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1 PSICOLOGIA JURÍDICA PSICOLOGIA JURÍDICA Graduação PSICOLOGIA JURÍDICA 61 U N ID A D E 5 PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO Esta unidade objetiva discutir, a partir das formas pelas quais se constituiu a categoria infância no Brasil, a atual configuração das políticas públicas voltadas para essa área, especialmente no que se refere às práticas da Psicologia Jurídica. A infância sendo considerada como uma construção social, isto é, como uma noção datada geográfica e historicamente. Apontaremos como a Psicologia Jurídica se faz presente nos processos de guarda, circunscrevendo etapas evolutivas em relação à infância. Para finalizar, abordaremos o Juizado de Menores, já reordenadas a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especificamente através do programa de Justiça Terapêutica. OBJETIVOS DA UNIDADE: Descrever as práticas psicológicas e políticas públicas para a infância, mais especificamente o projeto da Justiça Terapêutica enquanto novo campo de atuação, além de discutir os processos de guarda no Juizado Civil. PLANO DA DISCIPLINA: • Juizado Cível: processos de guarda. • Novos campos de atuação: Justiça Terapêutica Bons estudos! UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 62 JUIZADO CIVIL: PROCESSOS DE GUARDA Entender a infância como uma noção datada geográfica e historicamente e não uma etapa natural da vida, implica em trazer para o debate questões relativas à família, aos vínculos mães/pais/filhos/filhas, à escola, à maternidade/paternidade e às formas de criação de filhos. Portanto, ao falar em infância não remetemos a uma abstração, mas a uma construção discursiva que institui determinadas posições, não só das crianças, mas também da família, dos pais, das mães, entre outros, instituindo determinados modos de ser e viver a infância. A partir desta consideração inicial, voltamo-nos para as políticas sociais públicas direcionadas à área da infância no Brasil, compreendendo que sua implementação, ao mesmo tempo em que se relaciona com o conhecimento que é produzido sobre a infância por uma determinada construção histórica, também produz essa infância a que se propõe conhecer. Dito de outro modo, as políticas públicas vêm constituir determinadas formas de ser criança e de se relacionar com as mesmas. Atualmente, a preocupação com o sujeito infantil, passa a se instituir cada vez mais como um problema econômico e político, alvo de inquietações de ações médicas, morais e pedagógicas. Associada à intervenção da Medicina, o campo do Direito também se voltou para a infância, visto que o grande número de crianças que perambulavam pelas ruas passou a ser compreendido como causa do aumento da criminalidade. Conforme Frota apud (CARVALHO, 2002), o primeiro código de menores brasileiro data de 1927, sendo destinado aos menores de 18 anos classificados como em situação irregular. Este código delegava aos estados a responsabilidade pela execução do atendimento de crianças e adolescentes, caracterizando-se por uma intervenção ativa dos mesmos no controle da população carente. A infância tornou-se objeto dos juristas, sendo que neste período o termo ‘menor’ foi incorporado ao vocabulário corrente (Rizzini & Pilotti, 1995). Para Rizzini e Pilotti, não houve nenhum tipo de problematização no que se refere à categoria ‘menor’, a qual incluía as seguintes classificações: abandonado, delinqüente, desviado e viciado. Também a psicologia e a pedagogia se organizaram com o propósito de estabelecer uma nova educação que possibilitasse a produção de um novo cidadão e o assentamento de uma nova raça: sadia e ativa. Desta maneira, na década de 1920 disseminaram-se as campanhas e reformas sob a denominação de “Movimento da Escola Nova”. É importante salientar que a Escola Nova valorizava o discurso científico, especialmente os advindos dos estudos da Psicologia, com o objetivo de melhor conhecer aquela a quem se pretendia ensinar: a criança. Podemos dizer que a psicologia, no Brasil, se insere na área da educação entre 1931 e 1934, tomando as crianças como objeto psico-médico-biológico, passíveis