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104 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III Unidade III 7 O MÉTODO CARTESIANO Descartes pretendeu um plano de revisão das bases epistemológicas e metafísicas dos saberes mediante uma aposta única: a possibilidade do espírito, considerado a partir da constatação de si mesmo e da evidência e certeza da própria atividade racional, servir de evidência suficiente suprassensível para atestar a verdade do mundo sensível e do mundo inteligível. É nesse contexto de inquietação filosófica que o trabalho de Descartes é levado a confrontar perspectivas tradicionais da Filosofia, em busca do que ele reputou como o caminho mais seguro para um conhecimento, atestável pela razão e, ao mesmo tempo, universal e evidente, tomando como ponto de partida as ideias sobre as coisas e não as coisas por si. 7.1 A dúvida metódica A obra de Descartes inaugura um novo período da história da filosofia, marcado por uma ruptura com a tradição medieval. Essa ruptura ocorre mediante uma inversão radical das perspectivas metodológicas do conhecimento. Vale dizer que a tradição filosófica de seu tempo é identificável pela retomada de temas da filosofia clássica e pela forte tensão entre o saber filosófico clássico e a doutrina cristã filosoficamente fundamentada. Essa tradição irá servir a Descartes como material teórico primordial de reflexão e, ao mesmo tempo, de razoável desafio para que invente e desenvolva as bases daquilo que pôde ser definido como método cartesiano de conhecimento científico da verdade e do ser. Esse método é notadamente de caráter cético e subjetivo, como demonstraremos mais adiante. O projeto filosófico cartesiano propiciou construir um arcabouço conceitual que, até hoje, serve de base para filosofias da ciência atuais, para as filosofias do sujeito e para os diferentes modelos de filosofia fenomenológica que são estudados e discutidos nos dias atuais; desse modo, conceitos como dualismo, subjetivismo, idealismo e representação aparecem como noções filosóficas cartesianas fundamentais no contexto de seu método. Descartes desenvolve esse novo modelo epistemológico e metódico a partir da distinção fundamental de duas substâncias que constituem o real: a substância pensante e a substância extensa. Segundo o filósofo, cada qual é distinta e independente uma da outra, de modo a possibilitar a separação entre sujeito e objeto. A substância pensante é a alma, isto é, ela se constitui enquanto pensamento autônomo ou enquanto sujeito. Já a substância extensa, inerente às questões físicas e de quantidade, é o corpo e se constitui como objeto ou extensão espacial. Enquanto a primeira, a substância pensante, se define como pensamento e existe no plano metafísico ou das ideias, a segunda, a substância extensa, se define como matéria sensível e existe no plano físico das percepções e das experiências sensoriais. 105 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA Nessa linha, o sujeito é tomado como condição sine qua non para o conhecimento e também condição para ter certeza dele mesmo, isto é, para ter certeza de que o pensamento pode conhecer a si mesmo enquanto evidência racional. Em sua reflexão, o filósofo irá opor o sujeito, então considerado como condição de certeza do que se conhece racionalmente, às sensações, consideradas pela tradição filosófica de seu tempo como princípio válido do conhecimento. Contudo, o filósofo irá defender a tese de que toda evidência meramente material não é evidência e, por isso, tem que ser demonstrada pelo intelecto para que tenha alguma validade no âmbito do conhecimento. Assim, o caminho para se chegar à verdade não partirá mais da experiência sensível para chegar à concepção teórica racional que, por sua vez, lhe daria sentido. Ao contrário, partirá da evidência racional em direção àquilo que é empiricamente conhecido, com finalidade lógica de lhe atestar toda e qualquer validade lógica como realidade. Na perspectiva cartesiana, o sujeito, considerado como base fundamental do conhecimento no plano metafísico, é solidário de um método que pode ser definido como idealista, uma vez que o núcleo do conhecimento e o princípio da verdade estarão na ideia de mundo e não no mundo empírico sensorialmente apreendido. Isso quer dizer que o sujeito aparece no método cartesiano como condição pressuposta de conhecimento e como sua base de ordenação, isto é, o sujeito é o próprio espírito, é o pensamento, é o conjunto de ideias que constituem nosso pensamento. O conceito de sujeito em Descartes aparece como aquilo que dá a certeza do objeto como um produto ideal de reflexão. Esse primado da subjetividade, sobre todo o mais que não é sujeito, sobre tudo aquilo que se pode atribuir como constitutivo de um mundo real para além do próprio sujeito, constitui‑se como condição epistemológica para se chegar, a partir das ideias que pensam o mundo, ao objeto cognitivo: primeiramente o pensamento encontra a si e aos critérios da verdade; depois, ele pensa a realidade, não a partir da experiência sensorial do mundo, mas a partir das ideias ou representações do mundo. Essa condição epistemológica para o conhecimento objetivo somente será considerada como primordial e fundante se for possível distinguir as ideias dos corpos, da realidade sensível e das formas, isto é, se for possível distinguir o universal e indivisível do que é particular e divisível. Portanto, aquilo que o filósofo chamará de realidade é o que o pensamento foi capaz de pensar acerca do mundo, o que ocorre quando se pretende dar a ele uma definição e, nesse processo, a experiência sensível não terá qualquer participação constituinte se não se pretende que ela seja causa fundadora de equívocos e ilusões. Assim, a realidade primeira é a própria existência do sujeito enquanto pensamento ou substância pura. Não faz parte do projeto metodológico de Descartes impor uma cisão definitiva entre o sensível e o inteligível, de modo a gerar uma distinção incomunicável entre um mundo real e um mundo ideal. Diferentemente, o que o filósofo pretende é uma reordenação do próprio exercício do pensamento de modo que ambos possam manter entre si uma relação, mas segundo uma nova ordem racional de 106 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III concepção, segundo a qual o pensamento não é mais ou menos dependente das experiências, mas é causa fundadora e certificadora do que se pode conhecer da experiência do mundo real. O que o método cartesiano propõe é a possibilidade de tornar o sujeito a causa primeira do próprio conhecimento e isso na medida em que ele se coloca na atividade de reflexão como princípio dela. No entanto, o pensamento que busca o conhecimento da realidade não parte do nada, de pura abstração do mundo. Ele opera na base da representação desse mundo, isto é, de qualquer objeto mental que, por sua vez, sejam reflexos de objetos reais particulares. Então, o que Descartes apresenta como representação é nada mais que a transfiguração abstrata da ordenação do mundo material. Para Descartes, se uma ideia está na mente, ela não foi, antes, necessariamente objeto dos sentidos e da percepção do mundo. Ora, essa redefinição da própria noção de representação está no cerne da ruptura que ele provoca com toda uma tradição aristotélico‑tomista, segundo a qual a representação é oriunda de uma experiência sensível. A proposta cartesiana apresenta uma ideia de representação considerada como puro conteúdo mental, isto é, enquanto ideia capaz de conhecer as experiências de mundo como identidades conceituais racionalmente identificáveis e mediante conceitos subjetivamenterefletidos. Isso quer dizer que Descartes parte das representações ideais da realidade do mundo, mediante um exercício lógico de atestação, em direção a ela própria. Então, a Filosofia é a reconstrução do saber das coisas sensíveis, que parte do saber da representação ideal das coisas em direção à realidade, com vista à sua atestação. Nessa linha, atestar significa validar, ou seja, o filósofo considera a atestação como um processo de reflexão em que ocorre uma coincidência entre a evidência racional (ou a ideia acerca das coisas) e qualquer experiência acerca do mesmo objeto sensível da percepção. Trata‑se de uma espécie de relação racional construtiva da realidade, em que o sujeito, a partir da experiência sensível do objeto, pensa‑o metodicamente enquanto ideia universal capaz de defini‑lo enquanto conceito, e não somente enquanto realidade sensível particular. E, dessa maneira, torna‑se possível um entendimento acerca do mundo e de seu processo de conhecimento como atividade de reflexão racional e não mais uma atividade sensorial. Contudo, o filósofo quer evitar o que chamará de engano ou erro, mediante uma atividade racional de questionamento ou dúvida metódica, não somente do que for obtido pela experiência, mas do próprio processo de reflexão filosófica. Afinal, como já foi dito, para Descartes, o mundo não é exclusivamente ideal, pois é crucial pensar e determinar o modo pelo qual se dá a passagem da essência à existência, isto é, o modo como se vai das ideias ou representações ideais do mundo às coisas do mundo empiricamente percebido. Então, a investigação filosófica se desenvolve mediante a realização de duas tarefas distintas, que o espírito deve exercer em sua reflexão: a necessidade de provar racionalmente a correspondência entre a representação e a realidade sensível do mundo, segundo critérios racionais rígidos; e a prova de que esses critérios racionais correspondem ao que realmente existe no mundo da experiência sensorial. Esse labor cartesiano deverá corresponder à ideia de que o que é racionalmente objetivo o é universalmente objetivo, pois somente desse modo será possível provar a verdade. Trata‑se propriamente de buscar pelo valor objetivo da representação, uma vez que o conteúdo de uma ideia deverá ter validade universal para ser considerado verdadeiramente objetivo. Isso é o mesmo que dizer que o caráter absoluto da verdade só se prova quando a subjetividade de um conhecimento tenha valor 107 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA universal, mediante a prova de seu fundamento e que, por sua vez, essa prova deverá ser inquestionada quanto a sua veracidade. Lembrete Descartes coloca o sujeito no centro do conhecimento. 