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Psicologia Jurídica e Infância no Brasil

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1
PSICOLOGIA JURÍDICA
PSICOLOGIA JURÍDICA
Graduação
PSICOLOGIA JURÍDICA
61
U
N
ID
A
D
E 
5
PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA
NO JUDICIÁRIO
Esta unidade objetiva discutir, a partir das formas pelas quais se constituiu
a categoria infância no Brasil, a atual configuração das políticas públicas
voltadas para essa área, especialmente no que se refere às práticas da
Psicologia Jurídica. A infância sendo considerada como uma construção social,
isto é, como uma noção datada geográfica e historicamente. Apontaremos
como a Psicologia Jurídica se faz presente nos processos de guarda,
circunscrevendo etapas evolutivas em relação à infância. Para finalizar,
abordaremos o Juizado de Menores, já reordenadas a partir do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), especificamente através do programa de
Justiça Terapêutica.
OBJETIVOS DA UNIDADE:
Descrever as práticas psicológicas e políticas públicas para a infância,
mais especificamente o projeto da Justiça Terapêutica enquanto novo campo
de atuação, além de discutir os processos de guarda no Juizado Civil.
PLANO DA DISCIPLINA:
• Juizado Cível: processos de guarda.
• Novos campos de atuação: Justiça Terapêutica 
Bons estudos!
UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO
62
JUIZADO CIVIL: PROCESSOS DE GUARDA
Entender a infância como uma noção datada geográfica e historicamente
e não uma etapa natural da vida, implica em trazer para o debate questões
relativas à família, aos vínculos mães/pais/filhos/filhas, à escola, à
maternidade/paternidade e às formas de criação de filhos. Portanto, ao falar
em infância não remetemos a uma abstração, mas a uma construção
discursiva que institui determinadas posições, não só das crianças, mas
também da família, dos pais, das mães, entre outros, instituindo
determinados modos de ser e viver a infância.
A partir desta consideração inicial, voltamo-nos para as políticas sociais
públicas direcionadas à área da infância no Brasil, compreendendo que sua
implementação, ao mesmo tempo em que se relaciona com o conhecimento
que é produzido sobre a infância por uma determinada construção histórica,
também produz essa infância a que se propõe conhecer. Dito de outro modo,
as políticas públicas vêm constituir determinadas formas de ser criança e de
se relacionar com as mesmas.
Atualmente, a preocupação com o sujeito infantil, passa a se instituir
cada vez mais como um problema econômico e político, alvo de inquietações
de ações médicas, morais e pedagógicas.
Associada à intervenção da Medicina, o campo do Direito também se
voltou para a infância, visto que o grande número de crianças que
perambulavam pelas ruas passou a ser compreendido como causa do
aumento da criminalidade. Conforme Frota apud (CARVALHO, 2002), o
primeiro código de menores brasileiro data de 1927, sendo destinado aos
menores de 18 anos classificados como em situação irregular. Este código
delegava aos estados a responsabilidade pela execução do atendimento
de crianças e adolescentes, caracterizando-se por uma intervenção ativa
dos mesmos no controle da população carente.
A infância tornou-se objeto dos juristas, sendo que neste período o
termo ‘menor’ foi incorporado ao vocabulário corrente (Rizzini & Pilotti, 1995).
Para Rizzini e Pilotti, não houve nenhum tipo de problematização no que se
refere à categoria ‘menor’, a qual incluía as seguintes classificações:
abandonado, delinqüente, desviado e viciado.