de serem medidas, testadas, ordenadas e denominadas normais e anormais. Desta forma, a psicologia, ancorada em estudos experimentais e de observação de crianças, vinha reforçar as noções de variabilidade entre os indivíduos e de capacidades PSICOLOGIA JURÍDICA 63 individuais diferenciadas. A Psicologia apresentava-se, portanto, como capaz de delimitar as causas dos desvios de conduta, através do uso de testes e da análise da personalidade infantil, possibilitando ações preventivas e de correção das mesmas. Citamos como exemplo desta prática o Laboratório de Biologia Infantil, órgão anexo ao Juizado de Menores, o qual foi proposto em 1935 e passou a funcionar no ano seguinte. Contudo, não são muitos os que conhecem a atividade dos psicólogos que atuam nas Varas de Família do judiciário. A impressão das pessoas em geral é que a decisão da guarda, visita dos filhos e pensão alimentícia em casos de separação do casal compete exclusivamente ao juiz da causa, quem, por sua vez, se fundamenta em aspectos legais e morais. Há cerca de 20 anos, a Psicologia passou a ser um fator importante nas decisões em direito de família, o que abriu um importante diálogo com a letra fria da lei e as implicações simplesmente morais, conferindo às decisões judiciais um maior senso de justiça e preocupação social. O Código Civil em vigor, por exemplo, consagra que não há preferência em relação à mãe. Até 2002, em caso de separação, a criança ficava preferencialmente sob a guarda da mãe. Isso caiu. Já há uma certa tendência da sociedade de questionar a guarda só pelo fato de ser mãe. Logo, o trabalho da Psicologia para a justiça passa a ser o de verificar se realmente o cuidador ou a cuidadora da criança é efetivamente a pessoa que deve ficar com a guarda, pois é ele ou ela, independente do gênero, quem provê as necessidades da criança. Pela letra fria da lei não haveria suporte legal para se atribuir automaticamente a guarda à mãe. É importante destacar que a atuação do psicólogo dentro de uma vara ou tribunal de justiça ligado aos problemas de família (separação, guarda e visita) se deve pela presença de crianças, pela dificuldade de questioná-las diretamente, pela dificuldade de saber o que realmente se passa com elas e isto pressupõe a necessidade de alguém que tenha um estudo específico em relação ao desenvolvimento infantil, processos psicológicos, psicodinamismo de família. Daí, se recorrer ao psicólogo. O juiz não foi preparado para entender de crianças, no entanto é chamado para tomar uma decisão que vai condicionar a vida dessas pessoas: o pai, a mãe e a criança. Os casos em que os psicólogos acabam atuando são aqueles em que houve a separação litigiosa, que já vem contaminada por conflitos preexistentes e que na hora da separação não vai ser diferente. Dentre as questões que o casal pode não concordar seria, por exemplo, com quem a criança moraria. Isso seria o extremo. Em outras questões, um pode não concordar com natação e preferir judô, pode não concordar com dança, preferir piano, o pai pode querer um tratamento homeopático para a criança, mas a mãe insiste no tratamento alopático. Todas as questões vão desembocar em como esse casal parental, responsável pela criança, vai conseguir administrar essas opções, que são opções de vida, valores, formas de se pensar, formas de projetar uma vida. Se o casal já se separou é porque havia diferenças na percepção desses valores. Obviamente essas diferenças vão voltar à tona em relação à educação da criança. UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 64 É um poucosenso comum a idéia de que as crianças vão ser utilizadas como parte do instrumental de ataque por parte principalmente da mãe, que é a detentora usual da guarda, e tradicionalmente a idéia de que o pai vai retaliar não pagando a pensão. Essa concepção é meio simplista porque a questão é muito mais complexa. Em todas as famílias, mesmo as famílias coesas, existem as dificuldades dos adultos e das crianças. Por questões de personalidade, por exemplo, o pai pode ser mais expansivo, se dá melhor no trato pessoal, é mais relacionado no prédio ou na