7.2 Um método para o conhecimento da verdade No prefácio que escreve aos seus estudos sobre as ciências da natureza, tradicionalmente conhecido como O Discurso do Método, Descartes chama a atenção para a necessidade de se reconsiderar tudo o que se aprende como certo e confiável no curso de uma vida, suspeitando que talvez os alicerces fundamentais sobre os quais se sustentam o conhecimento adquirido, e a partir dos quais são praticadas as ações e decisões, possam ser frágeis demais para que se tenha a certeza da verdade e a confiança no que se supõe como certo. Ele justifica que essa desconfiança é fundamental para quem busca pelo saber e para evitar que falsos entendimentos ou valores sejam tomados com referenciais confiáveis e que, mais tarde, possam se revelar inadequados ou impróprios ao que se reputa como sábio ou mesmo correto. Toma a si mesmo como exemplo para indicar o trajeto dessa reflexão e respalda seu discurso na metáfora da realização de uma edificação. Ele se pergunta se é melhor que um prédio seja construído pela ação de diferentes agentes, mesmo que a partir do projeto de um único arquiteto, ou se seria melhor que um único agente se encarregasse de conceber e edificar toda a obra. Trata‑se de uma metáfora que o filósofo cria para distinguir aquele conhecimento, cujo conteúdo não partiu do próprio sujeito, mas de uma pluralidade de reflexões tomadas prontamente como certas e sustentáveis, daquele conhecimento onde o próprio sujeito é o único responsável por toda uma reflexão. Com essa metáfora ele sugere que haja certa fragilidade no modo como o conhecimento é concebido quando dogmaticamente instituído, ou mesmo quando suas bases não tenham sido constituídas em firmes alicerces ou em alicerces fortes suficientes para assegurar o caminho seguro de edificação de um saber. Nessa toada, propõe que o conhecimento em sua totalidade seja obra de uma unidade reflexiva em que, antes da edificação dos saberes, o sujeito possa, por ele mesmo, atestar a segurança dos alicerces sobre os quais se debruçarão suas reflexões. Quer com isso, desde já, afirmar que o conhecimento válido é subjetivo, mas desde que conduzido metodicamente por regras racionais universais, capazes de constituir uma evidência racional firme, distinta e clara. Para tanto, propõe quatro regras fundamentais que devem ser seguidas pelo sujeito da reflexão se quiser a certeza de que o seu conhecimento seja seguro e válido, independentemente da experiência da realidade sensível. São elas: a clareza e a distinção, a análise, a ordem, e a enumeração, a seguir explicadas. 108 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III Clareza e distinção O verdadeiro é o que se apresenta ao espírito (ao pensamento) do sujeito de forma tão clara e distinta que a dúvida deixa de existir no processo de conhecimento. No entanto, adverte que duas atitudes se fazem necessárias para que a clareza e a distinção dos elementos da reflexão racional sejam garantidas: evitar a prevenção e evitar a precipitação. No que diz respeito à prevenção, Descartes alerta para a necessidade de evitar o preconceito oriundo de juízos mal ponderados e de prejulgamentos ou opiniões que não se baseiem necessariamente em uma reflexão crítica. Quanto à precipitação, o filósofo sugere que não se deve fazer um juízo acerca da natureza das coisas em caráter conclusivo e definitivo, ao menos até que a ligação entre os termos representados esteja racionalmente demonstrada e comprovada com a devida clareza e distinção. Análise Quando o conhecimento encontra dificuldades de entendimento deve‑se dividir a ideia que se tem do objeto em quantas partes forem necessárias e, se for imprescindível, proceder novamente a essa divisão, em relação a cada fragmento, como parte da busca por poder explicar cada um dos fragmentos residuais da divisão em sua integralidade. Desse modo, objetiva‑se torná‑los, uns em relação aos demais, suficientemente claros e distintos, para que, ao final desse trajeto de reflexão, seja possível solucionar o problema e conhecer o objeto. É preciso observar que a análise pressupõe a regra anterior de clareza e distinção, na medida em que ela depende daquele procedimento de discernimento capaz de separar as ideias claras dos preconceitos. Ocorre que, para Descartes, a análise baseia‑se no modelo matemático de decomposição das equações complexas (o da redução de múltiplos aos seus multiplicadores), posto que compreende um modo seguro de considerar os diferentes elementos de uma reflexão racional, uns em relações aos outros, de um tal modo que fique claramente demonstrada a correspondência de significado entre eles. Ordem Segundo o filósofo, o pensamento deve ser conduzido de modo a identificar, primeiramente, os raciocínios mais simples e, posteriormente, relacioná‑los uns aos outros numa ordem lógica de primazia, dos mais simples aos mais complexos, de modo a estabelecer entre eles as implicações necessárias. Issoporque a clareza de pensamento depende que os pressupostos da razão sejam suficientemente claros, distintos e simples para que então, de modo analítico, seja possível construir ideias complexas ou deduções, por sua vez, capazes de definir racionalmente o objeto de conhecimento de forma válida. Trata‑se da condição lógica do raciocínio que irá organizar as ideias segundo uma organização capaz de deixar claro o próprio pensamento que reflete as ideias. Nessa linha, cada elemento da reflexão tem seu valor correspondente à posição que ocupa no conjunto do sistema. Assim, é necessário encadear as ideias de tal modo que seja possível demonstrar 109 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA a verdade que ela constitui, isto é, é preciso demonstrar a relação lógica entre a ideia precedente e a subsequente, na direção da proposição mais simples à mais complexa. Enumeração Por fim, é necessário rever e enumerar por completo cada argumento constitutivo da reflexão racional, de cada raciocínio, de cada ideia, para ter a certeza de que todos os elementos foram devidamente considerados no curso do pensamento. Trata‑se propriamente da síntese de um raciocínio, que percorre em sentido inverso ao da análise, com vista à atestação da visão de conjunto e mediante a verificação da relação entre a ideia subsequente e a antecedente. É preciso considerar que, ao tratar dessas regras, Descartes está muito mais ocupado de seus estudos de aritmética e de geometria, do que das questões propriamente metafísicas, ainda que sua proposta metódica se estenda a estas. Outra observação importante é que a regra da clareza e distinção é a mais importante, porque se fundamenta em duas bases: a simplicidade e a separação. São elas que asseguram a identificação de um conteúdo livre de condições materiais oriundas da experiência sensorial e das condições psicológicas do indivíduo, tais como as opiniões do senso comum e as emoções. O cumprimento das quatro regras impossibilita a dúvida, gera a certeza do sujeito e, com ela, a evidência racional. Eis o caminho da descoberta daquilo que se chama de verdade subjetiva ou subjetividade: o lugar de fundamento da verdade, o que, para o filósofo, se dará mediante o exercício da dúvida ou do cogito. Para tanto, busca‑se a generalização, procedimento pelo qual o conhecimento sensível é colocado em dúvida. O processo de busca do conhecimento é o caminho da verdade; não é somente orientado pela dúvida metódica, mas também fundamentado e estruturado por ela ao organizar a atividade racional em face de uma busca determinada: a objetividade do conhecimento decorrente da concepção de uma representação que seja indubitável. Assim, é necessário que haja a radicalização da dúvida, ou seja, que ela se torne hiperbólica e, assim, questione a si mesma enquanto método válido e suficiente de conhecimento. Isso quer dizer que não somente é necessário questionar o conhecimento sensível, que agora passa a não ser mais considerado como ponto inicial e necessário de conhecimento, mas é preciso considerá‑lo em sua totalidade, e tudo o mais que com ele se relacionar como falso. Espera‑se que a dúvida se estenda a qualquer representação relacionada com as experiências sensoriais e que, desse modo, seja possível identificar as razões