Também a psicologia e a pedagogia se organizaram com o propósito de
estabelecer uma nova educação que possibilitasse a produção de um novo
cidadão e o assentamento de uma nova raça: sadia e ativa. Desta maneira,
na década de 1920 disseminaram-se as campanhas e reformas sob a
denominação de “Movimento da Escola Nova”. É importante salientar que a
Escola Nova valorizava o discurso científico, especialmente os advindos dos
estudos da Psicologia, com o objetivo de melhor conhecer aquela a quem se
pretendia ensinar: a criança. Podemos dizer que a psicologia, no Brasil, se
insere na área da educação entre 1931 e 1934, tomando as crianças como
objeto psico-médico-biológico, passíveis de serem medidas, testadas,
ordenadas e denominadas normais e anormais. Desta forma, a psicologia,
ancorada em estudos experimentais e de observação de crianças, vinha
reforçar as noções de variabilidade entre os indivíduos e de capacidades
PSICOLOGIA JURÍDICA
63
individuais diferenciadas. A Psicologia apresentava-se, portanto, como capaz
de delimitar as causas dos desvios de conduta, através do uso de testes e
da análise da personalidade infantil, possibilitando ações preventivas e de
correção das mesmas. Citamos como exemplo desta prática o Laboratório
de Biologia Infantil, órgão anexo ao Juizado de Menores, o qual foi proposto
em 1935 e passou a funcionar no ano seguinte.
Contudo, não são muitos os que conhecem a atividade dos psicólogos
que atuam nas Varas de Família do judiciário. A impressão das pessoas em
geral é que a decisão da guarda, visita dos filhos e pensão alimentícia em
casos de separação do casal compete exclusivamente ao juiz da causa, quem,
por sua vez, se fundamenta em aspectos legais e morais. Há cerca de 20
anos, a Psicologia passou a ser um fator importante nas decisões em direito
de família, o que abriu um importante diálogo com a letra fria da lei e as
implicações simplesmente morais, conferindo às decisões judiciais um maior
senso de justiça e preocupação social.
O Código Civil em vigor, por exemplo, consagra que não há preferência
em relação à mãe. Até 2002, em caso de separação, a criança ficava
preferencialmente sob a guarda da mãe. Isso caiu. Já há uma certa tendência
da sociedade de questionar a guarda só pelo fato de ser mãe. Logo, o trabalho
da Psicologia para a justiça passa a ser o de verificar se realmente o cuidador
ou a cuidadora da criança é efetivamente a pessoa que deve ficar com a
guarda, pois é ele ou ela, independente do gênero, quem provê as
necessidades da criança. Pela letra fria da lei não haveria suporte legal para
se atribuir automaticamente a guarda à mãe.
É importante destacar que a atuação do psicólogo dentro de uma vara
ou tribunal de justiça ligado aos problemas de família (separação, guarda e
visita) se deve pela presença de crianças, pela dificuldade de questioná-las
diretamente, pela dificuldade de saber o que realmente se passa com elas e
isto pressupõe a necessidade de alguém que tenha um estudo específico
em relação ao desenvolvimento infantil, processos psicológicos,
psicodinamismo de família. Daí, se recorrer ao psicólogo. O juiz não foi
preparado para entender de crianças, no entanto é chamado para tomar
uma decisão que vai condicionar a vida dessas pessoas: o pai, a mãe e a
criança. Os casos em que os psicólogos acabam atuando são aqueles em
que houve a separação litigiosa, que já vem contaminada por conflitos
preexistentes e que na hora da separação não vai ser diferente. Dentre as
questões que o casal pode não concordar seria, por exemplo, com quem a
criança moraria. Isso seria o extremo. Em outras questões, um pode não
concordar com natação e preferir judô, pode não concordar com dança, preferir
piano, o pai pode querer um tratamento homeopático para a criança, mas a
mãe insiste no tratamento alopático. Todas as questões vão desembocar
em como esse casal parental, responsável pela criança, vai conseguir
administrar essas opções, que são opções de vida, valores, formas de se
pensar, formas de projetar uma vida. Se o casal já se separou é porque
havia diferenças na percepção desses valores. Obviamente essas diferenças
vão voltar à tona em relação à educação da criança.
UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO
64
É um poucosenso comum a idéia de que as crianças vão ser utilizadas
como parte do instrumental de ataque por parte principalmente da mãe,
que é a detentora usual da guarda, e tradicionalmente a idéia de que o pai
vai retaliar não pagando a pensão. Essa concepção é meio simplista porque
a questão é muito mais complexa. Em todas as famílias, mesmo as famílias
coesas, existem as dificuldades dos adultos e das crianças. Por questões
de personalidade, por exemplo, o pai pode ser mais expansivo, se dá melhor
no trato pessoal, é mais relacionado no prédio ou na vizinhança, enquanto
a mulher é mais recatada, introvertida. As características são utilizadas como
defeitos levados para serem equacionados na justiça, no sentido de que
como essa mulher que tem um trato social mais difícil não estaria exercendo
a sua influência educativa sobre as crianças de maneira benéfica. Tudo isso
pode ser usado na justiça como forma de questionar se a mãe seria adequada
ou se o pai melhor para cuidar da criança. O pai, por achar que é mais bem
relacionado, conhecer mais pessoas e que em função de seu bom
relacionamento vai conseguir colocar o filho em melhores condições sociais,
vai querer o filho mais próximo de si a fim de exercer essa influência.
Do ponto de vista psicológico são opções válidas, são pontos de vista
diferentes e a criança cresce identificando-se com cada uma dessas figuras
no sentido de se achar e poder agir de forma mais parecida com um ou com
o outro e daí discriminando as diferenças em si. É meio simplista pensar que
possa haver utilização. Uma mãe que tem certa dificuldade ou não tem tanto
gosto pelo social pode tranqüilamente na sua convivência diária, ficando ela
com a guarda, conviver com essa criança, um menino, por exemplo, identificado
com as características do pai, e que começa a parecer com o mesmo ao criar
uma teia social, com a habilidade do pai, e que essa mãe usufrua disso
dentro da sua casa. Por outro lado, esse pai separado pode recompor a sua
vida afetiva e escolher outra companheira também mais introvertida, mais
quieta, parecida até com a sua primeira esposa, mas que combine mais com
o seu temperamento, uma vez que ele é o extrovertido do casal. É uma
dinâmica que vai acontecendo e é muito difícil dizer que existem padrões
específicos.
Neste momento precisamos esclarecer-lhe que não é o psicólogo judiciário
que vai determinar a guarda ou o esquema de visitas. O trabalho da
Psicologia para o direito é fornecer instrumentos a fim de que o magistrado
possa melhor dirimir esses conflitos que são da área privada e emergem
para a área pública em função dessas discordâncias. É importante afirmar a
idéia de que não é o psicólogo que decide, não é sua função ocupar o lugar
do magistrado. Ocorre que o magistrado pela própria formação não tem
condições plenas de entender os intercâmbios familiares que acontecem.
Assim sendo, chama o psicólogo a fim de colher subsídios. Pensamos que os
psicólogos não devem ultrapassar essa linha do subsídio e se arrogarem o
direito de decidir quem seria a melhor mãe ou o melhor pai. Mesmo porque
dentro da Psicologia não existe ainda o constructo do que seria o melhor
pai ou a melhor mãe, uma vez que isso muda histórica e socialmente conforme
a cultura de cada região ou país. O julgamento será subjetivo e estará
sempre ligado a questões morais e legais. Do ponto de vista moral e legal,
PSICOLOGIA JURÍDICA
65
a Psicologia não tem muito que dizer. A função neste contexto é a de ajudar
o magistrado a perceber que, dependendo da fase de desenvolvimento, a
criança pode se manifestar de um jeito ou outro na questão da separação.
Por exemplo, o psicólogo pode enfatizar que uma criança de colo precisa
do contato mais próximo com a mãe. Isso é inegável e muitos teóricos da
Psicologia e da psicanálise o demonstraram, inclusive contribuíram para a
idéia de que a díade mãe-criança é muito importante para o próprio
desenvolvimento da criança e que se houvesse uma ruptura, uma separação
precoce poderia prejudicar o desenvolvimento. Ocorre que a díade não quer
dizer necessariamente mãe, é mais exatamente o cuidador, tradicionalmente
na nossa cultura, em função da distribuição das responsabilidades, o papel
foi exercido historicamente pela mulher.
