a resis-
tência do LDL para a oxidação (GARLIC, 1999).
Apesar disso, ainda não são conhecidos os
componentes ativos do alho.
Da mesma forma que as fibras são impor-
tantes para o sistema digestório, elas também
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desempenham um papel fundamental na pre-
venção das doenças cardiovasculares. As fra-
ções solúveis da fibra da dieta, em grandes
quantidades, podem reduzir o colesterol do san-
gue. Além disso, bactérias intestinais reduzem
as fibras solúveis a ácidos graxos de cadeia
curta que eventualmente podem bloquear a sín-
tese de colesterol no fígado (MAHAN; ESCOTT-
STUMP, 2005). Evidências epidemiológicas su-
gerem que o consumo de frutas e vegetais pode
levar à redução do risco tanto de câncer como
de doenças que afetam o coração e seus vasos
(FOOD INSIGHT, 1998).
CONCLUSÃO
Todos os dados apresentados confirmam
a importância dos alimentos para o bom fun-
cionamento do organismo. Eles são fundamen-
tais à formação e manutenção dos vários sis-
temas orgânicos, enfim, são imprescindíveis à
vida.
Todavia, há ainda muito que ser esclare-
cido no que se refere ao real papel funcional
de constituintes alimentares, bem como a sua
ação na prevenção e tratamento de várias do-
enças. Estudos nessa área se revestem de re-
levância especialmente quando nos damos
conta de que a população idosa está aumen-
tando em todo o mundo, e que uma alimenta-
ção saudável é condição sine qua non para um
envelhecimento com qualidade de vida.
Podemos, então, concluir que os alimen-
tos têm um papel indiscutível para a melho-
ria de vida populacional, e que cada sistema
orgânico necessita de nutrientes específicos
para poderem desempenhar eficientemente a
sua função. Assim, o fornecimento de uma di-
eta que siga as leis da nutrição: harmonia,
qualidade, quantidade e adequação, é crucial
em todas as etapas da vida.
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