vizinhança, enquanto a mulher é mais recatada, introvertida. As características são utilizadas como defeitos levados para serem equacionados na justiça, no sentido de que como essa mulher que tem um trato social mais difícil não estaria exercendo a sua influência educativa sobre as crianças de maneira benéfica. Tudo isso pode ser usado na justiça como forma de questionar se a mãe seria adequada ou se o pai melhor para cuidar da criança. O pai, por achar que é mais bem relacionado, conhecer mais pessoas e que em função de seu bom relacionamento vai conseguir colocar o filho em melhores condições sociais, vai querer o filho mais próximo de si a fim de exercer essa influência. Do ponto de vista psicológico são opções válidas, são pontos de vista diferentes e a criança cresce identificando-se com cada uma dessas figuras no sentido de se achar e poder agir de forma mais parecida com um ou com o outro e daí discriminando as diferenças em si. É meio simplista pensar que possa haver utilização. Uma mãe que tem certa dificuldade ou não tem tanto gosto pelo social pode tranqüilamente na sua convivência diária, ficando ela com a guarda, conviver com essa criança, um menino, por exemplo, identificado com as características do pai, e que começa a parecer com o mesmo ao criar uma teia social, com a habilidade do pai, e que essa mãe usufrua disso dentro da sua casa. Por outro lado, esse pai separado pode recompor a sua vida afetiva e escolher outra companheira também mais introvertida, mais quieta, parecida até com a sua primeira esposa, mas que combine mais com o seu temperamento, uma vez que ele é o extrovertido do casal. É uma dinâmica que vai acontecendo e é muito difícil dizer que existem padrões específicos. Neste momento precisamos esclarecer-lhe que não é o psicólogo judiciário que vai determinar a guarda ou o esquema de visitas. O trabalho da Psicologia para o direito é fornecer instrumentos a fim de que o magistrado possa melhor dirimir esses conflitos que são da área privada e emergem para a área pública em função dessas discordâncias. É importante afirmar a idéia de que não é o psicólogo que decide, não é sua função ocupar o lugar do magistrado. Ocorre que o magistrado pela própria formação não tem condições plenas de entender os intercâmbios familiares que acontecem. Assim sendo, chama o psicólogo a fim de colher subsídios. Pensamos que os psicólogos não devem ultrapassar essa linha do subsídio e se arrogarem o direito de decidir quem seria a melhor mãe ou o melhor pai. Mesmo porque dentro da Psicologia não existe ainda o constructo do que seria o melhor pai ou a melhor mãe, uma vez que isso muda histórica e socialmente conforme a cultura de cada região ou país. O julgamento será subjetivo e estará sempre ligado a questões morais e legais. Do ponto de vista moral e legal, PSICOLOGIA JURÍDICA 65 a Psicologia não tem muito que dizer. A função neste contexto é a de ajudar o magistrado a perceber que, dependendo da fase de desenvolvimento, a criança pode se manifestar de um jeito ou outro na questão da separação. Por exemplo, o psicólogo pode enfatizar que uma criança de colo precisa do contato mais próximo com a mãe. Isso é inegável e muitos teóricos da Psicologia e da psicanálise o demonstraram, inclusive contribuíram para a idéia de que a díade mãe-criança é muito importante para o próprio desenvolvimento da criança e que se houvesse uma ruptura, uma separação precoce poderia prejudicar o desenvolvimento. Ocorre que a díade não quer dizer necessariamente mãe, é mais exatamente o cuidador, tradicionalmente na nossa cultura, em função da distribuição das responsabilidades, o papel foi exercido historicamente pela mulher. Atualmente, porém, muitos homens buscam na justiça a possibilidade de poder ter um contato com a criança desde a mais tenra idade, sem cair naquela idéia de que o pai só começa a exercer a paternidade quando leva seu filho a um campo de futebol. Até lá é problema da mãe. Isso é ainda muito comum. Na outra ponta do trabalho psicológico, quando o psicólogo chama os pais para conversar, é muito comum que venha a mãe, desacompanhada do marido. Prevalece