de duvidar de algo, bem como de duvidar da própria dúvida como método suficiente e garantido de conhecimento da verdade. A dúvida para Descartes é uma necessidade metódica, um modo de evitar o conhecimento oriundo das sensações e das percepções, que ou pode ser falso ou improvável ou relativizado em função de 110 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III uma perspectiva meramente individual e parcial, ou seja, sem valor de verdade. Essa posição se justifica no argumento de que qualquer reflexão que parta de uma certeza frágil, isto é, que não possa ser cabalmente provada, será ela mesma o princípio de falsificação ou desconsideração do conhecimento enquanto verdade. Para que seja possível a certeza, é necessário que, antes, seja a representação ideal da coisa submetida à dúvida mediante a qual o seu valor ficará dependente de detalhado exame e segundo os critérios ou regras de esclarecimento suficientes da qual se falou há pouco. A dúvida, nesse sentido, tem que ser um exercício lógico‑racional de verificação epistemológica de conceitos e ideias, muito além da cultura histórica de um povo. É com essa tese que Descartes rompe com uma tradição filosófica de um conhecimento que se constitui a partir da cumulação de ideias, algumas de base puramente empíricas, outras de base axiológica e moral, e que impedem conhecer o mundo sem que ocorra sob a influência da vã opinião ou de um idealismo disfarçado de verdade. Então, será preciso questionar as próprias ideias que pretendem servir de arcabouço de sustentação daquilo que se propõe como definição das experiências sensoriais, será necessário descartar essas experiências se tomadas como ponto de partida para o entendimento da verdade. Afinal, através dos sentidos o sujeito pode se equivocar quanto ao que as coisas são, uma vez que eles operam com imperfeição e estão sujeitos ao erro e à ilusão. Contudo, há em Descartes, uma dúvida inaugural acerca daquilo que se concebe como representação ideal das coisas do mundo. É preciso partir do pressuposto de que os sentidos e as emoções sejam realmente enganadores, ou pior, que sejam dissimuladores da realidade. Também é preciso considerar que as percepções do mundo podem ser corrompidas pelo erro ou pela ilusão que se tem acerca das coisas. É nessa direção que deve surgir o exercício da dúvida, mediante a negação das experiências sensoriais, então consideradas como fonte de conhecimento, em busca de outro referencial seguro de reflexão. Ao contrário do que propõe uma tradição empirista, é necessário partir do pressuposto de que, se a realidade oriunda da experiência favorece o erro e a ilusão, a ideia ou evidência racional que se tem das coisas, desde que obtidas exclusivamente a partir de um pensamento metodicamente esclarecido, e sob a rigorosa análise de seus componentes, deve ser a única certeza possível. Porém, como a certeza que se pode encontrar mediante o exercício da dúvida é subjetiva, na medida em que ela se forma e se resolve na esfera da reflexão do sujeito, e por mais clareza que haja em sua concepção, é preciso questionar a garantia de que o raciocínio foi capaz de encontrar a verdade e não apenas de sabotar‑se a si mesmo mediante a criação de uma ideia a qual não tenha correspondente na realidade. É necessário duvidar do próprio gênio que exercita a dúvida inaugural, duvidando dele como princípio racional capaz de garantir o conhecimento da verdade. 111 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA Lembrete Descartes estabeleceu quatro regras fundamentais para o conhecimento: a clareza e distinção, a análise, a ordem e a enumeração. 7.3 Discurso do Método: segunda parte Aprendemos a nadar nadando. Aprender Filosofia é como aprender a nadar. Aprendemos filosofia filosofando. E para filosofar é preciso conhecer como outros filósofos filosofaram. Então, é fundamental para o estudante de Filosofia a leitura de textos filosóficos de autoria de pensadores referenciais, como Descartes. Então, selecionamos aqui a segunda parte do Discurso do Método, para que você possa entrar em contato com a escrita de Descartes. Leia com calma, lembrando‑se do que estudou anteriormente. Se precisar, e será preciso, faça uma segunda leitura. Ler é a principal ferramentado filósofo. Por meio dela, ele obtém conteúdo para suas reflexões e, também, aprende o modo, a maneira de filosofar. Então, não tenha preguiça e faça uma leitura proveitosa do texto desse filósofo tão importante da Filosofia Moderna. DISCURSO DO MÉTODO Segunda Parte [1] Achava‑me, então, na Alemanha, para onde fora atraído pela ocorrência das guerras, que ainda não findaram, e, quando retornava da coroação do imperador para o exército, o início do inverno me deteve num quartel, onde, não encontrando nenhuma frequentação que me distraísse, e não tendo, além disso, por felicidade, quaisquer solicitudes ou paixões que me perturbassem, permanecia o dia inteiro fechado sozinho num quarto bem aquecido onde dispunha de todo o vagar para me entreter com os meus pensamentos. Entre eles, um dos primeiros foi que me lembrei de considerar que, amiúde não há tanta perfeição nas obras compostas de várias peças, e feitas pela mão de diversos mestres, como naquelas em que um só trabalhou. Assim, vê‑se que os edifícios empreendidos e concluídos por um só arquiteto costumam ser mais belos e melhor ordenados do que aqueles que muitos procuraram reformar, fazendo uso de velhas paredes construídas para outros fins. Assim, essas antigas cidades que, tendo sido no começo pequenos burgos, tornaram‑se, no decorrer do tempo, grandes centros, são ordinariamente tão mal compassadas em comparação com essas praças regulares, traçadas por um engenheiro à sua fantasia numa planície, que, embora considerando seus edifícios cada qual à parte, se encontre neles muitas vezes tanta ou mais arte que nos das outras, todavia, a ver como se acham arranjados, aqui um grande, ali um pequeno, e como tornam as ruas curvas e desiguais, dir‑se‑ia que foi mais o acaso do que a vontade de alguns homens usando da razão que assim os dispôs. E se se considerar que, apesar de tudo, sempre houve funcionários com o encargo de fiscalizar as construções dos particulares para torná‑las úteis ao ornamento do público, reconhecer‑se‑á realmente 112 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III que é penoso, trabalhando apenas nas obras de outrem, fazer coisas muito acabadas. Assim, imaginei que os povos, que, tendo sido outrora semisselvagens e só pouco a pouco se tendo civilizado, não elaboraram suas leis senão à medida que a incomodidade dos crimes e das querelas a tanto os compeliu, não poderiam ser tão bem policiados como aqueles que, a começar do momento em que se reuniram, observaram as constituições de algum prudente legislador. Tal como é bem certo que o estado da verdadeira religião, cujas ordenanças só Deus fez, deve ser incomparavelmente melhor regulamentado do que todos os outros. E, para falar das coisas humanas, creio que, se Esparta foi outrora muito florescente, não o deveu à bondade de cada uma de suas leis em particular, visto que muitas eram bastante alheias e mesmo contrárias aos bons costumes, mas ao fato de que, havendo sido inventadas apenas por um só, tendiam todas ao mesmo fim. E assim pensei que as ciências dos livros, ao menos aquelas cujas razões são apenas prováveis e que não apresentam quaisquer demonstrações, pois se compuseram e avolumaram pouco a pouco com opiniões de mui diversas pessoas, não se acham, de modo algum, tão próximas da verdade quanto os simples raciocínios que um homem de bom senso pode fazer naturalmente com respeito às coisas que se lhe apresentam. E assim ainda, pensei que, como todos nós fomos crianças antes de sermos homens, e como nos foi preciso por muito tempo sermos governados por nossos apetites e nossos preceptores, que eram amiúde contrários uns aos outros, e que, nem uns nem outros, nem sempre, talvez nos aconselhassem o melhor, é quase impossível que nossos juízos sejam tão puros ou tão sólidos como seriam, se tivéssemos o uso inteiro de nossa razão desde o nascimento e se não tivéssemos sido guiados senão por ela. [2] É certo que não vemos em parte alguma lançarem‑se por terra todas as casas de uma cidade, com o exclusivo propósito de refazê‑las de outra maneira, e de tornar assim suas ruas mais belas; mas vê‑se na realidade que muitos derrubam as suas para reconstruí‑las, sendo mesmo algumas vezes obrigados a fazê‑lo, quando elas correm o perigo de cair por si próprias, por seus alicerces não se estarem muito firmes. A exemplo disso, persuadi me de que verdadeiramente não seria razoável que um particular intentasse reformar um Estado, mudando‑o em tudo desde os fundamentos e derrubando‑o para reerguê‑lo; nem tampouco reformar o corpo das ciências ou a ordem estabelecida nas escolas para ensiná‑las; mas que, no tocante a todas as opiniões que até então acolhera em meu crédito, o melhor a fazer seria dispor‑me, de uma vez para sempre, a retirar‑lhes essa confiança, a fim de substituí‑las em seguida ou por outras melhores, ou então pelas mesmas, após tê‑las ajustado ao nível da razão. E acreditei firmemente que, por este meio, lograria conduzir minha vida muito melhor do que se a edificasse apenas sobre velhos fundamentos, e me apoiasse