Atualmente, porém, muitos homens buscam na justiça a possibilidade de
poder ter um contato com a criança desde a mais tenra idade, sem cair
naquela idéia de que o pai só começa a exercer a paternidade quando leva
seu filho a um campo de futebol. Até lá é problema da mãe. Isso é ainda
muito comum. Na outra ponta do trabalho psicológico, quando o psicólogo
chama os pais para conversar, é muito comum que venha a mãe,
desacompanhada do marido. Prevalece o costume, em geral, compartilhado
tanto pela mulher como pelo marido de que coisa de educação, de médico e
vacina, é coisa da mãe. A conversa com o psicólogo, a consulta com o pediatra
é a mãe que leva. O pai está ocupado, está trabalhando. No entanto, a
presença do pai é cada vez maior demonstrado pelo aumento dos conflitos
para saber quem tem competência para cuidar de criança. O pai não quer
ser apenas aquele que aparece na festinha de aniversário ou a do dia dos
pais. Como podemos perceber, neste sentido, mais uma vez, a psicologia
apresentava-se como a psicologia para o direito.
NOVOS CAMPOS DE ATUAÇÃO: JUSTIÇA TERAPÊUTICA 
O Poder Judiciário brasileiro depara-se, nos últimos tempos, com o desafio
da concretização dos direitos de cidadania. Para tamanho desafio, não há
fórmula pronta. É preciso estar sempre disposto para essa luta. Tão
importante quanto não esmorecer ante a adversidade do volume de serviço
crescente, é se recusar a entregar uma jurisdição de papel, alienada, sem a
necessária e profunda reflexão sobre os valores em litígio, em que as partes
sejam vistas somente como números. É preciso que os juízes tenham o
propósito de realizar uma jurisdição que proporcione pacificação social. É
fundamental reconhecer que a maior parte dos brasileiros ainda não tem
acesso à Justiça e que é preciso reverter esse débito de cidadania.
A prestação jurisdicional deve ser exercida como instrumento de pacificação
social e afirmação da cidadania, o que é facilmente verificado quando da
ocorrência de sua aplicação célere e justa, consubstanciando-se, dessa forma,
como um poderoso instrumento a serviço da população. Como se observa,
esta sim é a razão primordial da existência do Poder Judiciário.
UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO
66
Deve a Justiça, observando os princípios e regras constitucionais e legais,
caminhar rente à sociedade, pois a vida cotidiana é a verdadeira escola da
cidadania. Não existe o cidadão pronto e acabado. O que existe é a cidadania
em construção. Aprende-se a ser cidadão através da prática da cidadania. É
no concreto, nas relações sociais diárias que a cidadania revelará sua
plenitude ou limitação.
É preciso que o juiz seja também um educador. Vale lembrar a lição de
Paulo Freire (1996, p.52) “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. A transferência
dos ensinamentos de Paulo Freire, originalmente destinados à formação de
uma consciência crítica e democrática no meio educacional, tem adequação,
também, à atividade judicante. Com efeito, “a prestação da tutela jurisdicional
não pode ser enxergada apenas como a desincumbência, por um dos
componentes do Estado-tripartite, de uma tarefa que lhe é ínsita. É muito
mais do que isso. Além de perseguir a pacificação social, ao instante em que
diz a quem pertence o direito, tem a atividade jurisdicional um plus deveras
salutar: a pedagogia de mostrar aos jurisdicionados como deve ser a conduta
destes nas suas relaçõesinterpessoais e interinstitucionais.”
A Lei nº 9.099/95 tem como principal característica a humanização
democrática das relações entre Poder Público e particular, à medida que
concede à vítima e ao agente o poder de deliberação na solução de seus
conflitos, sem a imposição de fórmulas legais rígidas e pré-concebidas, de
aplicação genérica, as quais presumem, de forma difusa, a igualdade de
todas as situações fáticas, desconsiderando o caso concreto e a
individualidade dos cidadãos.
Graças à flexibilidade da Lei no 9.099/95, é possível a sua aplicação de
uma forma socioeducativa e pedagógica, inclusive permitindo o
desenvolvimento de projetos e parcerias que levem ao envolvimento da
comunidade para a solução eficaz dos litígios. Nesse sentido, a prestação
gratuita de serviços à comunidade e o encaminhamento dos adolescentes
infratores para acompanhamento psicossocial, bem como a utilização de
acompanhamento para tratamento especializado nos casos de alcoolismo e
de envolvimento com drogas, têm se mostrado altamente eficazes para a
consecução desse objetivo.