o costume, em geral, compartilhado tanto pela mulher como pelo marido de que coisa de educação, de médico e vacina, é coisa da mãe. A conversa com o psicólogo, a consulta com o pediatra é a mãe que leva. O pai está ocupado, está trabalhando. No entanto, a presença do pai é cada vez maior demonstrado pelo aumento dos conflitos para saber quem tem competência para cuidar de criança. O pai não quer ser apenas aquele que aparece na festinha de aniversário ou a do dia dos pais. Como podemos perceber, neste sentido, mais uma vez, a psicologia apresentava-se como a psicologia para o direito. NOVOS CAMPOS DE ATUAÇÃO: JUSTIÇA TERAPÊUTICA O Poder Judiciário brasileiro depara-se, nos últimos tempos, com o desafio da concretização dos direitos de cidadania. Para tamanho desafio, não há fórmula pronta. É preciso estar sempre disposto para essa luta. Tão importante quanto não esmorecer ante a adversidade do volume de serviço crescente, é se recusar a entregar uma jurisdição de papel, alienada, sem a necessária e profunda reflexão sobre os valores em litígio, em que as partes sejam vistas somente como números. É preciso que os juízes tenham o propósito de realizar uma jurisdição que proporcione pacificação social. É fundamental reconhecer que a maior parte dos brasileiros ainda não tem acesso à Justiça e que é preciso reverter esse débito de cidadania. A prestação jurisdicional deve ser exercida como instrumento de pacificação social e afirmação da cidadania, o que é facilmente verificado quando da ocorrência de sua aplicação célere e justa, consubstanciando-se, dessa forma, como um poderoso instrumento a serviço da população. Como se observa, esta sim é a razão primordial da existência do Poder Judiciário. UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 66 Deve a Justiça, observando os princípios e regras constitucionais e legais, caminhar rente à sociedade, pois a vida cotidiana é a verdadeira escola da cidadania. Não existe o cidadão pronto e acabado. O que existe é a cidadania em construção. Aprende-se a ser cidadão através da prática da cidadania. É no concreto, nas relações sociais diárias que a cidadania revelará sua plenitude ou limitação. É preciso que o juiz seja também um educador. Vale lembrar a lição de Paulo Freire (1996, p.52) “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. A transferência dos ensinamentos de Paulo Freire, originalmente destinados à formação de uma consciência crítica e democrática no meio educacional, tem adequação, também, à atividade judicante. Com efeito, “a prestação da tutela jurisdicional não pode ser enxergada apenas como a desincumbência, por um dos componentes do Estado-tripartite, de uma tarefa que lhe é ínsita. É muito mais do que isso. Além de perseguir a pacificação social, ao instante em que diz a quem pertence o direito, tem a atividade jurisdicional um plus deveras salutar: a pedagogia de mostrar aos jurisdicionados como deve ser a conduta destes nas suas relaçõesinterpessoais e interinstitucionais.” A Lei nº 9.099/95 tem como principal característica a humanização democrática das relações entre Poder Público e particular, à medida que concede à vítima e ao agente o poder de deliberação na solução de seus conflitos, sem a imposição de fórmulas legais rígidas e pré-concebidas, de aplicação genérica, as quais presumem, de forma difusa, a igualdade de todas as situações fáticas, desconsiderando o caso concreto e a individualidade dos cidadãos. Graças à flexibilidade da Lei no 9.099/95, é possível a sua aplicação de uma forma socioeducativa e pedagógica, inclusive permitindo o desenvolvimento de projetos e parcerias que levem ao envolvimento da comunidade para a solução eficaz dos litígios. Nesse sentido, a prestação gratuita de serviços à comunidade e o encaminhamento dos adolescentes infratores para acompanhamento psicossocial, bem como a utilização de acompanhamento para tratamento especializado nos casos de alcoolismo e de envolvimento com drogas, têm se mostrado altamente eficazes para a consecução desse objetivo. Assim, estamos passando por uma revolução na forma de fazer Justiça, caminhando, com a