tão somente sobre princípios de que me deixara persuadir em minha juventude, sem ter jamais examinado se eram verdadeiros. Pois, embora notasse nesta tarefa diversas dificuldades, não eram, todavia irremediáveis, nem comparáveis às que se encontram na reforma das menores coisas atinentes ao público. Esses grandes corpos são demasiado difíceis de reerguer quando abatidos, ou mesmo de suster quando abalados, e suas quedas não podem deixar de ser muito rudes. Pois, quanto às suas imperfeições, se as têm, como a mera diversidade existente entre eles basta para assegurar que as têm numerosas, o uso sem dúvida as suavizou, e mesmo evitou e corrigiu insensivelmente um grande número às quais não se poderia tão bem remediar por prudência. E, enfim, são quase sempre mais 113 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA suportáveis do que o seria a sua mudança; da mesma forma que os grandes caminhos, que volteiam entre montanhas, se tornam pouco a pouco tão batidos e tão cômodos, à força de serem frequentados, que é bem melhor segui‑los do que tentar ir mais reto, escalando por cima dos rochedos e descendo até o fundo dos precipícios. [3] Eis por que não poderia de forma alguma aprovar esses temperamentos perturbadores e inquietos que, não sendo chamados, nem pelo nascimento, nem pela fortuna, ao manejo dos negócios públicos, não deixam de neles praticar sempre, em ideia, alguma nova reforma. E se eu pensasse haver neste escrito a menor coisa que pudesse tornar‑me suspeito de tal loucura, ficaria muito pesaroso de ter aceito publicá‑lo. Nunca o meu intento foi além de procurar reformar meus próprios pensamentos e construir num terreno que é todo meu. De maneira que, se, tendo minha obra me agradado bastante, eu vos mostro aqui o seu modelo, nem por isso quero aconselhar alguém a imitá‑lo. Aqueles a quem Deus melhor partilhou suas graças alimentarão talvez desígnios mais elevados; mas temo bastante que já este seja ousado demais para muitos. A simples resolução de se desfazer de todas as opiniões a que se deu antes crédito não é um exemplo que cada qual deva seguir; e o mundo compõe‑se quase tão somente de duas espécies de espíritos, aos quais ele não convém de modo algum. A saber, daqueles que, crendo‑se mais hábeis do que são, não podem impedir‑se de precipitar seus juízos, nem ter suficiente paciência para conduzir por ordem todos os seus pensamentos: daí resulta que, se houvessem tomado uma vez a liberdade de duvidar dos princípios que aceitaram e de se apartar do caminho comum, nunca poderiam ater‑se à senda que é preciso tomar para ir mais direito, e permaneceriam extraviadosdurante toda a vida; depois, daqueles que, tendo bastante razão, ou modéstia, para julgar que são menos capazes de distinguir o verdadeiro do falso do que alguns outros, pelos quais podem ser instruídos, devem antes contentar‑se em seguir as opiniões desses outros, do que procurar por si próprios outras melhores. [4] E, quanto a mim, estaria sem dúvida no número destes últimos, se eu tivesse tido um único mestre, ou se nada soubesse das diferenças havidas em todos os tempos entre as opiniões dos mais doutos. Mas, tendo aprendido, desde o Colégio, que nada se poderia imaginar tão estranho e tão pouco crível que algum dos filósofos já não houvesse dito; e depois, ao viajar, tendo reconhecido que todos os que possuem sentimentos muito contrários aos nossos nem por isso são bárbaros ou selvagens, mas que muitos usam, tanto ou mais do que nós, a razão; e, tendo considerado o quanto um mesmo homem, com o seu mesmo espírito, sendo criado desde a infância entre franceses ou alemães, torna‑se diferente do que seria se vivesse sempre entre chineses ou canibais; e como, até nas modas de nossos trajes, a mesma coisa que nos agradou há dez anos, e que talvez nos agrade ainda antes de decorridos outros dez, nos parece agora extravagante e ridícula, de sorte que são bem mais o costume e o exemplo que nos persuadem do que qualquer conhecimento certo e que, não obstante, a pluralidade das vozes não é prova que valha algo para as verdades um pouco difíceis de descobrir, por ser bem mais verossímil que um só homem as tenha encontrado do que todo um povo: eu não podia escolher ninguém cujas opiniões me parecessem dever ser preferidas às de outrem, e achava‑me como compelido a tentar eu próprio conduzir‑me. 114 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III [5] Mas, como um homem que caminha só e nas trevas, resolvi ir tão lentamente, e usar de tanta circunspecção em todas as coisas, que, mesmo se avançasse muito pouco, evitaria pelo menos cair. Não quis de modo algum começar rejeitando inteiramente qualquer das opiniões que porventura se insinuaram outrora em minha confiança, sem que aí fossem introduzidas pela razão, antes de despender bastante tempo em elaborar o projeto da obra que ia empreender, e em procurar o verdadeiro método para chegar ao conhecimento de todas as coisas de que meu espírito fosse capaz. [6] Eu estudara um pouco, sendo mais jovem, entre as partes da Filosofia, a Lógica, e, entre as Matemáticas, a Análise dos geômetras e a Álgebra, três artes ou ciências que pareciam dever contribuir com algo para o meu desígnio. Mas, examinando‑as, notei que, quanto à Lógica, os seus silogismos e a maior parte de seus outros preceitos servem mais para explicar a outrem as coisas já se sabem, ou mesmo, como a arte de Lúlio, para falar, sem julgamento, daquelas que se ignoram, do que para aprendê‑las. E embora ela contenha, com efeito, uma porção de preceitos muito verdadeiros e muito bons, há, todavia, tantos outros misturados de permeio que são ou nocivos, ou supérfluos, que é quase tão difícil separá‑los quanto tirar uma Diana ou uma Minerva de um bloco de mármore que nem sequer está esboçado. Depois, com respeito à Análise dos Antigos e à Álgebra dos modernos, além de se estenderem apenas a matérias muito abstratas, e de não parecerem de nenhum uso, a primeira permanece sempre tão adstrita à consideração das figuras que não pode exercitar o entendimento sem fatigar muito a imaginação; e esteve‑se de tal forma sujeito, na segunda, a certas regras e certas cifras, que se fez dela uma arte confusa e obscura que embaraça o espírito, em lugar de uma ciência que o cultiva. Por esta causa, pensei ser mister procurar algum outro método que, compreendendo as vantagens desses três, fosse isento de seus defeitos. E, como a multidão de leis fornece amiúde escusas aos vícios, de modo que um Estado é bem melhor dirigido quando, tendo embora muito poucas, são estritamente cumpridas; assim, em vez desse grande número de preceitos de que se compõe a Lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes, desde que tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma só vez de observá‑los. [7] O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô‑lo em dúvida. [8] O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê‑las. [9] O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. [10] E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir. 115 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA [11] Essas longas cadeias de razões, todas simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir‑se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, haviam‑me dado ocasião de imaginar que todas as coisas possíveis de cair sob o conhecimento dos homens seguem‑se umas às outras da mesma maneira e que, contanto que nos abstenhamos somente de aceitar por verdadeira qualquer que não o seja, e que guardemos sempre a ordem necessária para deduzi‑las umas das outras, não pode haver quaisquer tão afastadas a que não se chegue por fim, nem tão ocultas que não se descubram. E não me foi muito penoso procurar por quais devia começar, pois já sabia que haveria de ser pelas mais simples e pelas mais fáceis de conhecer; e, considerando que, entre todos os que precedentemente buscaram a verdade nas ciências, só os matemáticos puderam encontrar algumas demonstrações, isto é, algumas razões certas e evidentes, não duvidei de modo algum que não fosse pelas mesmas que eles examinaram; embora não esperasse disso nenhuma outra utilidade, exceto a de que acostumariam o meu espírito a se alimentar de verdades e a não se contentar com falsas razões. Mas não foi meu intuito, para tanto, procurar aprender todas essas ciências particulares que se chamam comumente matemáticas; e, vendo que, embora seus objetos sejam diferentes, não deixam de concordar todas, pelo fato de não conferirem nesses objetos senão as diversas relações ou proporções que neles se encontram, pensei que valia mais examinar somente estas proporções em geral, e supondo‑as apenas nos suportes que servissem para me tornar o seu conhecimento mais fácil; mesmo assim, sem restringi‑las de forma nenhuma a tais suportes, a fim de poder aplicá‑las tão melhor, em seguida, a todos os outros objetos a que conviessem. Depois, tendo notado que, para conhecê‑las, teria algumas vezes necessidade de considerá‑las cada qual em particular, e outras vezes somente de reter, ou de compreender, várias em conjunto, pensei que, para melhor considerá‑las em particular, deveria supô‑las em linhas, porquanto não encontraria nada mais simples, nem que pudesse representar mais distintamente à minha imaginação e aos meus