Assim, estamos passando por uma revolução na forma de fazer Justiça,
caminhando, com a reengenharia do processo, para uma modificação
estrutural e funcional do Judiciário em si. Procura-se remodelar o seu perfil
no sentido de adequá-lo ao da Justiça que se espera na nova era pós-
industrial, que vem sendo constituída principalmente nas três últimas
décadas.
O crescente interesse nos projetos sociais revela a necessidade de se
construírem sinergias público-privadas, que potencializem os benefícios
coletivos, que renovem a capacidade de criação de significados, horizontes
e motivações na dinâmica das relações sociais. Os profissionais das diversas
áreas de responsabilidade social estão sensíveis a essas questões e hoje
demandam posicionamentos éticos que permitam efetivar investimentos
PSICOLOGIA JURÍDICA
67
alinhados com as reais demandas das comunidades, visando mais benefícios
em saúde, educação, justiça e cidadania para todos.
Ante a nova linha de atuação do Governo Presidencial da República
Federativa do Brasil, a partir de 2003, pela reavaliação da política antidrogas
implementada no país, pretende-se a redução de danos físicos e sociais,
individuais e coletivos que causam o uso de drogas em toda a sociedade.
Sabe-se ainda que, os operadores do Direito e profissionais da saúde,
bem como outros segmentos da sociedade não divergem quanto ao
entendimento que somente a pena de restrição de liberdade, ou seja, o
simples encarceramento do usuário de drogas – infrator não é efetivo nem
para ajudá-lo a deixar de usar drogas e nem para ajudá-lo na recuperação
de sua conduta ilícita. Em outras palavras, a simples aplicação e execução
das penas previstas em lei, apenas aumentam a probabilidade de se
exacerbar o dano social ao infrator usuário, ao abusador ou dependente de
drogas.
Além disso, sabe-se que a maioria dos usuários, abusadores e
dependentes de drogas não são, a priori, criminosos. Porém, é sabido também
que, em função das peculiaridades que envolvem o uso, o abuso e a
dependência de drogas, a maioria deles, tem dificuldade em reverter este
quadro e, especialmente os dependentes, acabam perdendo a liberdade de
escolha entre usar ou não usar as substâncias das quais se tornaram
dependentes e que, por isso, podem acabar se envolvendo em infrações.
Embora nem todos os usuários de substâncias psicoativas se tornem
dependentes, o fato é que, de maneira geral, pode-se afirmar que uma
pessoa sob o efeito de uma substância psicoativa sofre uma modificação do
seu funcionamento cerebral o que, na maioria das vezes, implica em uma
alteração do seu comportamento quando comparado a outros momentos
nos quais não tenha havido a utilização da substância.
Se, para alguns usuários, a alteração no comportamento possa não
implicar em problemas maiores para si mesmo, para outros ou para a
sociedade, o mesmo não é fato para muitos outros usuários. Condutas, tais
como, agressividade, violência familiar e interpessoal, acidentes de trabalho,
acidentes de trânsito, relações sexuais sem proteção (que aumentam a
probabilidade de gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis
e AIDS) e outras condutas consideradas infrações legais, em geral, são
conseqüências de alteração no comportamento de usuários sob o efeito
destas substâncias.
No Brasil, a criação do Juizado Informal de Pequenas Causas constituiu
conforto, alento e segurança para as pessoas humildes que tinham no
Judiciário o ancoradouro apto a garantir a solução dos problemas do dia-a-
dia. Com o seu aperfeiçoamento, através da Lei no 9.099/95, chegou-se a
uma significativa e silenciosa revolução de mentalidade e perspectiva concreta
no caminho de uma Justiça eficiente e cidadã.
A maior das transformações na instrumentalização do processo sob o
rito da Lei no 9.099/95 está por alcançar sua plenitude, com a mudança no
UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO
68
pensamento dos operadores do Direito, pela grande importância social do
alcance da referida lei.