reengenharia do processo, para uma modificação estrutural e funcional do Judiciário em si. Procura-se remodelar o seu perfil no sentido de adequá-lo ao da Justiça que se espera na nova era pós- industrial, que vem sendo constituída principalmente nas três últimas décadas. O crescente interesse nos projetos sociais revela a necessidade de se construírem sinergias público-privadas, que potencializem os benefícios coletivos, que renovem a capacidade de criação de significados, horizontes e motivações na dinâmica das relações sociais. Os profissionais das diversas áreas de responsabilidade social estão sensíveis a essas questões e hoje demandam posicionamentos éticos que permitam efetivar investimentos PSICOLOGIA JURÍDICA 67 alinhados com as reais demandas das comunidades, visando mais benefícios em saúde, educação, justiça e cidadania para todos. Ante a nova linha de atuação do Governo Presidencial da República Federativa do Brasil, a partir de 2003, pela reavaliação da política antidrogas implementada no país, pretende-se a redução de danos físicos e sociais, individuais e coletivos que causam o uso de drogas em toda a sociedade. Sabe-se ainda que, os operadores do Direito e profissionais da saúde, bem como outros segmentos da sociedade não divergem quanto ao entendimento que somente a pena de restrição de liberdade, ou seja, o simples encarceramento do usuário de drogas – infrator não é efetivo nem para ajudá-lo a deixar de usar drogas e nem para ajudá-lo na recuperação de sua conduta ilícita. Em outras palavras, a simples aplicação e execução das penas previstas em lei, apenas aumentam a probabilidade de se exacerbar o dano social ao infrator usuário, ao abusador ou dependente de drogas. Além disso, sabe-se que a maioria dos usuários, abusadores e dependentes de drogas não são, a priori, criminosos. Porém, é sabido também que, em função das peculiaridades que envolvem o uso, o abuso e a dependência de drogas, a maioria deles, tem dificuldade em reverter este quadro e, especialmente os dependentes, acabam perdendo a liberdade de escolha entre usar ou não usar as substâncias das quais se tornaram dependentes e que, por isso, podem acabar se envolvendo em infrações. Embora nem todos os usuários de substâncias psicoativas se tornem dependentes, o fato é que, de maneira geral, pode-se afirmar que uma pessoa sob o efeito de uma substância psicoativa sofre uma modificação do seu funcionamento cerebral o que, na maioria das vezes, implica em uma alteração do seu comportamento quando comparado a outros momentos nos quais não tenha havido a utilização da substância. Se, para alguns usuários, a alteração no comportamento possa não implicar em problemas maiores para si mesmo, para outros ou para a sociedade, o mesmo não é fato para muitos outros usuários. Condutas, tais como, agressividade, violência familiar e interpessoal, acidentes de trabalho, acidentes de trânsito, relações sexuais sem proteção (que aumentam a probabilidade de gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis e AIDS) e outras condutas consideradas infrações legais, em geral, são conseqüências de alteração no comportamento de usuários sob o efeito destas substâncias. No Brasil, a criação do Juizado Informal de Pequenas Causas constituiu conforto, alento e segurança para as pessoas humildes que tinham no Judiciário o ancoradouro apto a garantir a solução dos problemas do dia-a- dia. Com o seu aperfeiçoamento, através da Lei no 9.099/95, chegou-se a uma significativa e silenciosa revolução de mentalidade e perspectiva concreta no caminho de uma Justiça eficiente e cidadã. A maior das transformações na instrumentalização do processo sob o rito da Lei no 9.099/95 está por alcançar sua plenitude, com a mudança no UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 68 pensamento dos operadores do Direito, pela grande importância social do alcance da referida lei. O Juizado Especial inovou o sistema processual brasileiro abrindo espaço para a crença e a consolidação de parcerias com o intuito do desenvolvimento de projetos que, efetivamente, envolvam a sociedade civil na resolução dos