sentidos; mas que, para reter, ou compreender, várias em conjunto, cumpria que eu as designasse por alguns signos, os mais breves possíveis, e que, por esse meio, tomaria de empréstimo o melhor da Análise geométrica e da Álgebra, e corrigiria todos os defeitos de uma pela outra. [12] E como, efetivamente, ouso dizer que a exata observação desses poucos preceitosque eu escolhera me deu tal facilidade de deslindar todas as questões às quais se estendem essas duas ciências que, nos dois ou três meses que empreguei em examiná‑las, tendo começado pelas mais simples e mais gerais, e constituindo cada verdade que eu achava uma regra que me servia em seguida para achar outras, não só consegui resolver muitas que julgava antes muito difíceis, como me pareceu também, perto do fim, que podia determinar, até mesmo naquelas que ignorava, por quais meios e até onde seria possível resolvê‑las. No que não vos parecerei talvez muito vaidoso, se considerardes que, havendo somente uma verdade de cada coisa, todo aquele que a encontrar sabe a seu respeito tanto quanto se pode saber; e que, por exemplo, uma criança instruída na aritmética, que haja realizado uma adição segundo as regras, pode estar certa de ter achado, quanto à soma que examinava, tudo o que o espírito humano poderia achar. Pois, enfim, o método que ensina a seguir a verdadeira ordem e a enumerar exatamente todas as circunstâncias daquilo que se procura contém tudo quanto dá certeza às regras da aritmética. 116 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III [13] Mas, o que me contentava mais nesse método era o fato de que, por ele, estava seguro de usar em tudo minha razão, se não perfeitamente, ao menos o melhor que eu pudesse; além disso, sentia, ao praticá‑lo, que meu espírito se acostumava pouco a pouco a conceber mais nítida e distintamente seus objetos, e que, não o tendo submetido a qualquer matéria particular, prometia a mim mesmo aplicá‑lo tão utilmente às dificuldades das outras ciências como o fizera com as da Álgebra. Não que, para tanto, ousasse empreender primeiramente o exame de todas as que se me apresentassem, pois isso mesmo seria contrário à ordem que ele prescreve. Porém, tendo notado que os seus princípios deviam ser todos tomados à Filosofia, na qual não encontrava ainda quaisquer que fossem certos, pensei que seria mister, antes de tudo, procurar ali estabelecê‑los; e que, sendo isso a coisa mais importante do mundo, e onde a precipitação e a prevenção eram mais de recear, não devia empreender sua realização antes de atingir uma idade bem mais madura do que a dos vinte e três anos que eu então contava e antes de ter despendido muito tempo em preparar me para isso, tanto desenraizando de meu espírito todas as más opiniões que nele acolhera até essa época como acumulando muitas experiências, para servirem em seguida de matéria aos meus raciocínios, e exercitando‑me sempre no método que me prescrevera, a fim de me firmar nele cada vez mais. Fonte: Descartes (1983, p. 34‑41). Observação A dúvida hiperbólica é a chave do método cartesiano que leva ao cogito, isto é, “penso, logo existo”. 8 AS MEDITAÇÕES Nas Meditações, Descartes propõe um itinerário de reflexão que pretende lidar com todas as questões metafísicas que colocam sob suspeita o gênio investigativo do sujeito. Trata‑se de um conjunto de seis meditações acerca da atividade do espírito ou do pensamento e que pretendem esclarecer como ele se porta, ou de como ele deve se portar, no curso de seu desenvolvimento, principalmente mediante o cogito. 8.1 O cogito posto: dúvida radical, dúvida metafísica e existência em Descartes Preocupado com a insuficiência do cogito enquanto método capaz de conceber com clareza as ideias, Descartes propõe uma dúvida hiperbólica, isto é, que questiona a si mesma enquanto pensamento questionador, onde o próprio gênio investigativo revelador da verdade das coisas é colocado sob suspeita. Trata‑se de uma investigação sobre a possibilidade do gênio revelador, que, mediante a dúvida, leva o sujeito a conceber com clareza e distinção as ideias, ser ele mesmo um gênio do mal ou enganador, que estaria disposto a levar o sujeito a um erro extremo por fazê‑lo confiar que a evidência ideal da realidade fosse, de fato, uma ilusão. 117 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA Essa hipótese de um gênio maligno ou malicioso se refere à possibilidade de o sujeito ser levado à firme crença de uma certeza que, por sua vez, não se basearia no valor objetivo que as coisas precisam ter para serem consideradas como conhecimento cientificamente válido. O que o filósofo propõe com a concepção de um gênio maligno como uma entidade racional malévola capaz de induzir o raciocínio ao erro, mediante a subjetivação do valor válido das coisas, é a consideração que o sujeito deve ter, agora não mais em relação ao objeto que conhece, mas em relação ao próprio princípio questionador das ideias, assumindo a possibilidade de questionar o próprio pensamento como uma evidência. Nesse sentido, a dúvida hiperbólica consiste em duvidar do próprio pensamento que questiona e, desse modo, radicalizar o processo de investigação ao ponto de considerar como única certeza a constatação de que, se o sujeito duvidar do que duvida, só o poderá fazê‑lo ao pensar a própria dúvida a respeito da dúvida inicial. Inevitavelmente, o sujeito deverá chegar à conclusão de que a única certeza que pode ter de si mesmo é que ele se constitui como uma coisa pensante, isto é, que o sujeito é um pensamento que pensa a si mesmo mediante o questionamento de sua própria condição ontológica de ser pensante. Isso quer dizer que o exercício do cogito, que é esse questionamento acerca da própria entidade do sujeito, se exerce como atestação fundamental de sua existência e também como constatação de que a existência do sujeito se dá, não na realidade empiricamente cognoscível, no mundo das ideias ou evidências ideais e não no mundo sensorial. O que o filósofo pretende com essa dúvida hiperbólica é afirmar que o sujeito é uma evidência ideal existente e que isto se dá pelo fato do pensamento. A existência do sujeito aparece como prova do pensamento, uma vez que ela surge como dependente deste. O cogito é o caminho racional de encontro de algo substancial do sujeito, que deve aparecer como evidência primeira a fim de que todo o mais que se constituir como evidência ideal seja considerado como válido no plano do conhecimento científico. Assim, a ideia de que o sujeito é uma coisa que pensa, e que pensa a si mesma como coisa pensante, consiste na constatação de que o sujeito existe no mundo como pensamento ou coisa pensante, o que deve propiciar discernimento suficiente entre o que distingue a subjetividade e a objetividade. Afinal, a única certeza subsistente no cogito é a existência de um eu enquanto ser pensante. Na primeira meditação considera‑se a possibilidade de duvidar geralmente de todas as coisas a fim de que seja possível a libertação do pensamento face aos prejuízos do erro e do engano, preparando o caminho do espírito para que ele se desligue dos sentidos e a dúvida diante da evidência se torne inexistente. Já é possível observar que, em razão da pretensão dessa primeira meditação, ele terá um papel fundamental na atividade hiperbólica da dúvida e na constatação daquilo que deverá servir de fundamento seguro para o conhecimento válido da verdade, então considerada como de valor universal. Na segunda meditação, Descartes propõe que o espírito pode supor livremente que todas as coisas não existem se elas permitirem que haja alguma dúvida, por menor que seja, acerca do que elas sejam. Tal constatação serviria para supor que o próprio espírito não exista, já que é possível duvidar dele 118 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III mesmo como princípio seguro de conhecimento das coisas. Aqui, o objetivo de Descartes é limpar o caminho, esvaziar a mente. Nessameditação, o filósofo considera também que a corrupção do corpo não decorre da corrupção da alma, o que significa que a alma subsiste em razão dela mesma, posto ser incorruptível, jamais deixa de ser. Isso porque a alma é substância pura. Já o corpo não é mais o mesmo, porque tem transformadas as partes que lhe dão figuração no mundo, o que ocorre pelo fato do perecimento da matéria que o constitui. Enquanto isso, a alma do indivíduo ou espírito continua naturalmente imortal. Descartes se dedica, na terceira meditação, a provar a existência de Deus, na mesma direção lógica segundo a qual prova a alma como substância pura e imortal. Deus é compreendido pelo filósofo como substância pura, um ser soberano e perfeito, que se encontra no espírito do sujeito como representação perfeita, em diversos graus de concepção, o que somente se justificaria se sua causa fosse absolutamente perfeita. Desse modo, seria impossível conceber a Deus como outra coisa, imperfeita, se não fosse o fato do próprio Deus ser causa de si mesmo, afinal, a causa da perfeição (a ideia de Deus) só pode ser compreendida como causa perfeita de si mesma. Na quarta meditação o filósofo retoma a regra da clareza e distinção para afirmar que é possível provar que as coisas que podem ser concebidas de modo claro e suficientemente distinto somente podem ser consideradas como