O Juizado Especial inovou o sistema processual brasileiro abrindo espaço
para a crença e a consolidação de parcerias com o intuito do desenvolvimento
de projetos que, efetivamente, envolvam a sociedade civil na resolução dos
conflitos, dando-lhes uma solução não só jurídica, mas também social,
chegando, na medida do possível, ao âmago dos problemas. Tais projetos e
parcerias firmam-se a cada dia e vêm demonstrando o quanto é
representativo e significativo informar e preparar a população, pois, estando
consciente de seus direitos, o cidadão poderá evitar prováveis contendas
judiciais, bem como tornar-se capaz de resolver seus próprios conflitos com
autonomia, emancipação e solidariedade.
Neste sentido, é oportuno destacar que entre os projetos e parcerias
bem-sucedidas encontra-se o Projeto de Justiça Terapêutica que auxilia de
forma inequívoca a maior humanização da Justiça Penal.
O projeto nasceu ao ser constatado que, oportunizado o diálogo entre
a Defensoria Pública e a Promotoria, que atua na Vara da Infância e da
Juventude para todos os casos de situação de risco de crianças e
adolescentes (Art. 98 do ECA), com vistas a tratar o interesse do menor e
não o do requerente ou responsável sendo possível a obtenção de altíssimo
nível de transações satisfatórias, com a construção de espaço de cidadania.
O que se observa é que a promoção do diálogo entre as duas partes jurídicas
pode ser feita com melhor resultado por meio da mediação e manutenção
do código de valores comuns entre as partes.
O principal objetivo desse projeto é a promoção de uma Justiça
preventiva, visando melhorar o atendimento jurisdicional ao cidadão menor
infrator, atuando a partir dos conhecimentos adquiridos sobre as
necessidades desse menor proveniente de uma classe econômica baixa,
por vezes excluídas da sociedade. Sendo a equipe multidisciplinar do
Programa Justiça Terapêutica um importante elo mediador.
Considerando esses aspectos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul passou a refletir sobre a possibilidade de esse mediador vir a atuar no
âmbito comunitário mais carente da sociedade civil brasileira. Evidentemente,
essa atuação não exclui a apreciação dos Juizados que remanescem
exercendo a função primordial de prestação jurisdicional na solução dos
litígios que resistirem a essa nova abordagem do exercício da Cidadania e
da Justiça. Assim, desse contexto vislumbra-se um novo trilhar para a
concretização dos direitos de cidadania, numa “Justiça ao alcance de todos”,
levando propostas de diálogo entre as searas jurídicas pertinentes que
acabam por possuírem interesses convergentes no que tange ao menorinfrator, a princípio, sempre excluído do sistema.
E, fundamentalmente, o Programa de Justiça Terapêutica é um exemplo
que nasceu da ousadia de mentes que trabalham por um mundo melhor e
têm buscado diferentes formas de promover a cidadania e levar as pessoas
a exercitar seus direitos.
PSICOLOGIA JURÍDICA
69
A participação de advogados, bacharéis em Direito, Juízes, Promotores e
demais profissionais multidisciplinares, tais como: psicólogos, assistentes
sociais e educadores podem contribuir para a formação de uma nova cultura
de efetivação de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos.
Essa participação tornará factível um dos valores primordiais perseguidos
pelos Juizados Especiais: a solução conciliada dos conflitos, tema que
abordaremos na próxima unidade.
Embora a condução do processo jurídico com eficiência e celeridade seja
fundamental, dada a natureza da relação violenta, é importante que as
famílias do menor infrator também sejam orientadas no sentido de repensarem
a forma como se relacionam e como contribuem para a perpetuação da
violência nas suas relações interpessoais. Assim, uma ação que pretenda
erradicar a violência deve proporcionar um espaço reflexivo para que os
diversos indivíduos envolvidos nas relações violentas possam mudar sua
forma de ação e seus valores.
O Programa de Justiça terapêutica tem organizado sua metodologia a
partir dos conhecimentos advindos da psicologia, do serviço social, da
antropologia, das ciências sociais, tendo como referencial teórico a abordagem
sistêmica e a teoria de resolução de conflitos. Estas abordagens embasam
práticas como a mediação e a terapia breve, metodologias que, por sua
característica célere, coadunam-se com a proposta dos Juizados Especiais.