conflitos, dando-lhes uma solução não só jurídica, mas também social, chegando, na medida do possível, ao âmago dos problemas. Tais projetos e parcerias firmam-se a cada dia e vêm demonstrando o quanto é representativo e significativo informar e preparar a população, pois, estando consciente de seus direitos, o cidadão poderá evitar prováveis contendas judiciais, bem como tornar-se capaz de resolver seus próprios conflitos com autonomia, emancipação e solidariedade. Neste sentido, é oportuno destacar que entre os projetos e parcerias bem-sucedidas encontra-se o Projeto de Justiça Terapêutica que auxilia de forma inequívoca a maior humanização da Justiça Penal. O projeto nasceu ao ser constatado que, oportunizado o diálogo entre a Defensoria Pública e a Promotoria, que atua na Vara da Infância e da Juventude para todos os casos de situação de risco de crianças e adolescentes (Art. 98 do ECA), com vistas a tratar o interesse do menor e não o do requerente ou responsável sendo possível a obtenção de altíssimo nível de transações satisfatórias, com a construção de espaço de cidadania. O que se observa é que a promoção do diálogo entre as duas partes jurídicas pode ser feita com melhor resultado por meio da mediação e manutenção do código de valores comuns entre as partes. O principal objetivo desse projeto é a promoção de uma Justiça preventiva, visando melhorar o atendimento jurisdicional ao cidadão menor infrator, atuando a partir dos conhecimentos adquiridos sobre as necessidades desse menor proveniente de uma classe econômica baixa, por vezes excluídas da sociedade. Sendo a equipe multidisciplinar do Programa Justiça Terapêutica um importante elo mediador. Considerando esses aspectos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul passou a refletir sobre a possibilidade de esse mediador vir a atuar no âmbito comunitário mais carente da sociedade civil brasileira. Evidentemente, essa atuação não exclui a apreciação dos Juizados que remanescem exercendo a função primordial de prestação jurisdicional na solução dos litígios que resistirem a essa nova abordagem do exercício da Cidadania e da Justiça. Assim, desse contexto vislumbra-se um novo trilhar para a concretização dos direitos de cidadania, numa “Justiça ao alcance de todos”, levando propostas de diálogo entre as searas jurídicas pertinentes que acabam por possuírem interesses convergentes no que tange ao menorinfrator, a princípio, sempre excluído do sistema. E, fundamentalmente, o Programa de Justiça Terapêutica é um exemplo que nasceu da ousadia de mentes que trabalham por um mundo melhor e têm buscado diferentes formas de promover a cidadania e levar as pessoas a exercitar seus direitos. PSICOLOGIA JURÍDICA 69 A participação de advogados, bacharéis em Direito, Juízes, Promotores e demais profissionais multidisciplinares, tais como: psicólogos, assistentes sociais e educadores podem contribuir para a formação de uma nova cultura de efetivação de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Essa participação tornará factível um dos valores primordiais perseguidos pelos Juizados Especiais: a solução conciliada dos conflitos, tema que abordaremos na próxima unidade. Embora a condução do processo jurídico com eficiência e celeridade seja fundamental, dada a natureza da relação violenta, é importante que as famílias do menor infrator também sejam orientadas no sentido de repensarem a forma como se relacionam e como contribuem para a perpetuação da violência nas suas relações interpessoais. Assim, uma ação que pretenda erradicar a violência deve proporcionar um espaço reflexivo para que os diversos indivíduos envolvidos nas relações violentas possam mudar sua forma de ação e seus valores. O Programa de Justiça terapêutica tem organizado sua metodologia a partir dos conhecimentos advindos da psicologia, do serviço social, da antropologia, das ciências sociais, tendo como referencial teórico a abordagem sistêmica e a teoria de resolução de conflitos. Estas abordagens embasam práticas como a mediação e a terapia breve, metodologias que, por sua característica célere, coadunam-se com a proposta dos Juizados