verdadeiras e que, desse modo, a evidência racional das coisas se dá mediante a atestação da possibilidade de discerni‑las de todas as demais ao ponto de não ser mais necessário qualquer esforço para sua averiguação enquanto verdade, se o julgamento se ocupar com constância do discernimento entre o verdadeiro e o falso e o fizer levando em consideração tudo aquilo que não disser respeito ao que compete à fé ou à conduta moral da vida. Já na quinta meditação, ele retoma a reflexão sobre a prova da existência de Deus para demonstrar sua verdade por outras razões, além de supor que sem Ele seria impossível a constatação das certezas oriundas das demonstrações geométricas. Na sexta meditação e última, Descartes se ocupa da distinção entre a ação do entendimento da ação da imaginação. Mais uma vez, retoma a distinção entre alma e corpo, ainda que estejam estreitamente conjugadas e unidas, de modo a constituir, juntos, uma mesma coisa. É no contexto dessas considerações em que o filósofo expõe os erros possíveis decorrentes da operação dos sentidos, de modo a indicar por qual maneira eles podem ser evitados. Então, apresenta todas as razões que levam a concluir a existência de coisas materiais, ainda que não sejam tão firmes e racionalmente evidentes como aquelas razões que podem levar o sujeito ao conhecimento de Deus e da alma. Para o filósofo, o conhecimento das razões dessas últimas pelo espírito é mais certo e mais evidente. As primeiras duas meditações aparecem no bojo da filosofia reflexiva de Descartes como o passo fundamental para a compreensão do método, do cogito e da evidência racional que permitem o conhecimento das coisas com o valor de validade universal. 119 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA O filósofo começa sua reflexão alertando para a necessidade de o sujeito se livrar dos preconceitos e ilusões decorrentes das experiências sensoriais, pois elas podem ser enganadoras e levar o espírito ao erro de entendimento sobre a realidade do mundo das coisas. É preciso, pois, livrar‑se das falsas opiniões que são tomadas como verdadeiras e considerá‑las como duvidosas e incertas, a fim de estabelecer algum conhecimento que possa ser considerado como firme e constante no âmbito do saber científico. Para tanto, é necessário que o sujeito se reserve a certo universo de isolamento reflexivo onde possa depurar todos os conceitos que foram obtidos ao longo do tempo, de modo a distinguir aqueles que decorrem do próprio entendimento acerca das coisas, daqueles que foram obtidos pelo exercício dos sentidos ou pela construção coletiva e, de certo modo, dogmática, que vem com a tradição sendo construída. Mais uma vez, é importante frisar: Descartes quer alertar para o fato dos sentidos possivelmente falharem durante o seu exercício, produzindo falsas impressões acerca do mundo, e para a possibilidade de um conhecimento tradicionalmente constituído ser o portador de equívocos ou obscuridade no núcleo conceitual daquilo que o define. Então, é preciso que o sujeito destrua, de um modo geral, todas as opiniões que constituem seu saber, e desconsidere todos os sentidos, ainda que o tenha enganado uma única vez, porque o menor motivo para duvidar de uma ideia tem que ser suficientemente considerado para duvidar de todas as demais. Assim, o sujeito pode duvidar do que julga ser seu próprio corpo ou de que as coisas que ele faz sejam realmente o que existe ou que, na verdade, trata‑se de um sonho ou mesmo apenas a imaginação que ele exerce sobre sua possibilidade de ser e agir no mundo. Isso porque as representações que constituem esse sonho, ou a imaginação fantasiosa do mundo ou mesmo o que sentimos dele, devem ser concebidos como meras figurações ou retratações episódicas constituídas a partir de uma impressão momentânea da vida real. Destarte, ainda que o corpo que o sujeito julga ser verdadeiro se constitua como algo real, sempre haverá algo mais simples e mais universal, que será considerado como verdadeiro e existente, dada a capacidade do espírito de conferir certeza ao que se julga conhecer do mundo. No entanto, o que aconteceria se fosse possível tomar esse espírito como um gênio enganador e maldoso, que, de fato, quer apenas induzir o sujeito ao erro e à ilusão? Seria possível obter alguma certeza fundamental que servisse ao sujeito para que construísse um conhecimento seguro e válido das coisas? Afinal de contas, não é possível desconsiderar o primado segundo o qual se há algo que, ainda que minimamente, tenha sido capaz de enganar ou colocar em dúvida o gênio investigador em algum momento do processo de conhecimento, é preciso considerar como possível que volte a fazê‑lo, ainda que de outra forma e maneira, destruindo, desse modo, qualquer garantia de certeza na edificação da verdade das coisas. O que o filósofo aponta nesse momento é para a necessidade de duvidar dos sentidos e das vãs opiniões e considerar como evidente somente a razão que opera a dúvida. Porém, alerta para a necessidade de radicalização do exercício da dúvida mediante o seguinte questionamento: o gênio investigativo é um gênio do bem ou do mal? É benigno ou maligno? Quer levar ao conhecimento da verdade das coisas ou tornar essa busca uma via segura para uma ilusão mais definitiva e inescapável? 120 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III Enfim, haverá um gênio maligno que, com ardil e engenho, pretenda enganar o sujeito, induzindo‑o a um erro mais profundo no processo de conhecimento, em que o pensamento seja ele mesmo tomado como uma obra falsa fundada em bases improváveis? O sujeito pode supor, então, que todas as coisas sejam falsas, que todas as memórias, sentidos e emoções nunca existiram, e que o próprio pensamento em exercício seja ele mesmo algo falso, que jamais existiu? A constatação racional da proposição que afirma que o sujeito é porque existe (“eu sou, eu existo”) será, segundo Descartes, necessariamente verdadeira a cada vez que puder ser enunciada ou concebida no espírito. Isso porque ela mesma, ainda que tomada enquanto dúvida fundamental e hiperbólica acerca do sujeito que pensa ou do eu, se constitui como evidência suficiente do próprio espírito enquanto pensamento. É o pensamento pensando a si mesmo, ainda que enquanto uma investigação quanto a sua própria possibilidadede ser no mundo. Nessa direção, o sujeito, que antes se pensava como um corpo ou algo provido de alguma figura historicamente sensível, agora se concebe como uma coisa que pensa. E essa coisa pensante, que pensa a si mesma enquanto coisa que pensa, é a evidência racional fundamental – e a certeza – sobre a qual poderá ser edificada com segurança todo e qualquer conhecimento das coisas, com pretensão de validade universal. Quando o sujeito considera a possibilidade de um gênio maligno ou de um deus enganador como causa primeira de todo o conhecimento que julga ter acerca das coisas, ele o faz na certeza de que já se afastou de todo o mais de corpóreo ou aparente que possa existir em relação às coisas. Para o filósofo, a alma tem determinados atributos que devem ser considerados nesse processo, a fim de distinguir o que for ilusório e o que for racionalmente evidente. Não é da definição do sujeito certos hábitos, como caminhar ou comer, uma vez que, para tanto, é necessária a existência de um corpo e sua constatação não pode ser afirmada, a não ser pelos sentidos enganadores. Do mesmo modo, também não é da definição do sujeito o ato de sentir, uma vez que, para tanto, também é necessário o corpo, que, pelos mesmos motivos anteriores, deve ser desconsiderado como base sólida para algum conhecimento confiável. Porém, há outro atributo que dispensa o corpo para ter atestada a sua existência, que é o pensamento. Para pensar, o corpo é dispensável, pode ser pensado sem ele. Afinal, por todo tempo em que o sujeito pensa, ele é; é uma coisa que pensa, é um entendimento, é uma razão, é um espírito. Mas o que é uma coisa que pensa? Segundo Descartes, uma coisa que pensa é uma coisa que duvida, concebe, afirma e nega. Também é uma coisa que quer, imagina e sente. Quer dizer, o sujeito é o mesmo que pensa e sente. Pensa o próprio pensamento que pensa, ao mesmo tempo em que sente as coisas pelos órgãos dos sentidos. Portanto, o sujeito é fundamentalmente, e com a certeza que somente a razão é capaz de atestar, uma evidência racional que constata a si mesmo como princípio capaz de sustentar toda a edificação do intelecto como uma obra de conhecimento alicerçada no que há de mais claro, distinto e provável no mundo: as ideias. 121 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA Observação O gênio maligno é uma metáfora que Descartes usou para ilustrar o processo de radicalização da dúvida. 8.2 Meditação primeira e Meditação segunda Agora você deve fazer a leitura de outro importante texto de Descartes, “Meditação primeira”. Imagine o filósofo em seu quarto à noite, à luz de velas, vestido com seu robe, refletindo e escrevendo sobre as suas reflexões. Aproveite esse momento para relembrar o que foi estudado anteriormente. Meditação primeira Das coisas que se podem colocar em dúvida 1. Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal asseguradas não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer‑me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências. Mas, parecendo‑me ser muito grande essa empresa, aguardei atingir uma idade que fosse tão madura que não pudesse esperar outra após ela, na qual eu estivesse mais apto para executá‑la; o que me fez diferi‑Ia por tão longo tempo que doravante acreditaria cometer uma falta se empregasse ainda em deliberar o tempo que me resta para agir. 2. Agora, pois, que meu espírito está livre de todos os cuidados, e que consegui um repouso assegurado numa pacífica solidão, aplicar‑me‑ei seriamente e com liberdade em destruir em geral todas as minhas antigas opiniões. Ora, não será necessário, para alcançar esse desígnio, provar que todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo; mas, uma vez que a razão já me persuade de que não devo menos cuidadosamente impedir‑me de dar crédito às coisas que não são inteiramente certas e indubitáveis, do que às que nos parecem manifestamente ser falsas, o menor motivo de dúvida que eu nelas encontrar bastará para me levar a rejeitar todas. E, para isso, não é necessário que examine cada uma em particular, o que seria um trabalho infinito; mas, visto que a ruína dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto do edifício, dedicar‑me‑ei inicialmente aos princípios sobre os quais todas as minhas antigas opiniões estavam apoiadas. 3. Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi‑o dos sentidos, sou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez. 122 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III 4. Mas, ainda que os sentidos nos enganem às vezes, no que se refere às coisas pouco sensíveis e muito distantes, encontramos talvez muitas outras, das quais não se pode razoavelmente duvidar, embora as conhecêssemos por intermédio deles: por exemplo, que eu esteja aqui, sentado junto ao fogo, vestido comum chambre, tendo este papel entre as mãos e outras coisas desta natureza. E como poderia eu negar que estas mãos e este corpo sejam meus? A não ser, talvez, que eu me compare e esses insensatos, cujo cérebro está de tal modo perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile que constantemente asseguram que são reis quando são muito pobres; que estão vestidos de ouro e de púrpura quando estão inteiramente nus; ou imaginam ser cântaros ou ter um corpo de vidro. Mas quê? São loucos e eu não seria menos extravagante se me guiasse por seus exemplos. 5. Todavia, devo aqui considerar que sou homem e, por conseguinte, que tenho o costume de dormir e de representar, em meus sonhos, as mesmas coisas, ou algumas vezes menos verossímeis, que esses insensatos em vigília. Quantas vezes ocorreu‑me sonhar, durante a noite, que estava neste lugar, que estava vestido, que estava junto ao fogo, embora estivesse inteiramente nu dentro de meu leito? Parece‑me agora que não é com olhos adormecidos que contemplo este papel; que esta cabeça que eu mexo não está dormente; que é com desígnio e propósito deliberado que estendo esta mão e que a sinto: o que ocorre no sono não parece ser tão claro nem tão distinto quanto tudo isso. Mas, pensando cuidadosamente nisso, lembro‑me de ter sido muitas vezes enganado, quando dormia, por semelhantes ilusões. E, detendo‑me neste pensamento, vejo tão manifestamente que não há quaisquer indícios concludentes, nem marcas assaz certas por onde se possa distinguir nitidamente a vigília do sono, que me sinto inteiramente pasmado: e meu pasmo é tal que é quase capaz de me persuadir de que estou dormindo. 6. Suponhamos, pois, agora, que estamos adormecidos e que todas essas particularidades, a saber, que abrimos os olhos que mexemos a cabeça, que estendemos as mãos, e coisas semelhantes, não passam de falsas ilusões; e pensemos que talvez nossas mãos, assim como todo o nosso corpo, não são tais como os vemos. Todavia, é preciso ao menos confessar que as coisas que nos são representadas durante o sono são como quadros e pinturas, que não podem ser formados senão à semelhança de algo real e verdadeiro; e que assim, pelo menos, essas coisas gerais, a saber, olhos, cabeça, mãos e todo o resto do corpo, não são coisas imaginárias, mas verdadeiras e existentes. Pois, na verdade, os pintores, mesmo quando se empenham com o maior artifício em representar sereias e sátiros por formasestranhas e extraordinárias, não lhes podem, todavia, atribuir formas e naturezas inteiramente novas, mas apenas fazem certa mistura e composição dos membros de diversos animais; ou então, se porventura sua imaginação for assaz extravagante para inventar algo de tão novo, que jamais tenhamos visto coisa semelhante e que assim sua obra nos represente uma coisa puramente fictícia e absolutamente falsa, certamente ao menos as cores com que eles a compõem devem ser verdadeiras. 7. E pela mesma razão, ainda que essas coisas gerais, a saber, olhos, cabeça, mãos e outras semelhantes, possam ser imaginárias, é preciso, todavia, confessar que há coisas ainda mais simples e mais universais, que são verdadeiras e existentes; de cuja mistura, nem mais nem 123 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA menos do que da mistura de algumas cores verdadeiras, são formadas todas essas imagens das coisas que residem em nesse pensamento, quer verdadeiras e reais, quer fictícias e fantásticas. Desse gênero de coisas é a natureza corpórea em geral, e sua extensão; juntamente com a figura das coisas extensas, sua quantidade, ou grandeza, e seu número; como também o lugar em que estão, o tempo que mede sua duração e outras coisas semelhantes. 8. Eis por que, talvez, daí nós não concluamos mal se dissermos que a Física, a Astronomia, a Medicina e todas as outras ciências dependentes da consideração das coisas compostas são muito duvidosas e incertas; mas que a Aritmética, a Geometria e as outras ciências desta natureza, que não tratam senão de coisas muito simples e muito gerais, sem cuidarem muito em se elas existem ou não na natureza, contêm alguma coisa de certo e indubitável. Pois, quer eu esteja acordado, quer esteja dormindo, dois mais três formarão sempre o número cinco e o quadrado nunca terá mais do que quatro lados; e não parece possível que verdades tão patentes possam ser suspeitas de alguma falsidade ou incerteza. 9. Todavia, há muito que tenho no meu espírito certa opinião de que há um Deus que tudo pode e por quem fui criado e produzido tal como sou. Ora, quem me poderá assegurar que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar e que, não obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo isso não me pareça existir de maneira diferente daquela que eu vejo? E, mesmo, como julgo que algumas vezes os outros se enganam até nas coisas que eles acreditam saber com maior certeza, pode ocorrer que Deus tenha desejado que eu me engane todas as vezes em que faço a adição de dois mais três, ou em que enumero os lados de um quadrado, ou em que julgo alguma coisa ainda mais fácil, se é que se pode imaginar algo mais fácil do que isso. Mas pode ser que Deus não tenha querido que eu seja decepcionado desta maneira, pois ele é considerado soberanamente bom. Todavia, se repugnasse à sua bondade fazer‑me de tal modo que eu me enganasse sempre, pareceria também ser‑lhe contrário permitir que eu me engane algumas vezes e, no entanto, não posso duvidar de que ele mo permita. [...] 12. Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda a sua indústria em enganar‑me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender minha credulidade. Considerar‑me‑ei a mim mesmo absolutamente desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas dotado da falsa crença de ter todas essas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e se, por esse meio, não está em meu poder chegar ao conhecimento de qualquer verdade, ao menos está ao meu alcance suspender meu juízo. Eis por que cuidarei zelosamente de não receber em minha crença nenhuma falsidade e prepararei tão bem meu espírito a todos os ardis desse grande enganador que, por poderoso e ardiloso que seja, nunca poderá impor‑me algo. 124 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III Meditação Segunda Da natureza do espírito humano; e de como ele é mais fácil de conhecer do que o corpo 1. A Meditação que fiz ontem encheu‑me o espírito de tantas dúvidas, que doravante não está mais em meu alcance esquecê‑las. E, no entanto, não vejo de que maneira poderia resolvê‑las; e, como se de súbito tivesse caído em águas muito profundas, estou de tal modo surpreso que não posso nem firmar meus pés no fundo, nem nadar para me manter à tona. Esforçar‑me‑ei, não obstante, e seguirei novamente a mesma via que trilhei ontem, afastando‑me de tudo em que poderia imaginar a menor dúvida, da mesma maneira como se eu soubesse que isto fosse absolutamente falso; e continuarei sempre nesse caminho até que tenha encontrado algo de certo, ou, pelo menos, se outra coisa não me for possível, até que tenha aprendido certamente que não há nada no mundo de certo. 2. Arquimedes, para tirar o globo terrestre de seu lugar e transportá‑lo para outra parte, não pedia nada mais exceto um ponto que fosse fixo e seguro. Assim, terei o direito de conceber altas esperanças, se for bastante feliz para encontrar somente uma coisa que seja certa e indubitável. 