O tratamento dos usuários visa evitar reincidivas dos mesmos,
ocasionadas pelo estado de dependência fisiológica e/ou psicológica em que
muitos se encontram quando do início do andamento do programa. Esta é
uma concepção avançada de Justiça por buscar compreender o autor da
infração numa realidade mais complexa, bem como trazer para o exercício da
Justiça o conhecimento da área de saúde de que a dependência de
substâncias químicas é uma doença e não apenas um ato criminoso.
Entende-se que um trabalho nessa área deve passar por uma visão
transdisciplinar, pois os fenômenos humanos devem ser compreendidos numa
perspectiva globalizada.
Segundo o professor Ubiratan D’Ambrósio (1996, p.44-50),
A transdisciplinariedade procura superar a organização disciplinar
encarando sempre fatos e fenômenos como um todo. Naturalmente,
não se nega a importância do tratamento disciplinar, multidisciplinar e
interdisciplinar para se conhecer detalhes dos fenômenos. Mas a análise
disciplinar, inclusive a multi e a interdisciplinar, será sempre subordinada
ao fato e ao fenômeno como um todo, com todas as suas implicações
e inter-relações, em nenhum instante perdendo-se a percepção e a
reflexão da totalidade. As propostas da visão holística, da complexidade,
da sinergia e, em geral, a busca de novos paradigmas de
comportamento e conhecimento são típicas da busca transdisciplinar
do conhecimento.
Sendo aplicada de maneira séria e adequada, o Programa de Justiça
Terapêutica propulsionará uma mudança de paradigmas, dos parâmetros
UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO
70
humanos, éticos e constitucionais. Atingido de maneira avassaladora os
operadores do direito, os membros do Ministério Público, e os integrantes
do Poder Judiciário. O Promotor de Justiça e o Defensor passam a ter uma
postura cooperativa, visando à pessoa do atendido, com anuência judicial.
Ocorre uma inovadora situação de trabalho integrado entre os operadores
do direito e os profissionais da saúde. É uma proposta inovadora e
revolucionária e a sua consagração se dá pelas vias do acesso a um
tratamento sério, com equipe multidisciplinar que propõe aos que, no
momento de experimentação, adentram em um mundo de solo de medo,
pisando em falso, de paredes de ilusão e firmamento de solidão e no decorrer
embriagado e tragado por esta realidade rompe com qualquer limite, tabu,
conceito, comprometendo sua integridade física, psicológica e social.
A Justiça Terapêutica não tem como curar, o seu compromisso é de
possibilitar ao infrator-usuário de drogas a compreensão de que possui dois
problemas: um legal, por ter cometido uma infração e outro de saúde,
relacionado com o seu uso de drogas. E o mais importante: o Programa
possibilita a resolução de ambos. Não há um ônus adicional para o Estado,
pois diminui o número de pessoas encaminhadas ao sistema carcerário, em
seguida, porque usa como referência a rede pública de saúde.
Quando evita a prisão, proporciona ao infrator a possibilidade de receber
atendimento profissional adequado, possibilitando a quebra da união droga-
crime, reduzindo a chance de repetição do comportamento infracional e
recorrente do uso de drogas, resulta na diminuição do ônus social e financeiro,
e quando do arquivamento do processo, evita o etiquetamento e a não-
ressocialização.
Enfim, uma das maiores motivações dessa integralização multidisciplinar
e o então marco zero, é que permita a transformação do sonho criminoso
no fator gerador de transformação e regeneração de forma constitucional
preceituando os direitos fundamentais, tendo sempre como meta a justiça
(jurisdicional, social e sistemática) e a ética.
É HORA DE SE AVALIAR!
Não esqueça de realizar as atividades desta unidade de
estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá-
lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia
no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija
as respostas no caderno e depois as envie através do nosso
ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Interaja conosco!
Na unidade VI, nossa última, trataremos das formas alternativas de
aplicação da Psicologia jurídica.

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