Especiais. O tratamento dos usuários visa evitar reincidivas dos mesmos, ocasionadas pelo estado de dependência fisiológica e/ou psicológica em que muitos se encontram quando do início do andamento do programa. Esta é uma concepção avançada de Justiça por buscar compreender o autor da infração numa realidade mais complexa, bem como trazer para o exercício da Justiça o conhecimento da área de saúde de que a dependência de substâncias químicas é uma doença e não apenas um ato criminoso. Entende-se que um trabalho nessa área deve passar por uma visão transdisciplinar, pois os fenômenos humanos devem ser compreendidos numa perspectiva globalizada. Segundo o professor Ubiratan D’Ambrósio (1996, p.44-50), A transdisciplinariedade procura superar a organização disciplinar encarando sempre fatos e fenômenos como um todo. Naturalmente, não se nega a importância do tratamento disciplinar, multidisciplinar e interdisciplinar para se conhecer detalhes dos fenômenos. Mas a análise disciplinar, inclusive a multi e a interdisciplinar, será sempre subordinada ao fato e ao fenômeno como um todo, com todas as suas implicações e inter-relações, em nenhum instante perdendo-se a percepção e a reflexão da totalidade. As propostas da visão holística, da complexidade, da sinergia e, em geral, a busca de novos paradigmas de comportamento e conhecimento são típicas da busca transdisciplinar do conhecimento. Sendo aplicada de maneira séria e adequada, o Programa de Justiça Terapêutica propulsionará uma mudança de paradigmas, dos parâmetros UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 70 humanos, éticos e constitucionais. Atingido de maneira avassaladora os operadores do direito, os membros do Ministério Público, e os integrantes do Poder Judiciário. O Promotor de Justiça e o Defensor passam a ter uma postura cooperativa, visando à pessoa do atendido, com anuência judicial. Ocorre uma inovadora situação de trabalho integrado entre os operadores do direito e os profissionais da saúde. É uma proposta inovadora e revolucionária e a sua consagração se dá pelas vias do acesso a um tratamento sério, com equipe multidisciplinar que propõe aos que, no momento de experimentação, adentram em um mundo de solo de medo, pisando em falso, de paredes de ilusão e firmamento de solidão e no decorrer embriagado e tragado por esta realidade rompe com qualquer limite, tabu, conceito, comprometendo sua integridade física, psicológica e social. A Justiça Terapêutica não tem como curar, o seu compromisso é de possibilitar ao infrator-usuário de drogas a compreensão de que possui dois problemas: um legal, por ter cometido uma infração e outro de saúde, relacionado com o seu uso de drogas. E o mais importante: o Programa possibilita a resolução de ambos. Não há um ônus adicional para o Estado, pois diminui o número de pessoas encaminhadas ao sistema carcerário, em seguida, porque usa como referência a rede pública de saúde. Quando evita a prisão, proporciona ao infrator a possibilidade de receber atendimento profissional adequado, possibilitando a quebra da união droga- crime, reduzindo a chance de repetição do comportamento infracional e recorrente do uso de drogas, resulta na diminuição do ônus social e financeiro, e quando do arquivamento do processo, evita o etiquetamento e a não- ressocialização. Enfim, uma das maiores motivações dessa integralização multidisciplinar e o então marco zero, é que permita a transformação do sonho criminoso no fator gerador de transformação e regeneração de forma constitucional preceituando os direitos fundamentais, tendo sempre como meta a justiça (jurisdicional, social e sistemática) e a ética. É HORA DE SE AVALIAR! Não esqueça de realizar as atividades desta unidade de estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá- lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija as respostas no caderno e depois as envie através do nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Interaja conosco! Na unidade VI, nossa última, trataremos das formas alternativas de aplicação da Psicologia jurídica.
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