3. Suponho, portanto, que todas as coisas que vejo são falsas; persuado‑me de que jamais existiu de tudo quanto minha memória referta de mentiras me representa; penso não possuir nenhum sentido; creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar são apenas ficções de meu espírito. O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa a não ser que nada há no mundo de certo. 4. Mas que sei eu, se não há nenhuma outra coisa diferente das que acabo de julgar incertas, da qual não se possa ter a menor dúvida? Não haverá algum Deus, ou alguma outra potência, que me ponha no espírito tais pensamentos? Isso não é necessário; pois talvez seja eu capaz de produzi‑los por mim mesmo. Eu então, pelo menos, não serei alguma coisa? Mas já neguei que tivesse qualquer sentido ou qualquer corpo. Hesito, no entanto, pois que se segue daí? Serei de tal modo dependente do corpo e dos sentidos que não possa existir sem eles? Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns: não me persuadi também, portanto, de que eu não existia? Certamente não, eu existia sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganar‑me sempre. Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito. [...] 125 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA 9. Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa. Que é uma coisa que pensa? É uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também e que sente. Certamente não é pouco se todas essas coisas pertencem à minha natureza. Mas por que não lhe pertenceriam? Não sou eu próprio esse mesmo que duvidade quase tudo, que, no entanto, entende e concebe certas coisas, que assegura e afirma que somente tais coisas são verdadeiras, que nega todas as demais, que quer e deseja conhecê‑las mais, que não quer ser enganado, que imagina muitas coisas, mesmo malgrado seu, e que sente também muitas como que por intermédio dos órgãos do corpo? Haverá algo em tudo isso que não seja tão verdadeiro quanto é certo que sou e que existo, mesmo se dormisse sempre e ainda quando aquele que me deu a existência se servisse de todas as suas forças para enganar‑me? Haverá, também, algum desses atributos que possa ser distinguido de meu pensamento, ou que se possa dizer que existe separado de mim mesmo? Pois é por si tão e, dente que sou eu quem duvida, que entende e quem deseja que não é necessário nada acrescentar aqui para explicá‑lo. E tenho também certamente poder de imaginar; pois, ainda que possa ocorrer (como supus anteriormente) que as coisas que imagino não sejam verdadeiras, este poder de imanar não deixa, no entanto, de existir realmente em mim e faz parte do meu pensamento. Enfim, sou o mesmo que sente, isto é, que recebe e conhece; coisas como que pelos órgãos dos se tidos, posto que, com efeito, vejo a luz, ouço o ruído, sinto o calor. Mas dir‑me‑ão que essas aparências são falsas, e que eu durmo. Que assim seja; todavia, ao menos, é muito certo que me parece que vejo, que ouço e que me aqueço; e é propriamente aquilo que em mim se chama sentir e isto, tomado assim precisamente, nada é senão pensar. Donde começo a conhecer o que sou, com um pouco mais de luz e de distinção do que anteriormente. Fonte: Descartes (1983, p. 85‑98). Saiba mais As Meditações de Descartes estão entre os textos mais importantes da Filosofia. Para entender melhor a função da dúvida leia o texto: WILLIGES, F. A função das dúvidas céticas nas meditações de Descartes. doispontos, Curitiba, São Carlos, v. 4, n. 2, p. 103‑118, out. 2007. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/doispontos/article/view/8181/8126>. Acesso em: 3 jul. 2017. 8.3 O cogito de Descartes no Ensino Básico Desde o seu surgimento na Grécia Antiga, a Filosofia traz como modus operandi, isto é, sua maneira de operar no mundo, o questionamento. Os primeiros filósofos, Tales, Anaximandro e Anaxímenes, indagavam sobre a origem de todas as coisas. Olhavam para o seu entorno e perguntavam de onde vinham as plantas, os animais, os rios, o 126 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 Unidade III céu. As respostas para a pergunta “de onde vêm todas as coisas existentes?” foram variadas: a água, o fogo, o ar. Entretanto, há algo em comum entre todos: perguntar, indagar, questionar. Assim, a Filosofia é a arte de questionar. Mas questionar o quê? O questionamento filosófico se dirige a qualquer realidade. A realidade material e imaterial. Podemos questionar sobre o que existe e sobre o que não existe. Podemos questionar até sobre o ato de questionar. E foi o que Descartes fez: questionou o próprio ato de questionar, questionou a certeza, questionou a dúvida. A diferença entre os filósofos pré‑socráticos e Descartes é que os primeiros perguntavam sobre a natureza, sobre a realidade física que os cercava e o segundo perguntava sobre aquele que olha para a natureza e faz a pergunta. Para Descartes, o foco é o sujeito que faz a pergunta e não o objeto que é perguntado. Nesse sentido, o questionamento cartesiano se dirige ao próprio pensamento. Primeiro ele duvida e depois pergunta. A atividade do espírito questionador é própria do filósofo e daquele que ensina Filosofia. A Filosofia não se aprende somente por leitura, memorização e entendimento. Essas ações são fundamentais para o aprendizado filosófico, mas não são suficientes. É preciso questionar a realidade em torno para desenvolver a capacidade de filosofar. O professor de Filosofia deve instigar seus alunos a olharem para a sua realidade próxima e questionar essa realidade. O aluno deve ser levado a perguntar: Como as coisas são? Por que elas são como são? Elas poderiam ser diferentes? Sobre o que irão perguntar não é tão importante quanto o próprio ato de questionar. Podem questionar a sociedade, a comunidade, seus hábitos, suas normas. Podem questionar a si mesmos, a mídia, a cultura, a religião. Não importa. O que realmente importa é questionar, pois é o questionamento que desenvolve o espirito crítico tão essencial ao filósofo. Ensinar Filosofia é ensinar a filosofar. Filosofar é a arte de problematizar a realidade. Para tanto, é necessário não aceitar de imediato o que nos é dito como sendo verdadeiro, sem antes questionar isso que nos foi dito, perguntando se é verdadeiro. O senso crítico é necessário para não sermos ingênuos. Ser ingênuo é aceitar tudo que nos é dado como sendo certo, correto e verdadeiro. A ingenuidade deve ser superada por meio do espírito crítico. Ser crítico não é falar mal, ser destrutivo. Ser crítico é questionar, indagar. A crítica tem duas faces: uma de negação e outra de afirmação. O aspecto de negação da crítica ocorre quando negamos o que nos é colocado como sendo uma verdade absoluta. O aspecto afirmativo da crítica ocorre quando indagamos que as coisas realmente são. Assim, a crítica destrói apenas a falsidade, o erro e o engano. A crítica construtiva é aquela que, após a destruição do engano, constrói verdades fundadas na investigação filosófica da realidade, como fez Descartes. O professor de Filosofia deve, em certo sentido, inspirar‑se em Descartes e conduzir seu aluno pelo caminho da dúvida, do questionamento da realidade circundante. Mas depois deve acompanhá‑lo pela via da reconstrução da verdade, sem abandoná‑lo no meio do processo. Pois o questionamento que não encontra respostas, mesmo que provisórias, pode levar ao ceticismo. E o ceticismo é como um remédio, 127 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 07 /1 7 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA deve ser dado na hora certa e na quantidade correta. Excesso de remédio pode envenenar o corpo, assim como excesso de perguntas sem respostas podem envenenar a alma. O professor de Filosofia deve ser, como no exemplo socrático, um indivíduo que faz perguntas. As perguntas fundamentais da Filosofia são: o que, o como e o porquê. Perguntar o que é uma coisa é perguntar sobre a sua essência, sua natureza, sua substância. Perguntar como é essa coisa é perguntar pelas suas qualidades, suas propriedades. E perguntar o porquê é perguntar pela sua origem, sua razão e sua causa. Podemos perguntar também pelo onde e pelo quando. A pergunta pelo onde a coisa está é perguntar pelo espaço, pelo lugar. Perguntar pelo quando a coisa acontece, é perguntar pelo tempo. Nesse sentido, posso perguntar: O que sou? Como sou? Por que sou? Onde sou? Por que sou? As respostas a essas perguntas são diversas e dependem de quem as irá responder. Entretanto, elas já apontam para uma postura filosófica frente a mim mesmo, que me coloca como objeto da indagação. Podemos perguntar sobre a essência, a qualidade e a origem de qualquer coisa no mundo e fora dele. Assim, todo professor de filosofia deve conhecer o caminho da dúvida e da indagação. E um dos filósofos que percorreu o caminho da dúvida de forma radical, indo até as últimas consequências, foi Descartes. Saiba mais Leia o artigo de Almeida (2016), que aplica as teses das Meditações ao ensino de Filosofia, com o objetivo de propor uma estrutura que possa servir como prática didática nas aulas de Filosofia do Ensino Básico: ALMEIDA, D. M. Análise da trama de argumentos na obra “Meditações” cartesianas na construção da ideia do “Cogito”: uma proposta para um modelo didático para o ensino de Filosofia. Educar em Revista, Curitiba, Brasil,
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